quinta-feira, 5 de março de 2015

Política Externa Brasileira e Direitos Humanos

no Relações Internacionais

Diego Morlim*

A evolução dos direitos humanos tem início com a Carta da ONU (1945) e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Esses documentos fazem alusão à existência e ao respeito aos direitos humanos, mas não são vinculantes, o que passa a ocorrer somente a partir dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos, de 1966. Importante ter em mente que o Brasil só assinaria os Pactos na década de 1990, após a redemocratização, quando o país salda suas hipotecas com a comunidade internacional.
A principal Conferência internacional sobre os direitos humanos durante a Guerra Fria ocorreu em 1968, em Teerã. Naquele período, o Brasil era governado por regime de exceção, e a política externa brasileira (PEB) sobre direitos humanos era tímida. O Brasil adotava uma postura defensiva a respeito do tema em âmbito internacional e os direitos humanos eram negligenciados internamente, devido às questões de política interna. Essa timidez da PEB em relação aos direitos humanos refletiu-se na participação discreta do país na Conferência de Teerã, que logrou pouco êxito ao reconhecer o relativismo cultural como entrave ao respeito dos direitos humanos.
No final dos anos 1970, o Brasil passou a ser mais amplamente criticado pelas violações de direitos humanos ocorridos no país. Isso resultou em inspeção da Comissão de Direitos Humanos sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, em procedimento confidencial. Paralelamente, o Brasil, em 1978, passou a participar na Comissão. Desde então, o Brasil participa quase ininterruptamente dessa importante estrutura da ONU, cujo tema principal é a promoção e o respeito dos direitos humanos. A postura do Brasil a respeito do tema se mantém com a reforma do órgão, substituído pelo Conselho de Direitos Humanos, a partir de 2006. Antes da redemocratização, o Brasil atuava com postura defensiva, e depois passou a atuar propositivamente, tornando-se um importante ator no que diz respeito à evolução das normas internacionais sobre os direitos humanos, o que é verificado na Constituição da Republica, de 1988, que atribui caráter constitucional à defesa dos direitos humanos, e em 1993, na Conferência de Viena.
Nos anos 1990, a atuação brasileira em relação aos direitos humanos continuou progredindo. Em 1993, ocorreu a Conferência de Viena, segunda principal Conferência sobre o tema, e a participação do Brasil teve destaque. Nessa Conferência consolidou-se os princípios que consubstanciam a defesa dos direitos humanos no sistema internacional: a universalidade, a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos. Nesse sentido, houve consenso positivo para que os direitos humanos figurassem como interesse global, e para que particularidades internas de cada Estado não justificassem eventuais desrespeitos dos direitos humanos. Adiplomacia brasileira foi importante para a construção do consenso a respeito do tema. Importante ter em mente, como exemplo, a eleição do Embaixador Gilberto Saboia para a presidência da comissão de redação da Conferência. A década de 1990 foi considerada a década das Conferências, com Conferências sucessivas sobre temas específicos relacionados aos direitos humanos, como sobre mulheres e sobre habitação, e o Brasil teve participação de destaque em todas elas.
Ainda, na década de 1990, alem de reformar sua postura em relação aos debates multilaterais sobre os direitos humanos, o Brasil passa a se comprometer com todas as Comissões internacionais para a proteção dos direitos humanos, tendo assinado e ratificado todos os tratados sobre o tema, exceto aquele sobre trabalhadores migrantes. Alem disso, o Brasil se enquadra no sistema interamericano de proteção aos direitos humanos ao assinar e ratificar o Pacto de San Jose (Convenção Americana de Direitos Humanos). Nos anos 2000, o Brasil ratifica o Estatuto de Roma, o que submete o Brasil a jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
Em âmbito interno, desde 1997, existe Secretaria vinculada a Presidência da Republica em relação aos direitos humanos. Essa secretaria foi reforçada nos anos 2000 e hoje é a principal responsável pela política brasileira sobre os direitos humanos. A Secretaria de Direitos Humanos faz parte da evolução de uma política de Estado sobre os direitos humanos, o que revela a continuidade da política interna e da PEB a respeito do tema. Também existe, no Brasil, Secretaria para o direito das mulheres e sobre a igualdade racial, ambas ligadas a Presidência. Em 2009 foi firmado o Plano Nacional de Direitos Humanos, após ampla pesquisa e participação popular, que envolveu estados, municípios e ONGs, alem de ter considerado os pontos de ajustes identificados pela primeira verificação do mecanismo de revisão universal do Conselho de Direitos Humanos, mecanismo de verificação da situação dos direitos humanos em todos os países membros da ONU, a cada 4 anos.
Em 2006 a Comissão de Direitos Humanos foi substituída pelo Conselho de Direitos Humanos. O Brasil defendeu essa mudança, uma vez que ela promove mais força para a atuação do Conselho reformado. Alem disso, o Brasil defendeu a implementação do mecanismo de revisão periódica universal, em que todos os membros da ONU devem submeter relatórios sobre seus direitos humanos para serem verificados pelo Conselho de Direitos Humanos de 4 em 4 anos. O Brasil submeteu-se ao mecanismo de revisão periódica universal em 2008, e em 2012 submeter-se-á novamente. O relatório elaborado pelo Brasil, em 2008, foi positivo, com alguns desafios e recomendações apontados e endossados pelo governo brasileiro. O Conselho foi uma evolução da Comissão: tem menos membros, nível político diplomático mais elevado ao se subordinar a Assembleia Geral da ONU e não ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC), assim como assegura possibilidades de sessões extraordinárias durante o ano.
Existem ainda relatores especiais ligados ao Alto Comissariado da ONU para os direitos humanos. Esses relatores são indivíduos, especialistas, que podem fazer análise temática (sobre um tema especifico) ou geográfica (sobre países específicos). O Brasil, desde 2001, mantém convite permanente (standing invitation) para que relatores retornem ao Brasil quando acharem necessário. Há dois relatores temáticos e um relator geográfico de nacionalidade brasileira trabalhando para o Conselho de Direitos Humanos. O relator especial para a Síria é um brasileiro.
Em âmbito regional, o Brasil ratificou o Pacto de San Jose, em 1992. Em 1998, reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos e passou a ser julgado por suas ações que contrariem os direitos humanos estabelecidos pela Convenção Americana. O Brasil já foi julgado em vários casos, foi condenado em alguns deles, e respeitou as decisões da Corte. Além disso, a partir dos anos 2000, os direitos humanos passaram a ter importância também para o MERCOSUL, cujos Estados membros assumiram compromisso sobre o respeito aos direitos humanos, por intermédio do Protocolo de Assunção. Há reuniões semestrais no bojo do MERCOSUL sobre o tema. A iniciativa de ação global contra a fome e a pobreza encontra-se no âmbito do financiamento ao desenvolvimento, logo, da defesa dos direitos humanos. Nesse sentido, Jose Graciano, um dos formuladores do programa “Fome Zero”, foi eleito como Secretario Geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
A PEB sobre direitos humanos é continua. O tema é importante para o governo Dilma Rousseff, cujas posições tem sido mais destacadas pela imprensa, o que não significa que haja ruptura com relação ao governo anterior. A diplomacia brasileira sob o Ministro Antonio Patriota, no entanto, parece ser mais incisiva que sob Celso Amorim quanto às condenações de Estados violadores dos direitos humanos. Amorim expressava que “em matérias de direitos humanos, a cooperação precisa prevalecer sobre a condenação”, o que permanece verdadeiro no novo governo, pois o Brasil considera que a simples condenação de um Estado violador dos direitos humanos pode não ser construtivo, mas contraproducente, e que a cooperação e o convencimento para que países violadores respeitem os direitos humanos é mais importante que a condenação punitiva.
É importante ter em mente a posição do Brasil para tentar reformular a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em 2008, o Brasil liderou o processo para a criação de metas voluntarias para a promoção dos direitos humanos. A Declaração Universal cria princípios, e, desde 2008, existem 10 metas voluntarias para a promoção dos direitos humanos, análogo ao que ocorre com os 10 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. As metas devem ser seguidas ate 2018, proposta brasileira aprovada por consenso. 
Referencias
AMORIM, Celso. O Brasil e os direitos humanos – em busca de uma agenda positiva. In: Revista Política Externa, vol.18, no.2, set-out-nov 2009.
PATRIOTA, Antonio. Direitos humanos e ação diplomática. In: Folha de S. Paulo, 01/09/2011. Disponível em:http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/ministro-estado-relacoes-exteriores/direitos-humanos-e-acao-diplomatica-folha-de-s.paulo-01-09-2011. Acesso em 2/8/2012.
GIOVANNETTI, Andrea. 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Conquistas do Brasil. FUNAG, 2009.
BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos. Disponível em: www.direitoshumanos.gov.br. Acesso em 2/8/2012.
Diego Morlim

Sobre Diego Morlim

Mestrando no programa de Pós-Graduação stricto sensu em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Possui graduação em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2007). Atualmente, pesquisa a política externa de segurança do Império do Brasil.

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