Por Rui Abreu
1 - O gigante com pés de petróleo
Em 1870, em Cleveland, Ohio, era
formada a mais importante e poderosa empresa do mundo na viragem do século.
John D. Rockefeller registou a Standard Oil Company após adquirir das mais
diversas formas (muitas ilegais) quase todas as empresas de exploração e
distribuição de petróleo e gás do ainda jovem país, os Estados Unidos da
América. Com um domínio de cerca de 90% da produção e distribuição de petróleo,
gás e seus derivados, a Standard Oil posicionava-se ao lado de outros titãs
energéticos mundiais. A par do consórcio anglo persa que operava no Irão e hoje
subsiste como BP e do consórcio franco neerlandês que explorava no Mar Cáspio e
em solo birmanês (atual Myanmar) e que conhecemos como Shell, marcaram todo o
desenvolvimento industrial e comercial do mundo.
O início do século vinte brindava
Rockefeller com a distinção do primeiro bilionário da história. Famílias como
Nobel, Rothschild, Família Real Holandesa e Família Real Inglesa acompanhavam o
bilionário nessa ascensão de riqueza e poder global, em torno dos recursos que
estariam no centro de toda a geopolítica do século vinte. Ocupações foram
feitas, acordos assinados, guerras começadas por causa desses recursos e
guerras ganhas por quem os detinha. O mapamundo foi redesenhado de acordo com
esses conflitos, refletindo as riquezas geoestacionárias presentes no subsolo e
o domínio das potências sobre elas. ISRAEL É PARTO DESSA DISPUTA GLOBAL.
Os impérios, em rota de colisão,
fervilhavam internamente com os movimentos operários a surgirem, questionando a
ordem do brutal capitalismo nascida na revolução industrial e que dariam origem
a partidos socialistas e comunistas, organizando assim a luta de classes. Os
E.U.A. saíram quase intocados dos dois conflitos mundiais que as potências
tinham deflagrado, não sofrendo em seu território batalhas ou bombardeamentos
(com a exceção do episódio de Pearl Harbor1). Os combustíveis
fósseis tiveram um papel fundamental na motivação desses conflitos e também na
sua resolução. Não foi um acaso que E.U.A. e U.R.S.S., que detinham em seus
territórios vastas reservas e fortes indústrias de exploração, refinação e
distribuição de petróleo e gás, foram os grandes vencedores da segunda Grande
Guerra e se estabeleceram como os polos políticos, económicos e militares do
mundo.
No pós Segunda Grande Guerra emergem
assim duas superpotências detentoras de poderosas indústrias de petróleo e gás,
as quais não foram alheias à vitória no maior conflito armado da história e na
afirmação de seu poder no mundo. Médio Oriente, África e América do Sul
tornavam-se nas décadas seguintes palco de disputa entre o bloco capitalista e
o bloco socialista a cada nova descoberta de jazidas petrolíferas e cada novo
campo de gás. De regimes antagónicos, as superpotências e seus blocos
alimentaram suas economias com a mesma matriz fóssil, contribuindo
decisivamente para a emissão desmesurada de gases de efeito estufa que tanto
contribuíram para as alterações climáticas. Estas vieram para ficar e, como
sabido há décadas, para determinar nossos futuros.
Os E.U.A. haveriam de suplantar seu
rival na disputa pela hegemonia global e impor o seu modelo de produção ao
mundo. A formidável máquina de guerra estadounidense garantia presença
permanente das corporações norte americanas nos países detentores de petróleo e
gás. As invasões do Iraque de 1990 e
2003 promovidas pela família presidencial Bush são prova da dependência
imperialista dos recursos energéticos fosseis. Também o apoio incondicional ao
regime sionista israelita ao nível do genocídio faz parte do modelo de domínio
do Médio Oriente, região historicamente com as maiores reservas de
hidrocarbonetos.
O império procura controlar a
exploração, a refinação (objeto maior no domínio do circuito económico do
petróleo, sendo a fase onde o produto recebe maior valor acrescentado e que
estabelece o preço a que circulará comercialmente o barril) e a distribuição. É
nessa procura que se enquadram as sanções de 2018 feitas por Trump à Venezuela
após os acordos de cooperação assinados entre o governo Maduro e o governo
Chinês que previam investimento na capacidade de refinação venezuelana. Além de
tentar impedir que a economia chinesa desembarque na América Latina e acesse
mais às suas riquezas, os E.U.A. lutam para manter o primeiro lugar do ranking
de países com maior capacidade de refino no mundo (cerca de 18 milhões de
barris/dia), garantindo deliberação sobre os preços globais.
Os Estados Unidos são o maior
produtor do mundo de petróleo, com cerca de 19% da produção mundial, o maior
refinador com cerca de 18% do refino global e o maior consumidor com cerca de 20% do consumo mundial2.
2 – Riqueza para uns,
problema para todos
Despertos pela ciência para o novo e
determinante problema das alterações climáticas, governos do mundo inteiro
assinam acordos e prometem fazer a transição energética, sempre quando a
economia permitir, sempre quando o lucro deixar. Uma visão liderada pelo
império norte americano de exploração até ao fim (não do planeta e nem sequer
dos recursos, mas sim da habitabilidade) tomou conta do mundo, criando um
caminho de extinção em massa cada vez menos evitável.
Desde a assinatura em 1997 do
protocolo de Kyoto, Japão, que os países mais industrializados criaram metas de
redução de emissão de gases de efeito estufa. As modestas metas de redução
variavam entre 6% e 8% para países como Japão, E.U.A., Reino Unido e Bélgica
enquanto outros países ainda tinham margem para aumentar a emissão em 10% como
a Islândia e 8% como a Austrália. Os então chamados países em vias de
desenvolvimento como o Brasil, China e Índia não tinham metas determinadas,
cabendo a cada governo estabelecer medidas de controlo do problema. Passadas
quase três décadas e muitos acordos depois, e todas as metas não cumpridas, o
planeta bate recordes de temperatura pelo 14º mês consecutivo e a realidade
climática excede todos os modelos matemáticos criados.
O acordo de Paris de 2015
estabeleceu metas mais ambiciosas mas ainda desajustadas com a realidade. A
promessa de redução de 50% das emissões até 2030 tinha um pecado original: os
50% eram relativos às emissões de 1990 que eram significativamente menores às
emissões à data do acordo. Mesmo assim, ninguém chegará perto de cumprir as
metas definidas em 2015, metas essas muito insuficientes perante a realidade
climática atual e a avaliação da ciência.
O tão temido aumento da temperatura
média do planeta de 1,5º Celsius acima dos níveis pré industriais que sufoca os
oceanos e descongela o permafrost3
que estava previsto para os próximas séculos (ou milénios) está chegando muito
mais cedo e com ele as catástrofes naturais sucedem-se pelo globo inteiro.
Cheias, secas, incêndios e tempestades tornaram-se visitas frequentes do jornal
da noite. Realmente perigosa é a situação do permafrost siberiano que descongela rapidamente e retém calculadas
2 bilhões de toneladas de metano, que entrando em contato com a atmosfera
desequilibraria o clima muito além da extinção humana.
Em 2023 o Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (PNUMA) no seu Relatório (anual) sobre a Lacuna de
Emissões, que identifica a distância entre a previsão de emissões e os
compromissos políticos atuais dos países de redução de emissões, calculando
onde deveriam estar essas emissões para
cumprir a meta de aquecimento inferior ou igual a 1,5º Celcius, alerta que se
não houver medidas mais efetivas o aumento de temperatura será de 2,5º Celsius
a 2,9º Celsius, o que representará a falência biológica do planeta.
A situação não se compagina mais com
a divisão mundial de emissões prevista em Kyoto: reduções até 8%, alguns países
tinham metas de aumento e outros não tinham metas. Como infelizmente os países
pouco industrializados não poderão sustentar seu desenvolvimento económico nos
combustíveis fósseis, será justo serem os últimos países a poderem fazê-lo,
colocando a pressão da descarbonização econômica nas potências mundiais. O G20
é responsável por 80% das emissões globais, destacando-se pela ordem de maiores
emissores a China, E.U.A., U.E. e Índia. Sendo certo que só num mundo edílico
esse plano global seria estabelecido, cabe a cada país descarbonizar a sua
economia o mais rapidamente possível e elevar o tema na agenda política
mundial, responsabilizando e exigindo dos governos dos países com maiores
emissões políticas efetivas de descarbonização.
3 – Transição de esquerda
O capitalismo na sua versão verde
abre novos campos de negócio assentes num velho modelo de exploração.
Procurando manter o modelo de concentração das mega corporações na produção de
energias limpas, são usadas para tal as empresas petrolíferas, transformando-as
em empresas de energia. A concentração da produção de energia em grandes pólos
corporativos tem sido o instrumento de controlo do capital em relação ao acesso
dos povos às fontes energéticas e de domínio geopolítico imperialista. Na
lógica exploratória dos hidrocarbonetos é mais assimilável que haja grandes
pólos produtivos atendendo que o petróleo e gás têm localização definida no
território. Na era das energias alternativas, as fontes naturais energéticas
encontram-se à nossa volta, em todos os lados, devendo ser estimulada a
produção local, podendo e devendo ser eliminado parte significativa do
desperdício energético da distribuição. A defesa de comunidades energéticas,
cooperativas de produção de energia limpa e domicílios energeticamente autónomos
é uma exigência de uma política de transição mais justa, democrática e
eficiente.
No plano global, de nada adiantará as
políticas de compensação financeira sobre danos ambientais dos maiores
emissores assim como se revelam ineficazes os mercados de carbono, solução
mercantilista que o capitalismo (com o império à cabeça) criou para lucrar com
a emergência climática. Só a reposição ambiental e redução drástica de emissões
pode ajudar a amenizar o problema. O metano e o carbono revelam-se pouco
sensíveis a negociações e, ao contrário de todas as outras transições motivadas
pelas lutas sociais, esta transição tem prazo de validade, não havendo espaço
para dúvidas pseudocientíficas nem para o jogo do empurra entre países na
responsabilização do processo.
A esquerda brasileira (e mundial
também) parece não querer sair do estado de negacionismo climático,
recorrendo-se de reservas petrolíferas para avaliar o potencial de
desenvolvimento económico de países, não acreditando que não dá para repetir os
marcos de desenvolvimento das potências mundiais e que se for explorada um
ínfima parte dessas reservas haverá uma cobrança brutal sobre a biosfera.
O “cloroquinismo” climático tem de
ser derrotado para que se abra uma nova frente da luta de classes. Só a
esquerda pode defender a vida da classe trabalhadora perante as intempéries,
com planos de deslocação massiva de parte da população que vive nas regiões de
risco, só a esquerda pode apresentar proposta de descentralização econômica que
acompanhe a solução urbanística, só a esquerda pode apresentar caminho para a
qualificação económica e de emprego em torno da transição energética, só a
esquerda pode democratizar o acesso às novas energias, só a esquerda pode
questionar o atual modelo energético submisso aos E.U.A..
A luta por uma transição energética
que proteja vida dos povos, democrática e justa também é uma luta anti
imperialista.
1 Base militar estado unidense situada no Havaí
que sofreu um ataque da força aérea japonesa em 7 de dezembro de 1941 e
catapultou os E.U.A. para a Segunda Grande Guerra.
2 Dados de 2022
3 Parte do solo terrestre que cobre 25% do
hemisfério norte que está congelado há dezenas de milhar de anos, consequência
da última era glacial. Encontra-se atualmente a descongelar a velocidade
elevada devido ao aquecimento global.
Fontes:
. https://www.unep.org/pt-br/resources/relatorio-sobre-lacuna-de-emissoes-2023
. https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/anuario-estatistico/arquivos-anuario-estatistico-2023/secao-1/secao-1.pdf
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