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quinta-feira, 3 de abril de 2025

TARIFAÇO DE TRUMP Taxação de pinguins diverte a esquerda, mas deveria servir de alerta

 China pode liderar esforço para "isolar" os EUA?

Piada.Internautas se divertiram com a "taxação" de pinguins pelos EUACréditos: Wikipedia

FONTE: Site Revista Fórum - Autor: 


Nas últimas horas, depois que a Casa Branca anunciou taxação generalizada mínima de 10% sobre todos os seus parceiros comerciais, os internautas se divertiram com o fato de que faz parte da lista um lugar inabitado: as ilhas Heard e McDonald, no oceano Índico.

No território australiano, só vivem pinguins.

Apesar da galhofa, que transforma o anúncio de Donald Trump numa piada aparentemente inconsequente, o mundo real está em alerta: as tarifas impostas pelos Estados Unidos estão muito acima do esperado, atingindo 54% quando se trata do comércio com a China.

Incertezas sobre o mundo globalizado

Não por acaso, os mercados da Ásia e da Europa entraram em parafuso. As ações da empresa tida como barômetro do comércio internacional, a gigante do transporte marítimo Maersk, perderam 10,3%. As da alemã Adidas recuaram 9,4%. As da Apple recuaram mais de 7% no mercado futuro.

São sinais claros da incerteza de investidores sobre o futuro de empresas que produzem em e servem a distintos mercados.

Analistas à esquerda sustentam que os BRICS, comandados pela China, podem "isolar" os Estados Unidos, fazendo trocas comerciais entre si e a União Europeia que compensem as perdas no mercado estadunidense.

Porém, as cadeias de produção e comércio não são fáceis de mudar, como se troca uma camisa.

Os Estados Unidos representam ainda hoje cerca de 25% do PIB global.

É quase consenso entre economistas que, a curto prazo, o tarifaço de Trump vai provocar inflação e possivelmente recessão nos Estados Unidos.

Uma freada brusca no comércio com a China poderia impactar a própria economia chinesa, motor do crescimento mundial.

Neste quadro, governos que estão no poder e tentarão se reeleger -- como é o caso de Lula, no Brasil -- podem enfrentar uma conjuntura internacional adversa, especialmente em economias baseadas na exportação de commodities.

A piada sobre os pinguins pode, afinal, ter um gosto inesperado e amargo.



sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Viagem ao coração do capitalismo financeiro

 No núcleo de um sistema que criou múltiplas formas de extrair a riqueza coletiva, há dois grupos de corporações: as Big Techs e as gestoras de ativos. Como elas atuam em conjunto e por que isso é social e politicamente devastador?

OutrasPalavras

por 


Por Panos Tsoukalisem Sin Permiso | Tradução: Eleutério Prado1

O capitalismo mudou de tal forma que o rótulo “neoliberalismo” se tornou obsoleto. A crescente proeminência econômica e política das grandes empresas de tecnologia e de gestão de ativos transformou o capitalismo contemporâneo de várias maneiras. O mais importante é que ela trouxe a predominância da renda sobre o lucro, da apropriação sobre a produção. Isso afetou a lógica fundamental da compreensão econômico-política da realidade social em curso, pondo em questão assim a própria sobrevivência do capitalismo.

O neoliberalismo está aí desde a década de 1980. Desde então, o capitalismo passou por múltiplas crises e transformações. Mais recentemente, ele suportou uma crise financeira global e uma pandemia que paralisou as cadeias de suprimentos e o comércio, trancou as pessoas em suas casas e devolveu o Estado à vanguarda da política econômica.

Há muitas maneiras de entender o termo neoliberalismo. Utilizo o conceito principalmente para me referir a duas coisas: em primeiro lugar, para apontar para uma era na história do capitalismo, que começa com as eleições de Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos Estados Unidos; em segundo lugar, para fazer referência à predominância de um pacote de políticas econômicas que inclui a liberalização do comércio internacional, a privatização dos serviços públicos e a flexibilização dos mercados de trabalho. Uma característica fundamental do neoliberalismo é que ele alimentou um processo que muitos chamam de “financeirização”, ou seja, o crescente domínio do setor financeiro sobre o sistema econômico.

Alguns estudiosos parecem estar agora, cada vez mais, insinuando que o termo neoliberalismo se tornou inadequado. O capitalismo mudou muito desde a década de 1980 e isso parece exigir uma conceituação diferente, que visa compreender a sua configuração contemporânea. Ele tem sido diagnosticado de várias formas: “capitalismo de vigilância” (Zubboff, 2019), “capitalismo rentista” (Christophers, 2020), “capitalismo de plataforma” (Srnicek, 2017), “capitalismo de gestão de ativos” (Braun, 2022), “capitalismo canibal” (Fraser, 2022), ou “capitalismo de precariedade” (Azmanova, 2020). Ao fazê-lo, também se aponta para diferentes previsões sobre a possibilidade de transformação social progressiva. Varoufakis (2023) e Decano (2020) chegam ao ponto de sugerir que se deve perguntar se ainda é possível falar de capitalismo.

Se o neoliberalismo foi superado, como se deve entender a forma de capitalismo em que habitamos agora? Neste artigo, argumento que qualquer resposta à pergunta sobre o que vem depois do neoliberalismo deve levar em conta a ascensão das grandes empresas de tecnologia e de gestão de ativos e, assim, o seu crescente controle sobre nossas vidas. Vou me basear em duas conceituações que enfocam essas transformações do capitalismo contemporâneo, a saber, a de Yanis Varoufakis, que usa o termo “tecnofeudalismo”, e a de Benjamin Braun, que emprega a expressão “capitalismo de gestão de ativos”.

De fato, uma chave para entender a mais recente transformação do capitalismo contemporâneo pode ser encontrada na exploração dos vínculos entre o que Varoufakis chama de “capital-nuvem” (cloud capital) e as empresas gestoras de ativos, as quais, como argumenta Braun, se tornaram onipresentes. Fazendo um pequeno desvio pela história do pensamento econômico, argumentarei que ambos esses fenômenos sugerem o mesmo, ou seja, que ocorreu já um triunfo da apropriação sobre a produção e, em consequência, da renda sobre o lucro. Sendo assim, as dúvidas sobre a sobrevivência do capitalismo parecem realmente justificadas.

Tecnofeudalismo

Em Tecnofeudalismo: o que matou o capitalismo (2023), Varoufakis argumenta que o uso da inteligência artificial e das redes digitais e algorítmicas transformou a natureza e o poder de certos bolsões de capital. Ou seja, surgiu uma nova forma de capital – a qual ele chama de “capital-nuvem” – que tem o poder de subjugar a produção capitalista às suas próprias necessidades e lógica. A produção ainda é capitalista, no sentido de que se baseia nos meios de produção privados e na exploração do trabalho assalariado, mas ela está integrada agora por meio de uma estrutura tecnofeudal (voltarei a essa questão na última seção). Enquanto o capital tradicional (ou “capital terrestre”, como o chama Varoufakis) só pode explorar trabalhadores, o capital-nuvem também pode explorar os consumidores, bem como outros capitalistas que não possuem capital-nuvem. Isso adiciona uma camada adicional não apenas à hierarquia de estratificação econômica do capitalismo, mas também à hierarquia social de poder e controle.

Como afirma Varoufakis, os consumidores são explorados porque seu tempo de lazer está sendo explorado pelas “big techs” para obter lucro. O tempo de lazer gasto pesquisando no Google, interagindo com Alexa, postando no Instagram ou navegando pelo TikTok foi instrumentalizado para acumulação de capital na nuvem. Contudo, os consumidores não obtêm nenhum valor extra desse seu “trabalho”.

Uma grande parte dos dados pessoais que compartilhamos em todas essas plataformas acaba formando o que Shoshana Zuboff (2019) chama de “excedente comportamental” (ou seja, o excedente de dados sobre o comportamento do consumidor acumulados acima do necessário para melhorar a experiência do consumidor). Esse excedente é vendido aos anunciantes na esperança de não apenas prever, mas também afetar nosso comportamento futuro.

Varoufakis ressalta que toda vez que interagimos com um servidor digital, como o Alexa, treinamos seu algoritmo para que ele reconheça os nossos hábitos e preferências e possa nos oferecer “boas” recomendações. Mas no final chega um momento, depois de uma inevitável geração de confiança, em que a Alexa começa a explorar o nosso perfil de consumidor para mudar os nossos hábitos e preferências, promovendo produtos que de outra forma não compraríamos. Nesse ponto, não está mais claro quem treina quem, quem é o mestre e quem é o servo.

Em suma, a produção de capital na nuvem depende não apenas do trabalho assalariado (de pessoas diretamente empregadas por empresas como Google ou X), mas também do trabalho não remunerado dos consumidores. Consequentemente, enquanto empresas capitalistas tradicionais como General Motors e General Electric gastam cerca de 80% de sua receita em salários, as grandes empresas de tecnologia acabam gastando apenas cerca de 1%. Esse modo de produzir que recorre ao trabalho não assalariado é aquele que fornece uma semelhança com a ordem feudal.

O capital-nuvem também tem a capacidade de explorar outros capitalistas que não o possuem, substituindo mercados por feudos formados pela própria nuvem. Varoufakis argumenta que plataformas de comércio eletrônico como a Amazon não se constituem propriamente como mercados. Para ele, os mercados são instituições públicas que hospedam interações espontâneas e descentralizadas entre consumidores e produtores.

Em vez disso, os feudos-nuvem isolam o comprador do comprador, o vendedor do vendedor, de modo que apenas o algoritmo tem o poder de conectá-los. Entrar na Amazon é como entrar em uma cidade onde tudo pertence e é controlado por uma única pessoa, ou seja, por Jeff Bezos. Ao contrário da natureza pública e aberta dos mercados, isso descreve um arranjo institucional privatizado por meio de um processo de centralização. Isso permite que os proprietários do capital-nuvem exijam comissões excessivas (até 40% no caso da Amazon) de outros capitalistas para que eles possam acessar o feudo tecnológico, pagando o que Varoufakis chama de “aluguéis da nuvem”.

Quanto ao efeito do capital-nuvem sobre os trabalhadores, Varoufakis mostra que sua capacidade de supervisão e controle total leva a uma exploração ainda maior do trabalhador, mais até do que aquela que o capitalista tradicional poderia fazer. Isso se mostra bem nos armazéns da Amazon, onde a tecnologia portátil e os algoritmos trabalham incansavelmente para otimizar os processos de embalagem e, assim, para espremer os trabalhadores do armazém ao ponto de levá-los ao colapso. Em vez de responder a um chefe, os trabalhadores respondem a um algoritmo que rastreia todos os seus movimentos. Como resultado, não apenas eles são forçados a trabalhar mais, mas sua capacidade de ação coletiva para salvaguardar as condições mínimas de trabalho (como o direito de ir ao banheiro) é significativamente diminuída.

No contexto do neoliberalismo, isso implica numa grande perda de poder por parte dos trabalhadores, e esse padrão tem ficado muito evidente nas últimas décadas. Desde a década de 1980, os ganhos de produtividade beneficiaram quase exclusivamente os empregadores nos EUA, enquanto os trabalhadores viram seus salários reais estagnarem, se não diminuírem. Veja-se o gráfico abaixo produzido pelo Economic Policy Institute, em 2024. Ele mostra a crescente diferença entre a produtividade dos trabalhadores e a remuneração salarial nos EUA (1984-2024).

Nancy Fraser (2022) chama esse fenômeno de ascensão do “trabalhador híbrido”, um trabalhador que é ao mesmo tempo explorado e expropriado. Seguindo Marx, Fraser entende que a exploração capitalista ocorre porque o empregador paga um salário que cobre apenas os custos necessários de reprodução do trabalhador, mas fica com a maior parte do valor gerado, na forma de mais-valor (na forma do lucro).

No entanto, afirma Fraser (2022), a expansão da dívida permitiu que os empregadores pagassem ainda menos aos trabalhadores. Ou seja, muitos trabalhadores sob o neoliberalismo recebiam menos do que precisavam para sobreviver como trabalhadores ativos, o que os levava a se endividarem cada vez mais. Assim, além de explorado, ele passou a ser também expropriado. A isso, Varoufakis (2023) acrescenta que a chegada do capital-nuvem piora ainda mais as coisas devido à sua maior capacidade de vigilância e controle que, juntamente com o endividamento, torna o trabalho dos trabalhadores ainda mais expropriáveis.

Varoufakis afirma que a chegada do capital-nuvem implica a impossibilidade da social-democracia, pelo menos tal como foi concebida no final do século XX. Pois, não se sabe bem como é possível regular as plataformas das “big techs”. A regulamentação de preços é impossível, pois elas oferecem seus produtos gratuitamente; por outro lado, a regulamentação antitruste é difícil de aplicar, já que a lógica das plataformas consiste em sua capacidade de realizar economias de escala. Seja uma plataforma de aluguel de apartamentos ou uma plataforma de aluguel de táxi, o principal produto que uma plataforma oferece a compradores e vendedores é o acesso a uma ampla rede de compradores e vendedores. Na maioria dos casos, uma plataforma pequena oferece sempre um produto ruim.

Além disso, sob o capitalismo de vigilância, os trabalhadores são monitorados de perto para impedir sua ação coletiva; ademais, enquanto consumidores, eles ficam fisicamente isolados, o que dificulta a organização de boicotes. Ainda assim, o recente sucesso do sindicato dos trabalhadores da Amazon nos EUA e os boicotes dos consumidores à Starbucks, Pizza Hut e McDonald’s mostram que nem toda esperança foi perdida.

De fato, Varoufakis argumenta que essas barreiras podem ser superadas por uma grande coalizão de trabalhadores, consumidores e pequenos capitalistas que não possuem capital-nuvem (por exemplo, o restaurante ou o bar de bairro, cujos lucros são reduzidos por taxas exorbitantes cobradas pelo Uber Eats). Tudo isso mostra que é preciso pensar além das estratégias tradicionais da política progressista; ele sugere que é preciso gerar um engajamento que chama de “mobilização em nuvem” – isto é, seria necessário usar os recursos da nuvem contra o próprio capital-nuvem.

Capitalismo de gestão de ativos

Enquanto a análise da ordem social atual como “tecnofeudal” concentra a atenção no poder social das plataformas e das grandes empresas de tecnologia, o diagnóstico do “capitalismo de gestão de ativos” nos convida a levar em consideração a enorme ascensão das empresas de gestão de ativos. Benjamin Braun e Brett Christophers apresentam em seu livro alguns fatos estilizados.

As três grandes gestoras de ativos (BlackRock, Vanguard e State Street) detinham, em 2008, cerca de 13,5% de todas as empresas do S&P 500; agora, em 2024, essa porcentagem chegou a 22%. Varoufakis (2023) acrescenta que elas são os maiores acionistas de 90% das empresas da Bolsa de Valores de Nova York. Além disso, as gestoras de ativos controlam conjuntamente US$ 126 trilhões em recursos financeiros, obtêm um total de US$ 526 bilhões em receita, auferindo lucros estimados em cerca de US$ 200 bilhões por ano (equivalente ao PIB da Grécia) (Braun & Christophers 2024). Sem dúvida, como se vê, os números aqui falam por si.

As gestoras de ativos usam seu imenso acesso a recursos financeiros para influenciar ativamente o comportamento das empresas capitalistas. As gestoras de ativos “convencionais”, como as “três grandes”, obtêm recursos das empresas de seguros, dos fundos de pensão e dos fundos soberanos, todos os quais procuram-nas para investir as enormes somas de capital que detêm. Devido ao seu enorme tamanho, as gestoras de ativos tendem a possuir um capital significativo, o que lhes permite manter um controle substancial sobre as políticas das empresas. Braun e Christophers afirmam que as gestoras de ativos se tornaram o “sistema nervoso central da sociedade capitalista contemporânea”, bem como componentes centrais do capitalismo como um todo.

Os Estados também são reféns das preferências políticas das grandes gestoras de ativos. Especialmente no Sul Global, onde os países dependem de títulos denominados em moeda para financiar seus serviços estatais, as gestoras de ativos podem afetar diretamente seu acesso ao mercado de títulos soberanos. Tornam-se, portanto, árbitros de capacidade creditícia, da solvabilidade e, em última análise, também da soberania de vários países.

Além disso, muitos Estados dependem cada vez mais das gestoras de ativos para conceber e aplicar as suas próprias políticas, por exemplo, no que diz respeito à transição ecológica e até mesmo para o fornecimento de bens públicos básicos. Não apenas isso, mas a dependência do Estado e o enfraquecimento (ou completa inexistência) da soberania monetária, juntamente com o imenso acesso aos recursos, significam que as gestoras de ativos também têm a capacidade de pressionar diretamente os governos. Isso ocorre com o objetivo de impedir a regulamentação ou para promover ativamente sua agenda política.

Um exemplo de um espaço de política em que a influência das gestoras de ativos tem sido crítica é a política monetária. Benjamin Braun (2022) argumenta que a abordagem moderada adotada pela maioria dos bancos centrais para combater a inflação recente está relacionada à influência das gestoras de ativos.

Tradicionalmente, a política monetária tem sido um campo em que se dá o conflito de classes. Os bancos, os credores e os poupadores geralmente preferem inflação baixa e altas taxas de juros, mesmo que isso custe algum desemprego. Pelo contrário, os trabalhadores e os devedores preferem taxas de juros baixas, pois facilitam o investimento e a criação de empregos. Na verdade, os devedores muitas vezes estão dispostos a suportar alguma inflação porque ela consome o valor real de sua dívida.

A ascensão das gestoras de ativos alinhou os interesses de Wall Street com os da classe trabalhadora na questão do nível da taxa de juros. As taxas de juros persistentemente baixas levaram à inflação dos preços dos ativos; conforme se eleva os seus valores de mercado, aumenta a receita dessas empresas que obtêm na forma de taxas. Ao tornar os empréstimos mais baratos, as baixas taxas de juros também reduziram os custos de financiamento para as gestoras de ativos altamente alavancadas. Dessa maneira, os interesses dos bancos e poupadores foram superados pelo poder acumulado pelas gestoras de ativos.

O que não está claro nesta apresentação do capitalismo das gestoras de ativos é a questão de saber se isso representa uma ruptura radical com o neoliberalismo ou se se está diante simplesmente do resultado do aprofundamento da financeirização. Uma crítica muito comum ao neoliberalismo é que ele significou o triunfo do capital financeiro sobre o resto da economia. No entanto, esse triunfo transformou o motor do sistema econômico; se era produtivo, tornou-se parasitário. As atividades especulativas tornaram-se mais lucrativas do que o investimento produtivo, criando uma situação em que se gera muita instabilidade financeira. Não apenas isso, mas esse domínio sufoca supostamente o crescimento da produtividade, pois o capital é cada vez mais desviado de outras atividades para as finanças (ver Mazzucato 2018, Harvey 2024, Lapavitsas 2013).

Talvez o primeiro economista a estabelecer uma ligação explícita entre o neoliberalismo e a crescente influência de investidores institucionais, como fundos de pensão, tenha sido Hyman Minsky (Whalen 2010). Para Minsky, a década de 1980 inaugurou a era do “capitalismo das gestoras de dinheiro”; nesse andamento, as gestoras e os seus fundos se tornaram os novos mestres da economia. As suas preocupações sobre esse fenômeno eram muito semelhantes às discutidas acima, ou seja, apontavam para a natureza propensa a crises do sistema, bem como sua relutância em financiar investimentos produtivos. Embora o diagnóstico de Minsky tenha sido bem profundo, é duvidoso que ele tenha imaginado a extensão da propriedade concentrada e o poder que os gestores de ativos acumularam agora.

Assim, se a ascensão das gestoras de ativos representa o culminar do longo processo de financeirização da economia (ou seja, o crescente domínio das finanças sobre todos os outros setores produtivos), muitas das críticas ao neoliberalismo nas últimas décadas ainda podem ser relevantes. Podemos estar testemunhando novos níveis de concentração de capital; diante disso, portanto, continua sendo uma prioridade política controlar as finanças para garantir que elas funcionem para o bem público. No entanto, este não é o caso se se aceita o diagnóstico proposto por Varoufakis. Como foi sugerido na seção anterior, se se aceita a hipótese do tecnofeudalismo, torna-se necessário repensar radicalmente as prioridades políticas, bem como das estratégias para a transformação social progressista.

O que vem depois do neoliberalismo?

É inegável que a ascensão do capital-nuvem e das gestoras de ativos são dois fenômenos fundamentais que estruturam o capitalismo contemporâneo. Talvez sejam esses dois tipos de corporações que configuram, pelo menos até certo ponto, o que virá (ou o que já está vindo) depois do neoliberalismo.

Embora as duas críticas ao capitalismo contemporâneo antes analisadas direcionem nossa atenção para fenômenos diferentes, as implicações que podem ser extraídas delas têm muito em comum. Na verdade, ambas implicam uma maior concentração de capital e de poder nas mãos de poucos, bem como um aumento da desigualdade de renda e riqueza. No entanto, o que quero enfatizar aqui é que ambas as estruturas sugerem a predominância da renda sobre o lucro, da apropriação sobre a produção.

Muitos consideraram que o advento do neoliberalismo e da financeirização vêm de mãos dadas com o retorno da figura do rentista. Por exemplo, Harvey (2024) argumenta que a financeirização e a monopolização criaram o rentista moderno que não produz nada além de benefícios monetários por meio da propriedade de ativos ou especulação financeira. Azmanova (2020) considera que os rentistas têm sido ativamente criados por políticas estatais que visam aumentar a competitividade dos “campeões” nacionais ou regionais, em detrimento da concorrência de mercado e da regulação antitruste.

Parece que o processo em andamento de substituição do neoliberalismo está trazendo algo ainda pior. Os donos das nuvens e as gestoras de ativos são rentistas por excelência. Eles estão no negócio de tomar, não de fazer. Eles se beneficiam da propriedade e do controle – e não da produção – em condições de concorrência limitada. Brett Christophers (2020) tem a mesma visão, sugerindo que os aluguéis pagos pelo uso das plataformas desempenham um papel fundamental no que ele chama de “capitalismo rentista”.

Em seu livro sobre empresas de gestão de ativos, ele também conclui que os gestores de ativos são “rentistas puros” (Christophers, 2023). Um gestor de ativos pode ser proprietário de um parque eólico na Noruega ou de um complexo imobiliário na Flórida, mas isso não tem nada a ver com a operação e manutenção do dia a dia desses ativos, que são terceirizados para outras empresas. Eles não produzem nada, enquanto “seu negócio é maximizar o próprio ganho por meio da extração de receitas – ou seja, aquele rendimento que é obtido por meio desse ativo” (Christophers 2023).

Esses estudiosos consideram que a produção capitalista é simultaneamente baseada no lucro e na renda, na produção e na apropriação, na exploração e na expropriação. Embora na ascensão do capitalismo a renda, a apropriação e a expropriação tenham sido obstadas, elas nunca foram completamente superadas. Essas duplicatas não são equivalentes entre si, mas todas apontam para o fato de que o capitalismo não é um mero sistema de troca contratual no qual os mais eficientes, os mais produtivos e os mais inteligentes se beneficiam de acordo. Por trás da troca contratual está escondida a morada da renda imerecida, do capital patrimonial, do poder hereditário e da expropriação pura e simples. Para Varoufakis (2023), o triunfo do lucro sobre a renda foi o que acabou definindo a transição do feudalismo para o capitalismo. Nesse sentido, o retorno da renda que o capital da nuvem trouxe significa que devemos questionar se estamos vivendo ainda sob o capitalismo.

Na economia política marxista, a importância do equilíbrio entre lucro e renda foi mais claramente expressa por Rosa Luxemburgo, que argumentou que a acumulação primitiva era uma característica estrutural do capitalismo – e não apenas sua condição primitiva. Por outro lado, na economia política clássica, David Ricardo considerava os latifundiários rentistas como vestígios do feudalismo que impediam o pleno florescimento do modo de produção capitalista. Keynes, da mesma forma, pediu a eutanásia do rentista, referindo-se principalmente aos financistas parasitas que enriqueceram mantendo o capital artificialmente escasso (Mann, 2019). Mesmo na economia neoclássica convencional, o termo renda monopolista refere-se aos lucros acumulados acima dos lucros normais alcançáveis sob um design de mercado eficiente e competitivo.

Antes de resumir o resultado dessa apresentação sumária da questão da superação histórica do neoliberalismo, apresentamos abaixo um retrato dos vinte principais acionistas institucionais das 10 maiores empresas de tecnologia dos EUA:

Conclusão

Em suma, em muitas escolas de pensamento econômico, bem como em afiliações políticas, a busca de renda, a apropriação e a expropriação são vistas como fardos em uma economia capitalista. De uma perspectiva avaliativa, se toda essa extração não pode ser considerada como totalmente moral, pelo menos tem de ser tomada como politicamente censurável. Portanto, se o que estamos testemunhando agora é uma nova mudança na balança em direção à renda e à apropriação, ainda maior do que a provocada pelo neoliberalismo, então maiores problemas virão.

Varoufakis (2023) coloca a origem dos problemas (ou seja, a extração de renda ou “rent-seeking”) em grandes empresas de tecnologia, enquanto Braun e Christophers (2024) o fazem em empresas de gestão de ativos. O que falta, no entanto, é a relação entre esses dois fenômenos. Dado que a Blackrock et al. são os principais acionistas de grandes empresas de tecnologia, como isso afeta a nova dinâmica introduzida pelo capital em nuvem? Os gestores de ativos são os verdadeiros rentistas de nuvem? Como pode ser visto na tabela acima, parece que a resposta é afirmativa (Hyppolite & Michon, 2018). As gestoras BlackRock, Vanguard, State Street e Fidelity detêm as maiores participações (coletivamente, mais de 20%) nas 10 principais empresas de tecnologia dos EUA.

Se os mercados públicos e abertos não são mais o principal mecanismo de distribuição de bens e serviços, se a alocação de recursos financeiros está sujeita aos caprichos idiossincráticos de algumas corporações gigantescas, se as grandes empresas de tecnologia adquirem uma parcela significativa de seu capital gratuitamente porque os consumidores lhes fornecem os seus dados – isto é, se a renda deslocou o lucro nas economias, então, na verdade, ainda estamos falando sobre o capitalismo?

Teorizar o agora se tornou, muitas vezes, desafiador. No entanto, tentar conciliar a ascensão do capital-nuvem com a ascensão das gestoras de ativos pode ser a chave para entender as profundas transformações pelas quais o capitalismo está passando. O que deve se seguir do exposto, tomando o desafio de Varoufakis, é uma tentativa de vincular teoria e prática. Ou seja, encarar o fato de que, junto com o neoliberalismo, a conhecida caixa de ferramentas da política progressista (por exemplo, tributação, regulamentação e mobilização) também se tornou desatualizada, ou pelo menos inadequada para os desafios futuros. Talvez devêssemos pensar e agir de forma mais radical.


Referências

Azmanova, A. (2020). Capitalism On Edge: How fighting precarity can achieve radical change without crisis or utopia. Columbia University Press: NY, USA.

Braun, B. (2022). Exit, Control, and Politics: Structural power and corporate governance under asset manager capitalism. Politics & Society. 50(4): 630–654.

Braun, Β. & Christophers, Β. (2024). Asset manager capitalism: An introduction to its political economy and economic geography. Economy and Space. 56(2): 546-557.

Christophers, B. (2023). Our Lives in Their Portfolios: Why Asset Managers Own the World. Verso: London, UK.

Christophers, B. (2020). Rentier capitalism: who owns the economy, and who pays for it? Verso: London, UK.

Dean, J. (2020). Neofeudalism: The End of Capitalism? Los Angeles Review of Books.

Economic Policy Institute (2024). The Productivity-Pay Gap. https://www.epi.org/productivity-pay-gap/.

Fraser, N. (2022). Cannibal Capitalism: how our system is devouring democracy, care and the planet – and what we can do about it. Verso: London, UK.

Harvey, D. (2024, forthcoming). The Story of Capital: What everyone should know about how capital works.

Hippolyte, P.A. & Michon, A. (2018). Big Tech Dominance (1): The New Financial Tycoons. Fondation Pour L’Innovation Politique Study. https://www.fondapol.org/en/study/big-tech-dominance-1-the-new-financial-tycoons/.

Lapavitsas, C. (2013). Profiting Without Producing: How Finance Exploits Us All. Verso: London, UK.

Mann, G. (2019). In the Long Run We Are All Dead: Keynesianism, Political Economy, and Revolution. Verso: London, UK.

Mazzucato, M. (2018). The Value of Everything: Making and Taking in the Global Economy. Public Affairs: NY, USA.

Srnicek, N. (2017). Platform Capitalism. Polity Press: Cambridge, UK.

Varoufakis, Y. (2023). Technofeudalism: What Killed Capitalism. Bodley Head: London, UK.

Whalen, C. J. (2012). Money Manager Capitalism found in Chapter 34 of Toporowski, J. & Michell, J. (2012). The Handbook of Critical Issues in Finance. Edward Elgar: Cheltenham, UK.

Zuboff, S. (2019). The Age of Surveillance Capitalism: the fight for a human future at the new frontier of power. Public Affairs: NY, USA.


Notas:

1 O economista Eleutério Prado é um dos expoentes destacados, no Brasil, no debate sobre as novas formas assumidas pelo capitalismo após a contrarrevolução neoliberal. Ele traduziu generosamente este artigo, mas faz questão de frisar uma discordância conceitual com o autor. Ei-la:
“Publica-se um artigo informativo, mas bem confuso, que versa sobre as mudanças no capitalismo advindas da ascensão das grandes empresas de tecnologia digital (big techs) e das gestoras de ativos, as quais são apresentadas como “rentistas”. Ele não compreende que capital é uma relação social de exploração que se manifesta por meio de formas reificadas, a saber, dinheiro, meios de produção e mercadorias acabadas. Ele parece não saber nada sobre a distinção entre o capital portador de juros, que financia a produção de mercadorias, e o capital fictício, que financia o consumo ou tem uma relação indireta com a produção. Chama, por isso, os pagamentos associados ao capital fictício de renda, confundindo, assim, os pagamentos de “juros” apropriados pelo capital fictício – que não é de fato capital, mas parece que é – com a renda da terra. É partindo desse erro crasso, que teóricos pouco rigorosos chegam à ideia absurda do tecnofeudalismo. Contudo, ainda assim o artigo pode ser lido com proveito.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

QUANDO A “REALIDADE PARALELA” INVADE A “REALIDADE REAL”

 Quando a “Realidade Paralela” invade a “Realidade Real”

Antes de mais nada: ou se aprova a criminalização das fakenews, ou sucumbiremos enquanto sociedade…

Trecho da BR-386 totalmente destruído pela força das águas do Rio Taquari, em Lageado: cidade está isolada - AFP

Por Marconi Burum

Vivemos um tempo grotesco como pouco vi em toda a minha vida e com menos frequência me deparei junto aos estudos sobre os fatos históricos podres da humanidade (e olha que são diversos estes fatos).

É o tempo em que a “Realidade Paralela” invade a “Realidade Real”. Tempo de “Realidades” em colisão. É, contudo, um tempo em que a banalidade do mal (parafraseando Hannah Arendt) se torna comum entre pessoas comuns da sociedade reverberando o discurso cruel de certos líderes (e influenciadores gananciosos) que não possuem qualquer empatia ou sentimento pelo outro humano.

É um tempo em que o desprezo e a frieza com a vida das pessoas tem mais valor que a saúde mental da coletividade e de cada sujeito individualmente. Tempo realmente difícil de viver, ou de se enxergar esperança na raça humana. Saímos muito pior que éramos antes da pandemia da COVID-19 e estamos saindo ainda piores na tragédia climática que assola o Rio Grande do Sul neste ano de 2024. Mas fica uma pergunta: qual é a solução para não sucumbirmos de vez?

O mundo paralelo das fake news, da pós-verdades e da dissimulação de fatos e falas assassinou 700 mil vidas de brasileiros no tempo do coronavírus. É verdade que um percentual significativo de pessoas morreriam em consequência da COVID-19. Entretanto, a ciência já provou que ao menos 400 mil (se não mais) vidas TERIAM SIDO SALVAS não fosse um comportamento deliberado para a ação ou omissão ao enfrentamento da pandemia em questão.

E este modus operandi (da negação, da crueldade, da desinformação, da construção de uma pedagogia da morte), liberada por Bolsonaro e por líderes importantes da sociedade, levou milhões de pessoas, i) a não obedecerem o isolamento social; ii) a se aglomerarem; iii) a não usarem máscaras; iv) a não se vacinarem… enfim, a descumprirem a maior parte das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Isto é um fato, uma verdade; que foi distorcida para um “outro” fato, uma pós-verdade. Resultado: MORTES E MAIS MORTES!

(E se, do nada, hoje não existisse internet, não existissem as redes sociais, como estariam sendo cuidadas as pessoas vítimas de tragédias e desastres em geral?)

O que vemos neste instante acontecer quando das enchentes que atingem cerca de 85% dos municípios do Rio Grande do Sul, não “apenas” tendo centenas de vidas ceifadas, contudo, os projetos de vida de milhões de gaúchos completamente destruídos (seus móveis, suas fotografias de família, suas casas, seus sonhos, tudo…), é estarrecedor! E é duplamente estarrecedor, mas por quê? 

Além da dor de cada família que perdeu um ente querido, ou perderam suas memórias construídas por décadas, talvez séculos de história de um povo, o que lideranças políticas e influenciadores digitais têm feito – espalhando toda ordem de fakenews ou a dissimulação de verdades – é de dar nojo! Vejamos: quando um tal de Pablo Marçal, Nego Di, Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli, Paulo Bilynskyj e dezenas de tantos outros espalham essas nojeiras pelas redes sociais, não estão apenas cometendo uma “pequena” imoralidade diante de um modelo civilizatório de coexistência: ESTÃO ATRAPALHANDO E MATANDO PESSOAS. Portanto, é CRIME! 

Nunca foi liberdade de expressão criar barreiras cognitivo-sociais para o socorro às vítimas das enchentes. Não é nem de longe levar informação às pessoas, contudo, confundi-las propositalmente para “lacrar” e ganhar mais dinheiro (no caso dos influencers), ou mais poder (no caso dos políticos da extrema direita).

As pessoas, tratadas na indeterminação da sociedade (logo, são sujeitos difusos de direito), estão sendo contaminadas, ou a espalhar estes conteúdos produzidos por estes seres abjetos e repugnantes, ou estão com medo de agir, de fugir (de suas casas em risco), de enfrentar o problema por outras fontes seguras e com os verdadeiros aliados de sua necessidade. 

Este texto começou como deve terminar. Não se trata aqui de uma manifestação a mais para discursar sobre o que TODOS NÓS JÁ SABEMOS: que as fakenews matam! Trata-se de exigir dos governos sérios, do sistema de Justiça e dos congressistas – que sobraram – sérios que, para ontem,

1) suspendam sumária e imediatamente as redes sociais de pessoas, seja o grau de poder que tenham, que produzam conteúdos os quais inibam o salvamento e o enfrentamento das tragédias no Rio Grande do Sul; e

2) que aprovem um projeto de Lei criminalizando este tipo de prática para levar para a cadeia quem tem matado pessoas, ainda que não usando uma arma de fogo, entretanto, a partir da força irresponsável da palavra disseminada pelo submundo paralelo da internet – que invadiu o mundo real – a destruí-lo em certo prazo…

Segue abaixo um anteprojeto de Lei [2]. Vejam, senhoras e senhores congressistas, se lhes é útil para criar alguma esperança diante da “Realidade Paralela” – que até aqui está vencendo!

…………

[1] A este respeito, leia uma síntese perfeita da comparação entre os tempos e pessoas “do ódio” no nazismo de Hitler e os tempos atuais “do ódio” disseminado pelas redes sociais.
Link do texto: https://ufmg.br

[2] Anteprojeto de Lei

ANTEPROJETO DE LEI Nº___________, DE 2024

(Do Poder Legislativo Federal)

Dispõe sobre o crime de transmissão de notícia falsa, ou dissimulação de informação ou fato em tempos de epidemia, pandemia, desastres naturais e tragédias de comoção nacional, e dá outras providências.

O POVO BRASILEIRO, por seus Representantes Constitucionais, APROVOU, e eu, Presidente da República, sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Art. 1º. Fica expressamente proibida a transmissão de notícia falsa (fakenews), ou dissimulação de informação ou fato em tempos de epidemia, pandemia, desastres naturais e tragédias de comoção nacional.

Art. 2º. Cabe ao Poder Judiciário, imediatamente provocado pelos órgãos competentes da República, suspender os meios de comunicação, sejam estes, páginas na internet, redes sociais e outros meios que possua o agente promotor de conteúdos nos termos descritos no artigo 1º desta Lei.

CAPÍTULO II

DA PREVISÃO PENAL

Art. 3º. Os dispositivos a seguir indicados do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 359-T – Transmitir, pela internet ou por outros meios de comunicação, notícia falsa (fakenews) ou informação dissimulada em tempos de epidemia, pandemia, desastres naturais e tragédias de comoção nacional.

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. 

Parágrafo único. Incorre nas penas deste artigo quem produz o conteúdo e quem o compartilha, sendo aplicada a penalidade de forma proporcional à capacidade de público recipiente do agente causador, ou à potência viral do conteúdo criminoso.”

CAPÍTULO III

DOS AGENTES COM IMUNIDADES CONSTITUCIONAIS

Art. 4º. Aos agentes promotores de conteúdos previstos no artigo 1º desta Lei e que sejam amparados por imunidades constitucionais, o prazo para a contagem de prescrição legal à devida responsabilização penal será iniciado ao fim do respectivo mandato eletivo.

Parágrafo único. As denominadas “fakenews” e as dissimulações intencionais de informação ou fato do caput não são consideradas livres opiniões e palavras, mesmo que uma vez proferidas no desempenho das funções dos parlamentares exatamente por ferirem os princípios do interesse público, da fé pública e da democracia, em sentido lato, para os quais correspondem como premissas do cargo eletivo.

 

CAPÍTULO IV

DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Art. 5º. O princípio da liberdade de expressão não poderá ser invocado junto ao Poder Judiciário para justificar cometimento do crime previsto nesta Lei, ou os de quaisquer natureza.

Art. 6º. O ato comunicativo conhecido como “Fakenews” que cause comoção negativa na sociedade é crime em flagrante delito.

Art. 7º. A penalidade aplicada poderá ser atenuada se restar provado pelo agente causador da desinformação ou da informação distorcida a autêntica busca pela checagem de verdade do conteúdo antes de sua publicação.

Art. 8º. A punição penal do agente causador de disseminação de conteúdos tipificados no artigo 3º desta lei não exclui sua responsabilização administrativa e civil, quando for o caso.

Art. 9º. Esta Lei entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Brasil, aos ________ dias do mês de ________ de dois mil e vinte e quatro.

Congresso Nacional

NOTA DA REDAÇÃO: O conteúdo desta matéria é de responsabilidade do autor. A Revista Xapuri não se sente preparada para propor Leis, mesmo considerando o debate sobre tais iniciativas extremamente necessário.

domingo, 9 de abril de 2023

O CORDEIRO RESSUSCITADO!

 


Por Pastor Lenon Andrade

Chove torrencialmente na cidade de Campina Grande enquanto escrevo este último texto nesta páscoa de 2023. Imaginava para hoje, dia da ressurreição do Senhor morto, uma manhã de sol, com desenhos bonitos nas nuvens e brisa suave no rosto. Deus, porém, me direciona para ver a beleza do rio de vida que a chuva trás. Aliás, para o Nordeste onde estou a água que cai tem o significado da renovação ou mesmo do ressurgimento da vida que est água trás, alimentando sonhos de realizações possíveis. Diferente daquela manhã em que as Marias foram ao túmulo do Galileu com suas esperanças  despedaçadas por conta da morte do Cordeiro de Deus, sacrificado na cruz do calvário.

Foi João, o Batista quem o reconheceu às margens do rio Jordão, diante da multidão que lhe assistia:

- Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo! Proclamava o Batista para a decepção dos fariseus do templo, frustrados com a revelação potente do profeta do Jordão. Não era um messias palaciano, “leão” da tribo de Judá, rei guerreiro que expulsaria as tropas romanas de Jerusalém e reestabeleceria as glórias do passado davídico, colocando a Judeia como centro do universo. Não! Este Messias salvador era o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Surpreendente! REVOLUCIONÁRIA essa proclamação de João Batista, para decepção do templo.

Cordeiro era um animal para o sacrifício religioso no templo. Animais sacrificiais eram a base da economia que movia a roda do mercado religioso em Jerusalém. Milhares de cordeiros, bois, pombos e outros animais eram sacrificados toda semana e esse número se multiplicativa muitas vezes na semana da pascoa judaica. Era muita riqueza gerada naquele negócio, com casas de câmbio e moeda própria controlada pelos “homens de deus.” Todos tinham que sacrificar. Nem mesmo os mais pobres eram dispensados. Investiam TUDO o que tinham na busca do favor do deus do templo...Ficavam de fora os leprosos, doentes, cegos, coxos, publicanos, prostitutas, pobres descartáveis e outros pecadores que nada acrescentavam àquela máquina de moer gente…


2023 anos depois nada mudou. A religião templocêntrica sobreviveu na história para alimentar o ventre dos sacerdotes de mamom. Aqui, como lá, os mercenários da fé, literalmente, erguem seus templos salomônicos para cultuar seu deus ávido das ofertas de seus fiéis. Não preocupados em apenas roubar até  o último centavo do fiel comprometido com a sua fé, os fariseus contemporâneos se unem com políticos violentos para saquear o Estado, num conluio perverso da religião farisaica com o fascismo incrustado na política. Por isso, a proclamação revolucionária do Batista é assustadora para essa “gente de bem” porque o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo acaba com a festa nefasta.

A mensagem profética do Evangelho é acabar com templos SALOMÔNICOS e suas estruturas malignas de moer gente porque, como diz a Escritura, o Eterno não habita em templos materiais, feito por mãos humanas. 

O Cordeiro de Deus que TIRA o pecado do mundo é TODO suficiente para promover relações de amor e acolhimento entre o Deus da vida e aqueles que ousam depositar a sua fé em Jesus de Nazaré, aprendendo a desenvolver aquela mesma fé do mestre da Galileia, como filhos e filhas amadas de Deus, sem precisar da intermediação de religiões sustentadas no sacrifício do Povo, especialmente do Povo pobre das periferias das nossas cidades.  Ao invés de religiões que exigem o sacrifício das pessoas, o Evangelho propõe a comunhão de amor que acolhe a pluralidade da vida e, nesta, a unidade na diversidade, como continuidade do Projeto de jesus.

A chuva torrencial que despencava no início das linhas que escrevo, agora é um chuvisco manso e suave. A terra nordestina agradece. A vida se renova, se move e flui de novo nas entranhas da terra. O Cordeiro de Deus ressurgiu desta mesma terra, molhada pelo Espírito do Eterno. Diferente das religiões da ganância que exaltam seu deus fascista e acima de todos,  Ele está vivo  no meio de nós, Emanuel – Deus conosco – na vida, na morte e na ressurreição. Amém. 


Pastor Lenon Andrade

Domingo de Páscoa de 2023.

sábado, 8 de abril de 2023

ERA PRECISO FAZER A TRAVESSIA...

 


Por Pastor Lenon Andrade

Madrugada de sexta-feira, o nazareno está no jardim do Getsêmani com seus discípulos. Um pouco antes desfrutaram de um momento que marcaria as suas vidas para sempre, durante o jantar pascal em Betânia. Agora, porém, é chegada a hora da escuridão. Sua oração é intensa, ansiosa, carregada de pavor e medo. Sua humanidade assume a liderança do seu ser. Sua respiração é ofegante. Por isso, suplica ao Pai que o livre do cálice do sofrimento. Seu suor converte-se em gotas de sangue. O mestre de Nazaré inicia a travessia pelo vale da sombra e da morte…

Começam os golpes contra a vida daquele que só fez o bem por onde andou. Judas guia seus inimigos até o jardim e lhe dá um beijo com o amargor da traição. Talvez nutrisse a falsa esperança de que o galileu reagiria sacando a sua espada de fogo para eliminar seus adversários. Esqueceu que o trono almejado pelo Rei Jesus é o coração humano e não a  submissão a um Deus tirânico. Arrastam-no manietado, como um criminoso. Iniciou-se ali uma sessão interminável de tortura física e psicológica, com requintes de crueldade contra a vítima inocente.

Segue o script da injustiça. Abandonado por todos é levado ao palácio da Galileia. Herodes debocha do Cristo. Devolvido à Jerusalém, colocam-no diante de um tribunal farsesco onde, emprenhada pelas fake news disseminadas pelos líderes do templo, a multidão, feito um juri ensandecido, dá à luz ao veredicto mais insano da história da humanidade: condenam Jesus e libertam Barrabás... Pilatos lavou as suas mãos. Porém, jamais conseguirá livrar-se da culpa dos covardes diante da destruição da vida inocente. Jesus de Nazaré, sob tortura intensa, carrega a sua cruz até a colina da caveira onde será crucificado...a narrativa do evangelho é dramática: 


–“...Os chefes dos sacerdotes e os líderes judeus convenceram a multidão a pedir ao governador Pilatos para que soltasse Barrabás e condenasse Jesus à morte. Então o Governador perguntou:

– Qual dos dois vocês querem que eu solte?

– Barrabás! Responderam eles. Pilatos perguntou:

_– Que farei então com Jesus, que é chamado de Messias? _

– Crucifica! Responderam todos. Ele perguntou:

– Que crime ele cometeu?

Aí começaram a gritar bem alto: – Crucifica! Então Pilatos viu que não conseguia nada e que o povo estava começando a se revoltar. Aí mandou trazer água, lavou as mãos diante da multidão…” (Mateus 27:20-24).

  

Onde existir o sacrifício da vida de inocentes, onde o oprimido clamar contra a exploração injusta, onde houver a violência do Estado contra cidadãos indefesos, onde quer que a intolerância assassina prevaleça contra a liberdade de ser, enfim, onde o desamor predominar contra o direito se viver com dignidade, ali o Salvador ainda estará sendo crucificado. 

A questão mais importante é a escolha que faremos: tomar a nossa cruz e segui-lo ou abandoná-lo pelo caminho…


Sigamos esperançando, ainda não terminou.


ESTÁ CONSUMADO!


Às 12 horas da sexta-feira Ele estava pregado no madeiro, vítima da violência brutal gestada num conluio perverso entre a religião do templo e o Estado opressor de Roma. Jesus clama aos céus protestando o abandono. O Pai, que também é Mãe, silencia...não é um silêncio de abandono, mas, de uma dor que parece não ter fim...por também sentir a dor do abandono naquele lugar de morte. A dor do Filho é também a dor do Pai. A natureza se constrange. O sol para de brilhar. A terra treme por não suportar o sangue inocente tocando um solo cansado da violência dos homens maus. 

Três horas da tarde. O dia, que para os judeus termina com o por do sol, naquela sexta-feira  terminou mais cedo. Jesus, absolutamente exaurido, grita forte em seu último suspiro: “está consumado!”. As cortinas do templo de Jerusalém que impediam os fieis de terem acesso ao santíssimo se rasga de alto abaixo! O salvador completa a travessia. O mestre de Nazaré realizou a sua páscoa... Aquele longo dia finalmente termina. O sábado se converte num absoluto silêncio…

Onde acaba a fronteira da racionalidade, inicia o terreno fértil da fé. Assim, minha mente é conduzida pela iluminação das Escrituras para ver o que aconteceu após o brado do último suspiro. Havia silêncio na superfície da existência, mas, uma batalha final nos domínios da morte. Seus grilhões foram despedaçados pela força do amor. A luz da esperança tornou-se insuportável para as forças da escuridão. O Salvador estava ali, no reino da morte, semeando o evangelho da vida. O jogo inverteu. O autor da existência arranca das mãos da morte seu poder sobre a vida. A morte e o inferno foram derrotados. Era impossível impedir a ressurreição!


“Assim, quando este corpo mortal se vestir com o que é imortal, quando este corpo que morre se vestir com o que não pode morrer, então acontecerá o que as Escrituras Sagradas dizem: “A morte está destruída! A vitória é completa!” (1 Coríntios 15:54-55).


Essa leitura da Bíblia, que se conecta com a vida, me dá esperança. Penso nisso enquanto caminho, seguindo as pisadas de Jesus de Nazaré. Um dia também faremos a travessia, porém, eu sei, não estaremos sozinhos.



Pr Lenon Andrade

Publicado no Livro Café com esperança, para deixar a vida mais leve