segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

CRIMINALIZAÇÃO DA POLÍTICA - O inimigo interno


As manifestações de rua: Bio poder e subjetivação?

Por José Gilbert Arruda Martins e Ivana Maria Falcão de Albuquerque Martins

Na França, como no Brasil, a Polícia tomou para si o direito de matar, matar principalmente jovens, é a "democracia" do mercado, dos rentistas. Comporte-se, consuma e deixe consumir, do contrário será enquadrado ou enquadrada na lei do mercado, na "democracia" do capital, que é tudo - até o assassinato - em nome do "livre" direito de comprar.
Um dos pensadores mais importantes da modernidade, Michel Foucault, criou um conceito que cai como uma luva na questão da violência do Estado e de pessoas sobre outras, que é o conceito de biopoder, veja o diz Isabella Maria Nunes (2010):
“O Biopoder, termo criado por Michel Foucault, filósofo francês contemporâneo, refere-se ao complexo sistema de dominação e de subjugação de corpos baseado no controle das pessoas através de padrões biológicos e de medos à população. Para Foucault, o bio poder é baseado no racismo, na segregação de pessoas e na justificativa, por exemplo, do direito de matar – fundamento do nazismo. A vida se torna o objeto do poder.”
E a autora continua, dissecando e explicando a questão do bio poder, baseada no conceito do filósofo francês.
“O fundamento do bio poder está no pressuposto de que temos em nossa sociedade pessoas com conhecimentos superiores e responsáveis pela saúde e bem estar da população em geral. Esse grupo de pessoas é representado pelos médicos, pela área do direito e, especialmente pelo Estado. Esses grupos exercem a dominação na medida em que controlam a vida, em seus mais diferentes aspectos, e exercem a política para que mantenham os cidadãos dentro desse sistema social estratificado.”
A violência do Estado contra as populações pobres nas periferias das grandes cidades do mundo, pode ser um fenômeno que, como defende Foucault, segrega as pessoas e justifica o direito de matar.
O Brasil tem um histórico de violência contra manifestações do povo. Em quase todos os momentos onde os trabalhadores ou jovens estudantes saíram às ruas para expor suas demandas, foram violentamente reprimidos.
Os movimentos de rua no mundo todo, EUA, França, Egito, Brasil ... são prova de que os modelos de desenvolvimento econômicos ortodoxos, pensados e implementados de forma autoritária, sem ouvir a sociedade, não são aceitos e estão longe de atender as demandas sociais.
A morte desse jovem Rémi Fraisse, o sexto assassinato perpetrado pelo Estado francês, é uma prova cabal de que os interesses do Estado são outros que não o da sociedade. Isabella Maria Nunes continua a explicação e demonstra através dos estudos de Foucault que a violência, no caso aqui do Estado, é pensada, planejada.
“A subjetivação é o processo pelo qual construímos a realidade. Para Foucault, esse processo é a base para a sustentação do bio poder e para a construção da noção de sujeito e de identidade. É a partir desse conjunto de conceitos, valores e de modos de pensar que são definidos os papéis sociais. As instituições dominantes de nossa sociedade controlam esses mecanismos de subjetivação e exercem seu poder, sem enfrentar oposições do povo dominado, à medida em que mantém esses processos de subjetivação coerentes com o seu controle. Para Foucault, os processos de subjetivação, assim como os mecanismos de controle, e até o desenvolvimento do bio poder são determinados historicamente.”
E continua.
“Sobre os processos de dominação, Foucault trata do poder disciplinar. Esse poder cria espaços para vigiar o comportamento, individualizar as pessoas nos grupos e para controlar e punir dissidentes. O poder disciplinar visa a manipulação dos processos para se atingir o resultado eficaz através da docilização dos corpos e da educação de nossa subjetividade.”
Punir quem cobra do Estado Políticas Públicas que atendam a todos e todas parece ser mais fácil de que solucionar os problemas mais imediatos da população.
O Congresso Nacional está e vem em 2015, recheado de Deputados e Senadores conservadores que irão continuar no apoio às punições.
Resta aos trabalhadores, trabalhadoras e à sociedade aqui no Brasil, na França ou Estados Unidos, continuar as manifestações organizadas, resta às autoridades, se voltarem ao povo e ouvir suas demandas.
Talvez uma das alternativas seria, desmilitarizar a Polícia Militar no Brasil. Torná-la uma polícia cidadão, civil, treinada para proteger o cidadão e não exterminá-lo.
Bibliografia:
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil, O longo caminho, 15ª.  ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
FERREIRINHA, Isabella Maria Nunes & RAITZ, Tânia Regina. As relações de poder em Michel Foucault: reflexões teóricas. Rev. Adm. Pública on line, 2010, vol. 44, n° 2


Na noite de 25 para 26 de outubro, uma granada da polícia matou Rémi Fraisse, um manifestante de 21 anos. O governo francês, no entanto, demorou dois dias a reagir, pois estava infinitamente mais propenso a saudar a memória de um dono de companhia petrolífera morto num acidente de avião
por Serge Halimi

Na noite de 25 para 26 de outubro, uma granada da polícia matou Rémi Fraisse, um manifestante de 21 anos. O governo francês, no entanto, demorou dois dias a reagir, pois estava infinitamente mais propenso a saudar a memória de um dono de companhia petrolífera morto num acidente de avião. De seu lado, o presidente socialista do conselho geral do departamento de Tarn julgou totalmente “estúpido e tolo” morrer por ideias. Na verdade, sua ideia – terminar a construção de uma barragem reclamada pelos notáveis de seu departamento – nunca o expôs ao mesmo tipo de perigo. Ela até acaba de favorecer sua reeleição ao Senado. Agora, é provável que a granada atirada pelos policiais tenha igualmente matado esse projeto de barragem. Uma pessoa tem de morrer numa manifestação para fazer triunfar suas ideias?
Em janeiro de 2012, a ministra das Relações Exteriores francesa, Michèle Alliot-Marie, tinha sugerido ao ditador tunisiano Zine al-Abidine ben Ali que salvasse seu regime agonizante inspirando-se no “know-how, reconhecido no mundo inteiro, de nossas forças de segurança”. Um know-how com eclipses: sem contar as dezenas de argelinos assassinados em Paris em 17 de outubro de 1961 e as nove pessoas mortas no metrô Charonne em fevereiro do ano seguinte, cinco manifestantes franceses já perderam a vida por ocasião de enfrentamentos com a polícia.1
Rémi Fraisse é, portanto, o sexto. Pouco após sua morte, o comandante do agrupamento de policiais que operava na região testemunhou que o governador de Tarn tinha pedido às forças da ordem que “demonstrassem extrema firmeza em relação aos opositores” da barragem. Quarenta e duas granadas foram atiradas naquela noite.
O primeiro-ministro Manuel Valls parece apoiado nas declarações marciais que associam alguns muçulmanos a um “inimigo interno”. E seu governo joga sobre “vândalos” a responsabilidade pelo “drama” de Tarn. Prolongando seu raciocínio num sábio amálgama, um sindicato de policiais finge se alarmar com o fato de que uma “parcela dos militantes verdes ou vermelhos passe à ação armada, como na época dos movimentos revolucionários dos anos 1970”.2
Foi nesse clima que a Assembleia Nacional acabou de votar, por quase unanimidade, uma nova lei antiterrorista. A 15a do tipo desde 1986. Oficialmente motivada pela vontade de proibir os franceses de se juntarem às fileiras da Organização do Estado Islâmico, ela comporta disposições vagas – proibição administrativa de deixar o território, “delito de empreitada terrorista individual” – que amanhã poderão se aplicar a qualquer outro combate.
Em 2001, o Parlamento francês já havia adotado uma panóplia repressiva do mesmo calão. Um pouco envergonhado, um senador socialista assim se justificou: “Há medidas desagradáveis a serem tomadas com urgência, mas espero que possamos retornar à legalidade republicana antes do final de 2003”.3 Onze anos depois, um poder desacreditado e sem futuro não pode mais dispensar um “inimigo interno”.  

Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).

Ilustração: Alves

1  Dois nas fábricas da Peugeot de Sochaux, em 11 de junho de 1968; um em Creys-Malville, em 31 de julho de 1977; um em 6 de dezembro de 1986, em Paris, ao cabo de uma manifestação estudantil; um em novembro de 1987, em Amiens, em consequência de um espancamento.
2  Patrice Ribeiro, secretário-geral do sindicato de policiais Synergie-Officiers, citado pelo Le Figaro de 15 de novembro de 2014.
3          Michel Dreyfus-Schmidt, citado pelo Le Monde, 29 out. 2001.
01 de Dezembro de 2014

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