segunda-feira, 20 de abril de 2015

Crônica: os tempos da cúpula do Panamá nos caminhos e casas de Cuba

na Carta Maior

Como fazer contato com a realidade cubana sem cair na arrogância de dizer aos cubanos o que está bem e o que está mal e por quê não deveriam se queixar?

Martín Granovsky - Pagina12
Rene Bastiaanssen
Havana - Difícil saber o que há diante do ônibus da frente, parado na estrada. Algo o está atrapalhando, e o obriga a andar a 15 km/h. É Impossível passar. Pelo lado contrário, se aproxima uma pequena caravana e bloqueia o caminho. Primeiro, um gordo pedalando uma bicicleta velha. Atrás dele, dois policiais de uniforme caqui numa moto com sidecar – o de bigodão pilotando. Em seguida, uma Lada Anos 80, aquele carro parecido ao Fiat 125, mas fabricado na União Soviética. O dia é 11 de abril, e estamos na rodovia central de Cuba. O rádio transmite o discurso de Barack Obama no Panamá. Em breve será a vez de Raúl Castro falar.
 
Um cartaz ao lado da estrada diz: “Quem quer, ganha. Quem não se esforça, não quer”.
 
Nessa pista ondulada é melhor relaxar e alternar entre as únicas duas emissoras AM que pegam bem, Rádio Reloj e Rádio Rebelde. Não serão as mais variadas para uma viagem de 10 horas de carro, mas nestes dias até o locutor de voz engomada da Radio Reloj, que diz a hora a cada dois minutos, parece mais interessante. É porque tem notícia. Na preparação da Cúpula das Américas do Panamá, o grande tema para os cubanos era que José Félix Rodríguez estaria no evento. A mesma pessoa que, encarregado pela CIA e por suas próprias convicções, liderou a captura e assassinato do Che Guevara na Bolívia. Ele mesmo, que em 1991 apareceu na Quinta de Olivos – mansão onde moram os presidentes argentinos – acompanhado do cubano anticastrista Jorge Mas Canosa, para uma entrevista com Carlos Menem, onde foi selado o aspecto mais cruel, físico e comercial dessas relações perigosas.
 
Tanto a Rádio Reloj, de notícias com sabor mais artificial, como a Rádio Rebelde, com cobertura jornalística mais presente, informaram os detalhes da presença de Rodríguez e como ela terminou sendo uma provocação que impedia a participação plena no fórum com a sociedade civil do Panamá de gente como Miguel Barnet, presidente da Associação Cubana de Artistas e Escritores – autor que escreveu, aos 24 anos, uma memorável biografia sobre a vida do escravo Esteban Montejo.
 
Outro cartaz de estrada diz: “Unidade, firmeza e vitória”.
 
Fora de Cuba, o Che pode significar utopia, revolução, ideais, solidariedade, idealismo ou ser um ícone numa camiseta. Em Cuba ele é, além de figura legendária, um dos pais da pátria, fundador de revoluções e lutas pela independência, junto com Carlos Céspedes (líder do levantamento de 1868), com o general Antonio Maceo (prócer da independência), com o Mestre, como chamam José Martí, com Fidel Castro e Camilo Cienfuegos. O Che foi comandante da guerrilha e, junto com Camilo, estive ao lado de Fidel tanto em Sierra Maestra como no governo nascido da revolução de 1º de janeiro de 1959. Chegou a presidir o Banco Nacional e encabeçou o Ministério da Indústria. Levar o responsável pela morte do Che a uma cúpula internacional, e a um evento com a sociedade civil, preparatória do encontro dos presidentes, é uma mensagem de ataque não só a uma figura mundial da revolução mas também a um prócer do Estado cubano. Uma figura, ademais, adorada pelo povo, mesmo cinquenta anos depois de sua partida para o Congo.
 
– O que você acha disso? Esse pessoal matou o Che – disse um cozinheiro, irritado, enquanto conta seus segredos para fazer um bom congrí, prato com arroz e feijões negros, também chamado moros y cristianos.
 
Para ele, na noite de 10 de abril, um dia antes do grande encontro dos presidentes marcado para o sábado 11, a cúpula é de tamanho impacto que justifica ligar o televisor inclusive antes do começo de um grande duelo de beisebol, onde se enfrentam Tigres contra Piratas.
 
– Rodríguez foi comido pelos vermes?
 
– Bom, em Cuba já não usamos essa palavra. É um pouco agressiva – corrige o cozinheiro, tão furioso com Rodríguez como atualizado na diplomacia.
 
Ali perto, dois garotos jogam ludo. Sem smartphones e quase sem Internet, sem Play Station ou tablets, sem telas, brincar sem a eletrônica é uma ótima opção. Funciona tanto dentro de casa, sobre a mesa familiar, como nas ruas de Santiago de Cuba, onde um grupo de rapazes jogam uma eletrizante partida de dominó. Os quatro sustentam sobre os joelhos a tábua de madeira sem pernas que serve de mesa. Parecem não ter medo de nada, talvez porque não há carros. Nem ladrões.
 
Mais um cartaz na estrada, diz: “Ser eficiente é vencer”.
 
As rádios estão há uma semana se preparando para a cobertura. O anúncio é direto. “O general do Exército Raúl Castro Ruz, presidente do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros de Cuba, comparecerá à Sétima Cúpula das Américas”. Vem a voz de Raúl avisando, com seu tom áspero, que estará no Panamá “por convite do presidente Juan Carlos Varela”. Não devido a um acordo com os Estados Unidos, é o que Raúl quer dizer, ainda que seja óbvio que Varela ganhou uma piscadela de Washington, quando, em dezembro, dias depois do anúncio da normalização das relações por parte de Obama e Castro, pediu a Cuba que participasse da Cúpula. Era uma boa ocasião para passar da palavra ao símbolo e do símbolo aos discursos e ao encontro entre os dois, sem buscar especialmente um terceiro país. Como quem quer nada enquanto, obviamente, está querendo algo.
 
É difícil saber se a coisa será tão rápida como parecia em dezembro. Para começar, o turismo norte-americano aumentou, mas não há uma invasão. Por enquanto, o trânsito abarrotado como se vê na marginal no final da tarde, ou na Imigrantes em feriados prolongados, continua ausente (nota da tradução: abrasileirei, ou paulistanizei, exemplos argentinos usados pelo autor). Nem lento nem rápido. Mas o caso da Cuba que anseia novos turistas não é uma questão de quantidade mas sim de qualidade de protagonistas e da frequência com que o tipo de ator se cruza com outro num mesmo caminho. O ônibus que vinha em frente acelera. Podemos acelerar também, e fazer a lista do que havia. Primeiro um carro com duas pessoas a bordo, rodas de bicicleta e toldo. Depois um Chevrolet modelo 1950. Logo, parado, um caminhão dos Anos 40, reconstituído com motor a diesel. Os veículos a diesel em Cuba são chamados de “petroleiros”. O carro parado atrás não pega o acostamento. Ou sabe que ninguém atrás dele vai importunar, ou espera porque não existe acostamento, nem de palha. E ninguém atrás toca a buzina.
 
O novo cartaz diz: “A revolução é invencível”.
 
Obama fala. Se escuta apenas um trecho de sua voz, com a da tradutora se sobreposta. Obama diz, sobre as relações com Cuba, que “os Estados Unidos não serão prisioneiros do passado”, o que não significa que o esqueceu, mas que preferiu omitir politicamente, e “olhar para o futuro”.
 
Pela mão direita da rodovia central, porque os carros também andam pela rodovia central de Cuba, a que une os 968 quilômetros entre Havana e Santiago, vê-se os barracões agrícolas. É a zona do açúcar. A safra está por terminar. A Rádio Reloj informa que será a maior safra em 11 anos, com 22% de crescimento entre a colheita que termina e a do ano anterior. Não há publicidade comercial mas tampouco barracão sem consigna.
 
O cartaz diz: “Nascemos para vencer. Guinada para sempre”.
 
Raúl fala. Todos riem quando ele diz: “Já era hora de eu falar aqui em nome de Cuba”. Pode-se ouvir as gargalhadas diante da ideia de que não se contentaria com os oito minutos concedidos a cada presidente, mas que usaria 48 minutos mais, acumulados das seis cúpulas anteriores, das que Cuba foi excluída.
 
Castro mencionou várias vezes a expressão “América latina”, mas só depois de usar outra, “nossa América”, a forma em que Martí falava da América que ficava ao sul dos Estados Unidos e que socialmente devia ser também a do mestiço, do índio e do negro. Seu discurso foi, em boa medida um resumo histórico da relação com Washington.
 
“No Século XIX, surgiram a Doutrina do Destino Manifesto, com o propósito de dominar as Américas e o mundo, e a ideia da Fruta Madura para a gravitação inevitável de Cuba à federação norte-americana, que desdenhava do nascimento e do desenvolvimento de um pensamento próprio e emancipador ao sul de suas fronteiras”, recordou. O irmão de Fidel continuou: “Há 117 anos, no dia 11 de abril de 1898, o então presidente dos Estados Unidos solicitou ao Congresso a autorização para intervir militarmente na guerra da independência, já conquistada com rios de sangue cubano, e este emitiu sua enganosa Resolução Conjunta, que reconhecia a independência da ilha ‘por direito e fato’. Entraram como aliados e se apoderaram do país como ocupantes. Foi imposto a Cuba um apêndice em sua Constituição, a emenda Platt, que a despojou de sua soberania, enquanto autorizava o poderoso vizinho a intervir nos assuntos internos, o que deu origem à Base Naval de Guantánamo, a que até hoje usufrui da usurpação de parte de nosso território”. Disse Raúl Castro que em 1º de janeiro de 1899 os militares norte-americanos entraram em Havana. Justo 60 anos antes da derrubada da ditadura pró-estadunidense de Fulgêncio Batista. Ciclos: em 2019 a revolução fará 60 anos. Como serão as próximas seis décadas?
 
O cartaz diz: “Pátria é humanidade”. Assina Martí.
 
A cafeteria El Paso está no caminho em direção a Los Arabos, na rodovia central, em zona bastante povoada, com cidadezinhas como Jovellanos e El Perico. Fica perto de Santa Clara, citada na célebre canção Hasta Siempre como a que desperta para ver a lembrança dos passo do Che rumo a Havana, após a vitória guerrilheira em Sierra Maestra. Se você espera cinco minutos eles servem café, e emprestam o banheiro se você esperar que o deixem mais decente. A terra é seca. Atrás do mostrador, um letreiro divulga a semana de cinema da diversidade sexual. Com o café já preparado, delicioso como em toda Cuba, passadas as cinco da tarde chega uma adolescente de camisa bege, jaqueta branca e um pano do mesmo tom da camisa. O uniforme é dos primeiros anos da escola secundária. O dos pré-escolares é azul. Na primária é bordô. A garota parece andar se arrastrando, como costuma-se andar depois da escola. Mas estava impecável, penteada, elegante. Uma privilegiada, diria Perón. Os ensinos fundamental e médio são obrigatórios e dá a impressão que, para os cubanos, essa obrigatoriedade é sagrada. Em Havana, há muitas crianças brincando na rua. Algumas bem vestidas. Outras descalças. Algumas de camiseta e outras descamisadas. Algumas com bola de futebol e outras sonhando que são rebatedoras da seleção de beisebol. Em Santiago, as crianças estão nas ruas, brincando. Nas regiões mais rurais, em setores onde é preciso andar muito para buscar água e a luz elétrica é um milagre, as crianças estão brincando. No campo, uma parte do trabalho é feita com arados de ferro puxados por bois. Nas imediações dos caminhos mais precários, os camponeses conduzem suas carroças carregadas de cana. Entretanto, à exceção dos fins de semana e feriados, é impossível ver um menino ou menina ao lado de um boi ou na carroça de cana. Devem estar – é o que se supõe, e parece que cumprem com essa obrigação – na escola. Existe algo que não se pode ver em Cuba: crianças trabalhando. Outra coisa, ao menos aparentemente: crianças pedintes. Os mais pequenos, que ainda não têm idade escolar, nem eles acompanham os camponeses nas carroças, ou ajudam os que oferecem um quarto ou uma casa para ficar, um táxi Plymouth conversível, um táxi Lada, um táxi sidecar em forma de coco puxado por uma moto, um tabaquinho, uma informação sobre o melhor mojito, um restaurante com varanda e música em Santiago porque depois o dono me paga com uma garrafinha de azeite, um rum envelhecido que meu amigo traz direto da refinaria e você vai pagar mais baratinho.
 
O que mais se escuta dentro e fora de Cuba é que a Revolução Cubana garantiu e garante saúde e educação gratuitas. Os cubanos formam clínicos que trabalham como médicos de família. O médico da comunidade, que é sempre o mesmo, opera como primeiro recurso. Depois dele, se necessários, virão os especialistas ou os hospitais.
 
Saúde e educação garantidas formam uma base sólida. Aumentam a expectativa de vida, asseguram a nutrição inicial e oferecem um piso para construir a autoestima. Os fenômenos, claro, não têm uma única cara, porque a existência de diversos mercados também simplifica o comércio e cria distorções. Alguns dos taxistas cinquentenários do Parque Céspedes, em Santiago, ou do Parque Central, em Havana, falam quatro ou cinco idiomas. Espanhol, sem dúvidas. Inglês aprendido sistematicamente. Francês aprendido na rua. Italiano, igual. E russo. De onde saiu o russo? De ter estudado engenharia na antiga União Soviética, antes da implosão de 1991. É possível encontrar um desenhista de aviação oferecendo passeios para turistas nessas cidades. Significa que não tem trabalho para engenheiros? Sim, existe. O problema é que um engenheiro cobra seu salário em pesos, moeda nacional, em quantidade que não supera os 25 dólares mensais. Equivale a cinco corridas normais de táxi. Muitos profissionais combinam o trabalho que gostam e para o qual estudaram com o que se pode juntar um pouco mais de dinheiro. Outros, talvez mais cansados, ou mais velhos, já se voltaram totalmente ao mundo que lhes permite aumentar notavelmente seu poder aquisitivo. É, por um lado, um evidente desperdício de recursos. Foram formados pelo Estado com conhecimentos e habilidades que não usarão no setor originário. Mas é possível que a mescla de formação sistemática e iniciativa os transforme no começo de novas cooperativas de turismo e construção.
 
Como interagem em Cuba as diferenças culturais e os passados diversos?
 
Cartaz ao lado da estrada: “Fim da injustiça. Entramos com tudo na hora sagrada da revolução”.
 
Discurso de Raúl: “tivemos que suportar grandes dificuldade: 77% da população cubana nasceu sob os rigores impostos pelo bloqueio”.
 
Na mensagem, o presidente cubano busca ser cordial com seu colega de Washington, o primeiro que não só planeja uma aproximação com Cuba mas que também a realiza. “Viemos expressar publicamente ao presidente Obama, que também nasceu sob a política de bloqueio a Cuba, e que ao ser eleito a herdou de dez presidentes, nosso reconhecimento por sua valente decisão de se envolver num embate com o Congresso de seu país para por fim a ele”.
 
Em seguida, Castro não perde a chance de realizar uma precisão. “Até hoje, o bloqueio econômico, comercial e financeiro se aplica em toda a sua intensidade contra a ilha, provoca danos e carências ao povo e é oobstáculo essencial ao desenvolvimento de nossa economia. Constitui uma violação ao Direito Internacional e seu alcance extraterritorial afeta os interesses de todos os Estados”.
 
– Não se pode por menos açúcar no mojito – insiste o moço da rua Obispo, no coração da velha Havana –, muda o sabor. Você é da Espanha?
 
– Argentino. Então me vê um com todo o açúcar que puder.
 
– Argentino… escutaram o discurso do Raúl? A presidenta de vocês também falou, com firmeza.
 
Cristina Fernández de Kirchner, logo depois de Raúl Castro, valorizou a retomada do diálogo como uma “atitude positiva de Obama”. E disse: “Tenhamos claro que Cuba não está aqui e nós não estamos aqui presenciando o encontro de dois presidentes que depois de muito tempo decidiram apertar as mãos. Não, senhores. Cuba está aqui, porque lutou por 60 anos com uma dignidade sem precedentes. Com um povo que sofreu e sofre ainda muitíssimas privações, e porque esse povo foi conduzido e dirigido por líderes que não traíram sua luta, e foram parte dela”.
 
Cartaz na estrada: “Decisão, coragem, valentia”.
 
Os cubanos protestam contra o bloqueio, mas parecem temer mais os efeitos sociais, culturais e psicológicos, que ainda desconhecem em todo o seu alcance, do chamado Período Especial. Um forma quase carinhosa de descrever o tremendo sofrimento social vivido pela ilha a partir de 1991, quando a nova Rússia pós-soviética cortou seus laços e os subsídios. Os relatos contam coisas horríveis. Os que hoje são gordos ou gordinhas olham suas fotos daquele então e se encontram fracos e magrelos. Não tinham comida suficiente, nem transporte. Longas caminhadas em direção ao trabalho e de volta dele. Quando podiam comprar algum transporte alternativo, uma bicicleta para vencer os quilômetros de ida e volta, mas ela também custava caríssimo.
 
– Você viu que as tumbas trazem a sigla QEPD?
 
– Sim, que em paz descanse.
 
– No Período Especial dizíamos que deveriam por NR.
 
– NR?
 
– Não resistiu.
 
O humor cubano relaxa. Tira o dramatismo da coisa. Explica o que uma vez disse Pablo Milanés: “Viver em Cuba é um encanto e um inferno”. É possível medir, mais que com o humor, o impacto que o Período Especial teve na sociedade? Trabalho para sociólogos, historiadores, antropólogos. Aos que hoje têm 30 e poucos, essa etapa os pegou entre cinco e quinze anos de idade. Se lembram. Os que têm 40 e poucos, que tinham entre 15 e 25, lembram ainda mais. Os maiores de 50 então…. Nessa última categoria, que agrupa os nascidos com a revolução ou que eram crianças ou bebês em 1959, um elemento comum atua: ninguém quer falar com detalhes de uma etapa de tanto sofrimento. Dão títulos e se calam. Às vezes deixam escapar no relato um certo orgulho de haver aguentado a prova. Às vezes pode-se detectar uma amargura tão bem retratada por Leonardo Padura nos personagens de sua novela “Hereges”. Mostram frustração, mais que ressentimento, e dor mais que ódio, porque não se trata de gente como José Félix Rodríguez mas sim de simples cubanos que enfrentaram à sua maneira uma crise que afetou a todos. As coisas hoje estão mais misturadas. Um matrimônio de veteranos comunistas pode ter um filho que vive em Miami porque, simplesmente, não suportou as privações e pensa que as chances são maiores fora de Cuba. Uma irmã pode ter outra irmã na Florida. Tem vontade de vê-la, mas não quer dar o braço a torcer. Não a critica, mas por quê ela não vem primeiro em vez de me dizer que eu devo viajar? Um empreendedor que cria porcos em Camagüey e que logo criará frangos, associado a outro camponês, se queixa porque não existe um mercado de milho. Sua mãe, engenheira, recebida na União Soviética, reside em Tampa. E diz a ele para ir para lá, onde há futuro. Ele intui, crê, e sobretudo faz o possível para que a transição a um país menos centralizado e menos estatal o mantenha em Cuba.
 
Cartaz: “A batalha econômica constitui hoje, mais que nunca, a tarefa principal”. Assina Raúl.
 
Como fazer contato com a realidade cubana, por estes dias, sendo um latino-americano de esquerda, ou nacional e popular, ou simplesmente humanista, sem cair na arrogância de dizer aos cubanos o que está bem e o que está mal e por quê não deveriam se queixar dos problemas trazidos pelo consumo? Cuba não é socialmente injusta como seus vizinhos Haiti, República Dominicana ou Guatemala. Também é verdade que os cubanos têm um sistema sanitário mais democrático que o dos Estados Unidos e um sistema educativo que, pelo amplo acesso gratuito, só pode ser comparável ao da Argentina, ao menos no continente. E é especialmente curioso que as crianças de hoje e as que foram crianças durante o Período Especial, sempre durante o bloqueio, ainda se sentem portadores de direitos. Um cubano poderá dizer: “Concordo com o quevocê expõe, mas acho que poderíamos estar melhor com menos burocracia”. Outro poderia pedir, de forma concreta, um mercado atacadista o qual Cuba carece. Outro, poderia pedir mais liberdades que reformas, mais glasnost que perestroika. Outro, mais reformas que liberdades. Outro, a volta mais rápida dos pequenos comércios, a revolução desapropriou tanto quanto a General Electric, e que hoje pensa-se como poderiam ser repostos junto com o setor estatal e o setor público cooperativo dentro do que o governo chama de “processo de atualização”. Todos exigirão Internet.
 
E o que acontecerá com os Estados Unidos? O cenário mais provável é uma reconexão gradual, muito gradual, porque pesam ao menos dois elementos. De um lado, a necessidade de contar com fornecimento e orçamento. Do outro, o cuidado que os cubanos têm em saber que Cuba fica numa área colonial de Washington, onde a ideia do quintal é literal, tal qual escreveu Martí na famosa carta a Manuel Mercado, de 18 de maio de 1895, conhecida como seu testamento político, já que foi morto na guerra no dia seguinte.
 
Disse Martí: “Já posso escrever (….) por meu dever de, com a independência de Cuba, impedir a tempo que os Estados Unidos estendam seus domínios pelas Antilhas e avancem com ainda mais força sobre nossas terras da América. Quando o fiz, e continuarei fazendo, é por isso. Nem o silêncio deve ser, como tem sido indiretamente, porque há coisas que precisam estar ocultas para serem alcançadas”.
 
O cartaz diz: “Comunidade audaz”.

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