quinta-feira, 23 de julho de 2015

O Desmonte da Democracia

por José Gilbert Arruda Martins

Principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, "tornou-se costume desdobrar a cidadania em direitos civis, políticos e sociais. O cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos" (Carvalho)


Os direitos plenos à cidadania no Brasil, são um sonho acalentado há mais de 100 anos. Apesar dos avanços da última década, somos um país ainda escravo de interesses mesquinhos de uma elite irresponsável, que aplaude com fervor a cidadania lá fora, e impõe dificuldades enormes à construção da democracia aqui dentro.

No exercício de buscar aquilo que falta ou, supostamente falta no universo intangível da macroeconomia, construindo ajustes fiscais que, novamente e historicamente, atacam apenas interesses e direitos dos trabalhadores e suas famílias, esquecemos da política de desmonte da cidadania que vem sendo operada por Eduardo Cunha (PMDB) na Câmara dos Deputados.

Quando Eduardo Cunha ainda bajulava um e outro político do Estado do Rio de Janeiro para assumir cargo na esfera pública, o país saia da Ditadura Militar e começava a construir uma Lei Maior digna de ser elogiada no que concerne às questões sociais. Pelo menos na lei estávamos bem servidos. A Constituição Cidadã de 1988 é repleta de passagens em artigos que contemplam a liberdade e o amparo social:

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão

Levamos cerca de vinte e cinco anos, no período pós Constituição de 1988, na construção de um arcabouço legal que amparasse a cidadania que, em apenas cinco meses como presidente da Câmara dos Deputados, o Sr. Eduardo Cunha está, implacavelmente, pondo a baixo.


Quem perde é a cidadania, a democracia, não apenas os mais pobres, aliás, toda a sociedade perde. As medidas de desmonte capitaneada por Cunha e sua tropa, não irão diminuir a violência, a tendência é o seu recrudescimento. Porque retira direitos e impede as camadas mais frágeis da sociedade de alcançá-los.

A construção da cidadania formal no país - Leis e Políticas Públicas -,durante muito tempo foi esquecida pelo poder hegemônico e pelo Estado controlado e dirigido por esse poder.

Nem mesmo a Constituição de 1934, que inicia no Brasil, a construção de uma base legal um pouco mais voltada para o social, teve vida suficiente para estruturar e construir um mínimo de leis e políticas públicas voltadas para a maioria.

A Casa Grande foi preferida e privilegiada em praticamente 100% das ações do Estado brasileiro até a constituição de 1988.

Um exemplo muito ilustrativo é que a suposta crise não atinge os mais ricos ou a alta classe média; a imprensa divulgou dias atrás a expansão nas vendas de apartamentos e carros de luxo.

Portanto, a cidadania aos "homens bons" já foi mais que consolidada. Praticamente todas as políticas públicas ou privadas no que se refere à moradia, renda, formação, lazer, cultura etc., foram direcionadas, por mais de cinco séculos a essas classes sociais. Enquanto a maioria da sociedade foi quase que completamente preterida.

A construção de leis e políticas públicas voltadas à cidadania, foi concretamente iniciada com a Constituição Federal de 1988 e, dada continuidade, nos governos trabalhistas de Lula da Silva e Dilma Roussef, no início dos anos 2000.

Nos anos imediatamente após a promulgação da Constituição de 1988, conseguimos forjar a partir da luta dos Movimentos Sociais organizados, um conjunto de leis importantes, entre elas o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n° 8.069/1990.

O Brasil serve de modelo para o mundo no que se refere a algumas leis, e o ECA é um exemplo disso.

Antes dessa lei importante, nossas crianças, adolescentes e jovens, fundamentalmente os filhos e filhas de trabalhadores, eram "amparados" ou no velho Código Melo Matos de 1927 e, principalmente no Código de Menores de 1979, que o ECA revogou.

Tanto um como o outro, tratavam crianças, adolescentes e jovens como cidadãos de segunda classe; esses grupos sociais importantes eram denominados de "Di Menor", "vagabundos", "meninos de rua", "trombadinhas", "menino carente", "menor abandonado".

Esse tratamento, que de uma certa forma é oriundo do regime escravocrata, solidificou na sociedade a cultura da violência contra os filhos e filhas de pobres, principalmente se é negro e reside na periferia.

Quando o ECA - Estatuto da criança e do adolescente - entrou em vigor, na década de 1990, essa realidade começou a sofrer uma importante mudança. pela primeira vez, deixava-se bem claro que meninos e meninas são sujeitos e não objetos, com direitos e deveres expressos em lei.

"O ECA é resultado da celebração e ânsia pela construção de um sistema de direitos. Ele leva a marca inconfundível da participação popular. Seu conteúdo tem origem nas praças, nas ruas, nas igrejas (progressistas)".

Além do ECA, que é uma lei moderna, progressista, o Brasil é signatário de Tratados Internacionais importantes na seara dos Direitos Humanos, entre eles, a "Declaração de Genebra dos Direitos da Criança" de 1929; da "Convenção Interamericana de Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica" de 1969 e da "Regras Mínimas para a Administração da Justiça de Menores - Regras de Beijing", todas ratificadas por nosso país.

Mas, os avanços legais que vieram com a "Constituição Cidadã", como a denominou Ulisses Guimarães, não foram capazes de conter na década de 1990, mais precisamente a partir de 1995, o desmonte do Estado patrocinado por Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que iniciaram a implantação da política econômica de orientação neoliberal, causando o sucateamento perverso e premeditado de quase tudo que era público e voltado ao atendimento dos interesses sociais.

Os governos neoliberais de Collor e FHC, preocupados em desmontar o Estado, consequentemente atingiram em cheio os setores mais pobres da sociedade, na década de 1990, o país tinha cerca de 50 milhões de famintos e miseráveis, a educação pública foi esquecida, e teve seu aspecto quantitativo e, principalmente qualitativo fortemente atingido e depauperado.

Apesar desse período nefasto, muito do arcabouço legal dado pela nova constituição se manteve e, no início dos 2000, o Estado brasileiro voltou-se novamente para o social, com a ascensão ao poder de governos trabalhistas na figura de Luis Inácio Lula da Silva que retomou e ampliou as Políticas Públicas voltadas à construção ou reconstrução democrática e cidadã.






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