sexta-feira, 8 de maio de 2015

Mecanismos que levaram a redução da desigualdade estão sob risco

na Carta Maior

Ajuste fiscal coloca na berlinda os pilares da política que reduziu diferenças sociais entre classes nos últimos dez anos.

Caio Zinet
EBC
Os mecanismos utilizados nos últimos doze anos para reduzir a desigualdade social no Brasil são frágeis e estão sob risco diante dos ajustes econômicos que estão sendo aplicados pelo governo. O alerta é da professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP), Leda Paulani.
 
A docente identifica a redução do desemprego, o aumento da formalização da mão-de-obra, a valorização do salário mínimo, o acesso ao crédito e as políticas compensatórias de renda como os pilares do processo de redução da desigualdade nos últimos dez anos. Ela alerta, no entanto, que desses pilares apenas o último deve se manter.
 
“Esses outros mecanismos são muito vulneráveis e num período como esse que estamos vivendo a possibilidade deles se manterem como dinamizadores desse processo de redução de desigualdade é pequena. O que se conquistou é muito frágil e o que pode permanecer sem muito prejuízo é apenas o Bolsa Família por ser um programa barato, mas é muito ruim que seja assim” afirmou Leda durante debate organizado pelo Centro Acadêmico Visconde de Cairi.
 
Para a professora as políticas compensatórias de renda, como o programa Bolsa Família, cumprem um papel importante para atender a camada mais pobre da população brasileira, mas são insuficientes para reduzir a desigualdade social no país.
 
“Não vamos conseguir um país menos desigual socialmente se ficarmos fazendo política de renda compensatória e ponto. Tem uma séria de outras coisas que vão muito além que precisam ser atacados”, afirmou Leda.
 
Ela explica que a chamada nova classe média não surgiu somente em decorrência de programas como o Bolsa Família, mas de um conjunto de outras medidas que foram mais importantes do que o programa para reduzir a desigualdade.
 
“O Bolsa Família é um programa barato, mas atinge a população que está mais a esquerda na linha de distribuição de renda (mais pobre). Essa nova classe média não vem do bolsa família ela vem dos outros mecanismos de inclusão: recuperação do emprego, ganho real no salário mínimo e crédito”.
 
Para ela, os ajustes devem reverter, ou ao menos estagnar, o processo de redução da desigualdade social no país. “Dado o quadro internacional imprimir uma recessão maior do que ela já seria normalmente por conta desse ajuste torna muito difícil a recuperação da economia”, afirmou Leda.
 
“Nessas circunstâncias esses mecanismos de redução da desigualdade ficam prejudicados e pode haver se não um retrocesso, o que seria realmente trágico, mas no mínimo uma parada geral nesse processo tão rápido de redução da desigualdade”.
 
Desigualdade social
 
Ao longo dos últimos doze anos o Brasil apresentou uma trajetória intensa de redução da desigualdade social. A pobreza foi de 24,7% da população em 2001 para 8,9% em 2013, enquanto a pobreza extrema caiu de 10% para 4% no mesmo período. A desigualdade medida pelo índice Gini de 0.59 em 2001 para 0.53 em 2012.
 
O ex-subsecretário da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Ricardo Paes de Barros, cita dados que apontam que a renda dos 10% mais ricos do país cresceu a uma média de 2% ao ano nos últimos dez anos, enquanto que a renda dos 10% mais pobre cresceu a 6,5% ao ano durante o mesmo período.
 
“A desigualdade foi reduzida todos os anos desde 2002. Nesse período tem anos de crise mundial, de estagnação, de crescimento da economia mundial, mas o que passamos foi um processo foi de redução de desigualdade acontecesse o que acontecesse”, afirmou Barros durante debate com estudantes da FEA USP.
 
Ele reconhece, no entanto, que o ritmo de redução da desigualdade diminui desde o fim de 2010. “Depois do governo Lula existe uma redução no ritmo de redução da desigualdade que passa a ser mais lento. Talvez porque seja difícil manter essa trajetória fantástica, ou talvez porque não estamos tão preocupados com a redução da desigualdade num período mais recente”.
 
Apesar da melhora significativa nos índices, o Brasil ainda tem inúmeros desafios para combater a desigualdade social. O Índice de Desenvolvimento Humano médio do país subiu de 0,682 em 2000 para 0,744 em 2013 o que coloca o Brasil na 79ª colocação no ranking mundial.
 
A situação seria ainda pior se o IDH levasse em conta desigualdades sociais. Segundo cálculos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o IDH brasileiro ajustado a desigualdades sociais cai 27% para 0,542 e o país desce da 79ª posição no ranking de desenvolvimento para a 95ª.
 
Ainda de acordo com o Pnud, o IDH ajustado pela desigualdade social segue os mesmos parâmetros do índice tradicional, mas leva em consideração a desigualdade de renda, de acesso a educação e do nível de expectativa de vida da população.
 
O fator que mais pesou para a queda do índice brasileiro foi a desigualdade de renda. Segundo o Pnud a diferença média entre ricos e pobres é de 39,7%, na educação esse índice é de 24,7% e de 14,5% na expectativa de vida.
 
“Está resolvido o problema da desigualdade? Não. Existem países no mundo que tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,3 e tem países no mundo tem IDH de 0,95. No Brasil existem munícipios como Jordão (AC) e Fernando Falcão (MA) que tem um IDH parecido com o de Uganda enquanto que Santos e São Caetano tem IDH de 0,95 e estão próximos a Holanda”, afirmou.
 
“Se você andar pelo Brasil você consegue encontrar lugares que representam 85% da desigualdade do mundo. Somente os níveis mais baixo que só serão encontrados na África ou no Sul da Ásia. Essa desigualdade é um absurdo ainda mais porque essas cidades estão no mesmo país sob o mesmo governo”, completou Barros.
 
A professora Leda Paulani lembrou que apesar dos avanços, o Brasil ainda possui 13 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza com apenas US$ 1,25 por dia para sobreviver.
 
“Estamos numa situação melhor no sentido de que conseguimos reduzir a pobreza absoluta que está muito melhor do que há alguns anos, mas em termos absolutos se você imaginar que ainda tem 13 milhões de pessoas no Brasil que vivem com essa renda que é quase nula, extremamente baixa, é muito preocupante”.
 
Saídas
 
Para o Ricardo de Barros um dos primeiros passos para continuar combatendo a desigualdade social é a inclusão dos cerca de 5% que ainda não foram incluídos dentro da dinâmica produtiva.
 
“É preciso fazer um processo de inclusão produtiva. A renda do trabalho cresceu enormemente nos últimos anos e isso quer dizer uma enorme inclusão produtiva no Brasil, mas ainda existe um grupo de 5% da população em que ainda é necessário fazer um processo de inclusão”, disse o professor.
 
Leda Paulani alerta para a necessidade de se atacar não só a desigualdade de renda, mas também a diferença de riqueza entre os brasileiros. A diferença entre os dois critérios é que o primeiro mede o quanto cada pessoa ganha como fruto do trabalho.
 
A medida da diferença entre riquezas leva em consideração a posse de outros bens como terra, carro e apartamento e outras rendas auferidas por meio de investimentos, por exemplo. Ainda não existe no Brasil nenhum índice que meça essa diferença de riqueza, mas a professora Leda estima que ela seja ainda maior do que diferença de renda entre a população brasileira.
 
A metodologia para calcular essa desigualdade é difícil, mas uma forma é a partir dos dos informes de Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF). Nas declarações constam além da renda, os bens e investimentos que as pessoas possuem. A Receita Federal, no entanto, dificulta a liberação desses dados.   
 
O economista francês Thomas Piketty afirmou que não conseguiu analisar o caso brasileiro em seu livro “O Capital do Século XXI”, pois as estatísticas sobre Imposto de Renda não foram liberadas pela Receita Federal. Segundo ele, este teria sido o motivo pelo qual o país não foi retratado na obra.
 
“Se não se atacar a questão do estoques de riqueza esses ganhos que nos obtivemos recentemente podem ser muito pouco no que diz respeito a verdadeira redução da desigualdade que o país vive”, afirmou Leda.  

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