quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Por uma Pedagogia da Descoberta

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Sociedade está madura para Educação que reduza papel dos currículos obrigatórios e estimule prazer do conhecimento — exercitado em bibliotecas transversais e de livre acesso
Estava na sala de professores e professoras, depois das duas primeiras aulas, conversando com meus companheiros e companheiras. O tema era política/eleição, afinal estamos em ano eleitoral, mas quando alguém parou para respirar, entrei na conversa com outro assunto, livros, a deixa para o papo fluir e se tornar menos estressante.
Na conversa sobre livros, resolvi expor uma ideia que trazia desde o início do ano. Criar um projeto de feira de livros, os estudantes poderiam emprestar, trocar, doar ou só expor seus livros, a adesão dos colegas foi imediata, surgiu então a 1a. Feira de Livros e Arte do Cem Setor Leste.
Vamos, dias 9 e 10 de outubro expor nas árvores do pátio interno da escola, cerca de 700 livros e gibis. Vai ser a festa do livro e da arte. Vai ser momento de mais interação dos estudantes, só que agora tendo o livro como intermediário dessa relação.
Não perca. Abaixo uma matéria genial sobre Educação, Livros e Bibliotecas, leia, é para você!
por José Gilbert Arruda Martins (Professor)
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Por uma Pedagogia da Descoberta
Por Derbi Casal, em Bibliotecas Sem Fronteira
escola mata a descoberta. Ela entrega o conhecimento pronto em um currículo, definido de acordo com aquilo que é considerado por autoridades como conhecimento válido, todo o resto é excluído.
O que há nesse “resto”?  Toda  a experimentação, o conhecimento informal, aprendido nas vivências, os saberes tradicionais, transmitidos pelos mais velhos e a descoberta.
A serendipidade (o princípio da descoberta) só existe quando há liberdade de escolha por caminhos diferentes e aleatórios. A descoberta se dá, principalmente, quando não estamos procurando exatamente aquilo. Esse processo, que não pode ser controlado, é inexistente na grade escolar. Na escola somos todos considerados incompetentes para adquirir nosso próprio conhecimento. E nunca somos estimulados à fazê-lo.
A palavra serendipidade surgiu em referência a um antigo conto persa sobre os três príncipes de Serendip. Em suas aventuras eles viviam se deparando com situações inusitadas e fazendo descobertas ao acaso, encontrando respostas para questões que eles sequer haviam feito. Tinha um pouco de sorte envolvida, mas era a sagacidade dos meninos, um toque genial de mentes abertas para a descoberta, que realmente operava a magia.
Essa qualidade da descoberta não é de forma alguma privilégio de mentes superiores. É uma habilidade e um posicionamento, uma forma de ver o mundo, disponível para qualquer pessoa.
Bibliotecas são um excelente lugar para o exercício de serendipidade e nas escolas elas ficam isoladas das pessoas, que mal as frequentam nos intervalos das aulas. Temos alguma contação de história, mas livros previamente escolhidos. Mesmo quando eles não são previamente escolhidos, raramente é o acervo todo ofertado à escolha e, mesmo que fosse, ainda assim seria apenas uma atividade controlada, algum livro teria de ser “o escolhido”, os outros permanecerão inertes nas estantes.
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Em geral é proibido (ou vigiado) andar entre as estantes a procura de livros que não se sabe ainda quais são. Isso é feito em nome da “ordem” que sempre vem de cima, e está sempre acima da vivência, pairando sobre ela, limitando suas possibilidades libertadoras.
Há um tipo de acesso à biblioteca, que é transversal, não linear, baseado quase que puramente na serendipidade. Ao conduzir uma leitura, indo de um texto à outro, colecionando trechos diferentes de cada livro sobre determinado assunto, eu estou praticando a descoberta. Aliás foi essa prática que desenvolveu a ciência como hoje a conhecemos e o acesso não linear a uma coleção de livros foi o embrião do hipertexto.
Essa forma de utilizar acervos surgiu lá na antiguidade e se tornou evidente na Biblioteca de Alexandria. Foi responsável pelo desenvolvimento da filologia, da geografia, da matemática, da astronomia, da medicina, da poesia, da filosofia, da história e de muitas outras ciências e saberes.
A serendipidade foi a maior consequência de se acumular livros em uma sala. Isso desenvolveu toda uma economia e ergonomia do saber: o surgimento da paginação, da referência, da citação, da glosa, do colofão, dos sumários, dos resumos, das bibliografias, dos catálogos, das resenhas… Todas essas formas de diálogo entre livros, escritores e leitores.
Uma biblioteca nunca é a mesma para duas pessoas praticando a descoberta. As escolhas, mais ou menos aleatórias, de livros formam caminhos, percursos diagonais, transversais, paralelos, pela coleção toda. O prazer de percorrê-los é como o prazer do desconhecido, é desbravar os universos não domesticados do saber. E é possível reiniciar muitas vezes o processo, sempre com resultados inusitados.
A autonomia de percorrer estantes, pegar livros, ler um trecho, procurar outro livro, compará-lo com um terceiro, pegar uma enciclopédia e, partindo de um verbete qualquer, buscar outras fontes, é o principio do amor pela pesquisa e do autodidatismo. São qualidades fundamentais para o pensamento livre e crítico.
Não provoca nenhum espanto a pouca valorização das bibliotecas e da leitura nos dias de hoje. É um reflexo do que a educação faz com a descoberta. Em tempos em que a homogeneidade de ideias, comportamentos e atividades e a obediência a regras, controles e currículos é o que está nas bases da educação, é bastante esperado que as capacidades revolucionárias e libertadoras das bibliotecas sejam caladas.
A busca por uma forma de educação livre passa pelo resgate da descoberta como veículo da potência humana. A serendipidade em substituição à rigidez curricular. É aí que está a importância esquecida das bibliotecas!
Em uma pedagogia da serendipidade, a descoberta é o centro do aprendizado e  a biblioteca é o coração da escola.

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