Já é hora de pensarmos Educação como projeto coletivo libertador; um direito e não privilégio; não homogênea, porque democrática
por José Gilbert Arruda Martins
A educação como solução. "Discurso para inglês ver?"
Todos defendem a educação. "Todos pela educação". É lema de Ong, é tema de debate, é discurso fácil na boca de "autoridades".
Apesar dos avanços dos últimos anos. A educação brasileira, especificamente, a educação pública, vive, na maioria dos Estados e municípios do país, uma crise profunda.
Para citar alguns locais mais conhecidos do grande público: no Paraná, até hoje, dia 27 de fevereiro de 2015, 100% dos estudantes estão sem aula. Em Brasília, capital da República, após a Assembléia do dia 23/02, a categoria decidiu por paralisar as aulas até hoje, dia 27/02, esperando uma resposta concreta do GDF, mais de 460 mil estudantes estão sem aula.
Sem destacar, por enquanto, as questões de falta de salário digno e de todo tipo de material, na grande parte da escolas, principalmente, nas micro e pequenas cidades do país como um todo.
Enquanto os filhos e filhas dos trabalhadores (as) estão sem frequentar a escola. As escolas particulares funcionam "normalmente" desde a última semana de janeiro. Quem irá ficar para trás na corrida pela formação e pela sobrevivência profissional?
Em Brasília, o "novo" governo do PSB - Partido "Socialista" Brasileiro, não pagou até hoje, 13° salário, mês de janeiro, 1/3 de férias, rescisão contratual dos professores em regime de Contrato Temporário entre outras pendências financeiras.
Para mostrar que a Educação Pública é "prioridade", o GDF - Governo do Distrito Federal -, entrou com o pedido na justiça para que os professores e professoras voltem às salas de aula. O TJDFT - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que não atendeu ao pedido do Sinpro-DF para que o determinasse que governo pagasse nossos salários atrasados, protocolado desde o início de janeiro, de pronto atendeu ao governo e determinou a volta às aulas, do contrário o sindicato será multado em R$ 50 mil/dia por escola parada.
A categoria, de dezembro ao dia de ontem já fez várias atividades de pressão: fechamento de ruas, acampamento na praça do Buriti em frente ao palácio, apitaço na rodoviária e em dezenas de pontos do DF, caminha, várias reuniões de negociação, pressão aos deputados distritais, comunicados na TV , assembléia; ontem, participaram ativamente e presentemente da Sessão deliberativa na Câmara Legislativa do Distrito Federal, com a participação dos professores e professoras, estudantes, representante dos pais e mães, sinpro-df, sae-df e todos os deputados.
Quando a educação será concretamente notada?
Quando os professores e professoras serão concretamente respeitados?
Quando iremos deixar os discursos fáceis e ir para a prática?
Parabéns professor Carlos Eduardo Rebuá pela bela matéria.
Antes de ontem, o governo entrou na "justiça"
Por Carlos Eduardo Rebuá* | Imagem: Projeto Âncora
De todos os nomes evocados pelos discursos hegemônicos, seja no âmbito da pequena ou da grande política; do foro privado, público ou privilegiado; seja no Brasil ou na Guiné Equatorial, a educação é sem dúvida a “entidade” mais popular e eficaz. Para ficarmos apenas no exemplo mais recente e mais citado na grande mídia e nas redes sociais, temos o lema da “Pátria Educadora”, encampado pelo governo após a mais acirrada disputa presidencial desde 1989: “Ao bradarmos ‘Brasil, pátria educadora’, estamos dizendo que a educação será a prioridade das prioridades (…) só a educação liberta um povo e lhe abre as portas de um futuro próspero (…)” [1].
Se pegamos como panorama apenas as últimas duas décadas, como não lembrar da irmã do piloto Ayrton Senna, no mesmo ano de sua morte (1994), anunciando a criação do Instituto que leva o nome do ídolo brasileiro, ONG que integra o Movimento Todos pela Educação [2] e que busca produzir conhecimentos“para melhorar a qualidade da educação, em larga escala”? Quem não se recorda do senador Cristovam Buarque, primeiro ministro da Educação de Lula, em sua candidatura própria à presidência em 2006, contra Lula, empunhando a bandeira da “Revolução da Educação”, encarada como a solução imediata para todas as mazelas sociais da nação (e por isso virando piadas virais internet afora)?
Qual cidadão não viu ou ouviu matérias jornalísticas nos últimos anos a exaltar a Coreia do Sul e sua educação de ponta, capaz de alçar um país asiático de pouca relevância econômica há algumas décadas a modelo de desenvolvimento econômico-científico (mais educação = menos desigualdade)? Se alguém nos perguntar numa pesquisa de opinião o que propomos para a melhoria do país dificilmente responderíamos algo diferente de “investir em educação”, para além de sua quase irmã siamesa “saúde” e suas primas de primeiro grau “segurança”, “moradia”, “assistência social”.
Como mantra e solução redentora a educação desempenha por aqui e em quase todo o mundo um papel de “Código de ‘A Vila’ às avessas”: o filme de M. Night Shyamalan, de 2004, retrata uma hipotética comunidade estadunidense do final do século XIX fundada sob códigos de conduta estabelecidos por um Conselho de Anciãos, que “cimentam” aquele grupo de pessoas a partir do medo e da iminência da punição. A vila não permite que ninguém “de fora” entre e que ninguém “de dentro” saia: não há comunicação com o mundo externo à comunidade. Uma destas “regras coletivas” era a proibição de adentrar a floresta, habitada por “Aqueles de Quem Não Falamos” (“Those We Don’t Speak Of”), criaturas monstruosas capazes de matar quem ousasse ultrapassar os limites daquele espaço. A submissão às proibições (usar vermelho, por exemplo) é vista como algo natural, na tensão diuturna entre desejo de desafiar os tabus e punição. Na verdade a vila foi construída no tempo presente dentro de uma reserva florestal, por ex-habitantes da cidade, indivíduos que sofreram diferentes traumas e perdas por conta da violência dos grandes centros urbanos e que decidiram construir uma utópica sociedade harmônica, cercada pelo medo e por códigos de conduta impostos pelos fundadores do vilarejo, os anciãos.
De uma das dimensões – dentre outras – fundantes da vida social, a educação é alçada, cotidianamente, ao posto de principal agente da transformação, de fonte inesgotável e automática da garantia de novas formas de sociabilidade, de outros padrões civilizatórios numa dupla costura ideológica que associa imediatamente – sobretudo a partir da teoria do capital humano de matriz estadunidense – educação a desenvolvimento econômico, ao aumento das taxas de lucro do capital, conferindo à primeira o caráter de qualificadora do segundo, ao mesmo tempo que reforça uma concepção etapista dos processos educativos, onde se tornar uma Inglaterra ou Alemanha está ao alcance de todos, mediante a aplicação dos manuais vindos de fora.
Há exatos 140 anos, em 1875, um certo filósofo alemão – outro de quem costumeiramente não devemos falar o nome – defendia num de seus textos mais brilhantes [3], ainda relativamente pouco conhecido do público mais geral, que não é o Estado o agente da educação popular, mas o contrário: é justamente o Estado que necessita receber do povo uma educação muito rigorosa. A História nos ensina que as tentativas de educar o Estado, a partir dos subalternos, de forjar epistemes vinculadas às suas demandas e projetos de mundo provocaram (como na repressão feroz à Comuna de Paris de 1871 ou aos projetos de educação popular de Paulo Freire no início dos anos 1960) a ira das elites, sobre quem devemos falar: aqueles que se organizam a todo tempo na construção de suas próprias escolas, universidades, institutos e na dissolução dos espaços de saber que ousam avançar florestas adentro, questionando as vilas cinicamente harmônicas e alcançando a cidade, lugar do conflito, da memória, da experiência.
Já é hora de refutarmos o “abre-te, Sésamo” da educação redentora e falarmos (sempre) da educação como projeto coletivo libertador, como práxis político-pedagógica, que não pode ser privilégio porque direito e que não pode ser homogênea porque democrática. Falar da educação não como solução, mas como problema já altera significativamente nossa relação com criaturas, medos e respostas fáceis, que sempre encontram na “chave-mestra” da educação a resolução das misérias de todo tipo.
* Professor, historiador, doutorando em Educação pela UFF.
[1] Disponível em: http://www.brasil.gov.br/governo/2015/01/dilma-toma-posse-e-anuncia-lema-do-novo-governo-201cbrasil-patria-educadora201d. Acesso em fev. 2015.
[2] Movimento criado em 2006 que reúne quase 80% do PIB nacional (Itaú, Bradesco, Vale, Monsanto, Globo, Abril, Odebrecht, Faber-Castell, Gol, HSBC, Natura, Santander etc.) em torno de um projeto que visa fazer o Brasil alcançar “a Educação que precisa”, através de cinco metas “simples, específicas e focadas em resultados mensuráveis”, onde uma se destaca (Meta 5): “Investimento em Educação ampliado e bem gerido”. Disponível em: http://www.todospelaeducacao.org.br/quem-somos/quem-esta-conosco/. Acesso em fev. 2015.
[3] MARX, Karl. Crítica do Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.
[2] Movimento criado em 2006 que reúne quase 80% do PIB nacional (Itaú, Bradesco, Vale, Monsanto, Globo, Abril, Odebrecht, Faber-Castell, Gol, HSBC, Natura, Santander etc.) em torno de um projeto que visa fazer o Brasil alcançar “a Educação que precisa”, através de cinco metas “simples, específicas e focadas em resultados mensuráveis”, onde uma se destaca (Meta 5): “Investimento em Educação ampliado e bem gerido”. Disponível em: http://www.todospelaeducacao.org.br/quem-somos/quem-esta-conosco/. Acesso em fev. 2015.
[3] MARX, Karl. Crítica do Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.
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