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negrobelchior
por José Gilbert Arruda Martins
"A Lei nº 10.639 de 2003 estabeleceu que a história e cultura afro-brasileira e indígena fossem inseridas na educação do país. Ainda assim, os livros que carregam a informação sobre outros personagens fundamentais para a história e a formação da identidade brasileira chegam a passos lentos nas escolas do Brasil."
Quem trabalha em escola pública no Brasil ou, aqui em Brasília, levanta o dedo se conhece ou se já trabalhou a Lei n° 10.639/2003 em sala de aula.
Ninguém?
Ei! você professor (a), já trabalhou? Beleza, mas somos, só aqui na capital federal, cerca de 40 mil profissionais em sala de aula das escolas públicas, por que só uns poucos trabalharam ou trabalham esta lei?
Possíveis respostas:
Historicamente, construímos dois tipos de escola, uma para quem produz a riqueza suando, trabalhando. Outra para as elites brancas de classe média alta ou ricos.
E o pior de tudo. A primeira, a escola dos filhos e filhas de trabalhadores (as), imitou e imita as escolas das classes abastadas.
Imita como?
Na oração do "pai e nosso" de toda manhã - aí estamos incutindo um tipo de religião e desprezando as demais, principalmente, as religiões de matrizes africanas. No cantar o hino nacional sem refletir, apenas para incutir uma falsa nacionalidade. Nas fileiras em sala abarrotadas, onde os "bons" sentam na frente, e os "perdidos" sentam no fundão. No material didático, como, por exemplo, o livro de história do Brasil que destaca apenas a visão do branco, colocando o negro e o índio como seres inferiores. No desconhecimento do professor da nossa verdadeira história, ligada aos povos indígenas, às suas línguas, crenças e maneiras solidárias de conviver. Desconhecimento quase que completo da história da África e, o pio, da Escravidão Negra, como tivesse condições de ensinar História do Brasil ou da América, ignorando a escravidão etc. etc. etc.
São escolas, na sua grande maioria, como diz o texto, monocromáticas. Enxergam apenas uma única cor, a branca.
São escolas construídas e trabalhadas para receber e trabalhar como os feitores faziam na casa Grande Senzala.
Escolas e profissionais, na sua imensa maioria, desconhecedores de como trabalhar com o Povo pobre, negro, índio, favelado, abandonado.
A Lei n° 10.639/2003, não irá fazer nenhuma diferença se, primeiro, não mudarmos a formação dos professores e professoras lá na graduação. As instituições que formam professores (as) precisam preparar um curso e aplicá-lo, que destaque a história dos índios e suas visões de mundo, a história da África e dos negros e, com bastante ênfase, a história da escravidão negra moderna, que, entre outras atrocidades, provocou o maior e mais espetacular deslocamento humano da história do ser humano na terra.
Iniciativas como essa da psicóloga Vanessa Andrade são maravilhosas e precisam que sejam potencializadas, é uma forma simples e eficaz de balançar a alma do povo negro brasileiro a partir do trabalho com as crianças negras, parabéns!
Afrobetizar a educação no Brasil
No morro do Cantagalo, no Rio de Janeiro, a psicóloga Vanessa Andrade ouvia com frequência: “Ai tia que cabelo feio” ou então “tia bruxa”. Essa era a reação dos pequenos quando ela passava pelas ruas com seu cabelo afro. Segundo Andrade, isso ocorria porque essas crianças estavam desacostumadas a enxergar a beleza presente no jeito negro de ser. “Isso me doía muito, mas ao mesmo tempo me convocava para uma missão maior de tentar mudar o pensamento dessas crianças”, conta a psicóloga e coordenadora do projeto Afrobetizar.
Quando se trata de identidade, as escolas brasileiras são monocromáticas nos livros e nas histórias. Nossa educação não possibilita que alunos negros encontrem seu caminho e conheçam o lado verdadeiro da vida e da cultura africana presente de forma intensa no Brasil. Com a finalidade de mostrar que outra pedagogia é possível, Andrade iniciou um trabalho intenso de transformação social no Cantagalo.

“O Afrobetizar surgiu da necessidade de trabalhar uma pedagogia diferente, que fizesse com que as crianças descobrissem o próprio corpo através de reconhecer a beleza de ser negro”, diz a psicóloga. Segundo ela, a ideia que coloca professores negros que cursaram ou estão na universidade, realizando projetos de sucesso na vida, tem como intuito trabalhar o protagonismo negro e inverter o processo histórico que sempre colocou o negro como ser inferior em relação ao branco.
Nosso corpo é nosso território
“Com o tempo tivemos a ideia de fazer ações contínuas com as crianças da comunidade”, conta Andrade, a qual ao lado de Gessica Justino e Aruanã Garcia, forma a equipe de professores que organizam oficinas semanais com as crianças em busca de descontruir preconceitos e fortalecer os saberes que não chegam aos pequenos por meio da escola convencional.

“Eu sempre acreditei que não adianta ficar no blábláblá, é preciso provocar a criança com as sensações e com corpo”, diz a psicóloga. Vanessa Andrade pontua que esse é um projeto que trabalha com corporeidade, mas não aquela que se esgota no movimento de dança ou de capoeira e sim a capacidade de ter consciência e acesso às possibilidades corporais. Isso ajuda essas crianças a assumir espaços nos quais tradicionalmente não estão inseridas.
Ensinar além dos livros
A Lei nº 10.639 de 2003 estabeleceu que a história e cultura afro-brasileira e indígena fossem inseridas na educação do país. Ainda assim, os livros que carregam a informação sobre outros personagens fundamentais para a história e a formação da identidade brasileira chegam a passos lentos nas escolas do Brasil. Para Andrade, existe um esforço para que essa lei seja respeitada, mas falta potencializar a descoberta de metodologias para aplicá-la.

“Não basta dizer para as crianças que é lindo ser negro. Contar quem foi Zumbi e Maria Carolina de Jesus. Essas crianças precisam viver uma experimentação positiva para que elas interiorizem esse sentimento de valorizar a própria cultura”, relata. A psicóloga reconhece a importância de transformação presente na lei, porém, vê também a necessidade de trabalhos que afetem de verdade as crianças e jovens.
“A sensação que eu tenho com relação a essa lei é que há uma corrida para que ela seja aplicada através de livros, mas se não tiver um trabalho além do papel, não adianta”, diz Andrade. Para ela o “letramento corporal” que contemple o campo sensorial e entre no mundo de cada criança é fundamental.
Projeto no Museu de Favela
O projeto é realizado na sede administrativa do Museu de Favela – MUF. O local foi criado por moradores do Cantagalo e conta a história da origem da favela através de grafites nas paredes das casas das pessoas que vivem ali. No espaço cedido para o Afrobetizar, há cerca de 30 crianças que participam com frequência das atividades.
“O MUF é o primeiro museu a céu aberto criado em uma favela”, conta Andrade. Segundo ela, as pinturas foram feitas para proteger os moradores desse lugar que sofriam com a ameaça de serem retirados de suas casas. Localizado na zona sul do Rio de Janeiro, a ameaça da especulação imobiliária fez com que a população se unisse e utilizasse o museu como estratégia de sobrevivência nessa região.
Com o passar do tempo, o MUF tornou-se uma referência em grafite e passou a integrar um dos pontos turísticos da cidade maravilhosa. A iniciativa popular é reconhecida como o primeiro museu territorial e vivo sobre memórias e patrimônio cultural de uma favela no mundo.
As fotos da reportagem foram feiras pela equipe do Coletivo Baobá, projeto de comunicação que também trabalha em parceria com o Afrobetizar.
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