O ARAGUAIA NÃO
CHEGA A PERDIZES
Dom Pedro Casaldáliga
Por
Fábio Py Murta de Almeida
(Extraído
da revista Caros Amigos dia 04 de abril de 2014 no endereço: http://www.carosamigos.com.br/index.php/artigos-e-debates/4011-o-araguaia-nao-chega-a-perdizes
Chega a informação de que o bispo emérito da Prelazia do Araguaia, Dom
Pedro Casaldáliga (1928), poderá ser condecorado mais uma vez com o título de
doutor honoris causa dessa vez pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP) – antes recebera a honraria da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), em 2000, e da PUC-GO em 2012. Sem dúvida, é algo a ser comemorado. A
indicação do título para o CÔNSUL da universidade foi da Faculdade de Teologia
da PUC-SP, o qual é o grande prêmio dado pelas universidades a pessoas, podendo
condecorar até os que não têm título acadêmico. Com ele, o laudeado passa a
assinar ‘doutor’ ou ‘doutora’, sendo concedido a pessoas de destaque em área
acadêmica ou em decorrência de serviços prestados à comunidade.
Vetores
Gostaria de destacar que caso haja o laudeamento do ‘Pedro do Araguaia’
há pelo menos dois vetores tendidos nas entrelinhas do ato titulatório. O
primeiro vem de sua trajetória marcada pela luta dos direitos humanos, contra a
ditadura, contra as forças capitalistas no campo, contra os posseiros.
Intra-catolicismo suas lutas se orientam no sentido da crítica à estrutura, ao
celibato sacerdotal e pela luta da maior participação das mulheres no clero.
Nada disso impediu de ser admirado por figuras centrais da cúria como o Papa
Paulo VI. Pontífice, no qual, nos tempos da Ditadura Militar no Brasil desafiou
que se tocassem no Pedro do Araguaia estaria encostando no Papa. Lideranças da
igreja quando podem, prestam homenagens ao Pedro do Araguaia, dono das honrarias
pela vida pastoral aguçada pelas dores dos que pouco têm.
Entretanto também, deve-se considerar o vetor da universidade, isto é,
da PUC-SP. Uma universidade que há anos constrói um histórico na sociedade
brasileira no qual não se pode ser demonstrado nesse pequeno espaço. A PUC-SP
onera em sua tradição: reflexão, o social, e em seus quadros teológicos agrega
excelência ao fino do tecido ecumênico brasileiro. Apesar disso, a universidade
vem se recuperando de embates, lutas contra a estrutura antiga, medieval - não
condizente com sua excelência. Isso por que, na questão da eleição dos cargos
mais altos como a reitoria depende ainda da palavra final do bispado paulista.
Não importa às primeiras colocações. Quem define suas lideranças são os grupos
do bispado. Por isso, tempos atrás ocorreram protestos de estudantes
contrariados com a indicação do bispo levando a ocupar por dias o campus. Os
protestos ocorreram pela indicação do Arcebispo Metropolitano de São Paulo e
grão-chanceler da PUC-SP, Dom Odilo Scherer (1949), de postular na reitoria uma
pessoa não foi a tão bem cotada quanto os demais. Uma postura controversa no
sufrágio universal do Brasil.
Sinal de Francisco?
Sob o governo de Dom Odilo Scherer (de ala mais fechada da igreja, com
histórico de intolerância com teólogos da libertação, responsável por retiradas
de padres e párocos mais progressistas) soa tão distinta a indicação da
solenidade de honoris causa para um bispo como Dom Pedro Casaldáliga
reconhecidamente anti-estrutural, ligado à Teologia da Libertação, aos
movimentos sociais e camponeses. Seria uma vitória da teologia
latino-americana? Um sinal da primavera vivida pela Igreja com o governo de
Francisco? A primeira impressão é que sim. Contudo, a quem perceba que está ocorrendo
um deslocamento de uma teologia social mais para o centro da igreja ao invés de
a celebração da vida, das lutas e pautas do Pedro do Araguaia com críticas aos
ornamentos estruturais. Parece que se está ocorrendo um processo de alocação de
temas da religião progressista no mandato de Francisco, com vias de ocultação
ou silenciamento dos antigos embates desta teologia. É o que se vê nas
argumentações do atual cardeal presidente da cadeira da Congregação para
Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício), Gerhard Muller, quando desloca a teologia da
libertação como subserviente a doutrina social da igreja simplificando-a como
mera solidariedade, caridade cristã.
Segmento de Cristo
O inverso dos que elaboraram as teologias sociais, quando em 1950-1960
seus produtores alertavam os truques das estruturas religiosas do uso dos
termos e postulados das filosofias da libertação a fim de domesticar em prol do
seu leso cristianismo. O inverso do programa preferido quando a partir dos
leigos se construiria uma igreja genuinamente do segmento de Cristo, isto é,
entre os pobres e desguarnecidos. Horizonte que hoje se torna cada vez mais
utópico como quem luta em acreditar que o Araguaia do Pedro possa inundar as
ricas túnicas do Odilo corriola escondido entre os cimentos dos prédios da
classe média alta de Perdizes, São Paulo.
♦ Fábio
Py Murta de Almeida é teólogo, historiador e doutorando em Teologia pela
PUC-RJ. Articulador do blog fabiopymurtadealmeida.blogspot.com
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necessariamente a opinião da revista.
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