Ditadura
Comissão da Verdade identifica 17 centros de
repressão clandestinos
Na chamada
Casa Azul, em Marabá (PA), 24 militantes morreram, a maioria filiada ao PCdoB
por Marsílea Gombata — publicado 07/04/2014
19:40, última modificação 07/04/2014 20:34
Extraído do site
da revista Carta Capital dia 07/04/2014
A
Comissão Nacional da Verdade (CNV) identificou 17 centros clandestinos da
repressão durante o período da ditadura. Com exceção de um, conhecido como a
Casa do Ipiranga, na zona sul de São Paulo, todos eram palco de torturas e
mortes de militantes contrários ao regime civil-militar.
Em audiência pública nesta
segunda-feira 7, a pesquisadora Heloísa Starling, da UFMG (Universidade Federal
de Minas Gerais), apresentou sete locais que vêm sendo investigados pela CNV e
outros dez que foram mapeados como antigos centros de repressão entre 1970 e
1975 no estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Pernambuco,
Sergipe, Ceará, Pará e Distrito Federal. Os centros estavam diretamente
vinculados aos comandos dos órgãos de inteligência e repressão do Exército
(Centros de Informações do Exército – CIE) e da Marinha (Centro de Informações
da Marinha – CENIMAR), assim como organismos de natureza policial militar, como
os CODI (Centros de Operação e Defesa Interna) e DOI (Destacamentos de Operação
interna).
“Tanto a criação como o funcionamento
regular são resultado de uma política das Forças Armadas”, afirmou Starling.
“Não são estruturas autônomas, não são subterrâneas nem de milícias ou grupos
paramilitares. Eram parte de uma estrutura de inteligência e repressão que
obedecia ao alto comando das Forças Armadas.”
Apesar de a Casa da Morte, em
Petrópolis, ser conhecida por práticas macabras de tortura e desaparecimento
forçado de 14 militantes, o centro clandestino onde mais morreram opositores do
regime foi a chamada Casa Azul, em Marabá, no Pará. Nela, 24 militantes
morreram, sendo 22 filiados ao PCdoB e outros dois camponeses que se juntaram à
luta armada, entre 1972 e 1973. “Ninguém sobreviveu à Casa Azul”, reforçou
Starling.
Além da Casa Azul e da Casa da Morte,
da qual apenas Inês Etienne Romeu saiu com vida, a CNV investiga a Casa de São
Conrado, no Rio de Janeiro; a Fazenda 31 de Março, ao sul da represa de
Guarapiranga, na Grande São Paulo; a Casa de Itapevi, também em São Paulo; a
Casa no Bairro Ipiranga, que servia como centro de recrutamento de infiltrados
para o Exército; Casa do Renascença, em Belo Horizonte. Foram mapeados ainda os
centros clandestinos Casa em Olinda; Casa da Vila Militar em Goiânia; Sítio de
São João de Meriti; Casa em Recife; Casa em Fortaleza; Sítio entre Belo
Horizonte e Ribeirão das Neves; Fazendinha, no município baiano de Alagoinhas;
Sítio do Triângulo Mineiro; Sítio em Sergipe; e Apartamento em Brasília, no
bloco J da superquadra 104 Sul.
“A ditadura não podia usar o procedimento
dessa exceção de legalidade que assumiu com o regime”, disse Starling. “Assim,
ela criou uma série de práticas que ferem a legalidade de exceção que criou,
com desaparecimento, extermínio e tortura nos interrogatórios.”
Segundo a pesquisadora, uma das
colaboradoras da CNV, centros clandestinos eram propriedades privadas cedidas
por proprietários que funcionava como órgãos de tortura e não podem ser
confundidos com quartéis e delegacias. Ela explicou que esses locais tinham
como atribuições a eliminação de pistas que levassem à identificação dos
militantes presos, como digitais, arcadas dentárias ou mesmo dos próprios
corpos, e as circunstâncias em torno da prisão, tortura e morte desses. “Os
centros clandestinos não eram utilizados à margem do Estado, mas fizeram parte
de uma política pública de tortura do regime”, observou o coordenador da CNV,
Pedro Dallari. “Trata-se de um política de Estado e não apenas excessos ou
acidentes.”
Convocado para depor, o ex-agente
acusado de tortura Dirceu Gravina falou em privado com os integrantes da CNV.
Aos 65 anos de idade, atualmente Gravina trabalha como delegado no Departamento
de Polícia Judiciária de Interior 8, em Presidente Prudente, interior do estado
de São Paulo. Ele tinha 22 anos quando começou a praticar os crimes, nos anos
1970, segundo a comissão.
Conhecido como JC, em alusão a Jesus
Cristo, pois tinha cabelos compridos e usava cavanhaque e crucifixo, ele serviu
no DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, sob o comando de Carlos Alberto
Brilhante Ustra, provavelmente entre 1970 e 1972. Foi denunciado em uma ação
civil pública movida pelo Ministério Público Federal, ajuizada em agosto de
2010, por casos de tortura, sequestro, morte e desaparecimento.
“O depoimento apresentou várias
contradições”, contou o advogado José Carlos Dias, da CNV. “Ele usou muito a
palavra “deus”, crença no “espírito santo”. Negou ter torturado e procurou se
esquivar o tempo todo. Resolvemos encerrar o depoimento porque ele estava
absolutamente perdido.”
Presente à audiência, a ex-militante da
ALN Darci Miyaki lembrou ter sido torturada mais de uma vez por Gravina.
“O codinome dele era JC. Ele chegava na sala de tortura e dizia: ‘Eu sou Deus.
Tenho poder de vida ou morte sobre você.’”
Segundo a advogada e membro da CNV Rosa
Cardoso, Gravina “acha inconfessável o que fez no passado”. “O que ficou claro
para nós é que ele vive o conflito de sentir que filhos e netos ficam
envergonhados com o que fez.”
Forças
Armadas. Peça fundamental no esclarecimento das
violações de direitos humanos na época da ditadura, as Forças Armadas
anunciaram na semana passada terem instaurado comissões de sindicância para
investigar o uso de instalações militares para repressão e tortura. As
sindicâncias, que haviam sido requeridas pela CNV em fevereiro, foram
confirmadas no dia 1º de abril pelo ministro Celso Amorim ao telefonema a
Dallari.
“Pela primeira vez há assunção do dever de investigar das Forças
Armadas”, disse Dallari sobre a disposição dos militares. “Eu quero crer que em
algum momento as próprias Forças Armadas tomem a iniciativa de patrocinar
investigações dessa natureza.”
registrado
em: golpe
de 64 ditadura
militar
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