Corram, os comunistas estão chegando
As cinco explicações para o fato de, na segunda
década do século XXI, muitos ainda temerem o comunismo
por José Antonio Lima — publicado 06/02/2014
11:18, última modificação 06/02/2014 14:09
Extraído da Revista http://www.carosamigos.com.br/
Extraído da Revista http://www.carosamigos.com.br/
Quando eu tinha sete anos, um tio
costumava visitar a minha casa com um alerta para o meu pai. "Zé, se este
homem ganhar, duas, três famílias vão dividir este apartamento com vocês".
O ano era 1989, o homem era Luiz Inácio Lula da Silva. Desde então, o muro de
Berlim caiu, a Alemanha se reunificou, a Tchecoslováquia se separou, a União
Soviética se dissolveu em 15 Estados diferentes e os últimos países
nomeadamente comunistas nem mais conseguem sustentar sua ideologia, apesar de
ostentarem o lado mais horrendo de sua prática, o autoritarismo. Não sei que
fim levou aquele tio, mas o temor saliente dos comunistas ainda persiste no
Brasil. O que explica isso? A resposta para tal pergunta, no contexto
brasileiro, está na interação de pelo menos cinco fatores.
1 - O primeiro deles é o submundo da internet. Como
todas as outras pessoas, os teóricos da conspiração encontraram na rede um
ambiente perfeito para dialogar com seus pares. Em fóruns e sites específicos,
podem expor seus pensamentos e "desenvolve-los" em contato com
ideólogos de quinta categoria e dublês de cientistas políticos. Nas redes
sociais e caixas de comentários, duelam com seus opositores, os quais enfrentam
com suas "verdades", geralmente não corroboradas por provas. A
internet, assim, funciona como incubadora e providencia as ferramentas para
aglutinar os teóricos da conspiração de diversas vertentes.
2 - O conteúdo da teoria do “golpe comunista” vem do
mundo não virtual. Até hoje, o Brasil não fez um amplo reexame do que foi a
ditadura, sua origem, realidade e consequências. A culpa por esta situação
reside no Planalto – Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva
carregarão em suas biografias o apoio tácito à política do esquecimento, que
nunca enfrentaram. Sob a administração Dilma Rousseff foram criadas as
Comissões da Verdade, mas elas enfrentam grandes obstáculos. Nada é mais
representativo da ânsia em manter intocados os pecados da ditadura do que a Lei
da Anistia. Em 2010, o STF referendou a lei sob o argumento de que a anistia
foi fruto de um “acordo político” entre governo e oposição. Na realidade, o
acordo previa anistia apenas para os perseguidos políticos, não para agentes do
Estado que cometeram crimes de lesa humanidade.
Essa política do esquecimento manteve
intocadas diversas outras farsas daquele período, entre elas a de que João
Goulart planejava um golpe comunista. Esta lenda, decisiva na aglutinação da
oposição a Jango, era considerada verdadeira pelos líderes do golpe, mas, como
escreveu o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, eles tinham uma “avaliação
imprecisa da extensão” dela e, mesmo assim, “se esforçaram para convencer o
público de que os bárbaros estavam à porta”. Sem o amplo reexame da ditadura, o
que o Brasil experimentou foi a extensão desta mentira deslavada até os dias de
hoje. A farsa sobre o complô comunista, assim, não é vista como o fato que é,
mas como uma “opinião”.
3 - A terceira questão na base do medo comunista é a
resiliência da retórica anti-petista. Como outros partidos em diversos países
no pós-guerra Guerra Fria, o PT representa (ou representou?) a chegada de
forças populares ao poder. Símbolo da esquerda latino-americana, o Partido dos
Trabalhadores ainda instiga em alguns o medo de 1989, apesar de haver um enorme
fosso entre as realizações boas e ruins das administrações petistas e o
comunismo. Os lucros de montadoras, bancos e empreiteiras nos últimos anos,
além da nova classe consumidora inserida ao sistema capitalista são apenas
alguns dos exemplos disso.
Por trás desta falsa conexão entre o PT
e o comunismo está uma visão de mundo reducionista, fruto de um raciocínio
primitivo, que atrela qualquer grupo ou ato da esquerda política ao
bolchevismo. O messias dessa ideia é Olavo de Carvalho. Em coluna publicada
no Valor Econômico em 31 de janeiro, Joel Pinheiro explicou de
forma didática a teoria olavista:
De acordo com Olavo de Carvalho, o
esquerdismo vai muito além da política. Toda a cultura está tomada pelo
marxismo cultural e a inversão de valores por ele efetuada. O pensamento e os
slogans da esquerda são hegemônicos e constituem, assim como o PT, parte de um
processo para implantar o comunismo na América Latina via o Foro de São Paulo,
organização que reúne os principais partidos e movimentos de esquerda no
continente.
Neste contexto, a proximidade do PT com
outros governos sul-americanos de origem popular, como era o de Hugo Chávez na
Venezuela e é o de Evo Morales na Bolívia, é vista como “prova” da conspiração
comunista.
4 - O quarto fator a estimular o medo do comunismo é a
incapacidade de determinados setores da esquerda brasileira de se distanciarem
desse tipo de regime. Há uma estranha simpatia a regimes comunistas,
notadamente o de Cuba, talvez derivada da impressão de que o princípio do
comunismo, “no fundo, no fundo”, é moralmente superior ao de outros sistemas.
Ainda que fosse este o caso, poucos comportamentos são mais moralmente condenáveis
do que defender regimes que destruíram as vidas de milhões de pessoas, como foi
o caso da União Soviética de Joseph Stálin. Conversar com alguém que viveu sob
esse tipo de regime ou simplesmente visitar um país de passado comunista mostra
o tamanho da falta de respeito, para dizer o mínimo, em que se consiste a
prática de defender o comunismo, mas lá no país dos outros.
5- O quinto fator é a grande imprensa brasileira, na
qual vigora uma versão “disfarçada” do olavismo (com as exceções de Paulo
Eduardo Martins e Rachel Sheherazade, apresentadores do SBT, que não
economizam na verborragia). Apenas em 2014, muitos exemplos se acumularam.
Demétrio Magnoli afirmou que a reeleição de Dilma configuraria a formação de um
“regime” no Brasil; Arnaldo Jabor alertou sobre um “perigo vermelho”. Não
faltaram referências, ainda, ao “bolivarianismo” e a uma suposta influência no
Brasil do governo de Cristina Kirchner, sobre a qual não se tem qualquer
indício real. O item revelador do “alto olavismo” da imprensa é, entretanto, o
regime cubano. Seja a presença de Yoani Sanchez por aqui ou a inauguração do
Porto de Mariel, Cuba é capaz de transformar o Brasil numa réplica do condado
de Miami Dade, pedacinho da Flórida em que o anticastrismo é a identidade
coletiva e a Lei Helms-Burton (a que mantém o boicote a Cuba), a constituição.
Negociar com a Arábia Saudita, a China e ditaduras africanas é bom. E com Cuba?
Aí não pode. É um caso bizarro de moralismo seletivo.
Quando este tipo de comentário escapa
dos editoriais e páginas de opinião e atinge o noticiário a situação piora. Não
é difícil identificar um golpe de Estado, mas a grande imprensa brasileira tem
pesos e medidas diferentes para fazer isso. Em julho, todos os grandes veículos
usaram o termo golpe para identificar a derrubada do presidente do Egito. Em
2009, em Honduras, e 2012, no Paraguai, quando caíram, respectivamente, Manuel
Zelaya e Fernando Lugo, o termo golpe foi suprimido deliberadamente. Em comum
entre Zelaya e Lugo, o fato de serem ligados à esquerda política. Para grande
parte dos grandes veículos brasileiros, entretanto, aqueles movimentos não se
tratavam de golpes, exatamente como o que apoiaram em 1º de abril de 1964 e que
derrubou João Goulart.
Talvez outros fatores influenciem o
medo do "perigo vermelho", como as experiências pessoais de quem
sofre desta fobia. O mais lamentável de tudo isso é o tempo e a energia gastos
numa discussão inócua. É impossível que de uma discussão sobre um sistema
político-ideológico fracassado e superado surja algo minimamente útil para
resolver os inúmeros problemas do Brasil.
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