Vivian Cruz (em pé), de beneficiária do Bolsa Família a dona do salão
Gostei do “para fazer um omelete, precisamos
quebrar os ovos”; agora, não basta só gostar se frases feitas, é importante
aproveitar o momento para fazer análises.
O texto abaixo retirado do site da revista
Carta Capital, mostra que o governo Dilma vem fazendo o que muitos
especialistas sérios chamam de “novo milagre”; diferente do dos anos 70, que a
ditadura escamoteou, num verdadeiro castelo de areia, esse é diferente,
diferente não por que é dos anos 2000, século XXI, mas por que é um “milagre”
social.
Estamos, dentro daquilo que a ONU chama de
miseráveis, acabando com a miséria no Brasil.
Assim o governo Dilma vai continuar “quebrando
mais e mais ovos”, apostando no que é certo e justo, distribuir melhor a
riqueza, atacando com o que temos de mais violento, mais injusto que é a má
distribuição de renda.
Por José Gilbert Arruda Martins (Professor)
O combate à miséria está no rumo certo
O Brasil,
indica a projeção dos números, reduz a extrema pobreza aos níveis recomendados
pelas Nações Unidas
No
casebre de paredes maltratadas havia uma única porta, a que se abriu para a
inesperada visita de uma assistente social. Nos demais cômodos, a privacidade
só era assegurada por cortinas improvisadas. Foi de pés descalços sobre o chão
rústico, em meio à inquietude dos dois filhos no colo, que Bárbara da Silva, de
22 anos, descobriu ter direito ao Bolsa Família para superar a extrema pobreza.
“Fiquei surpresa. Nunca fui atrás, porque não tinha todos os documentos. Não
faz nem um mês, consegui tirar o Título Eleitoral e o CPF”, conta a nova
beneficiária, incluída no Cadastro Único para Programas Sociais do governo
federal naquela abafada tarde do fim de maio.
Para
viver na modestíssima casa em Formosa, interior de Goiás, Bárbara paga 150
reais de aluguel. É o valor que o antigo companheiro costuma enviar à mãe
solteira para contribuir com a criação do filho Kauã Lukas, de 1 ano e 8 meses.
Todas as demais despesas são custeadas com os 300 reais ganhos com o emprego de
babá. O trabalho não lhe garante, porém, segurança alimentar. “Nem sempre dá
para comprar o leite dos meus filhos. Não posso contar com o pai de Ana
Beatriz, de 2 anos e 5 meses, que sumiu no mundo. Agora, com o Bolsa Família,
espero que não falte nada em casa.”
A babá e seus filhos representam uma do mais de 1,1 milhão de famílias
incluídas no programa pela busca ativa do governo federal nos últimos três
anos. Desde o lançamento do Plano Brasil sem Miséria, em junho de 2011, quando
Dilma Rousseff assumiu o compromisso de erradicar a extrema pobreza no País, as
ações na área sofreram profundas mudanças. Em vez de esperar a iniciativa dos
mais pobres, o Estado decidiu ir até eles.
Além
disso, o desenho do Bolsa Família foi aperfeiçoado. Se antes os valores
transferidos dependiam essencialmente do número de crianças e adolescentes, com
o lançamento da Ação Brasil Carinhoso, em 2012, o cálculo passou a considerar a
intensidade da miséria em cada família. E o governo se dispôs a complementar a
renda doméstica de forma que cada integrante disponha de, no mínimo, 70 reais
mensais, renda per capita usada pelo Ministério do Desenvolvimento Social para
definir quem está abaixo ou acima da linha da extrema pobreza.
Mesmo
antes das mudanças, o Brasil havia conquistado um feito inimaginável duas
décadas atrás. Em 1990, a população com renda inferior a 70 reais mensais
somava 13,4%. Segundo os organismos internacionais, que usam como parâmetro a
renda per capita de 1,25 dólar por dia, 25,5% dos brasileiros eram extremamente
pobres. Em 2012, o cenário captado pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad), do IBGE, era diferente: 3,5% dos habitantes viviam com menos
de 70 reais mensais, ou 3,6% com renda de 1,25 dólar ao dia.
O
Brasil estaria muito próximo, portanto, de erradicar a miséria, uma vez que o
Banco Mundial considera residual uma taxa de 3%. A Pnad de 2013, a ser
divulgada em setembro, espera o governo, deve confirmar a superação dessa
barreira.
“Essa
meta de 3% leva em conta o fato de a pobreza
não ser um fenômeno estático. Muitos fatores podem levar famílias à miséria,
choques conjunturais como a perda do emprego ou questões mais perenes como
doenças incapacitantes”, explica a economista norte-americana Deborah Wetzel,
diretora do Banco Mundial para o Brasil. “Na maioria dos contextos não é
possível chegar a um nível zero de extrema pobreza. A preocupação principal é
eliminar as formas crônicas desse fenômeno.”
De
acordo com a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, o Brasil
erradicou a extrema pobreza, se levar em conta apenas o critério da renda. “Não
há mais beneficiários do Bolsa Família na miséria. Mais de 22 milhões de
brasileiros abandonaram essa condição somente com as mudanças feitas no desenho
do programa no governo Dilma.” Em junho deste ano, emenda a ministra, o valor
das transferências foi reajustado de forma a garantir que todas as famílias
tenham renda per capita superior a 77 reais. “Hoje, só permanece na miséria
quem está fora do Bolsa Família. Por isso iniciamos a busca ativa.”
Pelas estimativas da pasta, falta
incluir cerca de 300 mil famílias extremamente pobres. Ninguém sabe o número
exato, até pela dificuldade em encontrar os indivíduos. “Há casos de famílias
com quatro gerações sem documentos”, explica Campello. “Mas todas as projeções
indicam que, hoje, estamos com um índice abaixo de 2%.”
A
última Pnad, sustenta a ministra, não captou os efeitos das recentes mudanças
no programa, mas uma simulação do Ipea revela um promissor potencial de redução
da miséria. O instituto traçou três cenários distintos. O primeiro indica uma
prevalência de 10% da extrema pobreza entre crianças e adolescentes, e cerca de
5% entre os adultos, caso o programa não existisse. No segundo cenário, com o
formato do Bolsa Família de 2011, o porcentual cai para menos de 6% na infância
e gira em torno de 3% na idade adulta. Com o novo desenho dos benefícios a
partir de 2013, todas as faixas etárias se aproximam de 1%.
“Tudo indica que, em 2013, houve
drástica redução da extrema pobreza. Não sabemos se a próxima Pnad vai captar
isso, mas a expectativa é de que a média fique abaixo dos 3%”, diz Rafael
Osório, diretor do Departamento de Políticas Sociais do Ipea.
A
expectativa é compartilhada pelo representante do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil, Jorge Chediek. “Esperamos que as
pesquisas confirmem a superação dessa marca de 3%. O Brasil teve um avanço
extraordinário e é uma das nações que mais contribuíram para a diminuição da
miséria no mundo.”
A
China, aponta o Pnud, teve uma queda mais expressiva: 60,2% de sua população
era extremamente pobre em 1990, porcentual reduzido a 13,1% em 2008. No início
dos anos 1980, metade da população da Índia era miserável. Em 2010, passou a
32,7%. “Em números absolutos, eles tiveram uma evolução maior, mas só o Brasil
está próximo da erradicação”, compara Chediek. “Este é o novo milagre do País.
Nos anos 1970, a economia cresceu de forma notável, mas a concentração de renda
aumentou. O milagre de hoje é do ponto de vista social.”
Quem
vive com pouco mais de 1,25 dólar por dia continua, obviamente, em situação
bastante precária. Tal linha, explica Wetzel, do Banco Mundial, representa “uma
severa privação no atendimento das necessidades humanas básicas, inclusive
comida, água potável, educação, saúde e moradia”. Os especialistas consultados
por CartaCapital destacam que a renda é apenas um dos
critérios usados na medição da pobreza. E o estabelecimento de uma única linha,
para o mundo ou para o Brasil, pode encobrir distorções.
Por
essa razão, o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) lida em
diferentes linhas de pobreza extrema, baseadas em especificidades regionais. A
linha da indigência na região metropolitana de São Paulo, a maior do País, foi
estimada em 108,6 reais em 2012, bem acima dos 70 reais estabelecidos pelo
governo. Na zona rural da Região Nordeste, só quem ganha menos de 59,3 reais é
considerado miserável.
“O
custo de vida varia muito de um lugar para
outro. Isso indica que o governo subestima a miséria na periferia das
metrópoles e a superestima no campo”, afirma a economista Sônia Rocha,
pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. “De toda forma, é
inegável o êxito do Bolsa Família. Muitos exigem que o programa apresente
portas de saída, mas é besteira. Seu objetivo é distribuir renda e ponto. A
saída está na educação, na geração de empregos.”
Transferir
renda é só o primeiro passo, reconhece Campello. “O desafio agora é
universalizar o acesso aos serviços públicos e, na medida do possível, fazer
com que eles cheguem primeiro aos setores mais vulneráveis da sociedade.” Para
ampliar o acesso das crianças mais pobres em creches, o governo federal oferece
um repasse adicional às prefeituras para cada vaga destinada aos beneficiários.
Também busca convencer os estados e municípios a priorizá-los nas escolas de
tempo integral. Hoje, dos 48,5 mil colégios públicos com jornada ampliada de
estudo, 31,7 mil têm mais de 50% dos alunos inscritos no programa. “Com as
crianças na creche ou na escola em período integral, elas têm a garantia de
cinco refeições diárias. E a mãe tem ao menos um turno livre para trabalhar.”
Mais de 1,2 milhão de brasileiros de baixa renda, destaca a ministra, estão
matriculados em cursos do Pronatec e 405,9 mil beneficiários do Bolsa Família
se tornaram microempreendedores.
Inscrita
no programa há sete anos, a cabeleireira Vivian de Souza Cruz improvisou um
salão de beleza em um cômodo de sua casa. Fez um curso de inglês pelo Pronatec e
pretende se inscrever em outro, de design de sobrancelhas. Seu marido também
passou por qualificação e hoje é operador de máquinas agrícolas. A renda é
modesta, mas assegura uma vida digna às duas filhas, de 11 e 14 anos. “Agora,
ele ganha dois salários mínimos e eu consigo mais uns trocados no salão. Cobro
10 reais pelo corte de cabelo. Só em mulher, senão perco o marido”, brinca.
A
família quer trocar a velha moto de 100 cilindradas por um carro usado. Vivian
Cruz tem confiança na capacidade de realizar o sonho em breve. Só muda a feição
otimista ao lembrar-se das privações do passado. “Meu marido vivia de bicos de
pedreiro nem sempre tinha trabalho. Por falta de pagamento, ficamos sem água,
luz e gás várias vezes. Tive até de cozinhar com cavacos de madeira”, conta. “O
benefício ajudou a manter as contas em dia e não faltar nada para as meninas.
Aos poucos, nos reerguermos.”
*Publicado originalmente na edição 803
de CartaCapital sob o título "Miséria residual"