Por Douglas Belchior
Fonte: http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2014/04/29/xingar-de-macaco-uma-pequena-historia-de-uma-ideia-racista/
“Para
entender o poder e o escopo do xingamento de macaco, precisamos de uma dose de
história”. É o que pensaJames Bradley, professor
de história da Medicina/Ciência da Vida na Universidade de Melbourne, autor do
texto abaixo, traduzido pelo professor da Uneafro-Brasil e doutorando em
literatura da USP, Tomaz Amorim Izabel.
Nas
últimas 24 horas muito foi dito e escrito sobre Daniel, Neymar, bananas,
macacos e racismo. Não sou um acadêmico e tampouco jornalista. Não passo de um
mero professor de rede pública estadual de São Paulo e mais um militante do
movimento negro. O que formulei sobre o assunto nada
mais é que fruto do acúmulo das lutas concretas. Do ensinamento que recebi d@s
lutador@s mais velh@s e o que aprendi com meus iguais. E as afirmações são
simples:
O racismo é algo sério, não podemos
brincar com ele;
Daniel
promoveu uma reação interessante, deu visibilidade ao debate sobre racismo, mas
a forma e o conteúdo de seu “protesto” não nos serve. Tampouco a
reação de Neymar, que agora sabemos, não partiu dele;
A
maioria dos atletas, principalmente no futebol, são alienados e não tem opinião
qualificada sobre temas relevantes para a sociedade. E isso não é preconceito
ou generalização, mas sim uma constatação mais uma vez comprovada. Só falam
bobagens e no máximo se prestam a assistencialismos em seus territórios de
origem, vide Pelé, Zico, Ronaldo, Cafú entre outros;
Comparar
negros a macacos é racismo e não podemos admitir; Fortalecer a ideia de que
devemos absorver ofensas racistas é um desrespeito à população negra, além de
um golpe ideológico: “Sofram calados, não façam escândalo, levem na
esportiva”;
Não
somos todos macacos! Somos negr@s e merecemos respeito;
A
campanha de Luciano Huck e Neymar é racista. Suas camisetas e seu vídeo são
racistas. E ganhar dinheiro com uma campanha racista é canalhice, simples
assim.
Ou,
daqui pra frente, será tranquilo para você levar bananadas por aí e fingir que
não se sentiu ofendido?
A
ordem é rir da situação para desmobilizar o agressor, tal qual nos orienta
papai e mamãe: “Filh@, quando te chamarem de macaca, leva na
brincadeira que é melhor! Se você se irritar, aí é que o o apelido pega!”. Pois
o que precisamos é desobedecer essa orientação e denunciar a agressão.
Para
qualificar o debate, segue abaixo o texto do professor Bradley.
Seguimos!
Por James Bradley –
do The Conversation
Professor de História da
Medicina/Ciência da Vida na Universidade de Melbourne
A maioria de nós sabe que chamar
alguém de macaco é racismo, mas poucos de nós sabem por que macacos são
associados na imaginação europeia com indígenas e, principalmente,
afrodescendentes.
Para entender o poder e o escopo
do xingamento de macaco, precisamos de uma dose de história. Quando eu era
aluno de graduação na universidade, eu aprendi sobre racismo e colonialismo,
particularmente sobre a influência de Charles Darwin (1809-1882), dos quais as
ideias pareciam fazer o racismo ainda pior.
Na verdade, isto é fácil de
inferir. A teoria da seleção natural de Darwin (1859) mostrou que os ancestrais
mais próximos dos seres humanos foram os grandes macacos. E a ideia de que
os homo sapiens descendiam de macacos se tornou rapidamente
parte do teatro da evolução. O próprio Darwin foi muitas vezes representado
como meio-homem, meio-macaco.
Além disso, enquanto a maior
parte dos evolucionistas acreditava que todas as raças humanas descendiam do
mesmo grupo, eles também notaram que a migração e a seleção natural e sexual
tinham criado variedades humanas que – aos seus olhos – pareciam superiores a
africanos ou aborígenes.
Ambos estes grupos tardios foram
frequentemente representados como sendo os mais próximos evolutivamente dos
humanos originais e, portanto, dos macacos.
O papel do pensamento
evolucionista
No começo do século XX, o aumento
da popularidade da genética mendeliana (nomeada em referência a Gregor Johann
Mendel, 1822-1884) não fez nada para destituir esta maneira de pensar. Se é que
ainda não piorou as coisas.
Ela sugeria que as raças haviam
se tornado raças separadas e que os africanos, em particular, estavam muito
mais próximos em termos evolutivos dos grandes macacos do que estavam, digamos,
os europeus.
E ainda assim, durante este mesmo
período, sempre houve uma corrente da ciência evolutiva que rejeitou este
modelo. Ela enfatizava as profundas semelhanças entre diferentes raças e que as
diferenças de comportamento eram produto da cultura e não da biologia.
Os horrores do Nazismo deveram
muito ao namoro da ciência com o racismo biológico. O genocídio de Adolf
Hitler, apoiado de bom grado por cientistas e médicos alemães, mostrou onde o
mau uso da ciência pode levar.
Isto deixou o racismo científico
nas mãos de grupos de extrema direita que só estavam interessados em ignorar as
descobertas da biologia evolutiva do pós-guerra em benefício de suas variantes
pré-guerra.
Claramente o pensamento
evolucionista teve algo a ver com a longevidade do xingamento de macaco. Mas a
associação europeia entre macacos e africanos tem um pedigree cultural e
científico muito mais extenso.
Pego no meio
No século 18, uma nova maneira de
pensar sobre as espécies emergiu. Anteriormente, a vasta maioria dos europeus
acreditava que Deus havia criado as espécies (incluindo o homem), e que estas
espécies eram imutáveis.
Muitos acreditavam na unidade das
espécies humanas, mas alguns acreditavam que Deus havia criado espécies humanas
separadas. Neste esquema, os europeus brancos eram descritos como próximos aos
anjos, enquanto africanos negros e aborígenes estavam mais próximos aos
macacos.
Muitos cientistas do século XVIII
tentaram atacar o modelo criacionista. Mas, ao fazê-lo, acabaram dando mais
poder para o xingamento de macaco.
No meio do século XVIII, o grande
naturalista francês, matemático e cosmólogo Comte de Buffon (Georges-Luis
Leclerc, 1707-1788) deu continuidade à ideia de que todas as espécies de
animais descendiam de um pequeno número de tipos gerados espontaneamente.
Espécies felinas, por exemplo,
supostamente descendiam de um único ancestral gato. Ao migrarem do seu ponto de
geração espontânea, os gatos degeneraram em diferentes espécies sob influência
do clima.
Em 1770, o cientista holandês
Petrus Camper (1722-1789) pegou o modelo de Buffon e aplicou-o ao homem. Para
Camper, o homem original era o grego antigo. À medida que este homem original
se moveu do seu ponto de criação ao redor do mundo, ele também degenerou sob
influência do clima.
Na visão de Camper, macacos,
símios e orangotangos, eram todos versões degeneradas do homem original. Então,
em 1809, o ancestral intelectual de Darwin, Lamarck (Jean-Baptiste Pierre
Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck, 1744-1829) propôs um modelo de evolução
que via todos os organismos como descendentes de um único ponto de criação
espontânea.
Larvas evoluíram em peixes,
peixes em mamíferos e mamíferos em homens. Isto aconteceu não através da
seleção darwinista, mas através de uma força vital interna que levava
organismos simples a se tornarem mais complexos, trabalhando em combinação com
a influência do meio ambiente.
Deste ponto de vista, humanos não
compartilhavam um ancestral comum com macacos; eles eram descendentes diretos
deles. E africanos então se tornaram a ligação entre macacos e europeus. A
imagem popular comumente associada com a evolução darwinista da transformação
de estágios do macaco ao homem deveria ser propriamente chamada de lamarckiana.
O poder do racismo
Cada uma dessas maneiras de
pensar o relacionamento entre humanos e macacos reforçou a conexão feita por
europeus entre africanos e macacos. E fazendo parecer que pessoas de origem
não-europeia eram mais como macacos do que como humanos, estas diferentes
teorias foram usadas para justificar a escravidão nas fazendas das Américas e o
colonialismo no resto do mundo.
Todas estas diferentes teorias
científicas e religiosas trabalharam na mesma direção: para reforçar o direito
europeu de controlar grandes porções do mundo.
O xingamento de macaco, na
verdade, tem a ver com a maneira com a qual os europeus, eles mesmos, se
diferenciaram, biológica e culturalmente, em um esforço de manter superioridade
sobre outros povos.
A coisa importante a se lembrar é
que aqueles “outros” povos estão muito mais cientes daquela história do que os
europeus brancos. Invocar a imagem de um macaco é utilizar o poder que levou à
desapropriação indígena e a outros legados do colonialismo.
Claramente, o sistema educacional
não faz o bastante para nos educar sobre ciência ou história da humanidade. Por
que se fizesse, nós veríamos o desaparecimento do xingamento de macaco.