Caro Mino, sou professor de História há cerca de vinte e cinco anos, já
vi e li muito sobre a política internacional e, como você, estou estarrecido,
perplexo mesmo com a falta de reação das lideranças mundiais, da ONU...com a
carnificina provocada no Oriente Médio pelas forças israelenses.
Também faço longas reflexões, milhares de perguntas, uma delas é: Do que
vale tanta tecnologia, aparelhos e geringonças formidáveis se não somos capazes
de evitar tanto sofrimento, tantas mortes de crianças, mulheres, velhos e civis
em geral na Palestina?
Israel tem que parar imediatamente e ser responsabilizado e suas
autoridades levadas ao Tribunal de Haia como criminosos de guerra, isso é
urgente.
Hitler deve estar pensando também...
Por José Gilbert Arruda Martins (Professor)
O silêncio oportunista
Por que,
para a paz mundial, a derrubada do avião malaio é muito menos ameaçadora do que
a invasão de Gaza
por Mino Carta
Fonte: Carta capital – 25/07/2014
Não pergunto aos meus botões em
que mundo vivemos, temo a resposta. A crise mundial dispensa maiores
apresentações. Moral e intelectual antes que econômica, embora esta confirme
aquelas precedentes. Por que a humanidade rendeu-se à religião do deus mercado?
Por que aceitou passivamente as leis de uma fé que aproveita a poucos e
infelicita os demais?
Às
vezes me colhe a sinistra sensação de que já começou uma nova, peculiar Idade
Média. O mundo, seduzido pelo chamado avanço tecnológico, vítima de uma globalização
dos interesses da minoria, distanciados os homens uns dos outros não somente
pelo crescente desequilíbrio social, mas também pela versatilidade da
mirabolante internet, não se apercebem do eclipse dos valores e dos princípios,
e da ausência de poetas e pensadores.
É
nesta moldura que se desenrolam os acontecimentos destes dias a agitarem a
política internacional, e também se movem minhas dúvidas e perplexidades em
relação aos comportamentos dos donos do poder, das chamadas opiniões públicas e
dos sistemas midiáticos. No caso, a mídia nativa confirma apenas a sua
insignificância, ao imitar simplesmente os exemplos chegados de fora.
Então
vejamos. Por que os restos retorcidos do avião malaio derrubado no céu
ucraniano ganham a primazia nas primeiras páginas e na fala sincopada dos
locutores, no confronto com os mortos e a devastação na Faixa de Gaza? Não
proponho um enigma. Trata-se do resultado da demonização de Putin misturada com
o longo alcance do lobby judeu. De certa forma, a queda do avião veio a calhar
para os senhores do mundo, sem detrimento da brutal gravidade do fato e a
desolação causada pela morte de 298 semelhantes. Serviu, porém, para desviar a
atenção, até onde foi possível, de algo muito mais grave para a paz global.
É
no Oriente Médio que se decide o futuro do planeta, e isso é do entendimento
até do mundo mineral. A questão da Ucrânia é complexa e ameaçadora, mas o
império soviético, cuja presença estaria habilitada a precipitar severas
complicações, ruiu há 25 anos. O Ocidente, ainda sujeito ao império
norte-americano, tende a apresentar Putin como uma espécie de herdeiro tanto da
URSS quanto do czar. Não é bem assim, está claro. O defeito do líder russo é
sua inteligente independência, em que pesem sua prepotência e eventual
ferocidade, e sem falar das preocupações geradas por seu envolvimento na
criação de uma nova ordem pelos BRICS. Outra a dimensão da questão
médio-oriental, para a qual reflui o efeito dos momentos mais tensos das
últimas décadas.
Feridas
profundas continuam a sangrar em toda a região, marcada pela progressão do
fundamentalismo islâmico, por revoluções em pleno curso, pelos erros das
políticas ocidentais, que aliás são seculares. E por guerras fracassadas, por
revoltas malogradas, por atrocidades sem conta, por desmandos imperdoáveis.
Etc. etc. No centro deste arcabouço instável, sempre à beira do desastre fatal,
está Israel, Estado poderosíssimo por força própria e de quem o sustenta, a
ocupar, desde o pós-Guerra, uma terra antes habitada por outro povo, conquanto
também semita, há cerca de 2 mil anos.
Eu,
por exemplo, não sou responsável pelo holocausto. Lamento, mesmo porque ceifou
a vida de excelentes amigos dos meus pais, mas não me induz ao remorso, e tanto
menos até hoje, quando a invasão da Faixa de Gaza pelas formidáveis tropas
israelenses evoca a invasão do Corredor Polonês pelo exército de Hitler em 1º
de setembro de 1939, estopim da Segunda Guerra Mundial. O Ocidente neoliberal
diz que Tel-Aviv tem direito a se defender contra o terrorismo do Hamas. Já o
Hamas sustenta estar em luta pelo resgate da terra usurpada.
Por
cima das razões de cada um, a disparidade exorbitante entre as forças
não pode deixar de influenciar qualquer juízo, para fortalecer a inequívoca
percepção de que de um lado morrem soldados e do outro civis, e muitas
crianças, em proporções absolutamente incomparáveis. Estamos diante de uma
ofensa irreparável aos Direitos Humanos. Que visa Israel? Eliminar 1,8 milhão
de palestinos? Dói demais, na circunstância, a falta de reação de uma porção do
mundo que se pretende civilizado e democrático e, de verdade, sucumbe à
soberania do dinheiro. Avulta, nesta encenação trágica, a ausência de
lideranças, a falta daquele gênero de personagens que já ofereceram espaço à
política e a praticaram com competência para assumir o controle da situação e
ditar as regras.
Contamos
com uma galeria de figuras medíocres, quando não parvas, incapazes de enfrentar
a turva realidade para impor um rumo. E isso tudo nesta hora que denigre o
gênero humano e denuncia a chegada da nova Idade Média. Louvo a iniciativa da
chancelaria brasileira: chama às falas o embaixador israelense e de volta ao
País o embaixador brasileiro em Tel-Aviv. Mas o Brasil pode e deve muito mais.
Por exemplo, convocar a ONU, como sempre inerte, a condenar o massacre e
mostrar às lenientes democracias ocidentais o caminho da razão.