Em 2014 eu e vários estudantes do Setor Leste - cerca de 6 turmas - alunos e alunas de 1° ano do Ensino Médio, criamos e desenvolvemos um projeto social denominado "Humanos". O projeto consistia, entre outras atividades, convidar pessoas em situação de rua do Plano Piloto para ir à escola contar suas histórias de vida aos estudantes.
Foto: Resistência Contemporânea
"José" há 15 anos "morando" nas ruas da Capital Federal
"José" nome fictício de um Humano que, tratado como "coisa" pelo Estado, pelo sistema e por muitas pessoas de Brasília, "reside" debaixo de uma marquise de um dos bancos privados mais ricos da América Latina - Bradesco - há 15 anos.
Hoje, 26/06, no momento da foto, fazia exatamente 14 graus de temperatura na Asa Sul. Imagine o frio que esse ser "Humano" passou durante a madrugada.
"José" é apenas mais um dos mais de 8 mil pessoas que sobrevivem nas ruas do Distrito Federal.
"José" "mora" a cerca de 2 mil metros do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto.
Congresso e Palácio suntuosos que hoje são "habitados" por parlamentares e presidente que estão impondo ao "José" e ao país, contrarreformas que irão, num futuro breve, agravar a situação das famílias do DF e do Brasil e, obviamente, provocando a saída de mais pessoas para as ruas. Esse tipo de governo é uma verdadeira máquina de produção de miseráveis.
Por que "José" vive há cerca de 15 anos "morando" debaixo de uma marquise na Asa Sul?
Questões como essa eram debatidas e trabalhadas no projeto, criado em 2014 no Setor Leste, onde cerca de 6 turmas de alunos e alunas de 1° ano do Ensino Médio, abraçou a ideia de trabalhar com pessoas em situação de rua.
O projeto "Humanos" consistia, entre outras atividades, convidar pessoas em situação de rua do Plano Piloto para ir à escola contar suas histórias de vida aos estudantes.
Em uma parceria inédita com a Escola Meninos e Meninas do Parque, escola pública do Distrito Federal, levamos dezenas de pessoas em situação de rua para dar "palestras" aos estudantes.
Era uma "conversa" onde ambos os lados saiam ganhando, ninguém perdia, a satisfação na cara da garotada e dos "moradores" de rua dizia mais do que consigo expor aqui nessas breves linhas.
O projeto, enquanto funcionou, foi um sucesso.
Hoje, depois que deixei meu filho na escola, passei pelo "José" encolhido em cima de um colchão velho, encoberto por uma pano sujo, tentando passar por mais uma manhã de frio intenso, para, afinal, tentar viver mais um dia de sua miserável vida.
"José" tem 35 anos, foi para as ruas aos 20, após perder o emprego e deixar de estudar. Residia na periferia de Brasília num barraco miserável com a mãe e 6 irmãos e irmãs.
Como era o mais velho, a mãe o mandou deixar a escola e procurar emprego, quando na primeira tentativa frustrada retornou para casa, a mãe o mandou de volta dizendo: "É o emprego ou a rua".
"José" "escolheu" a rua. Está até hoje vivendo de doações de moedas dos donos de carros que fazem compras no supermercado que fica na mesma quadra onde ele passa os dias e a noite.
As razões para pessoas irem procurar nas ruas de Brasília ou de qualquer grande cidade do país, um jeito de sobreviver, são muitas, uma delas expus acima.
Uma das explicações mais importante é exatamente a desigualdade social que é, por sua vez, uma característica mais marcante do sistema capitalista.
Nesse sentido, enquanto o sistema continuar, o Estado terá desafios quase insuperáveis para colocar de volta esses milhões de "Humanos" do país inteiro, de volta para o lar.
Falta um sistema econômico social que não produza cotidianamente mais miseráveis.
Falta uma estrutura social e econômica que dê oportunidade a todos e a todas com educação pública de qualidade e emprego de qualidade.
Falta uma reforma agrária popular que provoque o retorno ao campo de levas e levas de pessoas que migraram e foram "morar" nas ruas das grandes cidades do país.
Nesse contexto é importante que a sociedade entenda que dentro do sistema capitalista não existe condições de acabar com o problema concretamente, acabar com o "problema" não é perseguir essas pessoas nas ruas retirando deles carrinhos, cobertores etc. como vem sendo feito na cidade de São Paulo pelo prefeito João Dória (PSDB), essa é uma medida, além de arbitrária, higienista porque não resolve a questão.
Por fim, para resolvermos a questão "por dentro" do sistema capitalista, só com reformas profundas que criem reais condições de empregabilidade em massa, educação pública de qualidade, para que ninguém mais tenha que sair do seio de sua família e ir morar nas ruas.
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