segunda-feira, 26 de junho de 2017

Humanos: a vida nas ruas de Brasília

por José Gilbert Arruda Martins


Em 2014 eu e vários estudantes do Setor Leste - cerca de 6 turmas - alunos e alunas de 1° ano do Ensino Médio, criamos e desenvolvemos um projeto social denominado "Humanos". O projeto consistia, entre outras atividades, convidar pessoas em situação de rua do Plano Piloto para ir à escola contar suas histórias de vida aos estudantes.

Foto: Resistência Contemporânea
"José" há 15 anos "morando" nas ruas da Capital Federal


"José" nome fictício de um Humano que, tratado como "coisa" pelo Estado, pelo sistema e por muitas pessoas de Brasília, "reside" debaixo de uma marquise de um dos bancos privados mais ricos da América Latina - Bradesco - há 15 anos.

Hoje, 26/06, no momento da foto, fazia exatamente 14 graus de temperatura na Asa Sul. Imagine o frio que esse ser  "Humano" passou durante a madrugada.

"José" é apenas mais um dos mais de 8 mil pessoas que sobrevivem nas ruas do Distrito Federal.

"José" "mora" a cerca de 2 mil metros do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto.

Congresso e Palácio suntuosos que hoje são "habitados" por parlamentares e presidente que estão impondo ao "José" e ao país, contrarreformas que irão, num futuro breve, agravar a situação das famílias do DF e do Brasil e, obviamente, provocando a saída de mais pessoas para as ruas. Esse tipo de governo é uma verdadeira máquina de produção de miseráveis. 

Por que "José" vive há cerca de 15 anos "morando" debaixo de uma marquise na Asa Sul? 

Questões como essa eram debatidas e trabalhadas no projeto, criado em 2014 no Setor Leste, onde cerca de 6 turmas  de alunos e alunas de 1° ano do Ensino Médio, abraçou a ideia de trabalhar com pessoas em situação de rua.

O projeto "Humanos" consistia, entre outras atividades, convidar pessoas em situação de rua do Plano Piloto para ir à escola contar suas histórias de vida aos estudantes.

Em uma parceria inédita com a Escola Meninos e Meninas do Parque, escola pública do Distrito Federal, levamos dezenas de pessoas em situação de rua para dar "palestras" aos estudantes.

Era uma "conversa" onde ambos os lados saiam ganhando, ninguém perdia, a satisfação na cara da garotada e dos "moradores" de rua dizia mais do que consigo expor aqui nessas breves linhas.

O projeto, enquanto funcionou, foi um sucesso.

Hoje, depois que deixei meu filho na escola, passei pelo "José" encolhido em cima de um colchão velho, encoberto por uma pano sujo, tentando passar por mais uma manhã de frio intenso, para, afinal, tentar viver mais um dia de sua miserável vida.

"José" tem 35 anos, foi para as ruas aos 20, após perder o emprego e deixar de estudar. Residia na periferia de Brasília num barraco miserável com a mãe e 6 irmãos e irmãs.

Como era o mais velho, a mãe o mandou deixar a escola e procurar emprego, quando na primeira tentativa frustrada retornou para casa, a mãe o mandou de volta dizendo: "É o emprego ou a rua".

"José" "escolheu" a rua. Está até hoje vivendo de doações de moedas dos donos de carros que fazem compras no supermercado que fica na mesma quadra onde ele passa os dias e a noite.

As razões para pessoas irem procurar nas ruas de Brasília ou de qualquer grande cidade do país, um jeito de sobreviver, são muitas, uma delas expus acima.

Uma das explicações mais importante é exatamente a desigualdade social que é, por sua vez, uma característica mais marcante do sistema capitalista.

Nesse sentido, enquanto o sistema continuar, o Estado terá desafios quase insuperáveis para colocar de volta esses milhões de "Humanos" do país inteiro, de volta para o lar.

Falta um sistema econômico social que não produza cotidianamente mais miseráveis.

Falta uma estrutura social e econômica que dê oportunidade a todos e a todas com educação pública de qualidade e emprego de qualidade.

Falta uma reforma agrária popular que provoque o retorno ao campo de levas e levas de pessoas que migraram e foram "morar" nas ruas das grandes cidades do país.

Nesse contexto é importante que a sociedade entenda que dentro do sistema capitalista não existe condições de acabar com o problema concretamente, acabar com o "problema" não é perseguir essas pessoas nas ruas retirando deles carrinhos, cobertores etc. como vem sendo feito na cidade de São Paulo pelo prefeito João Dória (PSDB), essa é uma medida, além de arbitrária, higienista porque não resolve a questão.

Por fim, para resolvermos a questão "por dentro" do sistema capitalista, só com reformas profundas que criem reais condições de empregabilidade em massa, educação pública de qualidade, para que ninguém mais tenha que sair do seio de sua família e ir morar nas ruas.



sexta-feira, 23 de junho de 2017

Fraga: o moralista sem moral

por José Gilbert Arruda Martins

"Os moralistas passam a vida alertando as pessoas contra os pecados de que já se cansaram. O moralista em atividade é um hedonista fatigado. Pelo menos deveria ser." Frase retirada de um livro que reúne as melhores frases de Oscar Wilde, um dos artistas mais aplaudidos e polêmicos do seu tempo.



A sociedade do Distrito Federal agora parece que irá, de uma vez por todas, entender quem é o verdadeiro deputado federal Alberto Fraga.

Não é a primeira vez que ele, Alberto Fraga do DEM-DF se envolve com corrupção. O Jornal Folha de São Paulo de setembro de 2015 traz: Líder da Bancada da Bala vira réu no STF em ação por propina de R$ 350 mil. Deputado Alberto Fraga (DEM-DF) teria recebido dinheiro em 2008 por meio de seu motorista quando exercia o cargo de secretário de Transporte do Distrito Federal no governo Arruda.


No vídeo acima, da rede golpe de televisão, o deputado Alberto Fraga que com seu voto ajudou a derrubar do governo uma presidente legítima e honesta, faz discurso de moralista contra a corrupção.


Eleitores do Distrito Federal conheçam seus candidatos antes de darem seus votos. Ano que vem, se não for punido, Alberto Fraga voltará a pedir o teu voto com a cara limpa e de moralista sem moral de sempre. Esteja alerta, bota esse cara para correr da tua comunidade.

terça-feira, 20 de junho de 2017

A UNE elege a 7a. mulher para dirigir a entidade nos próximos dois anos

por José Gilbert Arruda Martins

"A UNE é a entidade máxima dos estudantes brasileiros e representa cerca de seis milhões de universitários de todos os 26 Estados e do Distrito Federal." (UNE, 2017)

O 55° Congresso da UNE é um acontecimento importante em meio ao caos político e institucional que o país vive.

Por isso é importante a eleição da sétima mulher a dirigir a mais importantes entidade de estudantes do América do Sul.


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A vitória da chapa "Frente Brasil Popular" com mais de 79% dos votos é outro fato importante na luta contra o golpe e contra as reformas.

Nesse sentido, é importante perceber, que nem o atraso secular na instalação do ensino superior no país foi capaz de barrar a garra dos estudantes brasileiros.

Segundo Márcia Dias da EBC a "Universidade mais antiga da América do Sul tem 463 anos. A Universidade Nacional Maior de São Marcos, em Lima, Peru, é também uma das mais antigas do mundo, e nunca parou de funcionar desde a sua criação. O curso mais antigo é o de Teologia, concebido para formar os noviços da região".

No Brasil "O primeiro curso superior do Brasil foi criado em 1808, com a chegada da família real portuguesa ao país. Durante todo o século 19, o ensino superior brasileiro esteve restrito a uma parcela extremamente limitada da população, com raras instituições no país." (UNE, 2017)

É importante analisar que esse curso superior criado em 1808 não fazia parte de uma universidade, era uma faculdade de medicina, portanto, a criação da primeira universidade brasileira data de 1909 com a criação da Universidade de Manaós (assim mesmo Manaós) "Escola Universitária Livre de Manaus, em 11 de janeiro de 1909, de existência efêmera, mercê da decadência da economia da borracha. Essa escola, criada pela Lei 601 de 08 de outubro de 1909, teve sua origem na Escola Livre de Instrução Militar do Amazonas e passou a chamar-se Universidade de Manaus em 13 de julho de 1913 por deliberação de sua Congregação." (UFPR, 2017)

Quem eram os estudantes dessas instituições brasileiras? Normalmente filhos homens de fazendeiros, quer dizer, herdeiros do poder econômico e político das elites.

Hoje - 2017 -, fundamentalmente a partir dos anos 1950, o país  avançou em número e qualidade do ensino superior com isso, o número de estudantes aumentou consideravelmente, mas, mesmo assim, a cara do alunado continuou predominantemente masculina e branca em sua maioria. Foi a partir da criação de diversas políticas públicas de 2003 em diante que a cor das salas de aulas em nossas universidades começou concretamente a mudar.

O Fies e o Prouni, além da ampliação dos campis universitários por todo o país, mudaram a cara dos nossos estudantes, dando uma cor mais misturada, mais vermelha e negra às universidades brasileiras.

Esse 55° Congresso da UNE é um acontecimento importante em meio ao caos político e institucional que o país vive.

Por isso é importante a eleição da sétima mulher a dirigir a mais importantes entidade de estudantes do América do Sul.

A vitória da chapa "Frente Brasil Popular" com mais de 79% dos votos é outro fato importante na luta contra o golpe e contra as reformas.

O congresso, que teve a participação de mais de 15 mil estudantes de todo o país, mostrou que a galera continua mobilizada na luta pelo restabelecimento democrático. Diretas Já e contra as Reformas. Parabéns a UNE!

Nosso conveniente atraso na construção do ensino superior fazia parte da política de atraso implantada pelas elites cooptadas primeiro pelos portugueses depois, pelo imperialismo inglês.

O atraso fez parte sim de um grande projeto elitista, controlar a educação do povo.

Isso, como vimos, mudou consideravelmente de 2003 em diante mas, falta muito para alcançarmos as condições ideias, ainda temos grande número de pessoas do povo longe das salas de aulas, tanto no ensino básico mas, principalmente, no ensino superior.

Resta ao povo, a luta!

MOBILIZADOS - Marianna Dias é eleita nova presidenta da UNE

na Rede Brasil Atual


Estudante de Pedagogia, ela destacou a unidade do movimento estudantil e a importância da Frente Brasil Popular e definiu a saída de Temer e o resgate da democracia como prioridade para os estudantes

Marianna Dias
Para nova presidenta da UNE, "é preciso restabelecer a democracia e convocar novas eleições para a presidência"


São Paulo – A estudante de Pedagogia da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) Marianna Dias, 25 anos, foi eleita a nova presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE) neste domingo (18) durante a plenária final do 55º congresso da entidade, realizado no ginásio Mineirinho, em Belo Horizonte. A chapa Frente Brasil Popular: A Unidade é a Bandeira da Esperança conquistou 79% dos votos, escolhida por 3.788 delegados
O evento, segundo a UNE, reuniu mais de 15 mil estudantes de todo o país. Em segundo lugar, a chapa Fora Temer, Rumo à Greve Geral Contra as Reformas foi escolhida por 14,33%, seguida pelas chapas Vem Que a UNE é Nossa (3,09%)Fora Temer, Eleições Gerais Já, Mutirão na UNE (1,77%) e Reconquistar a UNE: Por Nenhum Direto a Menos, Fora Temer, Diretas Já! (1,75%). 
Segundo a nova presidenta, que fica à frente da entidade pelos próximos dois anos, a prioridade, nesse momento, é a realização de eleições diretas para substituir o presidente Michel Temer (PMDB) e combater as reformas trabalhista e da Previdência, principais bandeiras do atual governo. "É preciso restabelecer a democracia e convocar novas eleições para a presidência da República, para que a gente possa, de fato, mudar tudo o que a gente tem visto."
YURI SALVADOR/UNEPlenária UNE
Plenária final reuniu cerca de 15 mil estudantes
Como uma das primeiras ações políticas do novo mandato, a UNE participa da greve geral prevista para o próximo dia 30, juntamente com as centrais sindicais e demais movimentos sociais, que exige a saída de Temer e a convocação de eleições diretas já.
Marianna também enalteceu sua antecessora, Carina Vitral, saudou a unidade no movimento estudantil, que garantiu a sua eleição. "Ser eleita em uma chapa que teve uma unidade tão grande, fortalecida, amadurecida durante muito tempo, através da Frente Brasil Popular, me dá a certeza de que essa será uma grande gestão."
Natural de Feira de Santana (BA), e integrante da União da Juventude Socialista (UJS), Mariana Dias também presidiu a União dos Estudantes da Bahia (UEB) e foi diretora de Relações Internacionais da UNE. Ela é a sétima mulher a liderar a UNE, e comandará as comemorações de 80 anos da entidade. 

O congresso

Desde a última quinta-feira (16), os estudantes participaram de 36 mesas de discussão, que ocorreram na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para refletir sobre a realidade nacional e apontar caminhos para uma educação democrática e plural, que contemple a diversidade brasileira com respeito e oportunidade.
Compuseram as mesas figuras como Guilherme Boulos, Celso Amorim, Fernando Haddad, Jandira Feghali e Ciro Gomes, além de especialistas de diversas áreas. Sobre a conjuntura atual, que também deram destaque as ditas reformas pretendidas pelo atual governo. 
Na sexta-feira (17), os estudantes também participaram do ato-evento Minas Pelas Diretas Já, que reuniu cerca de 40 mil pessoas na Praça da Estação, região central de Belo Horizonte.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

DIVERSIDADE E RESPEITO - Parada do Orgulho LGBT marcha contra intolerância religiosa em São Paulo

na Rede Brasil Atual

Muitos aproveitaram o evento para se pronunciar em defesa das eleições diretas para a presidência e gritar pelo "Fora, Temer"


Parada LGBT
Parada celebrou a diversidade em sua 21ª edição, contra o fundamentalismo religioso



Por Rute Pina, do Brasil de Fato – "Eu sou espírita, kardecista. A minha filha gosta mais de ir para a umbanda, e meu marido é católico. E todo mundo se dá bem casa. Todo mundo tem o direito de escolher o que quer e o com que se identifica", disse Alessandra Patrícia da Silva, que é integrante do coletivo Mães pela Diversidade.
Ela participa da Parada LGBT desde 2013, quando sua filha, de 20 anos, contou para a família que é lésbica. Alessandra auxiliou, pela primeira vez, um dos 19 trios elétricos da 21ª edição da Parada do Orgulho LGBT, realizada neste domingo (18), em São Paulo (SP).
Este ano, o evento trouxe como tema o respeito à diversidade religiosa e críticas ao fundamentalismo religioso e as intervenções da bancada evangélica no Congresso Nacional. A estimativa dos organizadores é de que três milhões de pessoas tenham participado do evento.
 No carro à frente da marcha, a organização da Parada LGBT, que levou milhares à Avenida Paulista, reuniu líderes religiosos da Igreja Batista, de religiões de matriz africana e do judaísmo com o slogan "Independente de nossas crenças, nenhuma religião é lei. Todos e todas por um estado laico".
Uma pesquisa feita na edição de 2016 pelo coletivo Vote LGBT, em parceria com pesquisadores da USP, Unifesp e Cebrap, revelou que quase metade do público do evento — que ocorre três dias após a Marcha para Jesus — é formada por cristãos: católicos, evangélicos e kardecistas somam 45,7% da Parada.
O líder do movimento Jesus Cura a Homofobia, Marco Oliveira, pediu perdão à comunidade LGBT "por todas as mazelas que a igreja evangélica fez durante todos esses anos". "Eu quero deixar bem claro que [Silas] Malafaia, [Marco] Feliciano e tantos outros não representam todos os evangélicos do Brasil que apoiam, sim, que toda forma de amor é abençoada por Deus", disse o pastor batista no carro de som.
Para a baiana Thaís Lima da Silva, o tema sobre a laicidade do Estado deste ano é importante. "Eu sou católica e acredito muito em Deus. Deus é maravilhoso com todos nós", disse. "O estado laico é a religião para todos", completou ela.
Thaís integra o programa municipal Transcidadania e apoia um projeto de prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e ao HIV para profissionais do sexo. Para ela, o evento é a celebração de um ano inteiro de militância: "A gente discute sobre preconceito, sobre emprego e saúde o ano inteiro. A gente tira um dia do ano para celebrar e mostrar para a sociedade que a gente existe".

Público

Jovens e adolescente, em busca das apresentações musicais de Daniela Mercury, Anitta e Pabllo Vittar, formam a maioria do público da Parada LGBT. Mas, além dos shows e clima de micareta, muitos aproveitaram o momento para se pronunciar em defesa das eleições diretas para a Presidência e gritar pelo "Fora, Temer".
Marcos Freire, coordenador do coletivo LGBT da Central Única dos Trabalhadores (CUT), pontua a importância dos movimentos populares participarem da marcha. Para ele, o dia não é apenas festa. "É um dia de comemorar nossa visibilidade e nossa existência, e mostrar que estamos em todas as áreas, inclusive no mercado de trabalho. Nosso papel é lutar por direitos, mas nosso trabalho é o ano inteiro, para que a gente possa diminuir a violência, a discriminação social contra a população LGBT", afirmou.
É o que também pontua Alessandra, do coletivo Mães pela Diversidade. "Às vezes as pessoas dizem que o evento é só o fervo, só a bagunça, mas eu acho que não. Toda essa visibilidade, as pessoas se expondo e se assumindo, colocando a cara para bater no sol é muito importante", disse. O coletivo dá apoio jurídico e psicológico a familiares de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis.

ENTREVISTA | WOLFGANG MERKEL - O Estado capitalista sem obrigações sociais é um monstro

na Rede Brasil Atual

Para cientista político alemão, a crise global é financeira, e não do capitalismo. “O que existe é um triunfo do capitalismo”, diz. O desafio, segundo ele, é domá-lo

por Por Paulo Donizetti de Souza e Vitor Nuzzi, da RBA



wolfgang merkel
Para Merkel, o que está acontecendo com o Brasil é catastrófico para a luta global em defesa de democracia


por José Gilbert Arruda Martins

Não custa, para todos e todas aqueles que pensam diferente de muito do que está por aí, sonhar com um sistema completamente diferente, não, como defendeu o entrevistado, "domar o capitalismo". Mas com um mundo onde o social reine sobre o capital, onde as pessoas sejam respeitada na sua humanidade.
Pessoalmente, não acredito que o sistema capitalista possa ser domado. Quem e como seria feito isso?
Parece ser aceito que o Estado do bem-estar social tenha sido uma espécie de tentativa de domar o sistema capitalista. Mas também não durou, apesar de ter sido uma experiência muito boa.   
Não resta dúvida também que essa política provocou grandes avanços na área social e trabalhista na Europa, mas se aconteceu foi por que os trabalhadores e trabalhadoras europeias se organizaram e lutaram para conseguir tais avanços, não foram simplesmente concessões do sistema.
Afora isso a entrevista abaixo é muito boa para ajudar no debate.


São Paulo – “O problema é que a democracia precisa do capitalismo, mas o capitalismo não precisa da democracia”, diz Wolfgang Merkel, 65 anos, professor de Ciências Políticas e diretor do Centro de Ciências Sociais de Berlim, que há tempos se dedica a analisar a convivência entre o sistema econômico e o político. Se a experiência comunista não deu certo, observa, o neoliberalismo também “produz monstros”, levando o mundo a uma crise da qual ainda não se recuperou.
O Estado tem de estar presente, inclusive para garantir a inserção das faixas mais pobres na política, hoje atraídas pelo populismo de direita. Não pode haver “democracias de dois terços ou de 50%” da população, alerta o cientista político, que esteve recentemente no Brasil para participar de debates. A Fundação Friedrich Ebert (FES) – entidade de pesquisa e estudos ligada à movimentos da social-democracia da alemã, promoveu um encontro dele com o ex-prefeito Fernando Haddad.
A questão é saber qual modelo de democracia pode, de alguma maneira, controlar o chamado mercado, que parece atuar livremente pelo mundo e alimenta a desigualdade social. “Se desigualdades econômicas demasiadamente grandes prevalecem, como no Brasil ou na América Latina, elas se transformam em desigualdades políticas. E uma democracia não pode aceitar isso”, afirma o professor, para quem o “auge” do neoliberalismo já passou, mas não se vislumbra um retorno ao clássico Estado de bem-estar social.
Nem a crise global de 2007/2008 levou os governos a tentar restabelecer algum tipo de regulação dos mercados. “Há atores poderosos com poder de vetar o retorno à regulação.”
Ele manifesta preocupação com a situação atual do Brasil, que considera “uma pequena catástrofe para a democracia”. E o grande problema da região, a desigualdade, pode aumentar com a desregulação das relações de trabalho e mudanças na Previdência, como pretende o governo. “A desigualdade e a fragilidade dos setores mais pobres da sociedade crescerão ainda mais. Isto levará a um funcionamento pior da democracia e pode levar também a turbulências.” Para ele, é preciso buscar consensos e afastar o clima de polarização hoje predominante no país.
Ex-consultor de governos na Alemanha, Espanha e Inglaterra, o professor, ao refletir sobre o descrédito das pessoas em relação à política, também chama a atenção para o papel da mídia. “A política é frequentemente é reduzida a escândalos. Não se discutem políticas públicas, projetos. Só aparecem casos de corrupção. E corrupção é algo que segundo a mídia só aparece na política, embora ela esteja presente na sociedade, na economia.” Assim, observa Merkel, os meios de comunicação formulam a agenda política.
Quem participam off-line na política também participa on-line. E quem não participe no mundo real, também não participa no mundo virtual. Superestimamos os efeitos positivos da internet para a democracia e subestimamos os efeitos negativos
O senhor questiona em seus escritos se a democracia é compatível com o sistema capitalista. É possível se alcançar um modelo que harmonize um regime político democrático com esse sistema econômico?
Em primeiro lugar, ambos os termos devem ser pensados no plural. Temos várias formas de democracia e de capitalismo. Poderíamos falar de uma democracia minimalista, aquela em que as eleições são os únicos elementos suficientes e indispensáveis da democracia. Existe também um conceito maximalista que considera não só as eleições, mas também o Estado de direito, direitos civis, direitos políticos. Outro conceito leva também em conta os resultados da tomada de decisões políticas. Penso que é aconselhável optar por um conceito mediano, que garante eleições livres, é justo, mas ofereça as garantias do Estado de direito para os indivíduos. Isso sem falar ainda na democracia direta, representativa e deliberativa.
Quando damos uma olhada no capitalismo, temos, pelo menos desde o ano 2000, uma discussão intensa sobre as assim variedades de capitalismo. Há a forma clássica, que chamamos de forma neoliberal anglossaxônica, em que os mercados são geralmente liberados das regulações políticas e sociais. Há o modelo do pós-guerra vigente na social-democracia da Alemanha, da França, da Holanda, com economias de mercado, mas coordenadas – coordinated market economies. Nesta variante, o Estado tem um papel de impor obrigações sociais no capitalismo. O mercado de trabalho é regulamentado. Mas não exige o sistema de propriedade estatal. É um socialismo funcional, como os suecos o denominaram.
Além disso, temos outras formas misturadas ou “bastardas” de capitalismo. Um exemplo é o da China, onde o capitalismo coexiste com um sistema autoritário. O Estado tem papel importante, mas as relações de trabalho são organizadas como no século 18 na Inglaterra. Convive-se com a ausência de direitos para os trabalhadores e num mercado mais desregulado do que nos Estados Unidos. Na América Latina e no Brasil, existe uma discussão sobre um “capitalismo hierárquico”, em que o Estado desempenha papel importante, mas o controle social não funciona de fato e se mantém o capitalismo suscetível a gerar desigualdades.
O foco da sua pergunta é em que tipo de democracia existe um mecanismo de controle do mercado. Essa foi uma forma que prevaleceu nos anos 50, 60 e 70, na Europa Ocidental. Essa forma é mais adequada em relação ao princípio da igualdade. Porque se desigualdades econômicas demasiadamente grandes prevalecem, como no Brasil ou na América Latina, elas se transformam em desigualdades políticas. E uma democracia não pode aceitar isto.
A questão é se o capitalismo seria compatível com a democracia mesmo sendo ele um modelo causador de desigualdade, social e econômica. Esses modelos de bem-estar social estabelecidos no pós-guerra, sobretudo na Europa, movidos por uma forte presença do Estado, desde o final dos anos 80 vem sendo confrontado pelo neoliberalismo. Essa a tese, de redução do Estado, está prevalecendo, globalmente?
Historicamente, nunca houve uma democracia que se sustentasse fora do capitalismo. O “grande projeto comunista” da democracia com uma nacionalização dos meios de produção fracassou com o império soviético, e o comunismo asiático também fracassou. O problema é que a democracia precisa do capitalismo, mas o capitalismo não precisa da democracia. O capitalismo existe nas piores ditaduras. Coexistia com o nacional-socialismo. Coexiste com a quase-ditadura na China. A democracia precisa do capitalismo pelo menos por uma razão. Uma economia separada do Estado produz um contra-poder diante do Estado, que, de outro modo, pode tornar-se rapidamente um Leviatã. Por outro lado, se o Estado tem o controle absoluto sobre os mundos político e econômico, não existe propriamente um Estado, mas um monstro.
Além disso – e isso é uma tendência dominante –, o mecanismo do mercado é o sistema mais eficiente para alocação de mão de obra, de meios de produção e para o desenvolvimento de tecnologias. Ele é altamente eficiente. Mas esse capitalismo tem de ser balizado por obrigações sociais. Não devemos achar, incondicionalmente, que temos de desenvolver um sistema completamente alternativo para a economia. O que devemos fazer é domar esse capitalismo altamente eficiente, moderá-lo, domesticá-lo e integrá-lo numa regulamentação político-social. A revolução neoliberal implantada desde Thatcher e Reagan levou a um Estado mínimo, small government, em que o Estado abdica de suas obrigações. Isso também produz monstros, nos conduziu à crise econômico-financeira de 2007 e dos anos seguintes.
A financeirização da economia, ao proporcionar a formação de riquezas não produtivas, não inviabiliza a democracia, uma vez que a acumulação e a concentração de riquezas inibem os regimes de bem-estar social, ou seja, as obrigações sociais deste capitalismo, inibindo a prática de políticas públicas que levem à redução das desigualdades?
Por que não aconteceu uma volta da regulação depois da crise financeira de 2007? Sabemos pelos estudos econômicos e políticos que é muito mais fácil desregular do que regular de novo. Isso é um problema da ação coletiva que a União Europeia tem. A UE foi muito forte na “regulação negativa”, ou seja, na desregulação dos mercados, na criação de um sistema de concorrência. Isso levou a um mercado europeu unificado. Mas com a afiliação de 28 países como membros efetivos, é muito difícil ter condições para produzir uma integração positiva, como, por exemplo, em termos de regulações sociais, de um programa europeu de educação ou de normas mínimas no campo social.
Veja os casos da Inglaterra e da França. A Inglaterra possui um capitalismo de mercado anglossaxônico e a França quer uma regulação estatal maior. Fica difícil encontrar um compromisso regulatório. No nível global, encontramos não só os 28 países da UE, mas outros atores da mesma dimensão, como Estados Unidos, China, Rússia, Índia ou Brasil. São interesses distintos.
A social-democracia errou quando superestimou o papel da sociedade civil. E subestimou a intensidade com que a globalização produz desigualdade. Esses erros afetaram não só a social-democracia, mas todos os grandes partidos na Europa
Mas regular não chega a ser uma revolução e nem sequer uma ruptura...
Os Estados Unidos e também a City em Londres, a Stock Exchange, (a Bolsa londrina), não têm nenhum interesse em voltar ao tempo das regulações. E sem a participação dos Estados Unidos isso não funciona. Também não funciona na União Europeia. Eu falo de maneira técnica: este é um problema para a ação coletiva. Há atores poderosos com poder de vetar o retorno à regulação. Penso que o auge do neoliberalismo já passou, mas não visualizo uma volta clássica ao Estado de bem-estar social no sentido keynesiano, como nos anos 50 e 60. Também não visualizo um país que pudesse liderar tal tentativa. Ainda se pode pensar algum modelo mais parecido com aquele na França. Mas a França se tornou, dentro da União Europeia, uma economia fraca e pouco assertiva diante da hegemonia alemã. O pensamento econômico da austeridade da Alemanha e o neoliberalismo do Reino Unido se aliam na UE. O Banco Central Europeu, sob Mario Draghi (economista italiano, na presidência do BCE desde 2011), quebrou um pouco este eixo alemão-britânico – ao injetar dinheiro nas economias do sul da Europa –, mas não a ponto de obter uma forte transformação. E com Donald Trump na Casa Branca, isto não é provável.
Durante a eleição francesa, Marine Le Pen disse que a França iria ser governada por uma mulher – ou ela ou Angela Merkel – apontando para uma ingerência do conservadorismo econômico alemão nas economias europeias e ironizando uma suposta subordinação de seu adversário, Emmanuel Macron. Essa ingerência alemã estaria inviabilizando o surgimento de alternativas aos modelos de austeridade?
Estou certo que a senhora Le Pen ter chegado ao segundo turno é um fato grave em si. Isso já diz muito sobre os desafios da democracia na Europa Ocidental, mas também da Oriental. Marine Le Pen e os populistas de direita não têm um programa econômico razoável. Eles querem retirar-se da União Europeia. Estou certo de que isto seria um desastre para a França. Por outro lado, Angela Merkel usa a União Europeia de maneira demasiado radical para impor os interesses alemães. Nem o populismo conservador, nem a austeridade alemã me parecem ser boas para Europa. Mesmo assim, Merkel é vista no mundo como quem assegura a unidade da União Europeia, porque não há outros líderes fortes. Para resumir: a economia da França é demasiado fraca para uma União Europeia forte, e a economia da Alemanha é demasiadamente forte para ela.
A desregulamentação dos mercados acabou ocorrendo mesmo em governos que se esperava de esquerda, ou de centro-esquerda. Isso acorreu por uma fragilidade dessas forças políticas, ante as ditas neoliberais, ou por adesão mesmo? O ex-presidente José Mujica, do Uruguai, disse que a social-democracia europeia, de tão racional e pragmática, deixou de ser esquerda.
É certo que foi uma fraqueza da esquerda fazer uma política menos radical, e também neoliberal. Isso também aconteceu na América Latina. A social-democracia não é um partido clássico de esquerda. É um partido de centro-esquerda. Se fosse um partido clássico da esquerda não atingiria 30% ou 40 % dos votos. Um partido clássico de esquerda ganha até 8% ou 10%. Esse é o seu potencial de voto. A social-democracia aceitou o capitalismo, e queria domá-lo através de um Estado de bem-estar social. Mas retrospectivamente eu penso que os social-democratas na Europa cometeram um erro, ao capitular diante da tese de que este modelo não é mais adequado em tempo de globalização. A terceira via de Tony Blair (primeiro-ministro britânico de 1997 a 2007) e de meu colega Anthony Giddens (sociólogo britânico pioneiro na teoria da terceira via), por exemplo, acreditava que uma nova social-democracia poderia surgir.
O erro foi terem subestimado o papel do Estado. Eles não queriam mais um Estado forte, de intervenção. Superestimaram o papel da sociedade civil. A sociedade deveria se autorregular. Isso, na minha opinião, é ingênuo. Também subestimaram a intensidade com que a globalização produz desigualdade. Esses erros afetaram não só a social-democracia, mas também todos os grandes partidos na Europa, que perdem forças.
O senhor visita o Brasil em um momento em que o governo se empenha para promover reformas de cunho neoliberal na legislação trabalhista e previdenciária. Qual o impacto dessa guinada política brasileira para o mundo, após o que a atual oposição classifica como golpe?
Acho a atual situação no Brasil uma pequena catástrofe para a democracia. Porque depois da transição na América Latina a partir dos anos 1980, nós vimos com entusiasmo a democracia com que o continente voltou a se conectar. A democracia teve grandes sucessos na América Latina. Mas houve lacunas graves. A principal é a grande desigualdade. A América Latina é a região com a maior desigualdade do mundo. E se as relações de trabalho forem desreguladas, se houver uma reforma da Previdência no Brasil, a desigualdade e a fragilidade dos setores mais pobres da sociedade crescerão ainda mais. Isto levará a um funcionamento pior da democracia e pode levar também a turbulências. E quando há turbulências na América Latina, sempre há o risco de os militares atuarem como árbitros. O que se está se passando no Brasil é um problema muito mais grave do que o fracasso do chavismo na Venezuela. 
Os governos petistas tiveram como marca importante uma política externa chamada de “ativa e altiva”. Não tinha conduta hostil à hegemonia norte-americana e europeia, mas apostava em uma relação mais envolvente com outras nações consideradas emergentes, como os Brics. Essa política projetou o ex-presidente Lula como liderança mundial e referência nessa busca por combinar a funcionamento do capitalismo com modelos efetivamente mais democráticos, social e economicamente. A forma como as forças de mercado e oligarquias políticas hoje tentam inviabilizar Lula não é uma demonstração de que o capitalismo não tolera a democracia?
Tenho grandes simpatias e admiro o governo de Lula no Brasil. O Brasil é um país importante, mas não se deve superestimar essa importância. O carisma de Lula foi principalmente importante para América Latina. Para a OCDE, não. E de novo: a ideia de formar um novo centro de poder fora dos Estados Unidos e da OCDE, com Brasil, Rússia, Índia, China tem por base uma aliança altamente problemática. Não se pode crer que China e Rússia possam formar um contra-centro homogêneo diante dos Estados Unidos e da OCDE. Também neste contexto deve-se considerar que a China tem peso demasiadamente alto. O Brasil foi, de certa maneira, o ator mais fraco, mesmo que politicamente fosse o mais aceito, porque Lula foi o presidente de uma democracia, porque ele começou a mudar o país de maneira não autoritária. Mas se houver uma divisão, o Brics, como aliança, vai morrer. A China vai impor seus interesses.
O Brasil foi respeitado no mundo ocidental e também em outras partes do mundo, porque houve um presidente como Lula. Então se respeitou a tentativa de integrar na democracia que se formou com a transição um Estado de bem-estar social. Redistribuição! Mas o poder das grandes oligarquias financeiras e corporações familiares não foi quebrado. Penso que Lula e o PT negligenciaram a formação de uma aliança mais ampla e estável.
Não podemos deixar o um terço mais pobre da sociedade para os populistas da direita. A esquerda confiou  que o lindo novo mundo da sociedade civil organizada fosse protagonizar mudanças. Uma fatia importante da sociedade não faz parte do jogo dos poderosos que determinam a política
Qual a sua opinião sobre essa mudança de rota dos Estados Unidos na geopolítica global, dada a imprevisibilidade do comando de Donald Trump naquele país?
Não sabemos certamente para onde vão os Estados Unidos com Trump à frente. Deveríamos dividir a análise da política interna da externa. Na política interna, Trump até agora fracassou em grande parte, com as suas tentativas, seus decretos, barrados no Legislativo ou no Judiciário. Isso abre uma perspectiva de esperança. Mostra, que as instituições democráticas ainda são fortes. São enraizados de tal modo que um presidente não pode impor facilmente seus interesses por meio de decretos.
Mas há ainda outros fatos na política interna, um fenômeno que no fundo também ocorre na Europa Ocidental e na Oriental, e também na América Latina, mas numa versão diferente. Trata-se da emergência, ou do retorno do populismo. E nos Estados Unidos, na Europa Ocidental e Oriental ele é um populismo excludente. Mas os populistas também são contra os desenvolvimentos democráticos que tivemos nos últimos 30 anos, como os grandes avanços na questão de gênero. O populismo da direita significa sempre o risco de ataques direitos individuais e direitos de grupos sociais.
A política econômica é diferente. O que Trump promete é o mercantilismo, um afastamento do multilateralismo. Ele está em favor de um forte Estado de regulação. Mas nesse ponto eu penso que ele não vai impor muitos dos seus projetos porque muitas das grandes empresas multinacionais, especialmente as do Vale do Silício, querem uma política diferente. De Google a Facebook e outras grandes empresas da internet, e também outras empresas da exportação. Trump provavelmente não vai poder governar independente desses interesses.
Os modelos de bem-estar social que se expandiram na Europa no século 20 se estabeleceram num momento em que o mundo capitalista e as forças de mercado temiam o avanço do comunismo, capitaneado pela antiga União Soviética. Com a derrocada desses regimes, o mercado passou a se sentir mais à vontade, como se não precisasse mais negociar com a democracia nem se incomodar com o bem-estar social. Esse triunfalismo do capitalismo consegue hoje com menos esforço deter o surgimento de modelos alternativos, com mais democracia?
Tenho grandes simpatias pela tese por trás desta pergunta. Primeiramente, não considero o projeto soviético como socialista. Mas essa alternativa teve na Europa Ocidental, especialmente na Alemanha, um grande papel. Por um lado, um modelo de uma sociedade socialista foi testado. A Alemanha Oriental talvez tenha sido um dos regimes comunistas mais bem-sucedidos. Isso levou de certa forma a uma concorrência entre os dois grandes partidos pelo Estado social. O Estado de bem-estar social na Alemanha não foi implementado pela social-democracia, mas pela democracia cristã que governou nos anos 50 e 60. Eles lançaram grandes reformas sociais, e a social-democracia deu continuidade. Essa competição entre os grandes partidos populares, também nos países da Europa Ocidental, foi movida pela alternativa no Leste Europeu, mas também por partidos comunistas relativamente fortes, como na França e na Itália. Isso seguramente teve um papel no processo de construção do bem-estar social. O colapso do império soviético em 1989 realmente liberou o Ocidente dessa alternativa. O Estado de bem-estar social começou a ser desmontado pelas bordas. Não foi radicalmente desmontado. Mas não foi expandido. Seus núcleos – previdência, saúde, seguridade, direitos trabalhistas – mais ou menos continuam.
O que foi mudado é o sistema de impostos em favor dos ricos, em favor das empresas, o que levou a uma forma diferente do capitalismo. A desigualdade vai crescer. Temos uma instituição na Europa que se chama Banco Central Europeu. Os alemães não gostam muito. É um raro contraponto econômico à Alemanha. O presidente do BCE, Mario Draghi, chegou a prever uma catástrofe na crise do Euro, em parte como forma de contestar as exigências alemãs. Draghi produziu de certa forma um tipo de keynesianismo, quando o BCE comprou títulos de dívida dos países da Europa do Sul e bombearam dinheiro nas economias. Mas há um paradoxo. Embora isso tenha sido positivo para a economia, para a teoria de democracia é um problema. Quem deu esses poderes para Mario Draghi? Não é uma instituição realmente democrática. Pois temos essa ambivalência.
Há alguns anos, o senhor afirmou que existia um fantasma no mundo democrático, que é o fantasma da crise do capitalismo. O que o senhor diria aos governantes de hoje sobre como lidar com esse fantasma?
Temos falado demasiadas vezes e por demasiado tempo sobre a crise do capitalismo. É uma herança marxista que ainda carregamos em nossas teorias. Quando você olha como o capitalismo se desenvolveu desde o fim dos anos 80, não temos uma crise, mas um triunfo máximo do capitalismo. Minha tese é que o grande problema das democracias do Terceiro Mundo não é a crise do capitalismo, mas o triunfo do capitalismo. Os mercados dominando a política. Segundo a chanceler alemã, Angela Merkel, a democracia deve estar de acordo com as condições do mercado, e não os mercados deveriam de acordo com a democracia. Nas palavras de Angela Merkel, o mercado é o soberano, não o povo. Então, se existe crise, ela é financeira, e não do capitalismo. Estamos confrontados com um triunfo do capitalismo. Por causa disso acho que temos que pensar em como este capitalismo pode ser domado, para que decisões da sociedade novamente voltem a ter importantes.
Então, o desencanto da sociedade acaba sendo favorável ao controle do Estado pelos mercados.
O problema é que quem é mais prejudicado no atual modelo, a camada mais pobre, o um terço mais pobre, não participa politicamente. Nem vai para eleições. Não se filia aos partidos. Não se encontra nas ONGs. De certa maneira não existem na política. E as elites políticas não os leva em consideração por isso. Isso possivelmente mudará com o populismo de direita, que está atraindo este um terço de baixo. Daí essa transição do populismo neoliberal da direita a um populismo da direita social na Europa. Esse populismo é um perigo especial porque em parte tenta se dirigir a esses setores baixos da sociedade.
A restauração do Estado democrático passa por reincluir esse terço de baixo na política por meios democráticos. Não podemos nos tornar democracias de dois terços ou de 50%, onde a classe média ou oligarquias determinam a política. Não devemos deixar o terço baixo para os populistas da direita. A esquerda confiou demais que o lindo novo mundo da sociedade civil organizada fosse protagonizar mudanças. Muitas coisas da sociedade civil são importantes. Mas é muito placebo. Uma fatia importante da sociedade não faz parte do jogo dos poderosos que determinam a política.
Contrariando Angela Merkel, o ex-presidente Lula sempre afirmou que a economia tem de se submeter à política. Entretanto, o Brasil vive um ambiente de desconstrução da política por parte dos meios de comunicação. Os políticos seriam todos ladrões, e não representam a sociedade. No Congresso existe uma não representação, as bancadas empresariais e ruralista são muito maiores do que as de trabalhadores e organizações sociais. É uma pirâmide invertida em relação à sociedade brasileira. Essa forma como a política está estabelecida não acaba tornando fácil desestimular as pessoas a participar?
Aí não é um descrédito que envolve só a política, mas a forma como a mídia representa a política. A mídia vende um produto. É o caso com a televisão e com a imprensa escrita. Vou falar depois sobre a internet. Neste ponto a política frequentemente é reduzida a escândalos. Não se discutem políticas públicas, projetos. Só aparecem casos de corrupção. E corrupção é algo que segundo a mídia só aparece na política, embora ela esteja presente na sociedade, na economia. Pois a mídia tem um papel especialmente importante quando assume papel político como na Inglaterra, como nos Estados Unidos ou como no Brasil. Embora seja um ator pouco legitimado, formula a agenda política. Então, a mídia não é tudo, mas tem um papel forte.
E onde entra a internet?
Pensávamos no início dos anos 90 que a internet mudaria isso. Hoje, duas décadas depois, vemos que a internet não muda. As pessoas que participam off-line na política também participem on-line. E quem não participe no mundo real, também não participa no mundo virtual. Essas pessoas usam o computador para fazer compras, se divertir ou – o que é mais grave – para se unir em torno de uma tendência ou onda, e fazer-lhe eco. Teorias de conspiração, discursos de ódio e intolerância aparecem fortemente neste contexto. Sem falar na indústria de notícias falsas (fake news), e os social bots que as multiplicam automaticamente. Superestimamos os efeitos positivos da internet para a democracia e subestimamos os efeitos negativos.
Então construiu-se algo como um cinismo político. Na União Europeia, só 18% da população confia nos partidos políticos. É mais ou menos no mesmo nível de confiança nos vendedores de carros usados. Aliás essas pesquisas não refletem toda a verdade. Teríamos de perguntar: “O que fazem as outras 80% que não confiam nos partidos, mas apesar disso votam?” Se a pergunta for: “Você confia no partido em que você votou?”, os números de confiança serão mais altos. Então você percebe que as pesquisas de opinião também podem influenciar a política. Nossa tarefa é de questioná-las também.
A democracia mais participativa não poderia remediar o descrédito na democracia representativa?
Pensávamos que formas de convenção alternativas poderiam complementar a democracia representativa, e até substituí-la. Fóruns como o orçamento participativo que vem de Porto Alegre, ou as assembleias comunitárias, ou os referendos. O problema com estas formas de participação alternativa em quase todo mundo é que eles são mais socialmente seletivas. Exige-se um grau de conhecimento e consciência alto para participar dessas formas deliberativas da democracia. Na teoria parece tudo bem, mas não devemos perder de vista aquela realidade em que não se pode se contentar com formas de participação que sejam interessantes para os setores organizados da sociedade, mas que não levem em conta aquela camada mais baixa, desorganizada, desinteressada ou excluída das decisões. Temos que ter uma discussão mais séria, e não vejo isto acontecendo. Não significa que temos de eliminar formas alternativas de participação, mas reconhecer que a política e o poder têm de chegar em outros lugares. 
Como está a situação política na Alemanha, e para onde caminha eleitoralmente o país?
Eu diria que a situação neste momento é de equilíbrio na disputa. Nenhum partido tem chance de ganhar maioria nas eleições gerais de setembro. Tanto a União Democrata-Cristã (CDU), com Angela Merkel, como o Partido Social Democrata (SDP), com Martin Schulz, precisam de parceiros para formar coalização. Provalmente SPD, A Esquerda (Die Linke) e os Verdes, juntos, alcançassem uma maioria escassa. Mas o partido Verde, culturalmente progressista, se tornou bastante conservador nas áreas da política fiscal, econômica e social. Aliança com Die Linke também não é fácil, pois este pois sua vez são fortemente progressistas na política econômica. Os social-democratas sentariam bem no centro e teriam estrategicamente uma boa posição. Mas se Angela Merkel conseguir convencer que existe uma ameaça de coalização esquerdista, tende a atrair os indecisos.  
A CDU também vai precisar de uma coalizão com um ou dois parceiros. E com o partido populista AFD nenhum partido na Alemanha vai se coligar. Existe algo como um acordo entre as forças mais democráticas de não coligar com este partido. Então ela, Merkel, precisa de outros parceiros. A situação é tão frágil que pode acontecer mesmo uma grande coalizão entre SPD e CDU. Não desejo isto. Acho isto muito ruim para a social-democracia. Mas, infelizmente, se tivesse de apostar US$ 1.000, apostaria que é o que vai acontecer. 
Por falar em aposta, gostaria de desafiar o senhor a arriscar dois prognósticos sobre 2018: 1) a Alemanha vai ganhar a Copa? 2) O que imagina para as eleições no Brasil, com Lula hoje favorito, mas com a extrema-direita crescendo?
Primeiro vou falar sobre o esporte. O tempo dos 7 a 1 acabou. A Alemanha não vai jogar tão bem, não deve chegar lá de novo, mas também não sei quem vai. Torço para que chegue um país pequeno, como Holanda ou Portugal.
Já a chance de o Lula vencer de novo para presidente depende que não seja impedido pela Justiça. Isso ainda não foi resolvido. Se houver a consolidação de Lula, para um lado, e desta facção populista de direita que está surgindo, por outro lado, significaria uma catástrofe, porque resultaria em uma polarização perigosa para o país. A questão também seria: os conservadores que hoje estão no espectro da centro-direita poderiam chegar a um acordo em torno de um candidato de extrema-direita? Imagino que uma parte dos conservadores não teria simpatia por um candidato que na votação do impeachment de Dilma Rousseff exaltou um torturador e o regime ditatorial. Numa cultura política civilizada, um político assim seria inviabilizado. No Brasil não é. Mostra que a polarização no pais já está fortemente avançada. Se Lula for candidato, terá de estender a mão ao centro e funcionar como mediador entre o centro e a centro-direita que se recusa ao populismo de direita. Terá de ter discurso que atraia a classe média. Não são tempos para uma nova polarização, mas de busca de consensos. Pode ser que alguns na esquerda não gostem disso. Mas ainda é uma melhor opção do que uma campanha polarizada, e no fim um presidente da direita populista. Nesse caso, porém, não vou apostar US$ 1.000 no que vai acontecer.