segunda-feira, 19 de junho de 2017

ENTREVISTA | WOLFGANG MERKEL - O Estado capitalista sem obrigações sociais é um monstro

na Rede Brasil Atual

Para cientista político alemão, a crise global é financeira, e não do capitalismo. “O que existe é um triunfo do capitalismo”, diz. O desafio, segundo ele, é domá-lo

por Por Paulo Donizetti de Souza e Vitor Nuzzi, da RBA



wolfgang merkel
Para Merkel, o que está acontecendo com o Brasil é catastrófico para a luta global em defesa de democracia


por José Gilbert Arruda Martins

Não custa, para todos e todas aqueles que pensam diferente de muito do que está por aí, sonhar com um sistema completamente diferente, não, como defendeu o entrevistado, "domar o capitalismo". Mas com um mundo onde o social reine sobre o capital, onde as pessoas sejam respeitada na sua humanidade.
Pessoalmente, não acredito que o sistema capitalista possa ser domado. Quem e como seria feito isso?
Parece ser aceito que o Estado do bem-estar social tenha sido uma espécie de tentativa de domar o sistema capitalista. Mas também não durou, apesar de ter sido uma experiência muito boa.   
Não resta dúvida também que essa política provocou grandes avanços na área social e trabalhista na Europa, mas se aconteceu foi por que os trabalhadores e trabalhadoras europeias se organizaram e lutaram para conseguir tais avanços, não foram simplesmente concessões do sistema.
Afora isso a entrevista abaixo é muito boa para ajudar no debate.


São Paulo – “O problema é que a democracia precisa do capitalismo, mas o capitalismo não precisa da democracia”, diz Wolfgang Merkel, 65 anos, professor de Ciências Políticas e diretor do Centro de Ciências Sociais de Berlim, que há tempos se dedica a analisar a convivência entre o sistema econômico e o político. Se a experiência comunista não deu certo, observa, o neoliberalismo também “produz monstros”, levando o mundo a uma crise da qual ainda não se recuperou.
O Estado tem de estar presente, inclusive para garantir a inserção das faixas mais pobres na política, hoje atraídas pelo populismo de direita. Não pode haver “democracias de dois terços ou de 50%” da população, alerta o cientista político, que esteve recentemente no Brasil para participar de debates. A Fundação Friedrich Ebert (FES) – entidade de pesquisa e estudos ligada à movimentos da social-democracia da alemã, promoveu um encontro dele com o ex-prefeito Fernando Haddad.
A questão é saber qual modelo de democracia pode, de alguma maneira, controlar o chamado mercado, que parece atuar livremente pelo mundo e alimenta a desigualdade social. “Se desigualdades econômicas demasiadamente grandes prevalecem, como no Brasil ou na América Latina, elas se transformam em desigualdades políticas. E uma democracia não pode aceitar isso”, afirma o professor, para quem o “auge” do neoliberalismo já passou, mas não se vislumbra um retorno ao clássico Estado de bem-estar social.
Nem a crise global de 2007/2008 levou os governos a tentar restabelecer algum tipo de regulação dos mercados. “Há atores poderosos com poder de vetar o retorno à regulação.”
Ele manifesta preocupação com a situação atual do Brasil, que considera “uma pequena catástrofe para a democracia”. E o grande problema da região, a desigualdade, pode aumentar com a desregulação das relações de trabalho e mudanças na Previdência, como pretende o governo. “A desigualdade e a fragilidade dos setores mais pobres da sociedade crescerão ainda mais. Isto levará a um funcionamento pior da democracia e pode levar também a turbulências.” Para ele, é preciso buscar consensos e afastar o clima de polarização hoje predominante no país.
Ex-consultor de governos na Alemanha, Espanha e Inglaterra, o professor, ao refletir sobre o descrédito das pessoas em relação à política, também chama a atenção para o papel da mídia. “A política é frequentemente é reduzida a escândalos. Não se discutem políticas públicas, projetos. Só aparecem casos de corrupção. E corrupção é algo que segundo a mídia só aparece na política, embora ela esteja presente na sociedade, na economia.” Assim, observa Merkel, os meios de comunicação formulam a agenda política.
Quem participam off-line na política também participa on-line. E quem não participe no mundo real, também não participa no mundo virtual. Superestimamos os efeitos positivos da internet para a democracia e subestimamos os efeitos negativos
O senhor questiona em seus escritos se a democracia é compatível com o sistema capitalista. É possível se alcançar um modelo que harmonize um regime político democrático com esse sistema econômico?
Em primeiro lugar, ambos os termos devem ser pensados no plural. Temos várias formas de democracia e de capitalismo. Poderíamos falar de uma democracia minimalista, aquela em que as eleições são os únicos elementos suficientes e indispensáveis da democracia. Existe também um conceito maximalista que considera não só as eleições, mas também o Estado de direito, direitos civis, direitos políticos. Outro conceito leva também em conta os resultados da tomada de decisões políticas. Penso que é aconselhável optar por um conceito mediano, que garante eleições livres, é justo, mas ofereça as garantias do Estado de direito para os indivíduos. Isso sem falar ainda na democracia direta, representativa e deliberativa.
Quando damos uma olhada no capitalismo, temos, pelo menos desde o ano 2000, uma discussão intensa sobre as assim variedades de capitalismo. Há a forma clássica, que chamamos de forma neoliberal anglossaxônica, em que os mercados são geralmente liberados das regulações políticas e sociais. Há o modelo do pós-guerra vigente na social-democracia da Alemanha, da França, da Holanda, com economias de mercado, mas coordenadas – coordinated market economies. Nesta variante, o Estado tem um papel de impor obrigações sociais no capitalismo. O mercado de trabalho é regulamentado. Mas não exige o sistema de propriedade estatal. É um socialismo funcional, como os suecos o denominaram.
Além disso, temos outras formas misturadas ou “bastardas” de capitalismo. Um exemplo é o da China, onde o capitalismo coexiste com um sistema autoritário. O Estado tem papel importante, mas as relações de trabalho são organizadas como no século 18 na Inglaterra. Convive-se com a ausência de direitos para os trabalhadores e num mercado mais desregulado do que nos Estados Unidos. Na América Latina e no Brasil, existe uma discussão sobre um “capitalismo hierárquico”, em que o Estado desempenha papel importante, mas o controle social não funciona de fato e se mantém o capitalismo suscetível a gerar desigualdades.
O foco da sua pergunta é em que tipo de democracia existe um mecanismo de controle do mercado. Essa foi uma forma que prevaleceu nos anos 50, 60 e 70, na Europa Ocidental. Essa forma é mais adequada em relação ao princípio da igualdade. Porque se desigualdades econômicas demasiadamente grandes prevalecem, como no Brasil ou na América Latina, elas se transformam em desigualdades políticas. E uma democracia não pode aceitar isto.
A questão é se o capitalismo seria compatível com a democracia mesmo sendo ele um modelo causador de desigualdade, social e econômica. Esses modelos de bem-estar social estabelecidos no pós-guerra, sobretudo na Europa, movidos por uma forte presença do Estado, desde o final dos anos 80 vem sendo confrontado pelo neoliberalismo. Essa a tese, de redução do Estado, está prevalecendo, globalmente?
Historicamente, nunca houve uma democracia que se sustentasse fora do capitalismo. O “grande projeto comunista” da democracia com uma nacionalização dos meios de produção fracassou com o império soviético, e o comunismo asiático também fracassou. O problema é que a democracia precisa do capitalismo, mas o capitalismo não precisa da democracia. O capitalismo existe nas piores ditaduras. Coexistia com o nacional-socialismo. Coexiste com a quase-ditadura na China. A democracia precisa do capitalismo pelo menos por uma razão. Uma economia separada do Estado produz um contra-poder diante do Estado, que, de outro modo, pode tornar-se rapidamente um Leviatã. Por outro lado, se o Estado tem o controle absoluto sobre os mundos político e econômico, não existe propriamente um Estado, mas um monstro.
Além disso – e isso é uma tendência dominante –, o mecanismo do mercado é o sistema mais eficiente para alocação de mão de obra, de meios de produção e para o desenvolvimento de tecnologias. Ele é altamente eficiente. Mas esse capitalismo tem de ser balizado por obrigações sociais. Não devemos achar, incondicionalmente, que temos de desenvolver um sistema completamente alternativo para a economia. O que devemos fazer é domar esse capitalismo altamente eficiente, moderá-lo, domesticá-lo e integrá-lo numa regulamentação político-social. A revolução neoliberal implantada desde Thatcher e Reagan levou a um Estado mínimo, small government, em que o Estado abdica de suas obrigações. Isso também produz monstros, nos conduziu à crise econômico-financeira de 2007 e dos anos seguintes.
A financeirização da economia, ao proporcionar a formação de riquezas não produtivas, não inviabiliza a democracia, uma vez que a acumulação e a concentração de riquezas inibem os regimes de bem-estar social, ou seja, as obrigações sociais deste capitalismo, inibindo a prática de políticas públicas que levem à redução das desigualdades?
Por que não aconteceu uma volta da regulação depois da crise financeira de 2007? Sabemos pelos estudos econômicos e políticos que é muito mais fácil desregular do que regular de novo. Isso é um problema da ação coletiva que a União Europeia tem. A UE foi muito forte na “regulação negativa”, ou seja, na desregulação dos mercados, na criação de um sistema de concorrência. Isso levou a um mercado europeu unificado. Mas com a afiliação de 28 países como membros efetivos, é muito difícil ter condições para produzir uma integração positiva, como, por exemplo, em termos de regulações sociais, de um programa europeu de educação ou de normas mínimas no campo social.
Veja os casos da Inglaterra e da França. A Inglaterra possui um capitalismo de mercado anglossaxônico e a França quer uma regulação estatal maior. Fica difícil encontrar um compromisso regulatório. No nível global, encontramos não só os 28 países da UE, mas outros atores da mesma dimensão, como Estados Unidos, China, Rússia, Índia ou Brasil. São interesses distintos.
A social-democracia errou quando superestimou o papel da sociedade civil. E subestimou a intensidade com que a globalização produz desigualdade. Esses erros afetaram não só a social-democracia, mas todos os grandes partidos na Europa
Mas regular não chega a ser uma revolução e nem sequer uma ruptura...
Os Estados Unidos e também a City em Londres, a Stock Exchange, (a Bolsa londrina), não têm nenhum interesse em voltar ao tempo das regulações. E sem a participação dos Estados Unidos isso não funciona. Também não funciona na União Europeia. Eu falo de maneira técnica: este é um problema para a ação coletiva. Há atores poderosos com poder de vetar o retorno à regulação. Penso que o auge do neoliberalismo já passou, mas não visualizo uma volta clássica ao Estado de bem-estar social no sentido keynesiano, como nos anos 50 e 60. Também não visualizo um país que pudesse liderar tal tentativa. Ainda se pode pensar algum modelo mais parecido com aquele na França. Mas a França se tornou, dentro da União Europeia, uma economia fraca e pouco assertiva diante da hegemonia alemã. O pensamento econômico da austeridade da Alemanha e o neoliberalismo do Reino Unido se aliam na UE. O Banco Central Europeu, sob Mario Draghi (economista italiano, na presidência do BCE desde 2011), quebrou um pouco este eixo alemão-britânico – ao injetar dinheiro nas economias do sul da Europa –, mas não a ponto de obter uma forte transformação. E com Donald Trump na Casa Branca, isto não é provável.
Durante a eleição francesa, Marine Le Pen disse que a França iria ser governada por uma mulher – ou ela ou Angela Merkel – apontando para uma ingerência do conservadorismo econômico alemão nas economias europeias e ironizando uma suposta subordinação de seu adversário, Emmanuel Macron. Essa ingerência alemã estaria inviabilizando o surgimento de alternativas aos modelos de austeridade?
Estou certo que a senhora Le Pen ter chegado ao segundo turno é um fato grave em si. Isso já diz muito sobre os desafios da democracia na Europa Ocidental, mas também da Oriental. Marine Le Pen e os populistas de direita não têm um programa econômico razoável. Eles querem retirar-se da União Europeia. Estou certo de que isto seria um desastre para a França. Por outro lado, Angela Merkel usa a União Europeia de maneira demasiado radical para impor os interesses alemães. Nem o populismo conservador, nem a austeridade alemã me parecem ser boas para Europa. Mesmo assim, Merkel é vista no mundo como quem assegura a unidade da União Europeia, porque não há outros líderes fortes. Para resumir: a economia da França é demasiado fraca para uma União Europeia forte, e a economia da Alemanha é demasiadamente forte para ela.
A desregulamentação dos mercados acabou ocorrendo mesmo em governos que se esperava de esquerda, ou de centro-esquerda. Isso acorreu por uma fragilidade dessas forças políticas, ante as ditas neoliberais, ou por adesão mesmo? O ex-presidente José Mujica, do Uruguai, disse que a social-democracia europeia, de tão racional e pragmática, deixou de ser esquerda.
É certo que foi uma fraqueza da esquerda fazer uma política menos radical, e também neoliberal. Isso também aconteceu na América Latina. A social-democracia não é um partido clássico de esquerda. É um partido de centro-esquerda. Se fosse um partido clássico da esquerda não atingiria 30% ou 40 % dos votos. Um partido clássico de esquerda ganha até 8% ou 10%. Esse é o seu potencial de voto. A social-democracia aceitou o capitalismo, e queria domá-lo através de um Estado de bem-estar social. Mas retrospectivamente eu penso que os social-democratas na Europa cometeram um erro, ao capitular diante da tese de que este modelo não é mais adequado em tempo de globalização. A terceira via de Tony Blair (primeiro-ministro britânico de 1997 a 2007) e de meu colega Anthony Giddens (sociólogo britânico pioneiro na teoria da terceira via), por exemplo, acreditava que uma nova social-democracia poderia surgir.
O erro foi terem subestimado o papel do Estado. Eles não queriam mais um Estado forte, de intervenção. Superestimaram o papel da sociedade civil. A sociedade deveria se autorregular. Isso, na minha opinião, é ingênuo. Também subestimaram a intensidade com que a globalização produz desigualdade. Esses erros afetaram não só a social-democracia, mas também todos os grandes partidos na Europa, que perdem forças.
O senhor visita o Brasil em um momento em que o governo se empenha para promover reformas de cunho neoliberal na legislação trabalhista e previdenciária. Qual o impacto dessa guinada política brasileira para o mundo, após o que a atual oposição classifica como golpe?
Acho a atual situação no Brasil uma pequena catástrofe para a democracia. Porque depois da transição na América Latina a partir dos anos 1980, nós vimos com entusiasmo a democracia com que o continente voltou a se conectar. A democracia teve grandes sucessos na América Latina. Mas houve lacunas graves. A principal é a grande desigualdade. A América Latina é a região com a maior desigualdade do mundo. E se as relações de trabalho forem desreguladas, se houver uma reforma da Previdência no Brasil, a desigualdade e a fragilidade dos setores mais pobres da sociedade crescerão ainda mais. Isto levará a um funcionamento pior da democracia e pode levar também a turbulências. E quando há turbulências na América Latina, sempre há o risco de os militares atuarem como árbitros. O que se está se passando no Brasil é um problema muito mais grave do que o fracasso do chavismo na Venezuela. 
Os governos petistas tiveram como marca importante uma política externa chamada de “ativa e altiva”. Não tinha conduta hostil à hegemonia norte-americana e europeia, mas apostava em uma relação mais envolvente com outras nações consideradas emergentes, como os Brics. Essa política projetou o ex-presidente Lula como liderança mundial e referência nessa busca por combinar a funcionamento do capitalismo com modelos efetivamente mais democráticos, social e economicamente. A forma como as forças de mercado e oligarquias políticas hoje tentam inviabilizar Lula não é uma demonstração de que o capitalismo não tolera a democracia?
Tenho grandes simpatias e admiro o governo de Lula no Brasil. O Brasil é um país importante, mas não se deve superestimar essa importância. O carisma de Lula foi principalmente importante para América Latina. Para a OCDE, não. E de novo: a ideia de formar um novo centro de poder fora dos Estados Unidos e da OCDE, com Brasil, Rússia, Índia, China tem por base uma aliança altamente problemática. Não se pode crer que China e Rússia possam formar um contra-centro homogêneo diante dos Estados Unidos e da OCDE. Também neste contexto deve-se considerar que a China tem peso demasiadamente alto. O Brasil foi, de certa maneira, o ator mais fraco, mesmo que politicamente fosse o mais aceito, porque Lula foi o presidente de uma democracia, porque ele começou a mudar o país de maneira não autoritária. Mas se houver uma divisão, o Brics, como aliança, vai morrer. A China vai impor seus interesses.
O Brasil foi respeitado no mundo ocidental e também em outras partes do mundo, porque houve um presidente como Lula. Então se respeitou a tentativa de integrar na democracia que se formou com a transição um Estado de bem-estar social. Redistribuição! Mas o poder das grandes oligarquias financeiras e corporações familiares não foi quebrado. Penso que Lula e o PT negligenciaram a formação de uma aliança mais ampla e estável.
Não podemos deixar o um terço mais pobre da sociedade para os populistas da direita. A esquerda confiou  que o lindo novo mundo da sociedade civil organizada fosse protagonizar mudanças. Uma fatia importante da sociedade não faz parte do jogo dos poderosos que determinam a política
Qual a sua opinião sobre essa mudança de rota dos Estados Unidos na geopolítica global, dada a imprevisibilidade do comando de Donald Trump naquele país?
Não sabemos certamente para onde vão os Estados Unidos com Trump à frente. Deveríamos dividir a análise da política interna da externa. Na política interna, Trump até agora fracassou em grande parte, com as suas tentativas, seus decretos, barrados no Legislativo ou no Judiciário. Isso abre uma perspectiva de esperança. Mostra, que as instituições democráticas ainda são fortes. São enraizados de tal modo que um presidente não pode impor facilmente seus interesses por meio de decretos.
Mas há ainda outros fatos na política interna, um fenômeno que no fundo também ocorre na Europa Ocidental e na Oriental, e também na América Latina, mas numa versão diferente. Trata-se da emergência, ou do retorno do populismo. E nos Estados Unidos, na Europa Ocidental e Oriental ele é um populismo excludente. Mas os populistas também são contra os desenvolvimentos democráticos que tivemos nos últimos 30 anos, como os grandes avanços na questão de gênero. O populismo da direita significa sempre o risco de ataques direitos individuais e direitos de grupos sociais.
A política econômica é diferente. O que Trump promete é o mercantilismo, um afastamento do multilateralismo. Ele está em favor de um forte Estado de regulação. Mas nesse ponto eu penso que ele não vai impor muitos dos seus projetos porque muitas das grandes empresas multinacionais, especialmente as do Vale do Silício, querem uma política diferente. De Google a Facebook e outras grandes empresas da internet, e também outras empresas da exportação. Trump provavelmente não vai poder governar independente desses interesses.
Os modelos de bem-estar social que se expandiram na Europa no século 20 se estabeleceram num momento em que o mundo capitalista e as forças de mercado temiam o avanço do comunismo, capitaneado pela antiga União Soviética. Com a derrocada desses regimes, o mercado passou a se sentir mais à vontade, como se não precisasse mais negociar com a democracia nem se incomodar com o bem-estar social. Esse triunfalismo do capitalismo consegue hoje com menos esforço deter o surgimento de modelos alternativos, com mais democracia?
Tenho grandes simpatias pela tese por trás desta pergunta. Primeiramente, não considero o projeto soviético como socialista. Mas essa alternativa teve na Europa Ocidental, especialmente na Alemanha, um grande papel. Por um lado, um modelo de uma sociedade socialista foi testado. A Alemanha Oriental talvez tenha sido um dos regimes comunistas mais bem-sucedidos. Isso levou de certa forma a uma concorrência entre os dois grandes partidos pelo Estado social. O Estado de bem-estar social na Alemanha não foi implementado pela social-democracia, mas pela democracia cristã que governou nos anos 50 e 60. Eles lançaram grandes reformas sociais, e a social-democracia deu continuidade. Essa competição entre os grandes partidos populares, também nos países da Europa Ocidental, foi movida pela alternativa no Leste Europeu, mas também por partidos comunistas relativamente fortes, como na França e na Itália. Isso seguramente teve um papel no processo de construção do bem-estar social. O colapso do império soviético em 1989 realmente liberou o Ocidente dessa alternativa. O Estado de bem-estar social começou a ser desmontado pelas bordas. Não foi radicalmente desmontado. Mas não foi expandido. Seus núcleos – previdência, saúde, seguridade, direitos trabalhistas – mais ou menos continuam.
O que foi mudado é o sistema de impostos em favor dos ricos, em favor das empresas, o que levou a uma forma diferente do capitalismo. A desigualdade vai crescer. Temos uma instituição na Europa que se chama Banco Central Europeu. Os alemães não gostam muito. É um raro contraponto econômico à Alemanha. O presidente do BCE, Mario Draghi, chegou a prever uma catástrofe na crise do Euro, em parte como forma de contestar as exigências alemãs. Draghi produziu de certa forma um tipo de keynesianismo, quando o BCE comprou títulos de dívida dos países da Europa do Sul e bombearam dinheiro nas economias. Mas há um paradoxo. Embora isso tenha sido positivo para a economia, para a teoria de democracia é um problema. Quem deu esses poderes para Mario Draghi? Não é uma instituição realmente democrática. Pois temos essa ambivalência.
Há alguns anos, o senhor afirmou que existia um fantasma no mundo democrático, que é o fantasma da crise do capitalismo. O que o senhor diria aos governantes de hoje sobre como lidar com esse fantasma?
Temos falado demasiadas vezes e por demasiado tempo sobre a crise do capitalismo. É uma herança marxista que ainda carregamos em nossas teorias. Quando você olha como o capitalismo se desenvolveu desde o fim dos anos 80, não temos uma crise, mas um triunfo máximo do capitalismo. Minha tese é que o grande problema das democracias do Terceiro Mundo não é a crise do capitalismo, mas o triunfo do capitalismo. Os mercados dominando a política. Segundo a chanceler alemã, Angela Merkel, a democracia deve estar de acordo com as condições do mercado, e não os mercados deveriam de acordo com a democracia. Nas palavras de Angela Merkel, o mercado é o soberano, não o povo. Então, se existe crise, ela é financeira, e não do capitalismo. Estamos confrontados com um triunfo do capitalismo. Por causa disso acho que temos que pensar em como este capitalismo pode ser domado, para que decisões da sociedade novamente voltem a ter importantes.
Então, o desencanto da sociedade acaba sendo favorável ao controle do Estado pelos mercados.
O problema é que quem é mais prejudicado no atual modelo, a camada mais pobre, o um terço mais pobre, não participa politicamente. Nem vai para eleições. Não se filia aos partidos. Não se encontra nas ONGs. De certa maneira não existem na política. E as elites políticas não os leva em consideração por isso. Isso possivelmente mudará com o populismo de direita, que está atraindo este um terço de baixo. Daí essa transição do populismo neoliberal da direita a um populismo da direita social na Europa. Esse populismo é um perigo especial porque em parte tenta se dirigir a esses setores baixos da sociedade.
A restauração do Estado democrático passa por reincluir esse terço de baixo na política por meios democráticos. Não podemos nos tornar democracias de dois terços ou de 50%, onde a classe média ou oligarquias determinam a política. Não devemos deixar o terço baixo para os populistas da direita. A esquerda confiou demais que o lindo novo mundo da sociedade civil organizada fosse protagonizar mudanças. Muitas coisas da sociedade civil são importantes. Mas é muito placebo. Uma fatia importante da sociedade não faz parte do jogo dos poderosos que determinam a política.
Contrariando Angela Merkel, o ex-presidente Lula sempre afirmou que a economia tem de se submeter à política. Entretanto, o Brasil vive um ambiente de desconstrução da política por parte dos meios de comunicação. Os políticos seriam todos ladrões, e não representam a sociedade. No Congresso existe uma não representação, as bancadas empresariais e ruralista são muito maiores do que as de trabalhadores e organizações sociais. É uma pirâmide invertida em relação à sociedade brasileira. Essa forma como a política está estabelecida não acaba tornando fácil desestimular as pessoas a participar?
Aí não é um descrédito que envolve só a política, mas a forma como a mídia representa a política. A mídia vende um produto. É o caso com a televisão e com a imprensa escrita. Vou falar depois sobre a internet. Neste ponto a política frequentemente é reduzida a escândalos. Não se discutem políticas públicas, projetos. Só aparecem casos de corrupção. E corrupção é algo que segundo a mídia só aparece na política, embora ela esteja presente na sociedade, na economia. Pois a mídia tem um papel especialmente importante quando assume papel político como na Inglaterra, como nos Estados Unidos ou como no Brasil. Embora seja um ator pouco legitimado, formula a agenda política. Então, a mídia não é tudo, mas tem um papel forte.
E onde entra a internet?
Pensávamos no início dos anos 90 que a internet mudaria isso. Hoje, duas décadas depois, vemos que a internet não muda. As pessoas que participam off-line na política também participem on-line. E quem não participe no mundo real, também não participa no mundo virtual. Essas pessoas usam o computador para fazer compras, se divertir ou – o que é mais grave – para se unir em torno de uma tendência ou onda, e fazer-lhe eco. Teorias de conspiração, discursos de ódio e intolerância aparecem fortemente neste contexto. Sem falar na indústria de notícias falsas (fake news), e os social bots que as multiplicam automaticamente. Superestimamos os efeitos positivos da internet para a democracia e subestimamos os efeitos negativos.
Então construiu-se algo como um cinismo político. Na União Europeia, só 18% da população confia nos partidos políticos. É mais ou menos no mesmo nível de confiança nos vendedores de carros usados. Aliás essas pesquisas não refletem toda a verdade. Teríamos de perguntar: “O que fazem as outras 80% que não confiam nos partidos, mas apesar disso votam?” Se a pergunta for: “Você confia no partido em que você votou?”, os números de confiança serão mais altos. Então você percebe que as pesquisas de opinião também podem influenciar a política. Nossa tarefa é de questioná-las também.
A democracia mais participativa não poderia remediar o descrédito na democracia representativa?
Pensávamos que formas de convenção alternativas poderiam complementar a democracia representativa, e até substituí-la. Fóruns como o orçamento participativo que vem de Porto Alegre, ou as assembleias comunitárias, ou os referendos. O problema com estas formas de participação alternativa em quase todo mundo é que eles são mais socialmente seletivas. Exige-se um grau de conhecimento e consciência alto para participar dessas formas deliberativas da democracia. Na teoria parece tudo bem, mas não devemos perder de vista aquela realidade em que não se pode se contentar com formas de participação que sejam interessantes para os setores organizados da sociedade, mas que não levem em conta aquela camada mais baixa, desorganizada, desinteressada ou excluída das decisões. Temos que ter uma discussão mais séria, e não vejo isto acontecendo. Não significa que temos de eliminar formas alternativas de participação, mas reconhecer que a política e o poder têm de chegar em outros lugares. 
Como está a situação política na Alemanha, e para onde caminha eleitoralmente o país?
Eu diria que a situação neste momento é de equilíbrio na disputa. Nenhum partido tem chance de ganhar maioria nas eleições gerais de setembro. Tanto a União Democrata-Cristã (CDU), com Angela Merkel, como o Partido Social Democrata (SDP), com Martin Schulz, precisam de parceiros para formar coalização. Provalmente SPD, A Esquerda (Die Linke) e os Verdes, juntos, alcançassem uma maioria escassa. Mas o partido Verde, culturalmente progressista, se tornou bastante conservador nas áreas da política fiscal, econômica e social. Aliança com Die Linke também não é fácil, pois este pois sua vez são fortemente progressistas na política econômica. Os social-democratas sentariam bem no centro e teriam estrategicamente uma boa posição. Mas se Angela Merkel conseguir convencer que existe uma ameaça de coalização esquerdista, tende a atrair os indecisos.  
A CDU também vai precisar de uma coalizão com um ou dois parceiros. E com o partido populista AFD nenhum partido na Alemanha vai se coligar. Existe algo como um acordo entre as forças mais democráticas de não coligar com este partido. Então ela, Merkel, precisa de outros parceiros. A situação é tão frágil que pode acontecer mesmo uma grande coalizão entre SPD e CDU. Não desejo isto. Acho isto muito ruim para a social-democracia. Mas, infelizmente, se tivesse de apostar US$ 1.000, apostaria que é o que vai acontecer. 
Por falar em aposta, gostaria de desafiar o senhor a arriscar dois prognósticos sobre 2018: 1) a Alemanha vai ganhar a Copa? 2) O que imagina para as eleições no Brasil, com Lula hoje favorito, mas com a extrema-direita crescendo?
Primeiro vou falar sobre o esporte. O tempo dos 7 a 1 acabou. A Alemanha não vai jogar tão bem, não deve chegar lá de novo, mas também não sei quem vai. Torço para que chegue um país pequeno, como Holanda ou Portugal.
Já a chance de o Lula vencer de novo para presidente depende que não seja impedido pela Justiça. Isso ainda não foi resolvido. Se houver a consolidação de Lula, para um lado, e desta facção populista de direita que está surgindo, por outro lado, significaria uma catástrofe, porque resultaria em uma polarização perigosa para o país. A questão também seria: os conservadores que hoje estão no espectro da centro-direita poderiam chegar a um acordo em torno de um candidato de extrema-direita? Imagino que uma parte dos conservadores não teria simpatia por um candidato que na votação do impeachment de Dilma Rousseff exaltou um torturador e o regime ditatorial. Numa cultura política civilizada, um político assim seria inviabilizado. No Brasil não é. Mostra que a polarização no pais já está fortemente avançada. Se Lula for candidato, terá de estender a mão ao centro e funcionar como mediador entre o centro e a centro-direita que se recusa ao populismo de direita. Terá de ter discurso que atraia a classe média. Não são tempos para uma nova polarização, mas de busca de consensos. Pode ser que alguns na esquerda não gostem disso. Mas ainda é uma melhor opção do que uma campanha polarizada, e no fim um presidente da direita populista. Nesse caso, porém, não vou apostar US$ 1.000 no que vai acontecer.




sexta-feira, 16 de junho de 2017

Parada do Orgulho LGBT chama sociedade para se opor ao fundamentalismo

na Rede Brasil Atual

A maior parada LGBT do mundo, em sua 21ª edição, traz como tema a importância do Estado laico e alerta para retrocessos no respeito à diversidade

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'Independente de nossas crenças, nenhuma religião é Lei! Todas e todos por um Estado Laico'


São Paulo - Retrocessos em relação ao respeito à diversidade e o avanço do conservadorismo pautam a 21ª edição da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. O tradicional evento ocupa a avenida Paulista no domingo (18), a partir das 10h. Após concentração no vão livre do Masp, o público segue em caminhada até o Anhangabaú, pela rua da Consolação, embalados por artistas como Daniela Mercury e Anitta. O evento será apresentado pela drag queen Tchaka.
Com o tema  “Independente de nossas crenças, nenhuma religião é Lei! Todas e todos por um Estado Laico", a Parada convida a todos para pensar, entre outras questões, na ascensão do fundamentalismo religioso no Brasil.
"Grupos de pessoas dentro de algumas religiões insistem em nos condenar e retirar direitos já adquiridos. No Congresso Nacional, por exemplo, o debate sobre a criminalização da LGBTFobia é repleto de ataques de parlamentares da bancada religiosa e conservadora, muito dos quais utilizando-se de suas imunidades parlamentares para disseminar o ódio a uma parcela da população", afirma a presidenta da Associação da Parada do Orgulho de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de São Paulo (APOGLBT), Claudia Regina.
A natureza laica do Estado, prevista na Constituição Federal, deveria impedir que, sob pretextos religiosos, parlamentares promovessem ataques a segmentos sociais distintos dos deles. "A laicidade do Estado democrático garante respeito à diversidade religiosa, humana e cultural. O Estado deve assegurar todos os direitos humanos, tais como a liberdade religiosa, o direito de cada cidadão exercer ou não a religiosidade que quiser, mas deve ser garantida a não discriminação. Além disso, é necessária a autonomia do Estado frente às igrejas, garantindo sua imparcialidade", continua Claudia.
A secretária de políticas sociais da CUT São Paulo, Kelly Domingos, concorda com os perigos do avanço conservador e fundamentalista no país, em especial na política. "Vivemos num clima de instabilidade política, de golpe, onde o fascismo também mostra sua cara. Um cenário em que a bancada fundamentalista coloca as garras de fora. E é aí que a discriminação e o preconceito ficam em evidência, assim como a violência, principalmente contra populações como a LGBT", afirma. A Parada deste ano será embalada por 19 trios elétricos. A CUT participa do evento no 11º trio
Como exemplo da interferência do fundamentalismo religioso na política, Claudia lembra de projetos que tramitaram recentemente no Legislativo. "Os exemplos são inúmeros – e desumanos. É proposta legislativa federal o Estatuto da Família, que, com base unicamente em argumentos religiosos, não reconhece como legítimos e legais diversos arranjos familiares, inclusive com responsáveis legais LGBT", afirma.

"Vimos nos anos de 2015 e 2016 retrocessos na promoção da igualdade de gênero nos planos de educação articulados por bancadas legislativas católicas e evangélicas, e referendadas por chefes do Poder Executivo. E ainda há trabalho para que o ensino religioso no sistema público de educação seja confessional, ao invés de propor visão secular da história das religiões. Seria o Estado a serviço do fundamentalismo religioso", completa a ativista.
Por fim, Claudia reafirma a importância do evento, que é a maior Parada do Orgulho LGBT do mundo. "Convocamos nesse momento e para fortalecer nosso movimento e luta, as mulheres, as pessoas negras, as minorias religiosas, minorias étnicas, ateus e agnósticos, para estar na Parada LGBT, trazendo seu protesto, sua manifestação em favor do Estado laico e em defesa da igualdade."

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Democracia café-com-leite

no De Revés Um Blog de Flávio Siqueira

Quando eu tinha nove anos, meu pai me deu a camisa nove do Viola, aquela da Kalunga. Queria usá-la todos os dias. Queria ser jogador de futebol. E era. Eu era o Viola, meu irmão também. Ele e eu disputávamos a artilharia lá de casa, com as célebres traves que improvisávamos com as havaianas.
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Na rua era diferente. Ali os mais velhos jogavam sério e não tínhamos a menor chance. Só nos restava calar e assistir. Até que um dia o Gambá, um dos mais respeitados do bairro, demonstrando sua altivez, dá a ordem: “os meninos vão jogar!” Entramos em campo 🙂 devidamente trajados.
A emoção faz do meu primeiro toque uma tragédia porque a bola escapa e encosta na guia. Lateral. Essa seria a consequência natural do meu erro. Mas o time adversário abdica de seu direito. Fingimos que nada aconteceu e o jogo segue. Minutos depois a bola esbarra na canela do meu irmão e entra no gol do time dele. Pelas regras, outra tragédia. Gol contra.
Mas os dois times suspendem a partida para deliberar se o gol contra valeu ou não valeu. Assistimos aquilo parados, querendo fugir, com medo, mas torcendo pra que tudo se resolva. Queremos continuar jogando. E, mais uma vez, nosso salvador, Gambá, pega a bola e com ar de certeza diz: “não valeu, eles são café-com-leite!”
E foi assim durante algum tempo. Éramos café-com-leite convictos. O importante era a diversão. Aprendemos, inclusive, que quando o Gambá não estava, podíamos usar do mecanismo dizendo “deixa a gente jogar, a gente é café-com-leite”. Parecia a senha para entrar numa sociedade secreta. Sempre funcionava. Ainda que nossas jogadas não valessem, estávamos ali, sendo o Viola matador em nossa imaginação infantil.
Gênios! Quem inventou essa maravilha brasileira chamada de café-com-leite?
A velha política.
Lá pelo ano de 1898, um grande acordo, com os fazendeiros, com a lei eleitoral, com tudo, determinou que fazendeiros paulistas (os do café) e fazendeiros mineiros (os do leite) se revezassem na Presidência do Brasil. Eram os poderosos da época e tinham como lema político promover a estabilidade e a unidade nacional.
Era um mecanismo ousado: o governo federal não interferia nas questões locais e as elites políticas locais garantiam o apoio de suas bancadas parlamentares a quem fosse o presidente de turno. E o resto do país, que incluía o povo e também outros wannabes políticos, ficavam como eu e meu irmão com a camisa do Viola.
Passados mais de cem anos da política do café-com-leite e algumas décadas da minha fase de jogador de futebol, tenho a impressão que a inovação trazida pelos poderosos do século XIX ainda ocupa nossos corações e mentes. Até vejo com ternura aquele futebol jogado de mentira. Nosso amigo Gambá, até hoje o considero um grande brasileiro. Deixou-nos  jogar quando não podíamos.
Se tivessem levado nosso futebol a sério, hoje a família estaria torcendo e dando pontos para a gente no Cartola. A seleção teria ganhado a Copa de 2014. E eu estaria postando fotos no Instagram ao invés de estar escrevendo esse texto inspirado no Gilmar Mendes, no TSE e nas tenebrosas campanhas eleitorais da velha política, tentando adivinhar quando os meninos e as meninas deixarão de ser café-com-leite no futebol e na política.

Imagem: https://www.google.com.br/search?q=imagem+pol%C3%ADtica+do+caf%C3%A9+com+leite&rlz=2C1SAVU_enBR0538BR0538&tbm=isch&imgil=3UI7vaOCxL2AwM%253A%253BU1Lij9jaGUdxQM%253Bhttp%25253A%25252F%25252Fportaldoprofessor.mec.gov.br%25252FfichaTecnicaAula.html%25253Faula%2525253D32388&source=iu&pf=m&fir=3UI7vaOCxL2AwM%253A%252CU1Lij9jaGUdxQM%252C_&usg=__KuJWivyajyOjwkqCVNaUSvkwFRc%3D&biw=1280&bih=638&ved=0ahUKEwjeqv-4lr7UAhVLipAKHcorATAQyjcIUw&ei=jpxBWd6rKMuUwgTK14SAAw#imgrc=3UI7vaOCxL2AwM:

sábado, 10 de junho de 2017

Só a União do Povo poderá barrar o avanço e destruição de direitos

por José Gilbert Arruda Martins


O velho, saudoso e bom Karl Marx dizia certa vez, ao escrever o segundo livro mais lido do mundo "O Manifesto Comunista" em 1848: "Trabalhadores do mundo Uni-vos!". Como, grande parte das reflexões do pensador alemão, que morreu em 1883, são muito atuais, vamos, modestamente, tentar atualizar a frase que poderia ficar assim: Trabalhadoras e Trabalhadores do Brasil e do Mundo, Uni-vos!

Resultado de imagem para imagem das manifestações dos trabalhadores


Os recentes golpes de Estado na América Latina - Honduras, Paraguai e Brasil -, mais as vitórias eleitorais na Argentina, nos EUA e, agora na França, são sinais mais que claros do avanço da direita e, junto com ele, a retirada de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

O avanço conservador é parte da retomada e adequação no cenário mundial e local das políticas neoliberais que garantem aos rentistas daqui e de todo o planeta mais lucros em prejuízo da maioria da sociedade.

No Brasil, as medidas que indicam o aprofundamento dessas políticas são o congelamento por 20 anos dos gastos sociais; as reformas trabalhista e previdenciária e a entrega do pré-sal. Essas medidas tomadas pelo governo usurpador do Michel Temer, são parte do "pagamento" aos fiadores do golpe.

Apesar de estar claro que, por onde passou, o neoliberalismo não funcionou, ao contrário, provocou mais miséria, mais desemprego, mais violência e angústia ao povo, as elites de vários países, tanto do centro do capitalismo global como da periferia, que é o caso do Brasil, teimam em instalar e aprofundar as políticas de privatização, arrocho salarial e cortes nos programas sociais.

Nesse sentido, destacando apenas o Brasil, podemos enxergar que, após o afastamento de uma presidenta eleita legitimamente com mais de 54 milhões de votos, a situação só piorou para os trabalhadores e trabalhadoras. A sociedade brasileira e a classe trabalhadora foram escolhidas para pagar o "pato amarelo da crise". Enquanto isso, os rentistas, cerca de 1% da população brasileira, continuam a engordar seus bolsos já gordos de lucros.

Olha para você e para sua comunidade, a vida melhorou, após o golpe? Os índices oficiais dizem que não. O desemprego chegou a 13 milhões de pessoas da população economicamente ativa; os salários não acompanham os aumentos do custo das mercadorias e alimentos; o botijão de gás, que já é caro, segundo as notícias, terá aumento todo mês a partir de agora.

Nesse cenário de retiradas violenta de direitos, desemprego e carestia, o que pode ser feito? Como lembra Karl Marx: Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, Uni-vos! Só a união, organização e luta cotidiana, poderá levar à vitória e a construção de uma situação que leve o povo a melhorar de vida, com melhores e mais empregos, com melhores e mais salários.

A luta democrática hoje, que precisa ser de todas e todos é a luta por Eleições Diretas Já, se as elites vencerem mais essa, o Temer poderá continuar e, se for afastado, o Congresso poderá escolher de forma indireta o novo mandatário que virá com toda força para aprovação das reformas.

Por fim, é importante alertar a aqueles que ainda não enxergaram que, somos todas e todos trabalhadores, somos cerca de 99% de povo trabalhador, o restante, 1%, são os ricos, os caras que estamos combatendo hoje, porque estão retirando nossos direitos e lucrando com a nosso suor, com nossa força de trabalho. Procure entender de que lado você precisa ficar. O inimigo não é o Estado, o inimigo é quem nos explora, as elites rentistas.








Belo Horizonte recebe XXIII Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba

no PT


Entre os dias 15 e 17 de junho deste ano, Belo Horizonte será palco da XXIII Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba. O evento é organizado pela Associação Cultural José Martí de Minas Gerais (ACJMMG) e Movimento Brasileiro de Solidariedade a Cuba.



Mais informações no site: www.pt.org.br/blog-secretaria/belo-horizonte-recebera-a-xxiii-convencao-nacional-em-solidariedade-a-cuba.




quarta-feira, 7 de junho de 2017

ARTIGO: Bases social, econômica e política da transformação das elites: reflexões teóricas sobre o discurso elitista e resistência dos trabalhadores

por José Gilbert Arruda Martins*


RESUMO:

O objetivo desse estudo é analisar as bases social, econômica e política da transformação das elites. A análise dessa construção histórico/política, dentro de uma perspectiva teórica, pode contribuir para a compreensão das relações sociais de dominação e exploração que sempre marcaram as ações em todos os tempos, das elites contra as maiorias. Para alcançar o objetivo proposto o estudo foi dividido em três partes. A primeira categoriza a elite, tendo como base o entendimento da formação desse segmento nas Ciências Sociais. O segundo busca compreender as formas de engajamento das elites e influência dos trabalhadores e trabalhadoras no contexto de formação do Estado e do sistema capitalista. A terceira procura entender os mecanismos de adequação das elites brasileiras ao pensamento elitista tendo como pano de fundo a reação da classe trabalhadora. Palavras-chave: Teoria das elites, dominação, exploração, trabalhadores.




ABSTRACT: 

The aim of this study is to analyze the social, economic and political bases of the transformation of the elites. The analysis of this historical / political construction, from a theoretical perspective, can contribute to the understanding of the social relations of domination and exploitation that have always marked the actions in all times, of the elites against the majorities. To reach the proposed goal the study was divided in three parts. The first classifies the élite, based on the understanding of the formation of this segment in the Social Sciences. The second aims to understand the forms of engagement of the elites and influence of the workers in the context of formation of the state and the capitalist system. The third tries to understand the mechanisms of adequacy of Brazilian elites to elitist thinking against the background of the reaction of the working class. 

Keywords: Theory of elites, domination, exploitation, workers.


INTRODUÇÃO 

                                         A principal ideia transmitida pelo termo elite é a de superioridade.

                                                                                                                           Kolabinska 


O objetivo desse estudo é analisar as bases social, econômica e política da transformação das elites. A análise dessa construção histórico/política, dentro de uma perspectiva teórica, pode contribuir para a compreensão das relações sociais de dominação e exploração que sempre marcaram as ações em todos os tempos, das elites contra as maiorias. Dominação que o pensador, filósofo e economista alemão Karl Marx em uma das suas mais célebres frases, afirmou: “A história de todas as sociedades que existiram até os nossos dias é sempre a história das diversas lutas entre as classes... homens livres e escravos, patrícios e plebeus, barões feudais e servos da gleba; em poucas palavras, os opressores e os oprimidos sempre estiveram em oposição mútua, mantendo uma luta constante, às vezes disfarçada...” (MANIFESTO COMUNISTA, Karl Marx e Friedrich Engels) A análise, ainda pode permitir perceber as estratégias políticas e econômicas que contribuíram para as transformações das elites e fortalecimento das instituições que ao mesmo tempo, lhe garantiram a manutenção da hierarquia social que permitiu a continuidade do seu domínio, controle e exploração sobre as maiorias. Nesse caso, a análise procura identificar a transformação das elites e sua atuação na histórica ocidental a partir do medievo europeu. Consideram-se, ainda, as estratégias das elites em âmbito mundial para a vinculação entre o desenvolvimentismo econômico e o discurso de construção da democracia liberal dentro do sistema capitalista profundamente excludente. 

A partir destes objetivos o presente estudo pretende problematizar a questão das bases históricas que construíram as estratégias políticas e econômicas para o seu fortalecimento e transformação. A segunda problemática enfoca o posicionamento político das elites no processo de criação do Estado com menções ao Absolutismo Monárquico as Revoluções Burguesas e o processo de construção da hegemonia capitalista liberal e a reação dos trabalhadores e trabalhadoras que perpassa todo esse processo desaguando na construção do pensamento marxista do século XIX.


Para alcançar os objetivos propostos e a problemática levantada, o estudo foi dividido em três partes. A primeira categoriza elite, tendo como base o entendimento da formação desse segmento nas Ciências Sociais. A segunda busca entender as formas de engajamento das elites no processo de acumulação primitiva de capitais, na origem e construção capitalista e influência da classe trabalhadora no contexto de formação do Estado. A terceira procura entender os mecanismos de adequação das elites brasileiras ao pensamento elitista tendo como pano de fundo a reação da classe trabalhadora. 

1. Elite: fundamentos conceituais e reflexões teóricas 


Martinez (1997, p. 6) inicia suas reflexões na obra: A Teoria das Elites expondo que a palavra elite é usada com muita frequência, tanto no plural como no singular, nas mais variadas situações e, às vezes, adquire sentidos antagônicos. Ora ela aparece com conotação positiva, elogiosa, realçando qualidades de indivíduos ou grupos, ora tem conotação negativa, crítica, responsabilizando pessoas ou segmentos da sociedade pelas injustiças e desigualdades sociais. 

Para o autor: 

São exemplos de referências elogiosas as expressões “tropa de elite”, que remete aos contingentes militares com níveis mais altos de capacitação, designados para as missões mais importantes, e “elite intelectual, artística”, etc., que seria o grupo que mais se destaca em cada área. Assim, na linguagem dos esportes, das artes, da moda, nos eventos sociais das classes mais abastadas, a palavra elite circula com sentido positivo. O termo, porém, adquire sentido negativo quando usado na crítica às camadas sociais de maior poder econômico e grande influência social e política, como minorias privilegiadas que se beneficiam do poder e da riqueza em detrimento da maioria. (MARTINEZ, 1997, p. 6) 

Para Norberto Bobbio em uma sociedade, existe sempre, e apenas, uma minoria que, por várias formas, é detentora do poder, em contraposição a uma maioria que dele está privada (1992, p. 386). O extrato da sociedade que reúne condições para exercer estrategicamente o controle do poder decisório no campo político, ideológico e econômico  é essa minoria nomeada elite política. Bobbio (1992) destaca que este segmento detém o controle do campo político na maioria das sociedades tradicionais ou modernas e, estando organizada institucionalmente, pode, em última instância, recorrer à força para tornar válidas suas decisões. (Apud NORONHA, 2006, p. 34). 

Nesse sentido, na obra As elites e a sociedade, Bottomore (1974), cita Pareto, que afirma (...) será útil dividirmos mais ainda essa classe [a elite] em duas: uma elite governante, compreendendo os indivíduos que direta ou indiretamente participam de forma considerável do governo, e uma elite não governante, compreendendo os demais. (...) Assim, ficamos com dois estratos em uma população: I) um estrato inferior, a não elite, com cuja possível influência sobre o governo não estamos preocupados no momento; e II) um estrato superior, a elite, dividida em dois: a) uma elite governante; b) uma elite não-governante. (BOTTOMORE, 1974, p. 9) 

Ainda, segundo o Bottomore (1974, p. 10), citando desta feita Mosca, escreve que em todas as sociedades — desde as parcamente desenvolvidas que mal atingiram os primórdios da civilização até as mais avançadas e poderosas — existem duas classes de pessoas — uma classe que dirige e outra que é dirigida. A primeira, sempre a menos numerosa, desempenha todas as funções políticas, monopoliza o poder e goza das vantagens que o poder traz consigo, enquanto a segunda, a mais numerosa, é dirigida e controlada pela primeira de uma forma que ora é mais ou menos legal, ora é mais ou menos arbitrária e violenta. 

A teoria luta de classes defendida por Karl Marx, deixa patente que esta luta, quase todo tempo foi e é marcada pela exploração; esta, por sua vez, convive com a violência perpetrada pelos instrumentos estatais legais das elites dirigentes, seja a violência física com o uso da força, seja com o uso da violência de outros tipos, como a psicológica, a pressão da comunicação ideológica manipuladora, o assédio moral, etc. Mesmo o uso do “monopólio legítimo da força” que encontramos em Max Weber, fugiu, não poucas vezes, do controle dos dirigentes e potencializou a violência e, até mesmo a justificativa da exploração de classes. Nesse sentido, o Estado moderno tem como uma de suas características a detenção do uso legítimo da força de maneira monopolizada, lembrando que a palavra monopólio se associa à administração de escassez, que por sua vez traz a ideia de “conflito, tensão, disputa, busca de hegemonia”, logo o que se disputa no jogo de violência é o poder (PORTO, 2000, p. 312 apud Rondon Filho e Freire, 2009).

Um debate interessante em Bottomore (1974), “Elite do Poder” ou “Classe Dominante”? O autor detalha sua explicação, a partir do livro The Power Elite de C. Wright Mills: Mills explica sua preferência pelo termo "elite do poder" ao invés de "classe dominante" dizendo:

'Classe dominante' é uma expressão mal construída. 'Classe' é um termo econômico; 'domínio', um termo político. A expressão 'classe dominante', assim, subentende a ideia de que uma classe econômica domina politicamente. Essa teoria simplista pode ou não, por vezes, ser verdadeira, mas não queremos, exatamente por ser um tanto simplificadora, supô-la nos termos que utilizarmos para definir nossos problemas; queremos formular as teorias explicitamente, usando termos de sentido mais preciso e não ambíguo. No caso, o termo 'classe dominante', em suas conotações políticas usuais, não dá suficiente autonomia à ordem política e seus agentes, e não se refere aos militares como tais (...).

Acreditamos que uma visão tão simples de 'determinismo econômico' precisa ser completada por um 'determinismo político' e um 'determinismo militar'; que os agentes maiores de cada um desses três domínios hoje possuem comumente um grau de autonomia considerável; e somente em formas muitas vezes intrincadas de coalizão tomam e levam adiante as decisões mais importantes". (BOTTOMORE, 1974, p. 34)

Nesse contexto sobre o debate que envolve conceitos e reflexões sobre teoria das elites, Miguel (2016, p. 108) afirma que o elitismo é, em suma um pensamento voltado à afirmação da imutabilidade do ser humano e da sociedade.

Parte do legado das teorias elitistas ditas “clássicas”, afirma o autor, se vincula a explicações da dinâmica das mudanças sociais, como a ideia da circulação das elites, mas mudança é sempre encarada como um aspecto superficial e acessório de permanências profundas. Para esse autor aquilo que convencionou-se chamar de teoria das elites nasceu num contexto histórico preciso, como reação tanto a doutrinas emergentes - aqui podemos destacar as ideias do socialismo marxista entre outras – quanto a movimentos que ocorriam na sociedade europeia.

Sobre esses citados movimentos, Miguel (2016) continua suas reflexões agora destacando a reação das classes trabalhadoras na velha Europa, se de um lado existia as elites políticas e econômicas no controle das fábricas e dos governos, do outro fazia-se presentes os trabalhadores e trabalhadoras e suas lideranças, tanto a nível de sindicatos como na filosofia e economia política (...) As jornadas de 1848 fizeram que, em mais de um país europeu, a classe trabalhadora aparecesse como ator político importante. Seu rebento tardio foi a Comuna de Paris (1871), ensaio de edificação de uma ordem radicalmente igualitária. Em paralelo com esses movimentos, influenciando-os e sendo influenciadas por eles, ideias democráticas e socialistas afirmavam a possibilidade de um mundo sem chefes e sem comandados, sem ricos e sem pobres. (MIGUEL, 2016, p. 109)

Ainda, segundo o autor, a teoria das elites dita “clássica”, elaborada no final do século XIX e começo do século XX nas obras de Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca e Robert Michels, nasce em reação a isso. Quer dizer, esses autores, escrevem e defendem suas teorias a partir de uma reação aos movimentos socialistas e democráticos que explodem por todo o continente europeu no século XIX. Nesse contexto, enquanto Pareto, Mosca e Michels davam como imutáveis nas relações humanas o domínio da minoria sobre a maioria, a obra do alemão Friedrich Nietzsche, contemporâneo desses autores, serve de contraste (Miguel, 2016 p. 109).

Segundo esse autor, embora tenha como um de seus elementos mais evidentes uma repulsa exacerbada à igualdade, constituindo-se em uma “justificação complexa e incomum” da exploração, da dominação e da escravidão (Ansell-Pearson, 1997 [1994], p. 19), Nietzsche está preocupado com o que chama de “revolta dos escravos”, a destruição das hierarquias naturais entre os homens,2 que ele vê como um processo histórico de longo prazo, iniciado com o triunfo da moral cristã. Em suma: A solidariedade social pode ser a “degradação da alma europeia” (Nietzsche, 1992 [1986], p. 86) e a democracia, uma “decadência ou diminuição dos homens, sua mediocrização e rebaixamento de valor” (Nietzsche, 1992 [1986], p. 103), mas são, ambas, fenômenos reais, contra os quais é preciso lutar. O mesmo se poderia dizer das reflexões – posteriores e expressas em fraseado mais moderado, mas denotando espírito similar – sobre a “rebelião das massas”, de Ortega y Gasset (1987 [1937]). Nietzsche e Ortega sustentam sua oposição à igualdade social na ameaça que ela representaria à civilização, mas entendem que se defrontam com um processo em curso (MIGUEL, 2016, p. 109-110)

Tanto quanto Nietzsche ou Ortega y Gasset, afirma Miguel (2016), autores ultraliberais recentes, como Hayek (1990 [1944] ou Nozick (1974), podem incorporar o argumento de que as desigualdades têm base natural, mas seu foco está no caráter positivo delas, quer pelo que produzem (o progresso), quer pelo que sinalizam (a liberdade). Já os elitistas, continua o autor, ainda que não se furtem a mencionar efeitos positivos das desigualdades, enfatizam sobretudo seu caráter natural e inevitável.

Conforme Miguel (2016) de maneira muito sintética, pode-se dizer que, enquanto toda uma tradição do pensamento anti-igualitário, que passa por Nietzsche, Ortega, Hayek, Nozick e muitos outros, afirma a necessidade da desigualdade, a ambição primária dos teóricos clássicos das elites sempre foi provar a impossibilidade da igualdade. Dessa forma, continua o autor, a teoria das elites é talvez o melhor exemplo de um dos modos básicos do discurso conservador, na tipologia de Hirschman (1992 [1991]): a “tese da futilidade”, segundo a qual não adianta tentar mudar o mundo, já que, em sua essência, ele permanecerá sempre o mesmo. Democratas e socialistas se esforçam por transformar o que não tem como ser mudado, apresenta a si e a seus seguidores metas de conquista impossível. Por isso, finaliza o autor, suas ações estão fadadas ao fracasso e o saldo de seus empreendimentos só pode ser a frustração. (MIGUEL, 2016, p. 110)

Segundo Miguel (2016) o fundamento dessa impossibilidade é psicológico, no caso de Pareto (1935 [1916]), ou sociológico, para Mosca (1939 [1896]) e Michels (1982 [1911]). Seja porque as disposições psicológicas inatas inclinam uns ao mando e outros à obediência, seja porque as maiorias são incapazes de se organizar, seja ainda porque essas maiorias, no processo da própria organização, geram novas minorias dirigentes, o resultado é sempre o mesmo: a impossibilidade da democracia.

No quadro do elitismo clássico, a relação entre democracia e desigualdades se resolve de maneira bastante simples. Elas estão em situação de perfeita oposição: uma é a negação da outra. Como a desigualdade é inevitável, a democracia está fora do horizonte de possibIlidades. Em suma: O poder político nunca foi e nunca será fundado no consentimento explícito das maiorias. Ele sempre foi e sempre será exercido por minorias organizadas, que possuem, e continuarão possuindo, os meios, que variam conforme os tempos, de impor sua supremacia às multidões. (MOSCA, 1939 [1896], p. 326)

Pelo exposto, fica claro o “baixo entusiasmo dos pensadores elitistas e seus seguidores, com a democracia”. Nesse contexto, após breves reflexões a partir de pensadores elitistas como Pareto, Mosca, Michels e Nietzsche, outro autor importante no estudo da teoria das elites e da democracia, merece atenção, o austríaco Joseph Schumpeter (1976 [1942]), que compatibilizou elitismo e democracia ao promover uma profunda transformação no entendimento desta última (MIGUEL, 2016, p. 113)

Para o citado autor a démarche schumpeteriana é bem conhecida e ocorre em dois passos sucessivos. O primeiro passo é o desmonte da compreensão corrente de democracia, desqualificada como ingênua e apoiada em premissas insustentáveis sobre a natureza humana e a organização social.

O passo seguinte, continua o pesquisador, é a apresentação de um conceito alternativo de democracia, que sanaria esses problemas e produziria uma versão realista do que pode ser um sistema político democrático. (...) muito mais que codificar o modelo subjacente aos regimes políticos que aplicam a si mesmo o rótulo de “democráticos”, ele ambiciona indicar os limites da democracia possível, sendo o ser humano e a sociedade humana aquilo que são. (...) a obra de Schumpeter abriu as portas para uma ressemantização da democracia que permitiu que os regimes eleitorais de tipo ocidental se apresentassem como genuínos governos do povo (...) em movimentos sucessivos, Shumpeter promoveu a impugnação das noções de bem comum, já que em qualquer sociedade convivem interesses antagônicos, e, mais importante, de “vontade da maioria” (...) a crítica schumpeteriana tem seu ponto crucial aqui: as pessoas comuns não têm vontades quando estão em jogo questões públicas, só impulsos vagos, equivocados, desinformados e voláteis (Schumpeter, 1976 [1942], p. 253).

Em suma, conclui Miguel (2016), para ele não adianta mudar as instituições, já que a causa da apatia e da desinformação não está nelas, mas nos próprios indivíduos, em seu egoísmo, miopia (incapacidade de perceber os interesses a médio ou longo prazo) e limitação cognitiva. Os pensadores elitistas esquecem que, apesar da democracia dita eleitoral ou representativa ser apenas parte de um todo da participação da sociedade na influência da coisa pública, o processo eleitoral, porém, mesmo reduzido à sua dimensão formal mais rasa, como queria o economista austríaco, carrega em si sempre a ameaça da desorganização do jogo político das elites. Não por acaso, uma preocupação recorrente no pensamento conservador é a busca de medidas que limitem o alcance e a abrangência das decisões tomadas por via eleitoral. Há um inequívoco elemento igualitário nas eleições, na medida em que todos são chamados a votar e todos os votos têm peso equivalente (MIGUEL, 2016, p. 117-118)

Por fim, o cidadão comum de Schumpeter, é incapaz de acompanhar o jogo político, de aquilatar a diferença entre propostas, de influenciar diretamente no processo decisório. No entanto, ele possui um interesse claro – que não se vincula a medidas específicas, nem exige sofisticação política. Ele tem interesse em que sua vida melhore. Com isso, ele se torna capaz de avaliar o desempenho dos governos e de usar racionalmente o poder que o voto lhe concede. Seu voto não é esclarecido, no sentido dos sonhos de John Stuart Mill, para quem o direito ao sufrágio serviria como um estímulo à ampliação dos horizontes das pessoas comuns. Mas tampouco é desprovido de sentido, como na narrativa de Schumpeter (MIGUEL, 2016, p. 122-123)

Na unidade seguinte, a reflexão será sobre as bases que teriam dado fundamento aos elitistas, no entanto, importante se faz perpassarmos toda essa trajetória histórica com as cores e lutas dos movimentos libertários e democráticos dos pensadores socialistas e dos trabalhadores e trabalhadoras europeus.

2. Bases

Seguindo a análise sobre as bases social, econômica e política da transformação das elites, é necessário tentar fazê-la a partir da organização feudal passando pela centralização do poder no início da chamada Idade Moderna e a consequente formação dos Estados Modernos, o advento do liberalismo, a Revolução Industrial que deu as condições econômicas definitivas de domínio das classes burguesas capitalistas (ou elites econômicas), e por fim uma breve passagem pelo neoliberalismo, ancorando isso tudo na temática da reação, organização e luta dos trabalhadores.

2.1 A Sociedade Feudal e a exploração dos trabalhadores.

Para Rodrigo (2006, p. 12) as ideologias dominantes, em versões laicas e religiosas, proferiam o caráter eterno e ahistórico das desigualdades sociais visando garantir e legitimar a ordem estabelecida pelas classes exploradoras. Pouco ou nada se falava sobre as origens sociais e históricas da desigualdade humana; quando muito, dissertava-se sobre as diferenças biológicas, físicas e capacidades mentais e habilidades manuais dos indivíduos. Desde o Renascimento, autores humanistas como o diplomata inglês Thomas Morus e o sacerdote alemão Thomas Münzer, já denunciavam, respectivamente, por meio dos seus livros e pregações, as mazelas sociais da dissolução do modo de produção feudal e o consequente nascimento do capitalismo. Foi, contudo, no período da Revolução Industrial, que a ideia da desigualdade social vista como um fato natural, aceitável e até mesmo inalterável, foi desconstruída. A isto muito se deve às teorias de Karl Marx e Friedrich Engels.

Importante fazer uma breve passagem pela sociedade feudal que era hierarquizada e estamental. Hierarquizada, pois era muito difícil para uma pessoa passar de uma posição social para outra. Estamental, pois cada pessoa assumia um papel muito bem definido na sociedade, geralmente de acordo com o grupo em que nasceu.

Este modelo de organização social durante o feudalismo recebeu total respaldo da Igreja. Esta defendia a ideia de que Deus definia a condição em que a pessoa veio ao mundo, cabendo a esta se manter naquele nível social sem questionar. Tal fato, facilitava sobremaneira o domínio e a exploração das elites contra os trabalhadores da época.

A posição e o status social de uma pessoa eram determinados pelo nascimento e pela posse de propriedades, principalmente terras. Havia uma grande disparidade de renda entre a camada dos mais ricos - senhores feudais e nobres – as elites da época -, e os mais pobres - servos camponeses – a massa, segundo o pensamento elitista; os trabalhadores, segundo a teoria marxista. Portanto, a sociedade feudal era marcada por forte exploração e desigualdade social.

Assim, a sociedade feudal era organizada em ordens sociais fechadas pela ideologia e pela força das armas, e cada uma tinha a sua função, o Clero, era composto pelos integrantes da Igreja Católica - padres, bispos, monges, abades e papa -. Cabia ao clero, na sociedade feudal, cuidar da vida espiritual de toda sociedade. Embora a função desta ordem fosse rezar, exercia influência política, moral e psicológica na sociedade, exercendo o papel de arautos da ideologia das classes dirigentes. Os Nobres era ordem composta por senhores feudais e cavaleiros. Que se impunha através das armas, do poder ideológico imposto pela igreja e do controle sobre a terra. A função dos integrantes desta ordem era garantir a “proteção” da sociedade, utilizando de recursos e forças militares. Concentravam poder em função da propriedade de terras, além de exercer o controle da justiça - no caso dos senhores feudais - . Moravam em castelos, com suas famílias, que eram verdadeiras fortalezas militares.

Os Camponeses - trabalhadores servis - estavam presos às terras dos senhores feudais, através da violência, de obrigações em forma de prestações de serviços e de pagamentos de impostos e taxas. Viviam mal, se alimentavam mal, morriam cedo. Compunham a grande maioria da população feudal. Dificilmente um servo tinha condição de sair de sua condição de vida. Eram os que trabalhavam de fato, para sustentar as outras duas ordens, pois os integrantes do clero e os nobres não pagavam impostos.

Nesse contexto de super exploração, os trabalhadores, ainda de forma desorganizada, mesmo contra a força militar das elites dirigentes – os senhores de terras -, deflagraram várias revoltas, as revoltas e as contradições absurdas do sistema levaram à crise do modo de  produção feudal, começa então a surgir uma nova estrutura, agora tendo como predominância outras formas de trabalhar a terra, o comércio e os poderes das classes.

Para muitos historiadores a Idade Média foi um período de mudanças radicais na civilização ocidental. Uma era de transição na economia (com o capitalismo nascente rompendo as formas feudais), com a cultura (com o brilho do renascimento) e na religião (Com a contestação da Reforma Protestante).

Nesta época o homem revolucionou os mapas geográficos conquistando novos continentes. Cresceu o mundo e com ele as fronteiras da mente humana. Durante a Idade Média, o poder político era controlado pelos diversos senhores feudais, que geralmente se submetiam ao imperador do Sacro Império e do Papa. Não haviam estados nacionais centralizados. As crises no final do período provocaram a dissolução do sistema feudal e prepararam o caminho para a implantação do capitalismo. A terra deixou de ser a única fonte de riqueza. O comércio se expandia trazendo grandes transformações econômicas e sociais. Alguns servos acumulavam recursos econômicos e libertavam-se dos senhores feudais e migravam para as cidades. Em algumas regiões afastadas senhores feudais ainda exploravam seus servos, a consequência dessa exploração foram a revoltas dos camponeses. A expansão do comércio contribuiu para desorganização do sistema feudal, e as elites burguesas, que eram as classes ligadas ao comércio, tornaram-se cada vez mais ricas, poderosas e conscientes que a sociedade precisa de uma nova organização política, no sentido de adequa-se às novas e eficientes formas de dominação e exploração sobre os trabalhadores que surgiam no horizonte do cenário europeu.

Neste contexto, Rodrigo (2006, p. 29) afirma: temos, assim, uma compreensão alternativa da história da transição do feudalismo para o capitalismo e, mais importante, uma nova teoria capaz de explicar como a luta de classes dos senhores feudais, camponeses e burgueses desembocou na dominação e exploração dos trabalhadores pelos capitalistas, que alienaram e subsumiram, com o auxílio da coerção armada e econômica do Estado, os produtores diretos.

Por meio de relações de propriedade, de produção e reprodução social historicamente singulares, os burgueses, donos dos meios de produção, puderam explorar a força de trabalho humana como uma mercadoria qualquer, e construir um modo de produção onde a riqueza de poucos traduz-se na miséria de bilhões de seres humanos.

Para que a classe da burguesia continuasse progredindo, necessitava de governos estáveis e de uma sociedade ordeira. Acabar com as constantes revoltas dos trabalhadores, as guerras e intermináveis conflitos entre os membros da antiga nobreza feudal. Diminuir a quantidade de impostos sobre as mercadorias cobrados pelos vários senhores feudais. Reduzir o grande número de moedas regionais, que atrapalhava os negócios. Importante setor da burguesia e de uma nobreza “progressista” passou a contribuir para o fortalecimento da autoridade dos reis. O objetivo era a construção das Monarquias Nacionais capaz de investir no desenvolvimento do comercio, na melhoria dos transportes na segurança das comunicações e, no controle dos trabalhadores. O processo histórico levou ao surgimento do Estado Moderno.

2.2 A força do rei e do Estado: potencializar a exploração

Todo o poder para o rei. Com a formação moderna, diversos reis passaram a exercer autoridade nos mais variados setores: organizavam os exércitos, que ficava sobre o seu comando, distribuíam a justiça entre seus súditos, decretavam leis e arrecadavam tributos. Condição “legítima” para a continuação da exploração e da imposição da força contra o povo.

Toda essa concentração de poder passou a ser denominado absolutismo monárquico. Porque a sociedade permitia a concentração do poder em mãos de uma só pessoa? Jean Bodin, Thomas Hobbes, Jacques Bossuet entre outros, tentaram trazer à luz as possíveis “justificativas”, são conhecidos como os teóricos do absolutismo, os pensadores que ajudaram a justificar tamanha concentração de poder e, consequentemente, na formulação das ideias que ajudaram na criação do Estado Moderno.

A formação dos Estados Modernos, não diminuiu o sofrimento e a exploração sobre as maiorias, pelo contrário, ajudou a concretizar o sonho das elites burguesas, agora com a imposição de uma ordem a partir de uma legislação opressiva e de todo tipo de instrumental de violência, o capitalismo em fim dispunha de um amplo horizonte de ótimas perspectivas. Como Karl Marx enxergou essa estrutura?

Segundo Rodrigo (2006) a origem do capitalismo, na visão marxiana, não foi um processo histórico idílico, puro, celestial; de modo oposto, Marx descreve o nascimento do capitalismo como resultado da conquista colonial, dos saques, roubos e assassinatos. Em resumo, a violência foi a parteira do capital.

Nesse sentido, continua o autor, mercadorias e dinheiro não são, em si mesmos, capital, valor que se expande continuamente, relação social de expropriação, apropriação e acumulação de trabalho alheio. É preciso que algumas circunstâncias sociais surjam durante o processo de derrocada do feudalismo para a emersão do capitalismo.

Em linhas gerais, dois tipos diferentes de proprietários de mercadorias devem encontrar-se nos mercados em formação e transacionar livremente seus bens: estamos falando dos detentores da riqueza – dinheiro e meios de produção – e dos trabalhadores “livres” – possuidores da força de trabalho. A sociedade é dividida hierárquica e segregadoramente da seguinte forma: de um lado, os capitalistas – as elites -, desejosos em acrescentar mais valor aos já possuídos e acumulá-los privadamente e, do outro, os proletários, livres tanto da servidão feudal quanto dos meios de produção necessários a obtenção dos seus meios de subsistência e da sua reprodução sociocultural, sendo, assim, obrigados a vender, no mercado livre de trabalho, a única mercadoria que lhes resta, a força de trabalho.

Desta forma, o circuito econômico do livre mercado fecha com exatidão, pois cada classe social teria aquilo que a outra cobiça – dinheiro, como pagamento do uso da força de trabalho (salário), e trabalho livre, pronto para ser explorado no processo de trabalho controlado pelo dono dos meios de produção.

Rodrigo (2016) continua: nas análises tradicionais sobre o período histórico em debate, podemos perceber o acento dos teóricos burgueses colocado sobre a liberdade conquistada pelos capitalistas com o fim das aduanas e do protecionismo entre os feudos – a liberdade de comércio – e o fim das guildas e corporações feudais, que trouxe a liberdade de produção. Ou ainda escutamos falar no fim das relações servis de produção que ligavam o camponês ao senhor feudal, liberdade que gera a figura do cidadão, sujeito com direitos garantidos pelo contrato social liberal, no caso, a Constituição (e, anteriormente, o Bill of Rights). Mas nenhuma palavra é dita sobre a liberdade que o trabalhador tem dos seus meios de produção ao ser violentamente expropriado pela burguesia e aristocracia.

Como diz Marx (2003 [1867], p.828), estabelecidos esses dois polos do mercado, ficam dadas as condições básicas da produção capitalista. O sistema capitalista pressupõe a dissociação entre os trabalhadores e a propriedade dos meios pelos quais realizam o trabalho. (...) O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e converte em assalariados os produtores diretos.

Na base do processo histórico da transição do feudalismo para o capitalismo, continua o autor, está a expropriação dos meios coletivos de produção dos trabalhadores, rurais e urbanos, e a sua subsequente apropriação privada nas mãos dos burgueses – “a chamada acumulação primitiva é apenas o processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção” (MARX, 2003 [1867], p.828). Ou, “a expropriação do produtor rural, do camponês, que fica assim privado de suas terras, constitui a base de todo o processo” (MARX, 2003 [1867], p.830).

Se as elites – nobreza, clero, burguesia, rei -, interessados que estavam em ter o controle sobre as riquezas produzidas por todos, detinham o poder das armas e da ideologia da religião, os trabalhadores e trabalhadoras, tinham a eles próprios, tinham que juntar e, com o mínimo de organização, sublevaram-se e, em revoltas camponesas históricas contra a usurpação das terras, conseguiram vitórias memoráveis.

Nesse sentido Rodrigo (2016) diz que (...) a Coroa inglesa, preocupada com a pobreza, o despovoamento dos campos e a violência das revoltas dos trabalhadores, aprovou leis oficiais visando barrar a privatização das terras e amenizar, por mínimo que fosse, a situação social dos camponeses e do lúmpen urbano. E esta preocupação era real, e não um jogo de retórica, como alerta Leo Huberman (1964 [1936], p.125): a coroa realmente se preocupava. Queria sustar o despovoamento das aldeias. Estava atemorizada, porque o Exército era recrutado principalmente entre os camponeses e os pequenos proprietários.

Por outro lado, os camponeses cujos meios de vida estavam desaparecendo haviam até então pago impostos e constituíam uma boa fonte de renda para a coroa. Esses grupos de mendigos constituíam, ainda, um verdadeiro perigo – ocorreram incêndios, derrubadas de cercas, motins. Foram aprovadas, por isso, leis contra o fechamento de terras. As leis econômicas da acumulação capitalista e os objetivos políticos das classes dominantes, entretanto, foram mais fortes do que a legislação oficial contra os cercamentos do campo, e a expropriação dos meios de produção continuou sua marcha, expulsando camponeses e pequenos arrendatários, criando desempregados, gerando pobreza. Daí uma lição, importante para os dias atuais: não se combate as leis do mercado e a propriedade privada burguesa com leis formais, muito menos com retórica e sermões evocando justiça social, consciência e “responsabilidade social” dos detentores da riqueza.

Para uma melhor compreensão do tema em análise é possível verificar que a base (ou bases) do poder dos senhores feudais - elite -, estava no controle da terra e nas armas. A base de poder do rei - elite - estava na nobreza, burguesia, no clero e nas armas. No entanto, grandes transformações começam a ser operadas em todos os setores da vida social da Europa.

O liberalismo que, como pólvora, explodiu nas revoluções burguesas e a brutal concentração de capital nas mãos da burguesia provoca o surgimento da Revolução Industrial que transformará para sempre a vida do continente e, mais tarde de grande parte do mundo capitalista.

Neste sentido, Martinez (1997) afirma que, de 1740 a 1830, em menos de um século, portanto, o liberalismo, que consistia em deixar os indivíduos livres de quaisquer regulamentações para comprar, vender, produzir, conseguiu realizar a primeira Revolução Industrial sob um clima de grande euforia e liberdade econômica.

O expansionismo industrial, comercial e financeiro teve seu primeiro momento grave de crise alguns anos depois. Ainda segundo o autor, a fermentação das ideias se expressava de várias formas: na defesa do liberalismo, ameaçado pelo intervencionismo do Estado, para restabelecer a ordem na economia sem ferir a liberdade de empreendimentos dos capitalistas. No messianismo, com Henri de Saint-Simon (1760-1825) e Charles Fourier (1772-1837), que acreditava na ação salvadora de grandes homens.

Em todas as formas possíveis de socialismo e coletivismo utópicos, nas quais se destacou o nome de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), acreditando na conciliação entre os interesses dos capitalistas e os dos trabalhadores. No socialismo de Estado, com Louis Blanc (1811-1882), esperando que o Estado socializasse a economia com financiamentos capitalistas. No anarquismo, novamente com Proudhon, depois superado por Mikhail Bakunin (1814-1876) e Peter Kropotkin (1842-1921), com a proposta de liquidar o Estado, a propriedade privada e todas as formas de autoridade. No nacionalismo econômico, com Friedrich List (1789-1846), que viria a resultar no capitalismo de Estado dos regimes autoritários.

No modelo comunista proposto por Karl Marx (1818-1883), diferente dos outros. Cada uma dessas posições mereceria desenvolvimento e comentários à parte, pois encerra concepções bastante amplas, incluindo a organização da sociedade global, Estado e seu funcionamento. Esse foi, continua o autor, um momento histórico no mundo inteiro, de grandes confrontos entre as classes dirigentes, os segmentos intermediários e as massas populares.

Ainda segundo o autor, nesse cenário, surge no meio dos intelectuais europeus o início dos fundamentos de uma nova disciplina científica – a economia política. A partir de 1870, a escola histórica foi mais construtiva que a escola surgida na década de 1840, pois tentou explicar as leis que regem a economia pelos fatos econômicos singulares, concretos, não imaginados na história com regra universal e eterna. Dentre os principais nomes desse período destaca-se Max Weber.

No entanto, a utilização da história para explicar a sociedade de sua época foi levada até as últimas consequências por Karl Marx e Friedrich Engels, que chegaram a dizer que: “A história de todas as sociedades que existiram até os nossos dias nada mais foi do que a história das lutas de classes”.

A concepção materialista da história elaborada por eles não pretende apenas conhecer e explicar, mas também transformar as relações entre os homens, sobretudo as de produção, consideradas fundamentais. Nesse cenário, em oposição às ideias democráticas e socialistas expostas logo acima, conforme Gimenes (2014, p. 119) os autores clássicos da teoria das elites, Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels, discorreram em suas obras sobre uma quase inegável demonstração histórica da existência de uma vanguarda que leva à frente as decisões políticas (Grynszpan, 1996; Perissinotto et al, 2006; Perissinotto, 2009).

Segundo tais autores, mesmo nos momentos em que é possível pensar num maior ativismo político por parte das “massas”, não se pode desconsiderar a existência de elites que “conduzem” as principais diretrizes do processo histórico.

No entanto, para Bottomore (1974) a teoria de Marx era a mais inteligível e sistemática proposta até aquela época nas Ciências Sociais, e, olhando em retrospecto, não é de surpreender que tenha dominado o pensamento social durante os últimos cem anos e influenciado tanto o crescimento do movimento operário. (BOTTOMORE, 1974, p. 24)

Segundo Martinez (1997) numa referência ao debate sobre a concepção materialista da história, cada forma de relação de produção corresponde a um estágio de desenvolvimento das forças produtivas. As relações de produção constituem a superestrutura em que se organizam a sociedade e o Estado e resistem às transformações impostas pelo crescimento das forças produtivas.

Para o autor, essa conceituação exige algumas explicações. As forças produtivas correspondem ao nível de desenvolvimento tecnológico e da capacidade de produção de um sistema econômico. Do trabalho do artesão, que manuseava a matéria-prima e toscos instrumentos de trabalho, a força produtiva evoluiu para a máquina operada pelo homem e movida por variáveis de energia: o próprio homem, o cavalo, o boi, a água, o vapor, a eletricidade, e desse nível ocorreu a evolução para os maquinismos automatizados, que hoje são operados por outras máquinas, os computadores e os robôs.

Nesse sentido: As relações de produção correspondem àquelas entre capital e trabalho, nas quais o empresário é dono dos meios de produção e de todos os fatores econômicos, contratando por um salário a força operativa do trabalhador.

Segundo Marx, o conflito entre o nível de desenvolvimento das forças produtivas e a estagnação das superestruturas sociais provoca crises que só se resolvem com a luta revolucionária entre a classe que detém o poder econômico e político (elite) e a que a segue munida de uma forma superior de organização (o proletariado, ou a massa, segundo a teoria das elites). A conclusão de Marx é que cada classe que ascende ao poder destrói o Estado anterior e implanta o seu próprio, Ou, segundo a teoria das elites, ocorre a substituição de uma elite por outra no comando. (MARTINEZ, 1997, 27)

Seguindo as análises do autor, no que se refere às reformulações no pensamento econômico quando da passagem do século XIX para o seguinte e durante, Martinez (1997), defende que, se sofria ataques e críticas, o sistema econômico vigente procurou reformula-se para sobreviver.

Novas teorias surgiram, fosse com o propósito de humanizar o sistema em benefício das massas, fosse para aperfeiçoar os mecanismos de controle e de organização dos fatores econômicos. 3. Resistência dos trabalhadores na Europa A exploração dos camponeses no feudalismo, na Idade Moderna durante a criação do Estado além das revoluções burguesas: Francesa (1789), a Norte-Americana (1776) e a Industrial na Europa Ocidental, provocaram, além de muito sofrimento, transformações sociais e políticas que marcaram a história da Europa.

Neste contexto, as lutas pela liberdade, pela igualdade e contra toda forma de exclusão se intensificam, dando início ao processo de construção do homem comum como sujeito de direitos civis e sociais.

Nesse sentido, a Revolução Francesa é um marco no processo de resistência, o povo despertou para a possibilidade de uma sociedade mais justa e, desde então, homens, mulheres, jovens se conscientizaram da própria força e reivindicaram – diante dos poderes constituídos – um espaço para a dignidade de todos os seres humanos.

A visibilidade das suas ações esteve presente em diferentes momentos e espaços: em pequenos grupos descentralizados que escolheram o próprio modo de participação nos espaços públicos e coletivos, na mídia, nas experiências do dia-a-dia, etc. Este processo deslanchou de maneira decisiva se estendendo pelos séculos XIX e XX, até os dias de hoje.

Durante a Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX, os trabalhadores europeus enfrentavam condições de vida e de trabalho extremamente duras. Nessas condições, lançavam-se às lutas por melhorias, aproveitando as formas tradicionais de organização corporativa para lhes insuflar um novo conteúdo, transformando-as em sindicatos de trabalhadores. As condições sub-humanas de trabalho, os baixos salários fez parte desse contingente de miseráveis enxergar a saída na rebelião, na revolta, revolução. Fizeram greves, revoltas armadas ou não, rebeliões e – muito importante – formaram os sindicatos - as trade unions, visando a sua segurança, melhoria das condições de trabalho e o fortalecimento da luta operária. Indispensável ressaltar que, quando tomam consciência do seu papel na sociedade, reconhecessem-se como agentes sociais e transformadores, ou seja, não seria mais ou “pobre” enfrentando o “rico”, e sim a classe operária explorada e consciente enfrentando o seu explorador, responsável pela sua miséria e desgraça, o burguês capitalista.

No Manifesto Comunista, Marx e Engels afirmavam que as contradições do desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção capitalistas levariam a sociedade à divisão em duas classes bem distintas, com dois polos opostos que se atraem e se distanciam ao mesmo tempo: a burguesia e o proletariado. Paulatinamente, as diferenças entre as duas classes se acentuariam a tal ponto que estratos médios da sociedade virtualmente desapareceriam.

A luta de classe assumiria, desta forma, uma feição de guerra civil, declarada entre dois extremos bem definidos: uma pequena franja rica da sociedade e uma massa de miseráveis e depauperados, caracterizando o que muitos chamam de “questão social”: a exploração do trabalho assalariado pelo capital e a resistência política dos trabalhadores aos efeitos múltiplos desta exploração econômica. Foi adotado até aqui um ponto de vista bastante focado na formação e transformação das elites europeias e as reações da classe trabalhadora do velho continente.

Na próxima  unidade a reflexão será sobre as elites brasileiras e o comportamento dos trabalhadores dentro desse contexto de controle e domínio das minorias sobre as maiorias.

4. As elites brasileiras

A riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial agora equivale, pela primeira vez, à riqueza dos 99% restantes. Essa é a conclusão de um estudo da organização não-governamental britânica Oxfam, baseado em dados do banco Credit Suisse relativos a outubro de 2015. O relatório também diz que as 62 pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo – em riqueza v que toda a metade mais pobre da população global. (BBC, 2016)

Nesse contexto da desigualdade, segundo Boff (2016, p. 10) referindo-se a estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mostra que o topo da pirâmide social brasileira é composto por cerca de 71 mil super-ricos. Esse fato demonstra de forma cabal como o sistema capitalista deu certo para essa elite bilionária num universo de duzentos e quatro milhões de habitantes.

As origens dessa desigualdade remontam ao colonialismo e ao escravismo, uma das bases importantes que servem de explicação para o surgimento dessa elite das elites pode ser encontrada também no modelo de desenvolvimento econômico e político implantado no país ao longo de sua história.

Conforme Martinez (1997, p. 33) as ideias de Mosca, Pareto e Gasset influenciaram muito o pensamento e a conduta política de certos setores da elite brasileira. Alguns de seus representantes intelectuais, como Plínio Salgado, dirigente da Ação Integralista, e outros, inclusive catedráticos universitários, colheram ensinamentos diretamente nas fontes originais. A maioria dos partidários do elitismo foi constituída de figuras importantes na sociedade e de militantes de movimentos e organizações políticas ligados aos teóricos e as líderes de regimes totalitários, dos quais o mais influente no Brasil foi o fascismo italiano, nas décadas de 30 e 40.

Ainda segundo o autor, as elites brasileiras e incorporaram muitas formas de conduta inspiradas na teoria das elites, para sofisticar seus procedimentos tradicionais de explorar e reprimir a massa com ares paternalistas. Em lugar dos argumentos racionais, continua o pesquisador, usados por Mosca e Pareto para convencer a massa, reconhecer e aceitar a superioridade de alguns, as elites brasileiras conservaram, quanto possível, o velho espírito mandonista suavizado pelo arsenal ideológico que falava da índole pacífica do povo, da inclinação religiosa, da democracia racial, da paz social, dos valores da religião e da família.

Nesse sentido, é importante analisar que esse discurso nunca foi abandonado pelas elites da Casa Grande, ele se faz presente talvez como nunca; a conjuntura política institucional que golpeou de morte a democracia eleitoral brasileira em 2016, estava e está repleta dessa ideologia. O mais grave é que, na esteira do discurso conservador, a maioria parlamentar, que, por sua vez, representa as elites rentistas, principalmente da Federação das Indústria do Estado de São Paulo (FIESP), dá continuidade ao golpe aprovando emendas constitucionais e projetos de leis que destroem a rede proteção social brasileira.

Sobre esse assunto Martinez (1997) afirma que uma característica das elites brasileiras, renovadas a partir de 1930, é não se expor abertamente a comparações de direitos, privilégios e necessidades entre elite e massa. Sempre houve latifundiários, empresários e outros membros das classes dirigentes disputando eleições, exercendo mandatos públicos, mas em geral predominaram os prepostos, representantes das elites governando em lugar delas. Os verdadeiros donos do poder não se expunham diretamente nos confrontos, porque na política de massas, iniciada por Getúlio Vargas e continuada depois dele, dominava o populismo demagógico e manipulador, que assanhava a população trabalhadora e pobre contra os “tubarões”, os exploradores do povo, sem no entanto identifica-los.

Nesse sentido, a percepção de muitos pesquisadores na seara política é a de que o povo, no geral, desconhece os verdadeiros “donos” do poder. A sociedade e grande parte da classe trabalhadora que luta e trabalha na construção da riqueza que deveria ser de todos e todas, tem uma noção muito superficial de como funciona a máquina capitalista que suga sua força de trabalho cotidianamente. Por isso mesmo se faz atual a abordagem marxiana da luta de classes. Os sindicatos e confederações de trabalhadores do país como um todo, em suas agendas de formação política precisa voltar a incluir a teoria do bom e velho Marx.

Ainda sobre a questão da formação política dos trabalhadores na luta contra as elites e em defesa dos seus direitos e participação efetiva no mundo da economia e da política, apesar das injustiças de toda ordem e das crises permanentes, o sistema capitalista se mantém graças a alguns mecanismos bastante simples, porém eficazes. A política econômica burguesa considera a força de trabalho um elemento do capital, um fator de produção. A liderança dos sindicatos, em nome da classe operária, faz reivindicações dentro do sistema, não fora dele nem contra, tornando-se assim um elemento do próprio sistema.

Ademais, ainda no contexto da compreensão do sistema capitalista, o autor aponta que na etapa superior do capitalismo, a relação de propriedade pessoal já não é o fator determinante do sistema, pois é substituída pela planificação cada vez mais racional da acumulação, objetivando a lucratividade.

Essa mudança pode ser vista de outra forma. No capitalismo clássico, a riqueza era um fim, e o poder era um meio para conquista-la. Na evolução mais recente, essa relação se inverte: o poder submete a riqueza, ou seja, a riqueza torna-se um meio para conquistar o poder. Essa inversão de valores, ou de funções, entre o econômico e o político não ocorre de forma clara e legítima; por isso, enfrenta sérios problemas com relação à ética na política, comprometendo a credibilidade das elites dirigentes.

Assim, no âmago do tema sobre prepostos das elites, Martinez (1997) expõe que os expoentes mais notáveis, e talvez mais numerosos, da política brasileira foram profissionais liberais, sobretudo médicos, advogados, engenheiros, e, em segundo plano, outros intelectuais, jornalistas, escritores, artistas. Muitos deles saíram da pequena e da média burguesia e enriqueceram na política, servindo aos interesses de protetores ocultos. Por não serem eles próprios donos de fortunas, podiam propor leis e projetos governativos de interesse das elites, como se fossem para o bem geral do país, sem serem acusados de legislar e governar em causa própria.

Martinez (1997) pontua que, os grupos sociais que no Brasil costumam ser rotulados de elites, seja no sentido positivo seja no negativo, podem ser compreendidos mais facilmente se examinados pela segunda maneira como as elites se definem, ou seja, pelo poder que detêm.

Nesse sentido, podemos considerar as elites brasileiras e suas áreas de atuação – econômica, social, política, cultural – e os meios que utilizam para influenciar o comportamento das massas em seu favor, camuflando seus interesses sob os interesses do país. Devido à grande concentração de riqueza e de poder numa fração muito pequena da sociedade, a estrutura social brasileira se enquadra bastante bem no conceito clássico da teoria das elites.

É de conhecimento público que 1 ou 2 por cento dos mais ricos possuem mais do que os 20 por cento menos ricos, e muito mais do que os 70 por cento mais pobres. Exemplo notório dessa concentração está na estrutura agrária, em que cerca de um milhão e duzentos mil grandes proprietários dominam mais de 80 por cento das terras cultiváveis.

5. Breves considerações sobre a resistência dos trabalhadores no Brasil

Os movimentos de resistência do povo no Brasil vem de longa data, quando da época da invasão portuguesa, início do século XVI, os ameríndios se opuseram aos portugueses; os negros e negras trazidas à força da África na maior diáspora da história humana, também resistiram, os milhares de quilombos espalhados por todo o país demonstram a luta de resistência do povo negro contra a escravidão.

Os movimentos de Canudos, Balaiada, Cabanagem entre muitos outros marcaram as lutas do povo durante o século XIX. Para Gomes e Bordin a situação de miséria e abandono das camadas de trabalhadores do campo e da cidade foi uma das características marcantes da chamada “República Velha”.

Diante da configuração política e social, as revoltas na área rural, mesmo que destituídas de um projeto político transformador, foram uma constante. Os movimentos de Canudos, Contestado e o próprio Cangaço são exemplos, em última instância, da insatisfação presente entre os trabalhadores do campo.

Por outro lado, as áreas urbanas também foram palco das manifestações da insatisfação popular, sobretudo o movimento operário. Dentro de todo esse processo, a concentração regional de renda foi uma marca do desenvolvimento capitalista no Brasil. O processo acelerado de urbanização, de diversificação da economia e a formação de uma classe operária, ainda que reduzida numericamente, foram características marcantes principalmente da região Sudeste. Os abismos sociais e econômicos constituíram-se em uma outra característica marcante do desenvolvimento da economia brasileira, fato que o surgimento das fábricas não alterou. A burguesia rural e urbana consolidava-se política e economicamente, enquanto o proletariado sobrevivia em condições miseráveis. Inexistia qualquer higiene nos locais de trabalho. Diante das difíceis e miseráveis condições de sobrevivência e da exclusão política, os trabalhadores não ficaram inertes e passivos. Conforme exposto, não faltaram iniciativas de luta e resistência dos setores mais combativos do proletariado contra a situação de exclusão. Nos instantes finais do século XIX os conflitos entre a burguesia e o nascente operariado ganharam novos contornos. As greves, até então restritas a uma fábrica, passaram a ser greves de todo um ramo industrial.

É nesse contexto que verificamos o surgimento dos primeiros partidos operários. O pioneirismo coube ao Partido Operário, fundado em fevereiro de 1890 na cidade do Rio de Janeiro. Mesmo não possuindo uma base territorial ampla, mas simplesmente local ou no máximo regional, o surgimento das organizações partidárias operárias indicam uma mudança qualitativa no processo de formação do operariado como classe.

Cabe ressaltar também que no mesmo período foram organizadas as primeiras ligas e sindicatos de resistência destinados a mobilizar os trabalhadores para a luta econômica contra os empresários e, até, contra o próprio Governo. Porém, apesar da hegemonia inicial exercida pelas correntes socialistas, foi a orientação libertária que conquistou a hegemonia no meio operário no alvorecer do século XX até o início dos anos 20. (GOMES e BORDIN)

No entanto, cabe ressaltar que o movimento de resistência do operariado brasileiro não se desenvolveu de forma linear, mas sim através de um longo caminho marcado por avanços e recuos ocorridos em função da correlação de forças no interior de uma sociedade de classes. Por outro lado, também é verdade que alguns sindicatos dispunham-se a colaborar com os governos da república, em troca do atendimento de pequenas reivindicações.

Considerações finais

Diante do exposto, e com base na bibliografia estudada é possível concluir que a existência das elites ontem e hoje está ligada inexoravelmente ao desenvolvimento da exploração da força de trabalho das maiorias de trabalhadores e trabalhadoras, além da busca pelo controle tanto do poder econômico quanto do político/social. Foi assim no mundo antigo, na idade média e moderna europeia e, hoje, no Brasil ou em qualquer parte do planeta.

Nesse sentido a frase histórica de Karl Marx, criada no século XIX, tem uma atualidade contundente: “A história de todas as sociedades que existiram até os nossos dias nada mais foi do que a história das lutas de classes”. Assim, ao longo dos séculos XIX e XX, a classe operária conquistou importantes avanços na socialização da política – conquista do sufrágio universal e dos direitos sociais, criação de sindicatos e partidos operários de massa – e a luta de classes deixou de ser um terreno de guerra civil, para assumir novas formas, abertas e ardilosas, explosivas e misteriosas. “Em tais condições, a luta de classes não desaparece, mas as formas pelas quais ela se realiza vão deixando de ser imediatas e diretas, vão se tornando indiretas, sinuosas, passando por mediações cada vez mais delicadas: passam por conflitos deslocados do campo das contraposições nítidas e explícitas para o campo das manobras hábeis e sutis” (KONDER, 1992, p.134 apud Rodrigo 2006)

As eleições de 2014 no Brasil parecem apontar para isso, elas, retiraram o véu que encobria a luta de classes no país, a polarização que sucedeu demonstrou que o Brasil do século XXI colocou a nu uma longa história de domínio, exploração e violência de todo tipo perpetradas pelas elites brasileiras contra o povo, contra os trabalhadores e trabalhadoras.

Ademais, como a maioria da população não entende com a profundidade necessária o tecnicismo do raciocínio usado na tomada de decisões, e como estas beneficiam somente uma parcela minúscula da sociedade, a cultura popular se decompõe na ignorância, brutalidade, misticismo e religião enquanto conforto espiritual (Martinez, 2006, p. 37)

Por fim, conclui o autor, o pensamento e a ação das elites brasileiras guardam muitos pontos de identidade com os das elites de outros países, pois todas são guiadas por interesses idênticos: poder econômico, poder político e controle social. (...) o caminho escolhido pelas elites, chamado “modernidade”, é explicitado pelas políticas econômicas baseadas em desestatização da economia, modernização dos processos produtivos, fortalecimentos das alianças com os capitais estrangeiros e abertura da economia. O caminho buscado pelas massas exige a valorização dos salários, a recuperação do mercado de empregos, investimentos sociais em educação, saúde, moradia e segurança.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS 


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Desigualdades e democracia: o debate da teoria política/ organização: Luis Felipe Miguel. – 1 ed. – São Paulo: Editora Unesp, 2016.

GIMENES, Éder Rodrigo. Teoria das elites e as elites do poder: considerações sobre a relevância dos teóricos clássicos e de Wright Mills aos estudos de cultura política e democracia. 

Revista de Discentes de Ciência Política da UFSCAR - Vol.2 – n.2 – 2014. 

GOMES, Marco Antônio de Oliveira e Bordin, Magali Regina. EDUCAÇÃO E MOVIMENTO OPERÁRIO NO BRASIL: A ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES DURANTE A REPÚBLICA VELHA. Disponível em: Acesso dia: 29/03/2017. 

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