domingo, 20 de dezembro de 2015

O povo precisa conhecer quem está por trás do golpe no Brasil

por José Gilbert Arruda Martins

O livro abaixo, entre outras boas informações, fala da tentativa de desestabilização política na América Latina, patrocinada por grandes capitalistas estadunidenses. O livro é prefaciado, pelo grande Noam Chomsky, professor e estudioso das relações dos Estados Unidos da América com a América Latina e o mundo.

Recebi, em um grupo que participo no Watzap, a matéria "Michael Fox: a direita golpista brasileira financiada por grupos econômicos dos EUA", matéria que saiu no portal da  Revista Fórum, no blog da genial Maria Frô, não vou replicá-lo na íntegra, vou usar partes da matéria para fazer meu texto.
Maria Frô escreve:
"Agora, um jornalista estadunidense, especialista em política latino americana, diz com todas as letras que o Tea Party estadunidense financia agremiações de extrema-direita como os Revoltados Online, Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre.

No vídeo abaixo, uma tradução do original “Koch Brothers’ Funds Backs Anti-Dilma Protests in Brazil”, produzido pela organização e agência de notícias independente The Real News, o jornalista Michael Fox, um dos autores do livro Transições turbulentas da América Latina- O futuro do Socialismo no século XXI é o entrevistado."

Quem, no Brasil, conhece com profundidade, a política externa dos EUA para a região da América Latina e o mundo?

O que os autores do livro acima destacam, apesar de muito coerente e oportuno, muita gente na América Central caribe e América do Sul, já sabia há muitos anos, os EUA, usam o poder político, "diplomático" e bélico, para impor suas vontades e interesses.

Nesses tempos de tentativas de golpes no Brasil, é bom ficar de olho e conhecer essa história macabra e repleta de violência.

Os Estados Unidos da América, não são apenas Shoppings e compras em Nova Iorque e Miami, os coxinhas brasileiros que adoram levar seus filhos aos parques temáticos do Tio Sam, deveriam saber que não há divertimento nesse tipo de relação.

Noam Chomsk, professor da Filadélfia, em vários livros, editados no Brasil pela editora UnB, denuncia a violência e o terror da política externa estadunidense.

Praticamente 100% dos golpes militares na América Latina, que cassaram direitos, que desrespeitaram os direitos humanos, que derrubaram governos democraticamente eleitos pelo povo, que prendeu, assassinou e rasgou as leis, foram patrocinados pelo governo e pelos rentistas estadunidenses.

Apesar de estarmos, infelizmente, presenciando esse tipo de manobra hoje no Brasil, com a tentativa de derrubar o governo Dilma Roussef, essa é uma prática corriqueira e histórica daquele país.

"Em nome da democracia e da liberdade", os EUA patrocinaram e patrocinam todo tipo de violência no mundo.

Uma contradição que é justificada, na defesa interna e nos interesses dos cidadãos estadunidenses. Uma contradição que vem sendo criticada por, praticamente, 100% dos especialistas em Direitos Humanos e Política Internacional de todo o mundo.

Uma contradição que já pois em risco nuclear o planeta terra por dezenas de vezes.

Os coxinhas brasileiros, devem ser responsabilizados por mais essa violência e desrespeito ao Brasil, as pessoas de bom senso, que desejam o bem do nosso país e do nosso povo precisam enxergar mais esse absurdo e começar a combater esse tipo de gente.

Mas os coxinhas brasileiros, não estão sozinhos nesse sonho esquizofrênico, o mais sério e surreal, para dizer o menos, é que temos ao lado desses loucos, partidos políticos brasileiros como o PSDB e o DEM, parte da justiça, em sua maior instância e, claro, praticamente, toda a velha mídia, capitaneada pela Rede Globo, revista Veja, Estadão, Folha de S Paulo etc.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A Saída é pela esquerda (Sempre)

por José Gilbert Arruda Martins

O projeto vencedor das eleições passadas, não inclui Levy e seu neoliberalismo, não inclui privatizações, não inclui arrocho salarial e desemprego, não inclui fome e miséria para nosso Povo



Esta semana o Outras Palavras trouxe uma boa matéria - O governo enxergará sua única saída?. No texto, o autor faz uma exposição resumida da crise, dos avanços que tivemos, nos últimos 13 anos, e das tentativas de golpe no Brasil, incluindo os golpistas, Eduardo Cunha, Aécio, FHC e o Temer.

A matéria do doutor Felipe Amin Filomeno - O governo enxergará sua única saída? -, divulgado no Outras Palavras, trás para todos nós, de forma lúcida, alguns pontos importantes:

* A crise do Lulismo.
* A crise globa do sistema (não fala diretamente, mas fica a menção implícita).
* A tentativa explícita de golpe por parte da direita, capitaneada pelo PSDB, DEM e parte do PMDB.
* A fragilidade das argumentações dos golpistas.
* A honradez e seriedade da presidenta Dilma Roussef.
* E, após os movimentos de rua da última quarta feira, as mudanças de rumo que o governo tende e deve seguir.

Acredito que seja importante salientar, que a crise do Lulismo acontece dentro de um espaço e tempo de profunda crise no sistema capitalista mundial. E que, apesar de toda a crise do sistema, a presidenta Dilma Roussef, sustentou o seu primeiro mandato sem arrocho salarial e, o mais importante, com emprego, e, em nenhum momento,  chegamos nem perto dos números do desemprego da Europa.

Pois bem, sabemos que a escolha de Joaquim Levy para dirigir a economia, foi uma cartada do governo para acalmar o mercado, vimos também que isso não funcionou, estamos há mais de uma ano angustiados, tendo que ir às ruas todas semana, para garantirmos a governabilidade mínima e a manutenção da normalidade democrática.

Dilma Roussef, simplesmente, implantou parte do modelo dos derrotados na última eleição para dar início ao seu segundo mandato, exemplo disso, foi a escolha de um neoliberal para dirigir a economia.

Agora, com toda essa tentativa de golpe, e a reação da militância e de grande parte da sociedade, organizações sociais, intelectuais, artistas, trabalhadores, sindicatos, UNE, etc. contra o golpe e a favor do mandato da presidenta, o que resta ao governo é implantar urgentemente o projeto vencedor das eleições de 2014.

O projeto vencedor das eleições passadas, não inclui Levy e seu neoliberalismo, não inclui privatizações, não inclui arrocho salarial e desemprego, não inclui fome e miséria para nosso Povo.

 Votamos em 2014 num projeto popular, que inclua,  mais e mais democrático e justo.

O projeto que venceu a direita no final do ano passado, é um projeto de continuidade e ampliação dos avanços sociais.

Mais Reforma Agrária Popular, mais demarcação das terras indígenas e quilombolas, mais Educação Pública de Qualidade, mais liberdade e democracia.


A cidade em que os jovens índios suicidam-se

no Outras Palavras


jovens-hupdah
Jovens do povo Hupd’äh em um dos acampamentos do Beiradão, assistindo às gravações do documentário Beiradão/Hup Boyoh.

Em São Gabriel da Cachoeira, extremo Oeste do Amazonas, indice de mortes auto-infligidas é dez vezes maior que média nacional. Por que?
Por Jessica Mota, na Pública
Tímido, ele não olha diretamente para a câmera. Tem uma lanterna na mão para iluminar a densa noite na beira do rio Negro. Ali, quando não há lanternas, só se veem as estrelas que se apagam nas cidades grandes. Enquanto responde às perguntas de Miguel Seabra, um adulto, ele liga e desliga a lanterna, um pouco constrangido pela posição de interlocutor.
Estamos no Beiradão, nome popular dado aos acampamentos sazonais que indígenas Hupd’äh e Yuhupd’eh montam durante os meses de férias, de dezembro a março, nas beiras de praia de São Gabriel da Cachoeira. A cidade fica na região conhecida como “Cabeça do Cachorro”, no extremo noroeste do estado do Amazonas. Faz divisa com a Colômbia e a Venezuela e abriga uma população 93,2% indígena, com mais de 22 povos diferentes.
A região é marcada, historicamente, pelas missões catequizadoras empreendidas por missionários salesianos do início do século 20, que até hoje estão presentes. Além dos católicos, também estão os evangélicos. A própria cidade de São Gabriel foi fundada como missão, em 1916, pelos salesianos. Por ser região de fronteira, que se limita a oeste com a Colômbia e a norte com a Venezuela, ali também se instalaram bases do Exército Brasileiro para proteger as fronteiras da imensa São Gabriel. São mais de 109 mil km² que abrigam terras indígenas e da União, com um diminuto núcleo urbano onde a cidade realmente acontece. (Para ler mais sobre a dinâmica de São Gabriel, relembre a reportagem São Gabriel e seus demônios)
O rapaz adolescente que nos concede a entrevista improvisada no Beiradão, em fevereiro deste ano, conta que está ali com a família. “Moro em Boca do Traíra, rio Japu”, fala ele na língua Hupd’äh. A comunidade fica distante cerca de três dias de viagem numa canoa com motor e rabeta. Como tantos outros rapazes, moças, crianças, idosos e adultos, ele está ali com a família para ter acesso a documentos e benefícios sociais oferecidos pelo governo federal (bolsa-família, auxílio-maternidade, auxílio-doença, aposentadoria…). A permanência na cidade por tempos prolongados se intensificou a partir de 2004, quando foram contratados os primeiros agentes de saúde e professores da etnia. “Fizemos essa viagem para vir ver se o dinheiro da aposentadoria saiu”, diz. O dinheiro ainda não havia saído e a canoa deles, afundado. Não tinham como voltar para a comunidade, nem como pagar pela comida. O jeito era esperar.
São 452 pessoas, de 73 famílias Hupd’äh e Yuhupd’eh vivendo em 14 acampamentos em situação de extrema vulnerabilidade. As famílias Hupd’äh eram oriundas de comunidades dos rios Tiquié, Uaupés, Japu e Papuri e havia um acampamento da comunidade de Vila Fátima, que fica em Iauareté, no limite da fronteira com a Colômbia. A maior parte dessas pessoas não domina a língua portuguesa nem a maneira de lidar com as instituições burocráticas locais. Os acampamentos na beira da praia próxima ao porto da cidade não têm água potável, nem oferta de caça para se alimentarem. Ali também há alta incidência de malária, diarreia, DSTs e espaço aberto para o consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Não é difícil ouvir relatos de crianças Hupd’äh mortas por desnutrição.

beiradão
Quando vão à cidade, os Hupd’äh acampam em praias próximas ao porto de São Gabriel da Cachoeira, como essa da foto. Ao fundo, se vê o caminho do rio Negro em direção às aldeias. Foto: Reprodução do documentário Beiradão/Hup Boyoh
A dificuldade em retornar para as comunidades pela demora no atendimento burocrático ou por falta de meios de transporte faz com que os Hupd’äh se endividem junto aos comerciantes locais, que os ameaçam, retêm seus cartões bancários e documentos, e os forçam a trabalhar nos roçados – é a servidão por dívida, que constitui situação análoga à escravidão. A situação não é exclusiva de São Gabriel da Cachoeira como mostra a série de reportagens especiais “Favela Amazônia”, publicada pelo Estadão. Em outubro, Moisés Freire da Cunha, um dos comerciantes que atuava em São Gabriel, foi preso pela Polícia Federal com 284 cartões do bolsa família.
Suicídios de jovens indígenas no Mapa da Violência
A entrevista do início deste artigo faz parte do curta-documentário “Beiradão/Hup Boyoh”, realizado por mim e uma documentarista independente. Estivemos em São Gabriel para registrar a situação dessas famílias. Desde o início, porém, o que havia atraído minha atenção para a cidade, havia sido o alto índice de suicídios ali cometidos. Eu queria entender por que a cidade era a líder no ranking de suicídios por habitantes no Brasil, a maior parte deles cometidos por jovens indígenas.
Em 2014, o Mapa da Violência elaborado pela Secretaria-Geral da Presidência, cujo título é “Os Jovens do Brasil”, colocou São Gabriel como a cidade com maior taxa de suicídios por 100 mil habitantes no país. Através da análise de dados fornecidos pelo Ministério da Saúde até o ano de 2012,  o relatório concluiu que a taxa de suicídios aumentou no Brasil de 2002 a 2012, chegando a ser três vezes maior do que a taxa de crescimento da população brasileira no mesmo período. O documento também classificou como preocupante o significativo aumento de suicídios na região Norte, onde houve um crescimento de 77,7% nesse período.

A diferença de padrão entre suicídios da população total e da população jovem ocorre em todas as unidades da federação, mas foi também na região Norte que se constatou um grande aumento nas taxas de vitimização juvenil por suicídio. Segundo os dados do relatório, o índice mais que duplicou em relação ao restante da população. Encabeçam o ranking referente às taxas de suicídio por 100 mil jovens os estados de Roraima (12,9), Mato Grosso do Sul (12,1), Acre (10,4) e Amazonas (9,5). Em relação à população total (ou seja, jovens e adultos), as maiores taxas de suicídio por 100 mil habitantes são do Rio Grande do Sul (10,9), Santa Catarina (8,6), Mato Grosso do Sul (8,4) e Roraima (8,1).
Na listagem dos 100 municípios brasileiros com os mais altos índices de suicídio, o documento da Presidência da República atenta para o fato de que nos primeiros lugares do ranking “temos alguns municípios com taxas acima dos 30 suicídios em 100 mil casos, que é a marca de países como Lituânia ou República da Coreia, que encabeçam a listagem no nível internacional”.
Também chama a atenção nestes rankings a presença de altas taxas de suicídio em cidades com assentamentos indígenas, como São Gabriel da Cachoeira, São Paulo de Olivença e Tabatinga, no Amazonas, e Amambaí, no Mato Grosso do Sul. Em São Gabriel da Cachoeira, assim como no restante dos municípios com assentamentos indígenas (com exceção de Dourados, no MS), os suicídios cometidos por indígenas representam mais da metade no total de suicídios cometidos nestes municípios.
O documento destaca: “O total Brasil da tabela nos oferece uma primeira constatação: segundo o Censo Demográfico de 2010 tínhamos um total de 821,5 mil indígenas, o que representa 0,4% da população total do país. Mas os suicídios indígenas representam 1,0%: duas vezes e meia do que seria de se esperar pela participação demográfica. Mais ainda: esse mesmo Censo verifica que no Amazonas os indígenas representam 4,9% da população total. Mas (…) nos últimos anos, 20,9% dos suicidas são indígenas. Acima de quatro vezes que o esperado.
Em Mato Grosso do Sul, a participação indígena nos suicídios é ainda mais chocante. Enquanto eles representam 2,9% do total da população, são indígenas 19,9% das vítimas de suicídio: quase sete vezes mais.
Um último fato significativo: pelas PNADs [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE] desse período, a média de jovens indígenas de 15 a 29 anos de idade representava 26% do total da população indígena. Mas dos 475 suicídios indígenas registrados pelo SIM [Sistema de Informação sobre Mortalidade, registrado pelo SUS] nesses cinco anos, 289 eram jovens na faixa de 15 a 29 anos de idade, isto é, 60,9% do total de suicídios indígenas, mais que o dobro do que seria esperado.”
No caso de São Gabriel da Cachoeira, o índice de suicídios foi de 51,2 por 100 mil habitantes em 2012. 75% dos suicídios indígenas foram de jovens entre 15 e 29 anos. Em relação aos Hupd’äh, especificamente, um levantamento feito em 2012 por pesquisadores em diferentes comunidades, documentou 25 suicídios entre os anos de 2008 e 2012 (em 2006, eram 1.500 moradores dessas comunidades). O número representa aproximadamente um terço do total de mortes contabilizadas no mesmo período em São Gabriel da Cachoeira (73 mortes entre os anos de 2008 e 2012, segundo o Mapa da Violência). A principal forma que encontram para dar fim a suas vidas são o enforcamento e o envenenamento. Até 2005, a prática do suicídio era inexistente entre os Hupd’äh.
Experiências e reflexões
A experiência no Beiradão me mostrou que para refletir acerca dos suicídios cometidos por indígenas da etnia Hupd’äh em São Gabriel da Cachoeira é importante considerar tanto as dimensões simbólicas desse povo, como a situação social a que estão submetidos hoje, com contatos mais frequentes e prolongados com a vida urbana. Um fato parece se destacar nessa realidade: a violência permeia todas as situações de convívio na cidade.
Minha impressão é de que o jovem Hupd’äh vive hoje sob tensão entre dois espaços, carregados por conteúdos simbólicos. Em um deles, eles são os moradores tradicionais da floresta, integrados às comunidades, os jovens que percorrem os caminhos da mata com os anciãos para aprender sobre a caça, a coleta de frutos e as propriedades das plantas. “Nós caçamos lá porco, cotia, nambu… Aqui é mais diferente. Só compra frango no dia do almoço.  Um ranchinho que pegou com dinheirinho. É assim aqui na cidade”, como nos contou em português o indígena Miguel Seabra, que também faz parte dessa etnia.
O outro espaço é a cidade, uma realidade em que são vistos de forma pejorativa e incômoda pelas pessoas que ali circulam. Não são aceitos. Nesse tempo e espaço que ocupam na cidade, os Hupd’äh ficam submetidos a uma lógica de extrema dependência e vulnerabilidade em relação aos atores locais. Eles são alvo de violências cometidas por comerciantes e outros moradores citadinos, por agentes públicos do governo federal e, em última instância, pela própria ausência de um tratamento social e institucional que respeite sua identidade enquanto povo indígena.
meninos-hup
Crianças da etnia Hupd’äh brincam com estilingues e pedras na beira do rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira. Foto: Reprodução do documentário Beiradão/Hup Boyoh

The following two tabs change content below.

Redação

O Outras Mídias é uma seleção de textos publicados nas mídias livres, que Outras Palavras republica. Suas sugestões podem ser enviada paracaue@outraspalavras.net

396 mortes pela PM paulista: as histórias por trás dos BOs

no Pública -  

A Pública analisou todos os boletins de ocorrência das mortes cometidas por policiais militares em 2014: roubos motivaram 86% das operações letais; nesses casos, 17 PMs ficaram feridos e nenhum morreu


Vanda
Vanda Bronzeli, a mãe de Israel, perdeu seu outro filho, Washington, assassinado em uma chacina neste ano (Foto: Reprodução)


Foram seis meses de pedidos pela Lei de Acesso à Informação para obter todos os 330 boletins de ocorrência (BOs) que resultaram em 396 mortes por intervenção policial em São Paulo no ano de 2014. E mais dois meses para tabular as informações que revelam padrões de atuação nas ocorrências em que a polícia mata. Os dados foram fornecidos pelo Departamento de Inteligência da Polícia Civil de São Paulo (Dipol) e incluem mortes provocadas tanto por policiais militares em serviço como em folga.
O enredo de uma intervenção letal da Polícia Militar (PM) em São Paulo começa com um homem jovem e negro suspeito do crime de roubo nas ruas da capital paulista. A PM sai em perseguição e, quando o encontra, os policiais são supostamente recebidos a tiros. Os PMs então “revidam a injusta agressão”, no jargão dos boletins de ocorrência – ou seja, atiram de volta. E são certeiros: poucos personagens dessa história sobrevivem. As armas das vítimas da PM costumam ser de baixo calibre: apenas seis entre as 271 supostamente apreendidas eram de alta potência, como fuzis ou escopetas. Percebemos também que as intervenções ocorrem principalmente em locais afastados do centro expandido, região que concentra as áreas mais nobres de São Paulo.
Infografico-2
Nossa análise levanta dúvidas sobre os confrontos narrados nos boletins de ocorrência. Frequentemente, os únicos depoimentos a respeito desses crimes são dos PMs envolvidos, que alegam serem sempre recebidos a tiros. Entretanto, poucos policiais se ferem nessas circunstâncias: enquanto 396 vítimas civis morreram, nenhum PM veio a óbito e apenas 17 ficaram feridos nas ocorrências analisadas pela Pública.
No ano passado, segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), oito policiais militares morreram em serviço e outros 129 ficaram feridos. A maioria desses casos não ocorreu em situações envolvendo mortes de civis pela PM, como demonstram os BOs analisados.
A SSP-SP ocultou de suas estatísticas as mortes provocadas por policiais militares em folga em 2014. Todas as 71 vítimas de PMs fora de serviço mapeadas na pesquisa foram classificadas como homicídios comuns nos dados da secretaria.
Descobrimos também que há uma possível subnotificação das mortes por intervenção do Estado em São Paulo. Cruzamos os boletins de ocorrência com os dados do PRO-AIM (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade) da Prefeitura de São Paulo. No Programa, havia 124 vítimas de morte por intervenção policial na cidade em 2014. Com a pesquisa da Pública, esse número mais que dobrou: outras 153 vítimas foram identificadas e incorporadas ao banco de dados do PRO-AIM.
Era impossível ficar só nos BOs. Em alguns casos, os termos policialescos ocultam mortes com fortes indícios de execução, como descobrimos em campo.

“Pra quê que fizeram isso? Os muleques não tavam nem armados”

Noite de 25 de outubro de 2014, zona leste de São Paulo. Israel Bronzeli e o adolescente Cristian do Carmo andavam pelas ruas próximas ao Shopping Itaquera em um Hyundai HB20 vermelho. Segundo a versão do BO, que contou só com os depoimentos dos policiais militares envolvidos na ocorrência, o carro acabara de ser roubado pela dupla.
Quem dirigia o carro era Israel, jovem de 20 anos. Ambos eram moradores de uma comunidade próxima. Enquanto trafegavam nas ruas estreitas, eles se depararam com duas viaturas da Força Tática, um dos grupos de elite da PM paulista. Os dois rapazes foram perseguidos e encurralados.
Como as outras quase 400 vítimas de nossa pesquisa, Cristian do Carmo morreu baleado, com tiros no rosto e no peito. Israel foi alvejado quatro vezes, mas sobreviveu ao coma, passou por cirurgia e, do leito do hospital, foi direto para o Centro de Detenção Provisória de Pinheiros.
No BO 765/2014, registrado no 64º DP, os policiais repetiram a versão clássica dos casos de morte por intervenção policial (antigos autos de resistência) para contar o que ocorreu na abordagem de Cristian e Israel. Segundo os agentes, ao encurralarem o HB20, eles foram recebidos a tiros pelos dois jovens e tiveram de revidar.
Nancy
Para a defensora pública Nancy Flosi, o adolescente Cristian do Carmo foi executado pelos policiais da Força Tática (Foto: Reprodução)
O Ministério Público (MP) não questionou a narrativa da polícia. Apenas cinco dias depois dos tiros, o promotor Nelson dos Santos Pereira Júnior, então no IV Tribunal do Júri da Capital, mandou arquivar o inquérito da morte de Cristian sem investigar nada além do que foi dito pelos policiais. Nem mesmo o laudo necroscópico do cadáver do adolescente foi anexado. Na televisão, o caso foi contado exatamente como consta no BO.
Dessa vez, porém, havia um sobrevivente, Israel Bronzeli, que se tornou alvo de uma ação penal. Valendo-se quase que exclusivamente da versão dos agentes de segurança, o MP denunciou Israel por quatro tentativas de homicídio contra os PMs, roubo, corrupção de menores, porte ilegal de arma e adulteração de sinalização de veículo.
A juíza Ana Helena Rodrigues Mellim acatou a denúncia três dias depois. Mas, com o processo em curso, os defensores públicos responsáveis pelo caso encontraram provas que desmentiam a versão dos policiais, incluindo duas testemunhas oculares. Ambas depuseram em juízo e disseram ter visto os dois jovens descerem com as mãos para cima ao serem abordados pela Força Tática. Uma dessas testemunhas filmou os momentos seguintes ao suposto confronto. Na filmagem do celular, ela questionou atônita: “Nossa, mas pra quê que fizeram isso, né? Os muleques não tavam nem armados”.
Outra prova contundente contra a versão dos policiais veio do laudo necroscópico de Cristian. O documento revelou que o adolescente havia sido alvejado de muito perto.
O laudo necroscópico de Cristian mostra o halo de tatuagem, marca característica de disparos à curta distância (Foto: Reprodução)
O laudo necroscópico de Cristian mostra o halo de tatuagem, marca característica de disparos à curta distância (Foto: Reprodução)
“O processo tinha sido arquivado sem o laudo necroscópico do Cristian, que mostrava onde ele tinha sido atingido. O laudo mostrou que um orifício de entrada tinha sido no rosto dele e que tinha ficado uma zona de tatuagem [manchas de pólvora próximas à perfuração de bala características de disparos feitos a curta distância]. O que mostra que o tiro foi a muito pouca distância, se não à queima-roupa”, explica a defensora Nancy Flosi.
“Isso provou que os policiais estavam mentindo”, continua a defensora. “Os policiais falaram que eles [Cristian e Israel] saíram atirando e que tiveram que se defender dando disparos, ou seja, os policiais estariam longe. Mas o laudo mostrou que o Cristian foi executado. Isso é um tiro de execução encostado no rosto”, diz.
A versão de Israel para os fatos também veio à tona durante o processo. Ele disse que estava em casa na noite do crime quando alguns amigos seus chegaram com o HB20 roubado. Era noite de baile funk e o jovem pediu para dirigir o carro até lá. Os amigos que teriam praticado o roubo desceram do carro e ele embarcou com Cristian. Encontraram as viaturas no caminho do baile.
Em 10 de setembro de 2015, prestes a completar um ano preso no CDP, Israel recebeu uma sentença de impronúncia, ou seja, a juíza entendeu que não havia provas para que ele fosse levado a júri pelas tentativas de homicídio. “Em razão dos depoimentos firmes das testemunhas de defesa no sentido de que o réu [Israel] não efetuou nenhum disparo; bem como o laudo necroscópico de Cristian constando zona de tatuagem, não se pode considerar haver indícios sérios de que o réu tenha efetuado qualquer disparo”, decidiu a magistrada Liza Livingston.
Vanda
Vanda Bronzeli, a mãe de Israel, perdeu seu outro filho, Washington, assassinado em uma chacina neste ano (Foto: Reprodução)
Israel segue preso por ter antecedentes criminais de receptação e porte de arma, além da suposta prisão em flagrante por roubo. O processo deve ir para outra vara para que se decida por quais crimes desta ocorrência ele responderá.
A juíza pediu também que os autos fossem remetidos ao MP para que, diante das novas provas, este decidisse se o inquérito contra os policiais militares deveria ser reaberto. Até agora o MP não se manifestou, e os PMs não serão julgados pela morte de Cristian. A Pública pediu uma entrevista ao promotor Nelson dos Santos Pereira Júnior, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Em juízo, a vítima do roubo do carro não reconheceu Israel como o autor.

PM matou mais de um por dia em São Paulo

Entre as 396 mortes por intervenção policial ocorridas em São Paulo no ano de 2014, a morte de Cristian é emblemática: em vários pontos, esse enredo se encaixa nos padrões das ações letais da PM delineados pelos BOs.
O roubo, crime que motivou a abordagem policial a Cristian e Israel, é disparado o delito que mais leva a PM a matar em São Paulo. Das 330 intervenções policiais analisadas, 284 foram motivadas pelo crime de roubo, o equivalente a 86% dos casos. Crimes mais graves, como o homicídio, por exemplo, resultaram em apenas duas intervenções letais. Curiosamente, os dois homicídios que levaram a PM a matar haviam sido cometidos contra policiais militares.
Infografico-3
Outro traço marcante da atuação da PM: 91% das intervenções policiais que resultaram em morte de civis ocorreram fora do centro expandido, região demarcada pelas marginais Pinheiros e Tietê, avenidas Bandeirantes, Tancredo Neves, Juntas Provisórias, Luiz Inácio de Anhaia Melo e Salim Farah Maluf. Apenas quatro das 396 mortes analisadas ocorreram no centro administrativo de São Paulo, área correspondente da Subprefeitura da Sé.
A letalidade também se concentra em áreas mais pobres, como a região onde Israel e Cristian moravam. Os dez Distritos Administrativos (DAs) mais ricos de São Paulo registraram 14 das 396 mortes, 3,5% do total. A concentração fica ainda mais evidente quando se leva em conta a área desta região. Embora esses bairros ocupem uma área 17 vezes menor que o resto de São Paulo, a taxa de mortalidade policial é 27 vezes menor. Ou seja, há uma sobrerrepresentação desta violência nas periferias.
Infografico-1

Quem a PM mata?

O cruzamento dos boletins de ocorrência com os dados do PRO-AIM mostra que, assim como Cristian, a vítima típica dos homens fardados é jovem, negra e do sexo masculino. Das 277 vítimas analisadas no PRO-AIM, 241 eram jovens, ou seja, tinham entre 15 e 29 anos. Com um detalhe alarmante: quase um terço delas eram menores, com idade entre 13 e 17 anos. Os negros (grupo étnico que inclui pretos ou pardos, segundo o IBGE) também foram maioria: 65% das vítimas verificadas no PRO-AIM.
Infografico-4
Há, porém, casos em que os inquéritos da Polícia Civil não conseguiram chegar nem sequer ao nome das vítimas. Em pelo menos 14 das 396 mortes analisadas, as autoridades ainda não sabem nem quem morreu.

51 inquéritos de 2014 já foram arquivados

A impunidade é um dos fatores do medo de falar, de se expor e denunciar casos de violência policial. Nosso levantamento revela que 51 dos 330 casos de mortes praticadas por PMs tiveram seus inquéritos arquivados no Tribunal de Justiça e nem sequer evoluíram para uma ação penal, exatamente como teria ocorrido no caso de Cristian se não houvesse um sobrevivente.
A reportagem da Pública visitou cerca de 15 famílias encontradas a partir dos dados dos BOs e as negativas eram frequentes. “Vocês vêm, fazem a matéria de vocês e vão embora. E a gente que fica aqui?” Essa foi, com variações, a frase que mais ouvimos delas, e quase sempre ficávamos sem resposta.
Infografico-5

“Meu filho não era um bandidozinho de viela”

Em meio à tabulação dos dados, um ônibus queimado na avenida Belmira Marin, no Grajaú, chamou nossa atenção. Ele era parte de um protesto que os moradores do bairro organizaram contra a morte do estudante Yago Ikeda Barreto, jovem negro morto aos 16 anos pelo cabo da PM em folga Evandro Gonçalves Xavier no dia 16 de outubro passado.
O cabo afirmou que havia comprado um iPhone no site de compras OLX e que, na noite em que Yago morreu, acertara com o suposto vendedor o pagamento em dinheiro do celular. A negociação havia sido tratada com outro rapaz de nome Anderson, com quem, conta Evandro, combinara de se encontrar no bairro, às 18h.
Segundo o cabo, por volta das 21h15 daquele dia, chegou à rua combinada, mas não conseguiu encontrar o número informado. Em contato com o interlocutor, combinou outro local: um supermercado próximo ao terminal Grajaú. Chegando lá, o tal de Anderson teria pedido que Evandro o acompanhasse à sua casa para buscar o celular. Quando o cabo se recusou a ir, Anderson anunciou o assalto e ele reagiu dizendo que era policial militar. Sempre segundo a versão do cabo, Anderson fugiu para dentro de uma viela próxima, e Yago, que estava atrás do policial e também participava do assalto, teria começado a atirar. Evandro conta que “ouviu um estampido de arma de fogo” e revidou com cinco tiros de sua pistola calibre .40 de propriedade da PM. Yago correu para a mesma viela que Anderson, mas foi atingido por um tiro na região da escápula e caiu no chão.
A história foi confirmada parcialmente por duas testemunhas (uma amiga que dirigia o carro de Evandro e um segurança de um comércio próximo). Entretanto, nenhuma arma foi encontrada com Yago e a explicação do BO para isso é curiosa: quando o menino caiu no chão após ter sido alvejado por Evandro, supostos comparsas de crime correram até o cadáver, pegaram a arma e fugiram.
Rosineide
“Mataram um inocente, uma criança. E ainda inventaram uma história para denegrir a imagem do meu filho, dizendo que ele era ladrão” (Foto: Reprodução)
Essa versão estampada no BO traz indignação e revolta à família de Yago. “O meu maior objetivo agora é mostrar pra todo mundo que o meu filho não era um bandidozinho de viela. Meu filho morto foi morto injustamente. Mataram um inocente, uma criança. E ainda inventaram uma história para denegrir a imagem do meu filho, dizendo que ele era ladrão”, protesta Rosineide Cristina Barreto, mãe de Yago.
A família alega que há outras testemunhas não ouvidas na investigação e que os fatos se deram de forma diferente da história contada no BO. A reportagem da Públicaprocurou essas testemunhas, mas ninguém quis falar.
Conseguimos apenas reconstruir o que aconteceu depois da morte de Yago, naquela sexta-feira. Até a segunda-feira seguinte, não se sabia o que havia ocorrido porque o garoto, que morava com a avó, tinha ficado de ir ajudar a mãe, uma cuidadora de idosos, no trabalho. Enquanto na casa da avó os familiares pensavam que ele estava com a mãe, para Rosineide o garoto estava com a avó. Foi só na segunda-feira, quando ele demorou para chegar da escola, que a família se deu conta de que não tinha tido notícias do garoto durante todo o fim de semana.
Esse sofrimento adicional poderia ter sido evitado: Yago foi identificado na hora da morte. Mas nos quatro dias seguintes a família não foi avisada de sua morte. Na segunda-feira à noite, a tia de Yago, Roseane Barreto, tentou registrar um boletim de ocorrência, mas foi orientada a fazê-lo pela internet. Como ela não conseguiu, no dia seguinte pela manhã, foi ao 101º DP para registrar o desaparecimento do sobrinho. No mesmo distrito, já havia um BO da morte de Yago, mas ela não foi avisada.
A notícia definitiva veio de forma cruel, por puro acaso. Um vizinho de Yago trabalhava no Instituto Médico-Legal (IML) do Brooklin, na avenida Luiz Carlos Berrini. No meio do expediente, ele tomou um susto ao abrir uma gaveta do IML e dar de cara com o cadáver de Yago. O vizinho foi pessoalmente contar à família e daí restaram só as lágrimas.
A morte se encaixa no padrão de atuação da PM levantado nos BOs tabulados, que, muitas vezes, escondem casos de execução: Yago era jovem, negro, morador de periferia, supostamente cometeu um roubo e atirou contra o policial. Cabe agora à Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil de São Paulo (DHPP) esclarecer as circunstâncias da morte do adolescente.