segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Polêmica no Brasil, educação de gênero é realidade na Argentina desde 2006

na Rede Brasil Atual
Ministério de Educação do país investe em capacitação docente para vencer resistências à incorporação do conceito em sala de aula.
por Aline Gatto Boueri, em Buenos Aires
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País preparou materiais de conscientização para alunos e professores sobre educação sexual

Do Opera Mundi – "Reconhecer diversas formas de organização familiar", "valorizar e respeitar formas de vida diferentes das próprias", "romper com estereótipos de gênero". Esses são alguns dos objetivos de atividades propostas em manuais do ME (Ministério de Educação) da Argentina destinados a docentes que trabalham com educação sexual em salas de aula do ensino fundamental.
Enquanto a inclusão da perspectiva de gênero e conteúdos sobre sexualidade no currículo escolar geram debates acalorados no Brasil - e prevalece a visão contrária ao ensino dessas temáticas - a Argentina conta, desde 2006, com uma Lei Nacional de ESI (Educação Sexual Integral). A norma garante aos estudantes das redes pública e particular de todo o país, da educação infantil (para crianças com até cinco anos) ao ensino médio, o direito a trabalhar em sala de aula conteúdos relacionados à sexualidade.
Dois anos depois da sanção da lei, em 2008, o Conselho Federal de Educação definiu os princípios que deveriam guiar a ESI, cujos pilares são a perspectiva de gênero, o foco em direitos, o respeito à diversidade, o cuidado com o corpo e a saúde e a valorização da afetividade.
Para a antropóloga Marcela Bilinkis, que pesquisa experiências de educação sexual em jardins de infância em um projeto da UBA (Universidade de Buenos Aires), os estudos de gênero contribuem para que a educação seja mais justa. "Essa perspectiva problematiza a narrativa do binarismo sexogenérico, na qual existem apenas dois sexos possíveis e uma única forma de sexualidade, a heterossexualidade", explica a Opera Mundi. "Também abre possibilidades [para crianças e jovens] de identificação com outras formas de ser mulher ou ser homem, sem que isso apareça como patologia ou algo que precisa ser corrigido."
Para a professora de ensino médio e capacitadora em ESI Verónica Zorzano, o conteúdo de educação sexual pensado para as escolas argentinas tem impacto em outros âmbitos da sociedade, como o acesso à saúde ou a prevenção de abusos sexuais. "É uma questão de dar ao jovem o poder ao se conhecer e conhecer seus direitos, ao saber que o que sente não é uma anomalia, ao identificar situações de abuso dentro ou fora da família", destaca.

Desafios na implementação

Apesar dos quase 10 anos que já se passaram entre a aprovação da lei de ESI, nos quais também foram aprovadas leis de matrimônio igualitário e de identidade de gênero, o ME ainda enfrenta dificuldades para que a lei seja cumprida em todo o território argentino. Fontes consultadas por Opera Mundi afirmaram que entre os desafios da lei está fazer com que, em uma federação, todos os estados garantam que os conteúdos ligados à sexualidade sejam trabalhados na escola dentro dos pilares que sustentam a ESI.
Outro aspecto da lei que demanda um esforço especial é o caráter transversal da educação sexual, ou seja, que professores de todas as matérias trabalhem seus conteúdos com a perspectiva de educação sexual em sala de aula.
Federico Holc, professor do ensino médio em um colégio de Buenos Aires, conta que essa pulverização da responsabilidade em educação sexual termina por ser uma barreira para a implantação da lei. "A capacitação não é obrigatória e a transversalidade faz com que a transmissão dos conteúdos da ESI fique à mercê da boa vontade de cada professor", reclama. Ele reforça que capacitação permanente em todas as escolas é fundamental, "senão a implantação vai demorar o tempo que demora para que toda a sociedade mude".
Zorzano acredita que a mudança excede o âmbito escolar. "Há muitas coisas que os docentes devem repensar, que são muito diferentes do que eles mesmos aprenderam". Ela conta que alguns oferecem resistência ao incorporar os conteúdos de ESI em suas matérias por motivos religiosos, mas também por questões ideológicas. "Mesmo para quem não exerce religião, há aspectos religiosos muito incorporados".
Holc completa que, inclusive para aqueles que não têm um pensamento religioso, "a ideia de que existe algo natural no sexo e que isso define tudo é muito difícil de superar".
REPRODUÇÃO
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Professores - de todas as áreas - devem ser preparados para falar sobre o assunto, diz Lei de Educação Sexual Integral

Formação docente

"Capacitação é o maior aliado no combate a essa situação", diz Sofía Conti, socióloga e tutora virtual do curso para docentes, que desde 2013 trabalha com o PNESI (Programa Nacional de Educação Sexual Integral). Criado em 2008 pelo ME, o programa cuida da implantação da lei e, desde 2012, deu impulso a um esforço massivo de capacitação docente. "É um processo que demanda tempo e um investimento grande do Ministério de Educação. A convocatória é para docentes e diretores de escolas públicas, particulares e religiosas de todo o país, sem distinção".
Conti conta que se coloca ênfase na formação em gênero e em diversidade sexual, justamente porque são os aspectos que sofrem mais resistência por parte dos professores. "Há um olhar ainda muito biológico sobre a sexualidade, com a ideia de que está vinculada à genitália. Ainda não se abandonou por completo a visão binária do sexo".
Apesar das dificuldades e da sensibilidade do tema, que abrange a sexualidade na infância e a reorganização de conceitos muito arraigados e naturalizados na sociedade - como o que é ser homem ou mulher - a aprovação da lei trouxe consigo mudanças importantes na visão de professores sobre o assunto.
Um relatório sobre a aplicação da lei de ESI publicado na primeira semana de outubro pelo ME, do qual Conti participou como pesquisadora, revelou que 71% dos diretores e 75% dos professores entrevistados mudaram "muito" ou "bastante" suas ideias sobre educação sexual depois da capacitação oferecida pelo ME.
Ainda assim, quando perguntados sobre a incorporação dos pilares da lei de ESI nos projetos educativos de suas escolas, o aspecto de gênero foi o menos indicado: 84% dos diretores e 78% dos docentes identificaram sua inclusão. Já o cuidado do corpo e da saúde foi o mais mencionado, por 95% dos diretores e 89% dos docentes.
"A educação sexual por si só não garante algo concreto, justamente porque estamos falando de um campo de disputas sociais. Mas a existência de uma lei gera a obrigatoriedade - com todas as dificuldades que a ideia de obrigatoriedade implica - e é um impulso para que esses assuntos ganhem lugar nas escolas", conclui Bilinkis.

sábado, 10 de outubro de 2015

Fotógrafo captura imagens de crianças refugiadas da Síria

Catraca Livre
Estimativas dão conta que cerca de 4 milhões de pessoas já fugiram da Síria durante os períodos de guerra. Desse total, 1 milhão são crianças com menos de 12 anos. E a jornada é especialmente dura com elas.
O fotojornalista Magnus Wennman viajou pela Europa e Oriente Médio fotografando essas crianças enquanto elas tentam uma vida melhor em um lugar diferente.
Lamar, 5, dormindo no chão em Horgos, Servia.Imagem de Magnus Wennman/Rex
Em Bagdá ficaram todos os brinquedos. Lamar fala sobre eles quando o assunto é sua casa. Mas uma bomba mudou tudo. A família havia saido para fazer compras quando ela caiu perto de sua casa. Depois de duas tentativas de cruzar o mar da Turquia em uma bote de borracha, eles conseguiram chegar à Sérvia, depois que a Hungria fechou suas fronteiras. Agora, ele dorme em um cobertor na floresta, com medo, com frio e triste.
Abdullah, 5, dormindo na parte de fora de uma estação de trem em Belgrado, Sérvia.Imagem de Magnus Wennman/Rex
Abdullad tem uma doença no sangue e tem dormido do lado de fora da estação central; de Belgrado. Ele assistiu a morte da sua irmã na sua casa em Daraa. Ele ainda está em choque e sua mãe conta que ele tem pesadelos todas as noites. Apesar de estar doente, sua mãe nAo tem dinheiro para comprar remédios.
Abdul Karim Addo, 17, dormindo na praça Omonoia em Atenas, Grécia.
Imagem de Magnus Wennman/Rex
Abdul não tem mais dinheiro sobrando, já que usou seus últimos Euros em uma balsa para Atenas. Agora ele dorme em um praça onde centenas de refugiados chegam todos os dias. Ele usa um telefone emprestado para ligar para sua mãe na Síria, mas não pode dizer como as coisas estão ruins para ele. "Ela chora e se preocupa comigo e eu não quero deixá-la mais preocupada". Ele conta que deseja apenas duas coisas: dormir em uma cama novamente e abraçar a sua irmã mais nova.

Veja a matéria completa em Addictable.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Greve é Educação, é Lutar Pela Construção Cidadã

por José Gilbert Arruda Martins

A greve, numa análise mais rasa, pode significar apenas prejuízo, mas se pensarmos além do imediatismo, a greve é instrumento de luta que constrói cidadãos conscientes de que a Educação Pública, não pode ser usada politicamente, nem por nós professores e professoras, muito menos por uma governo que teima em "peitar" os servidores e sucatear a Educação Pública.

A greve, que agora se faz, foi um movimento construído, de um lado pelo próprio governo que, do alto de seu autoritarismo, emplacou diversas medidas de ataques a direitos conquistados com muito suor e luta por parte dos educadores e educadoras.

Do outro lado, a organização do movimento, partiu da própria categoria, capitaneada pelo Sinpro-DF, uma organização de trabalhadores (as) que, de forma dura e calculada, vem lutando dia a dia na defesa dos interesses dos profissionais da educação e, de tabela, pela Educação Pública no Distrito Federal.

Portanto, a greve que hoje bate nas portas de docentes, estudantes, pais, mães e toda a comunidade, é uma construção coletiva, e um dos construtores é a arrogância sem tamanho de um governo que não sabe negociar e que deseja impor a retiradas de direitos conquistados a qualquer custo.

A Classe Trabalhadora já avisou, não vai pagar a conta da crise, os ajustes que precisam serem feitos, têm que começar por quem nunca foi atingido por crise nenhuma, que são os ricos, e super ricos.

Quem é o cidadão?

O que é cidadania?

Fazer greve, quando já se tentou de tudo, é, além de legítimo, arma de construção Cidadã. Esperamos que estudantes, pais e mães, entendam de forma profunda essa situação.

A mobilização da categoria de educadores e educadoras do DF em forma de greve, não é apenas para manter seus salários, mas manter viva a Educação Pública, que atende cerca de 450 mil estudantes em 657 escolas.

O apoio da comunidade a esse Movimento é fundamental para pensarmos o presente e o futuro da Educação Pública no Distrito Federal.

Confira o calendário de mobilização:
dia 09/10, sexta-feira – início da contagem das 72 horas de aviso de greve; aulas normais e diálogo com a comunidade escolar
dias 13/10 (terça-feira) e 14/10 (quarta-feira) – aulas normais, ainda cumprindo as 72 horas de aviso de greve e diálogo com a comunidade escolar; campanha na mídia
dia 15/10 (quinta-feira) – greve geral, início da greve com ato público na Praça do Relógio, em Taguatinga, às 10h
dia 16/10 (sexta-feira) – ato unificado na Praça do Buriti, às 10h
dias 17/10 e 18/10 (sábado e domingo) – campanhas na mídia
dia 19/10 (segunda-feira) – assembleias regionais e eleição do comando de greve*
dia 20/10 (terça-feira) –  assembleia geral na Praça do Buriti, às 9h30.
*os horários e locais das assembleias regionais serão divulgados posteriormente
Crédito da foto: Deva Garcia / Sinpro

Com contas na Suíça confirmadas, PSOL tenta tirar Cunha da presidência da Câmara

no GGN, O jornal de todos os Brasis
Capitaneada por Rodrigo Janot, a Procuradoria Geral da República informou à bancada do PSOL na Câmara, por meio de ofício, que Eduardo Cunha (PMDB) possui, sim, contas na Suíça em seu nome e de familiares, e é investigado por corrupção e lavagem de dinheiro. Com a confirmação em mãos, o PSOL prometeu entrar com uma representação contra o peemedebista no Conselho de Ética da Câmara, na próxima terça-feira.
Segundo o deputado Chico Alencar (PSOL), a diferença desta representação em relação a outros processo é que, no Conselho de Ética, todos os partidos da Câmara terão de se manifestar sobre a permanência de Eduardo Cunha na presidência da Casa. Até o momento, PT e PSDB adotaram a posição de aguardar provas contundentes contra Cunha. Na visão do PSOL, o ofício da PGR já é suficiente.
Segundo informações da Folha, Janot ressaltou no ofício que embora a lei estabeleça o sigilo sobre investigações criminais em andamento, o caso de Cunha é diferente por se tratar de "pessoa politicamente exposta", que deve atender a critérios mais duros de "transparência".
Na quarta-feira, 30 deputados de sete partidos protocolaram na Corregedoria da Câmara uma representação pedindo a abertura de processo de cassação de Cunha. Mas a ação deve ser infrutífera, uma vez que o órgão é subordinado à Mesa Diretora, controlada pelo próprio Cunha.
Já o Conselho de Ética, embora formado majoritariamente por aliados do peemedebista, é o setor que pode aprovar a cassação. Para isso, entretanto, são necessários votos de 50% da Câmara (257) nesse sentido.

Frente Povo Sem Medo rechaça impeachment: 'Nenhuma saída à direita'

na Rede Brasil Atual
De acordo com Guilherme Boulos, a crítica ao governo não coloca os movimentos sociais ao lado dos que querem usurpar o poder

por Rodrigo Gomes, da RBA
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Boulos: "É possível, sim, uma posição na esquerda brasileira que seja crítica e independente"

São Paulo – O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, afirmou hoje (8) que os movimentos e centrais sindicais que compõem a Frente Povo Sem Medo não vão aceitar o impeachment da presidenta Dilma Rousseff como saída para a atual crise. "Nos somos contra qualquer saída à direita e este impeachment, da forma como vem sendo construído, é uma saída à direita", afirmou. A frente é composta também pela CUT, CTB e UNE, entre outras organizações, e seu lançamento oficial ocorre na noite desta quinta-feira, no centro de São Paulo.
Para Boulos, é preciso entender que a crítica ao governo não coloca os movimentos ao lado daqueles que se aproveitam da crise para usurpar o poder. "Nós temos que tirar a perspectiva de esquerda do país de uma lógica binária. É possível, sim, uma posição na esquerda brasileira que seja crítica e independente, mas também não aceite saídas à direita. Da mesma forma que há críticas duras a essa política de austeridade há uma rejeição igualmente clara neste espaço a saídas à direita para a crise", afirmou.
Ontem (7), o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou, por unanimidade, a reprovação das contas do exercício 2014 da gestão Dilma, o que pode ser usado pela oposição como justificativa para abertura de um processo de impeachment. As contas agora serão analisadas pela Comissão Mista (Câmara e Senado) de Orçamento, que vai decidir sobre o parecer do TCU – posteriormente, a votação irá a plenário.
Em artigo publicado hoje, o líder sem-teto já havia colocado em xeque a legitimidade dos ministros do TCU em julgar a presidenta. "Vários ministros estão sendo investigados e o relator das contas é investigado na Operação Zelotes. As saídas que estão querendo construir, seja com Michel Temer ou o PSDB, são ruins para a classe trabalhadora.
A Frente Povo Sem Medo terá três eixos de atuação, com o objetivo de “contribuir para um novo ciclo de mobilizações sociais no país”, segundo Boulos. E terá o trabalho de base nas periferias como método fundamental para "acumular forças para uma saída à esquerda para a atual crise política e econômica.
O primeiro eixo será o combate às políticas de austeridade, como o ajuste fiscal, os cortes em programas sociais e o arrocho salarial dos servidores federais. O grupo também pretende combater as políticas conservadoras, como a ampliação das terceirizações e a redução da maioridade penal e apresentar uma saída à esquerda para a crise. “Mas não apenas isso, uma saída dos de baixo, com o povo”, ressaltou o ativista.
Os primeiros atos da Frente Povo Sem Medo serão dia 8 de novembro. Estão previstas manifestações em várias cidades. Em São Paulo, deverá ser na Avenida Paulista, que tem sido o local de referência para os grupos conservadores e antipetistas realizarem protestos por impeachment, pela volta da ditadura e contra os programas sociais.

Os militantes pretendem ainda pressionar o Congresso Nacional e o governo federal para avançar em reformas, como a do sistema político, do Judiciário, das comunicações, a tributária, a urbana e a agrária.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Os novos Estados de vigilância

na Carta Maior

Confiamos à Internet nossos pensamentos mais pessoais e íntimos. Com a vigilância massiva, o controle do Estado chegou a dimensões alucinantes.

reprodução

Ignacio Ramonet*

Durante muito tempo, a ideia de um mundo sob “vigilância total” foi vista como um delírio utópico ou paranoico, fruto da imaginação mais ou menos alucinada dos que sonham com teorias da conspiração. Contudo, é preciso reconhecer a evidência: vivemos, aqui e agora, a mercê de um império da vigilância. Cada vez são mais os que nos observam, nos espionam, nos vigiam, nos controlam, fazem arquivos sobre nós sem que saibamos. A cada dia, novas tecnologias são refinadas, buscando facilitar o seguimento do nosso rastro. Empresas comerciais e agências publicitárias registram nossas vidas. Com o pretexto de lutar contra o terrorismo, ou contra outras pragas (pornografia infantil, lavagem de dinheiro, narcotráfico), os governos – incluindo os mais democráticos – se transformam no Grande Irmão, e já não titubeiam diante da possibilidade de infringir suas próprias leis quando o objetivo é espionar melhor os seus próprios cidadãos. Em segredo, os novos Estados orwellianos querem estabelecer enormes arquivos sobre os nossos contatos e dados pessoais, guardados em diferentes suportes eletrônicos.
 
Após a onda de ataques terroristas que golpeou cidades como Nova York, Paris, Boston, Ottawa, Londres e Madrid, as autoridades perderam os pudores e utilizaram o grande pavor das sociedades comovidas para intensificar a vigilância para reduzir mais a proteção da nossa vida privada.
 
Para entender melhor: o problema não é a vigilância em si, e sim a vigilância massiva clandestina. É evidente que, num Estado democrático, as autoridades contam com toda a legitimidade, baseada na lei e com a autorização prévia de um juiz, para colocar sob vigilância qualquer pessoa considerada suspeita. Como disse Edward Snowden: “não há nenhum problema em instalar um grampo contra Osama Bin Laden. Sempre que os investigadores tenham que dispor da permissão de um juiz – um juiz independente, um juiz autêntico, não um juiz secreto –, e possam provar que existe uma boa razão para emitir uma ordem, esse trabalho poderia ser realizado sem problemas. O problema é quando controlam a todos nós, em massa, o tempo todo e sem nenhuma justificativa” (1).
 
Com a ajuda de algoritmos cada vez mais sofisticados, milhares de investigadores, de engenheiros, de matemáticos, de estadistas e de técnicos em informática buscam e classificam a informação que geramos sobre nós mesmos. Satélites e drones de visão de longo alcance nos seguem do espaço. Nos aeroportos, scaners biométricos analisam nosso andar, “lendo” nossas íris e nossas digitais. Câmaras de infravermelhas medem nossa temperatura. As pupilas silenciosas das câmaras de vídeo apuram nossos passos nas cidades e nos corredores dos hipermercados. Também seguem nossas pegadas no trabalho, nas ruas, nos ônibus, no banco, no metrô, no estádio, nos estacionamentos, nos elevadores, nos centros comerciais, nas estradas, nas estações de trem, nos aeroportos…
 
Vale destacar que a inimaginável revolução digital que vivemos, que já transformou tantas atividades e profissões, também transformou totalmente os serviços de informação e de vigilância. Na época da Internet, a vigilância passou a ser algo onipresente e perfeitamente imaterial, imperceptível, indetectável, invisível. Além disso, se caracteriza tecnicamente por uma simplicidade pasmosa – já não precisa mais daqueles trabalhos artesanais de instalação de cabo e microfones, como no antigo filme A Conversação (2), onde podíamos ver como um grupo de “encanadores” apresentava, numa conhecida feira, as técnicas de vigilância, as bugigangas mais bem elaboradas, caixas cheias de cabos elétricos que precisavam ser escondidos nos muros ou no chão…
 
Vários grandes escândalos dessa época – o caso Watergate nos Estados Unidos, o dos “encanadores de Le Canard enchaîné”, na França–, fracassos humilhantes para os serviços de informação, demostraram os limites desses antigos métodos mecânicos, facilmente detectáveis e localizáveis.
 
Hoje em dia, vigiar alguém passou a ser algo impressionantemente fácil, ao alcance de qualquer um que saiba usar as diversas ferramentas disponíveis. Uma pessoa normal que pretende espionar algum conhecido pode encontrar no mercado diversas opções, meia dúzia de programas informáticos (mSpy, GsmSpy, FlexiSpy, Spyera, EasySpy) capazes de ler os conteúdos dos telefones celulares, mensagens de texto, correios eletrônicos, contas de Facebook, Whatsapp, Twitter, etc. Com o auge do consumo online, a vigilância comercial também se desenvolveu enormemente, dando lugar a um gigantesco mercado dos nossos dados pessoais, que se tornaram mercadorias. Durante cada uma das nossas conexões a uma página web, as cookies guardam o conjunto das buscas realizadas e permitem estabelecer nosso perfil de consumidor. Em menos de vinte milésimos de segundo, o editor da página visitada vende aos possíveis anunciantes a informação revelada pelos cookies. Apenas uns milésimos de segundo mais tarde, a publicidade que supostamente nos causará mais impacto aparece em nossa tela. E assim acabamos sendo definitivamente registrados.
 
A vigilância foi “privatizada” e “democratizada”. Já não é um assunto reservado aos serviços estatais de informação. Mas a capacidade dos Estados em matéria de espionagem massiva cresceu de forma destacável. E isso também se deve à cumplicidade com as grandes empresas privadas que dominam as indústrias de informática e das telecomunicações. Julian Assange afirmou que “as novas sociedades como Google, Apple, Amazon, e Facebook criaram vínculos com o aparato de Estado em Washington, particularmente com os responsáveis de Assuntos Exteriores” (3). Esse complexo de segurança digital – Estado aparato militar de segurança indústrias gigantes da web – constitui um autêntico império da vigilância, cujo objetivo concreto e bastante claro é colocar toda a Internet e todos os internautas sob vigilância, para controlar a sociedade.
 
Para as gerações de menos de quarenta anos, a rede é, simplesmente, o ecossistema no qual a sua mente foi polida, e também sua curiosidade, seus gostos, sua personalidade. Desde o seu ponto de vista, a internet não é só uma ferramenta autônoma que se utilizaria para tarefas concretas. É uma imensa esfera intelectual, onde se aprende a explorar livremente todos os saberes. E, de forma simultânea, uma ágora sem limites, um lugar onde as pessoas se reúnem, dialogam, trocam e adquirem cultura, conhecimento, valores, e os compartilham.
 
A Internet representa, para estas novas gerações, o que era a escola e a biblioteca, a arte e a enciclopédia, a pólis e o templo, o mercado e a cooperativa, o estádio e o palco, a viagem e os jogos, o circo e o bordel, tudo isso junto num mesmo lugar. É tão fabuloso que “o indivíduo, em seu prazer por evoluir num universo tecnológico, não se preocupa em saber, e menos ainda em compreender, que as máquinas administram o seu dia a dia. Que cada um dos seus atos e gestos é gravado, filtrado, analisado e eventualmente vigiado. Que, longe de liberá-lo de seus obstáculos físicos, a informática da comunicação constitui, sem dúvida, a ferramenta de vigilância e de controle mais fantástica que o ser humano já criou” (4).
 
Essa tentativa de controle total da Internet representa um perigo inédito para as nossas sociedades democráticas: “permitir a vigilância da Internet – afirma Glenn Greenwald, o jornalista estadunidense que difundiu as revelações de Edward Snowden – é o mesmo que submeter praticamente todas as formas de interação humana a um controle estatal exaustivo, incluindo o pensamento em si” (5).
 
Essa é a grande diferença com os sistemas de vigilância que existiam antes. Sabemos, desde Michel Foucault, que a vigilância ocupa uma posição central na organização das sociedades modernas. Estas são “sociedades disciplinárias”, onde o poder, por meio de técnicas e de estratégias complexas de vigilância, busca exercer o maior controle social possível (6).
 
Essa vontade, por parte do Estado, de saber tudo sobre os cidadãos, está legitimada politicamente pela promessa de uma maior eficácia na administração burocrática da sociedade. Assim, o Estado afirma que será mais competitivo e, portanto, servirá melhor os cidadãos se os conhece melhor, da forma mais profunda possível. Porém, ao ser cada vez mais invasiva, a intrusão do Estado provoca, há tempos, uma crescente insatisfação entre os cidadãos que apreciam o santuário da vida privada. Em 1835, Alexis de Tocqueville já dizia que as democracias modernas de massa produzem cidadãos privados cuja principal preocupação é a proteção dos seus direitos. E que isso faz com que sejam particularmente exigentes e contrários às pretensões abusivas do Estado (7).
 
Essa tradição se prolonga, na atualidade, em figuras como Julian Assange e Edward Snowden, ambos perseguidos ferozmente pelos Estados Unidos. Em sua defesa, o grande intelectual estadunidense Noam Chomsky afirmou que “a luta deles por uma informação livre e transparente é uma luta quase natural. Terão sucesso? Depende de nós. Se Snowden, Assange e outros fazem o que fazem, é porque exercem sua qualidade de cidadãos. Estão ajudando o público a descobrir o que os seus próprios governos fazem. Existe missão mais nobre para um cidadão livre? E se forem castigados severamente? Se Washington pudesse se livrar deles, seria ainda pior. Nos Estados Unidos existe uma lei de espionagem criada durante a Primeira Guerra Mundial. Obama a usou para evitar que a informação difundida por Assange e Snowden chegasse ao público. O governo vai tentar de tudo, cruzando o limite do indescritível, para se proteger do seu ‘inimigo principal’. E o ‘inimigo principal’ de qualquer governo é a sua própria população” (8).
 
Na era da Internet, o controle do Estado chega a dimensões alucinantes, já que, de uma ou outra maneira, nós confiamos à Internet os nossos pensamentos mais pessoais e íntimos, tanto profissionais como emocionais. Assim, quando o Estado, com a ajuda de tecnologias superpoderosas, decide passar a espionar o nosso uso da Internet, não só extrapola suas funções, mas também profana nossa intimidade, destrincha literalmente o nosso espírito e saqueia o refúgio da nossa vida privada.
 
Sob os olhos dos novos “Estados de vigilância”, nos transformamos, sem saber, em clones do protagonista do filme O Show de Truman (9), expostos ao vivo à espionagem de milhares de câmeras e à escuta de milhares de microfones, que expõem nossa vida privada à curiosidade planetária dos serviços de informação.
 
Nesse sentido, Vince Cerf, um dos inventores da web, considera que “na época das tecnologias digitais modernas, a vida privada é uma anomalia…” (10). Leonard Kleinroc, um dos pioneiros de Internet, é ainda mais pessimista: “Basicamente – considera ele –, nossa vida privada já não existe mais, e é impossível recuperá-la” (11).
 
Por uma parte, muitos cidadãos se resignam, como se o fim do nosso direito ao anonimato fosse somente uma fatalidade da nossa época. Por outra, essa preocupação de defender nossa vida privada pode parecer reacionária, ou até mesmo “suspeita”, porque só aqueles que têm algo que esconder tentam esquivar o controle público. Portanto, as pessoas que consideram que não têm nada para ocultar, não são hostis à vigilância do Estado, sobretudo se essa traz uma vantagem importante em termos de segurança, como prometem as autoridades. Entretanto, esse discurso – “por um pouco menos de liberdade para você, que te entrego cinco vezes mais garantia de segurança” – é uma estafa. A segurança total não existe, não tem como existir. É uma enganação. Porém, a “vigilância total” se tornou uma realidade indiscutível.
 
Para questionar o golpe da segurança, balela frequentemente cantarolada por todos os poderes, vale recordar a lúcida advertência lançada por Benjamin Franklin, um dos autores da Constituição estadunidense: “um povo disposto a sacrificar um pouco de liberdade por um pouco de segurança não merece nem o primeiro nem o segundo. E acaba perdendo as duas coisas”.
 
Um pensamento alinhado perfeitamente com a atualidade, que deveria nos estimular a defender nosso direito à vida privada e a proteger nossa intimidade. Jean-Jacques Rousseau, filósofo do iluminismo e o primeiro pensador que “descobriu” a intimidade, nos deu o exemplo. Não foi ele também o primeiro em se rebelar contra a sociedade do seu tempo e a sanha inquisidora da mesma, de querer controlar a consciência dos indivíduos?
 
“O fim da vida privada seria uma autêntica calamidade existencial”, afirmou também a filósofa contemporânea Hanna Arendt, em seu livro A Condição Humana (12). Com uma formidável clarividência, sua obra fala dos perigos para a democracia de uma sociedade onde a distinção entre a vida privada e a vida pública fosse insuficiente – o que, segundo Arendt, significaria o fim do homem live, e empurraria as nossas sociedades a novas formas de totalitarismo, de maneira implacável.
 
* Jornalista espanhol. Presidente do Conselho de Administração e diretor da redação do “Le Monde Diplomatique” em espanhol. Editorial nº 240, outubro de 2015.
 
(1) Katrina van den Heuvel et Stephen F. Cohen, “Edward Snowden: A ‘Nation’ Interview”, The Nation, Nova York, 28 de outubro de 2014.
(2) A Conversação (The Conversation), 1973. Direção: Francis F. Coppola. Intérpretes: Gene Hackman, John Cazale, Cindy Williams, Harrison Ford, Robert Duvall. Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1974.
(3) Ignacio Ramonet, “Entrevista com Julian Assange: ´Google nos espiona e informa ao governo dos Estados Unidos´”, Le Monde Diplomatique em espanhol, dezembro de 2014.
(4) Jean Guisnel, em seu prefácio para o livro de Reg Whitaker, Tous fliqués. La vie privée sous surveillance, Editora Denoël, Paris, 2001 – em espanhol: El fin de la privacidad. Cómo la vigilancia total se está convirtiendo en realidad (O fim da privacidade: Como a vigilância está se tornando realidade), Editora Paidós, Barcelona, 1999.
(5) Glenn Greenwald, No place to hide. Edward Snowden, the NSA, and the US Surveillance State, Metropolitan Books, Nova York, 2014.
(6) Michel Foucault, Vigiar e Castigar, Biblioteca Nova, Madrid, 2012.
(7) Alexis de Tocqueville, “A democracia na América”, Akal, Madrid, 2007.
(8) Ignacio Ramonet, “Entrevista com Noam Chomsky: Contra o império da vigilância”, Le Monde Diplomatique em espanhol, abril de 2015.
(9) O Show de Truman: O Show da Vida (The Truman Show) (1998). Direção: Peter Weir. Intérpretes: Jim Carrey, Laura Linney, Ed Harris.
(10) Marianne, Paris, 10 de abril de 2015.
(11) El País, Madrid, 13 de janeiro de 2015.
(12) Hanna Arendt, A Condição Humana, Editora Paidós, Barcelona, 2005.
 
Tradução: Victor Farinelli

Cursinho comunitário de SP faz campanha para arrecadar verba e manter projeto

na Rede Brasil Atual
Quem quiser colaborar pode contribuir com quantias a partir de R$ 10, doadas via crowdfunding, até próximo sábado (10)

Cursinho
Estudantes e professores participam de ato em defesa das cotas universitárias

São Paulo – O Cursinho Livre da Lapa, um pré-vestibular de São Paulo voltado para educação popular e formação crítica de jovens que querem ingressar em universidades, lançou campanha para arrecadar fundos para manter o projeto, custeando gastos como transporte dos alunos, materiais escolares e aluguel do espaço. Quem quiser participar pode contribuir com quantias a partir de R$ 10, doadas via crowdfunding, até próximo sábado (10).
“A ideia principal é que essa experiência seja pré-universitária e não apenas pré-vestibular, que os estudantes ingressem na universidade de modo profundamente crítico e não somente tenham bons resultados numa prova eliminatória e elitista como o vestibular”, diz o texto de apresentação da campanha. O objetivo é arrecadar R$ 20 mil. Até agora, 77% da meta foram alcançados.
Comunitário e gratuito, o cursinho não conta com financiamentos externos e é administrado de forma horizontal. A verba para manutenção vem de saraus, festas e de doações dos membros do projeto. “Além das matérias diretamente exigidas pelo vestibular, temos também na nossa grade linguagens e política, o que permite garantir um olhar mais cuidadoso para a sociedade, as linguagens artísticas, o corpo e o indivíduo, que são aspectos normalmente negligenciados ao longo da trajetória escolar”, diz o texto.
As aulas ocorrem de segunda a sexta-feira, das 14h às 16h e das 16h20 às 18h20, na Casa Mafalda, espaço cultural na Rua Clélia, 1895, na Lapa, zona oeste da capital. Os alunos participam também de saídas de campo, que aprofundam o processo de aprendizagem e permitem ocupação de diferentes espaços da cidade.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Principais mudanças na lei eleitoral

no Portal Vermelho - Fátima Oliveira *

A minirreforma eleitoral de que trata a Lei nº 13.165/2015, que promoveu mudanças nas leis nºs 9.096/95 (partidos políticos), 9.504/97 (normas gerais para eleições) e 4.737/65 (Código Eleitoral), terá vigência já a partir da eleição municipal de 2016.



Entre as principais mudanças estão: 
a) a redução do prazo de filiação partidária, 
b) a redução do período de campanha e de propaganda eleitoral, 
c) a modificação na forma de preenchimento das vagas pelos partidos ou coligações, 
d) a exclusão do financiamento empresarial de campanha, e 
e) a previsão de janela partidária.

Uma das mudanças mais significativas foi a redução do prazo de filiação partidária, que caiu de um ano para seis meses. A exigência de domicílio eleitoral, entretanto, continuou inalterada, permanecendo em 1 (um) ano.

Outra mudança relevante, que está relacionada à redução de custos, foi a redução do período de campanha, que cai de 90 para 45 dias, e do período de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, que cai de 45 para 35 dias.

A mudança na forma de preenchimento das vagas pelos partidos ou coligações que atingirem o quociente eleitoral (produto da divisão entre o total de votos válidos pelo número de vagas da circunscrição eleitoral) será significativa, conforme veremos a seguir.

De acordo com a nova regra, as vagas serão preenchidas inicialmente entre os partidos ou coligações que tenham atingido o quociente eleitoral (número de votos necessários para ter direito a uma vaga) e que tenham candidatos com votação individual igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral. Os candidatos desses partidos ou coligação são considerados eleitos automaticamente e as demais vagas serão distribuídas entre eles pelo sistema de sobras.

O sistema de sobras consiste na distribuição das vagas da seguinte forma: dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação pelo número de lugares definido para o partido pelo cálculo do quociente partidário (divisão da soma dos votos válidos de cada partido ou coligação pelo quociente eleitoral ou pelo número de votos necessários para ter direito a uma vaga), mais um, cabendo ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher. Essa operação será repetida até preencher todas as vagas dos partidos que atingiram os dois critérios.

Quando não houver mais partido ou coligação que tenha atingido o quociente eleitoral e haja candidatos com votação individual igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, as cadeiras serão distribuídas aos partidos que apresentem as maiores médias.

O financiamento de campanha, com o veto presidencial, ficou limitado aos recursos próprios dos candidatos, recursos do fundo partidário e de doações de pessoas físicas. Com isso fica vedado o financiamento ou a doação empresarial para campanha eleitoral.

Por fim, a lei abre uma janela partidária para que os parlamentares possam mudar de partido sem perda de mandato. Só não perde o mandato por mudança de partido, o detentor de cargo eletivo que: a) seu partido, reiteradamente, mudar ou descumprir o programa partidário, b) sofrer grave discriminação política pessoal, e c) filiar-se a outro partido durante o período de trinta dias que antecede ao prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição no ano de término do mandato, ou seja, por ocasião da janela partidária.

O resultado das próximas eleições proporcionais, a julgar pelas mudanças na legislação eleitoral e partidária, será fortemente impactado pela redução do período de campanha, pelo troca-troca partidário, pela eliminação do financiamento empresarial e pela mudança na forma de cálculo de preenchimento das vagas na eleição proporcional.


* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.

O lugar e as possibilidades da política: da ditadura à “governança” neoliberal

Le Monde Diplomatique Brasil
Verificam-se mudanças nos próprios sentidos e conteúdos da palavra política. Ela foi deixando de designar o domínio da ação do poder legítimo de organizar a vida coletiva e passou a ser associada à função de gerir as condições para o exercício de um poder que lhe é superior, o poder financeiro – como vimos na Grécia
por Henri Acselrad


Num documento redigido no exílio, em 1972, Betinho discutia as dificuldades da ação política em condições de clandestinidade: “Ao se restringirem as possibilidades de viver direta e amplamente as situações onde as lutas, as reivindicações, a prática social se manifestavam, operou-se um distanciamento, às vezes até um desligamento da sociedade enquanto objeto de conhecimento, daí originando-se situações de refração, de distorção onde aparecem ‘substitutos’ dessa realidade”.1 Isolamento e dessintonia foram imagens frequentemente mencionadas para descrever, no Brasil, a dificuldade de a militância contra a ditadura fazer “a realidade política aparecer” ou torná-la transparente, permitindo à sociedade entrar na “cena política real”. Essas imagens procuravam exprimir a perda de sentido do real por parte dos militantes: “faltava a realidade, faltava a política”; “a realidade política desapareceu”. Hannah Arendt já assinalara como ser privado da liberdade de expressão e de meios de discussão significa “ser privado da realidade”.2
No entanto, se as organizações que combatiam a ditadura dispunham de conhecimentos limitados para formular suas estratégias, é importante não esquecer que essa situação afetava, à época, a sociedade em seu conjunto. A censura à imprensa e o empobrecimento do debate público geravam um manto de obscuridade sobre esse “real”. Todos foram então, de algum modo, obrigados a conviver com “substitutos do real”. É que toda fala crítica ao regime de exceção, quando expressa em lugar público, era considerada suspeita: um comentário questionador efetuado diante de uma banca de jornal podia ser visto como provocação policial. O silenciamento da vida política foi sendo internalizado – “não se falava de política com desconhecidos”. A própria militância, por sua vez, devia vigiar-se para, ao evocar questões políticas em espaços públicos, não ser confundida com policiais provocadores. Eis o que podemos chamar de “paradoxo da clandestinidade”: se, por um lado, o povo silenciava sua fala política, referindo-se apenas a “como a vida estava difícil”, os próprios opositores ao regime viam-se levados a restringir sua fala, prevenindo-se de serem confundidos com agentes provocadores.
Foi assim que a grande política transformadora, aquela investida no questionamento das estruturas orgânicas econômico-sociais vigentes,teve de se abrigar na clandestinidade, tornando-se pouco visível. A “pequena política” – aquela que se restringia à administração cotidiana de estruturas já estabelecidas –, por sua vez, apequenou-se ainda mais, submetida ao poder de exceção. Com a destruição das instituições da democracia formal, no âmbito do sistema político controlado pelo aparato burocrático do autoritarismo, a política “encolheu”. A palavra transformadora não pôde mais se fazer audível na esfera pública, passando a ser sussurrada em espaços privados e semipúblicos ou, então, buscando sua audiência por meio das irrupções violentas e episódicas, mediadas pelas ações armadas de oposição ao regime.
O espaço do exercício da política, nas condições excepcionais do arbítrio, desviou-se para as margens, ao custo de ter de fazer-se por “sinais de fumaça”, metáfora utilizada pelo militante Herbert Daniel para descrever a prática corrente a que os clandestinos se viam obrigados – de, por razões de segurança, queimar papéis contendo anotações e ideias. A fala política fora, pelo poder do arbítrio, substancialmente emudecida, ainda que a força crítica da militância subterrânea não deixasse de emitir seus sinais.
A política passava a se exercer em espaços frágeis, lugares onde as conversas poderiam veladamente introduzir e exercitar alguma reflexão crítica no seio da vida cotidiana. Isso porque, em regimes autoritários, a circulação do debate político é obrigada a restringir-se a enclaves que operam como micropúblicos, contraespaços, esferas de autonomia e interstícios da vida social que podem propiciar atividades de resistência, formação e mobilização de redes de apoio à luta contra o arbítrio.
Em contexto de liberdade de expressão, as arenas públicas são os espaços onde atores sociais definem e discutem situações percebidas como problemáticas. A restrição à constituição de tais arenas é constante nas sociedades que vivem sob o autoritarismo. A forma “comício relâmpago”, por exemplo, realizada com frequência por organizações clandestinas nos “anos de chumbo”, fazia o que não podia ser objeto de contestação no espaço público oficial e vigiado ser, de algum modo, debatido. O movimento em direção a uma microarena pública emergente, porém, era com frequência abortado, deixando de se constituir. As ditaduras operam um movimento permanente de destruição de tais arenas públicas emergentes, seja pela censura à imprensa, a dissolução de organizações populares, o encarceramento de críticos e oponentes, a exposição exibicionista do poder arbitrário da máquina repressiva ou a internalização do medo em larga escala na população.
O poder arbitrário, ao mesmo tempo que estreitava o espaço do debate público, promovia uma degradação do sentido das palavras: a quebra da legalidade democrática foi feita em nome da democracia; a censura foi justificada como requisito da proteção da liberdade; a produção cultural foi cerceada a pretexto da defesade valores; a justiça era encenada em tribunais militares de exceção que pretendiam encarnar uma supostalegalidade; um simulacro de Congresso operava sob a ameaça permanente de cassações de mandato.
Foi ao longo dessa escalada obscurantista que se lançou na ilegalidade o contingente mais substantivo de opositores que procuravam reinventar espaços para a política, redefinindo suas identidades, pertencimentos e modos de ação. As organizações clandestinas constituíram formas políticas que experimentaram dramaticamente os efeitos da “política antipolítica” do regime. A questão que então se colocava era: como investir na conquista da palavra quando esta estava restrita em sua capacidade crítica e se via emudecida pelo terror de Estado?
Cinquenta anos após o golpe de 1964 e trinta após o fim da ditadura, voltou-se a discutir o que dela restou: a violência de Estado; a militarização das polícias; a impunidade dos torturadores; a Lei da Anistia, pela qual os responsáveis pela ditadura perdoaram a si próprios; as evidências de que grandes interesses econômicos lucraram com o golpe, além de terem se envolvido no apoio à sua realização, à continuidade do regime que dele decorreu, e, em certos casos, no financiamento direto à repressão e à tortura. Mas restou também, sob novas formas, a degradação da política, mergulhada em um tipo de realismo que parece negar a possibilidade de o povo mobilizar sua inteligência coletiva para pensar sua própria condição, seu devir e os meios de construí-lo. É que a partir dos anos 1990 novas modalidades de restrição ao exercício da grande política foram se apresentando. Verificaram-se mudanças nos próprios sentidos e conteúdos da palavra política. Ela foi deixando de designar o domínio da ação do poder legítimo de organizar a vida coletiva e passou a ser associada à função de gerir as condições para o exercício de um poder que lhe é superior, o poder financeiro – como mostrou a recente usurpação da soberania grega.
Vale a pena, neste contexto, tentar observar, com um mesmo olhar, essas duas décadas que vão do autoritarismo até a vigência do neoliberalismo, sem perder de vista que, sob a ditadura ou sob a governança neoliberal, os meios de restrição à reflexão e ao debate são, sem dúvida, de ordens completamente distintas. É que, em lugar da antipolítica repressiva, exercida pelo regime de exceção até meados dos anos 1980, entraram em ação, desde os anos 1990, os mecanismos de uma antipolítica de mercado.
A operação de uma esfera pública, em que se garanta a livre expressão da fala política, significa a possiblidade de construir diferentes tipos de redes, relações e fóruns de elaboração de pontos de vista e crenças partilhadas a respeito do mundo. Mas esses espaços são sempre objeto de disputa – de ações políticas de caráter inventivo, em condições de litígio sobre o objeto dos litígios, sobre a existência de litígio e sobre as partes que nele se defrontam. No contexto da “governança” neoliberal, porém, passou a vigorar o que Bourdieu chamou de “políticas de despolitização”,3 ações que procuram destruir a ideia da política como modo de exercício da inteligência coletiva na tentativa de superação da desigualdade.
O esforço em oferecer vantagens para os capitais internacionais – consenso social, segurança, sustentabilidade ecológica – passou a justificar que todos os projetos em disputa, nos diferentes espaços sociais, viessem a se anular em favor de uma competição entre as localidades por investimento. O empresariado, por sua vez, começou a adotar, com muito mais frequência, a tática da ameaça de fechar o negócio como forma de desmobilizar as reivindicações dos trabalhadores. Com a aquisição de maior mobilidade do capital – da capacidade de as empresas se deslocarem, a baixo custo, entre diferentes pontos do espaço –, aumentaram os efeitos da ameaça empresarial de saída, reduzindo a disposição dos trabalhadores de exercerem seus direitos de associação e de pressão sobre os acordos salariais.4
O economista polonês Michael Kalecki5 já havia caracterizado, nos anos 1940, as razões pelas quais o estado de laissez-faire é o preferido do empresariado: por meio da retração ou relocalização de seus próprios investimentos, os empresários podem gerar desemprego e disciplinar os trabalhadores. E, para impor suas regras aos governos, manejam o clima dos negócios, seu “estado de confiança”, acenando com as possibilidades de instabilidade social para constranger os governantes a adotar políticas que os favoreçam. Com as reformas neoliberais, as grandes corporações tornaram-se quase sujeitos das políticas governamentais, pressionando pela flexibilização de regulações políticas e impondo as condições mais desejáveis para a realização de seus negócios.
Eis, pois, que o período em que a política havia sido fortemente constrangida pela violência da ação repressiva foi seguido por uma conjuntura em que a política passou a ser esvaziada, dado o poder excepcional adquirido pelos capitais em detrimento dos demais atores. Esse poder reside na possibilidade de ameaçar retirar os investimentos dos espaços sociais onde vigora maior respeito a direitos e regulações para localizar-se em áreas onde esses direitos se encontram menos assegurados. Por meio dessa “chantagem locacional”, as grandes corporações colocam todos os trabalhadores do mundo em competição, favorecendo, com a criação de empregos, aqueles – menos organizados e menos protegidos por leis – que aceitem menores salários e menos direitos. O mesmo ocorre no que diz respeito às normas ambientais e urbanísticas – aquelas que deveriam, em princípio, estabelecer limites aos impactos destrutivos de grandes projetos sobre o espaço de vida de trabalhadores, de grupos étnicos, assim como de moradores de cidades hipertrofiadas pela chegada maciça de habitantes atraídos por promessas de emprego.
Durante a ditadura, a questão foi como, em condições de risco, politizar as conversas, dar densidade política a relações e situações, sob a vigilância e a violência do aparato repressivo. No caso presente, processos de despolitização foram se configurando por meio de dispositivos que previnem a politização dos conflitos. Uma naturalização da desigualdade alimenta as ilusões de que o mercado premia os que trabalham. O consumismo promove a organização maciça de indivíduos atomizados, que não percebem as estruturas de reprodução da desigualdade no acesso a recursos econômicos, territoriais, ambientais, judiciais e educacionais, de proteção social, de saúde, saneamento e urbanidade, assim como a apropriação privada e oligárquica dos meios políticos e dos espaços de informação e discussão públicas. A esfera de deliberação, no âmbito do sistema político formal, viu-se crescentemente absorvida pelo realismo de um debate entre o que “nós podemos” e o que “nós não podemos”. Isso sem falar do pragmatismo, que, em nome da “governabilidade”, favorece a privatização do Estado em mãos de cartéis empresariais, organizações religiosas ou oligárquicas.
Pouco resta da política quando a ordem das coisas é apresentada como inelutável. Como é possível fazer política usando palavras que pretendem, ao mesmo tempo, dizer tudo e seu contrário, quando se trata de definir que tipo de sociedade convém melhor a seus membros e como chegar lá? Diante das manipulações do marketinggovernamental e da mídia comercial, movimentos como os ocorridos em junho de 2013 nas grandes cidades do Brasil deram mostras, ao menos no que diz respeito a uma parte dos que protestaram, de pretender recusar a instalação do cinismo como forma de racionalização das interações sociais e políticas. Em meio à diversidade de manifestantes, havia os que mostravam ter perdido a crença no valor da fala política, assim como outros que nunca a haviam valorizado em seu poder transformador. Mas estavam presentes também aqueles que procuraram fazer das ruas um território para a reivindicação de igualdade. Ou, como nos termos que Betinho usou para descrever os dilemas da clandestinidade, fazer “a realidade política aparecer” ou torná-la transparente, permitindo à sociedade entrar na “cena política real”.
Coloca-se assim, como em outras circunstâncias históricas se havia colocado para a militância clandestina contra a ditadura, a questão da busca desse espaço movente que precisa ser reinventado constantemente, no qual se definem identidades, pertencimentos e modos de ação. Só que essa reinvenção concerne aos próprios sujeitos políticos que procuram liberdades públicas e bens coletivos para todos, sem discriminação de classe ou raça, de modo que todos possam participar, em igualdade de condições, do debate sobre a construção de futuros.

Henri Acselrad
Henri Acselrad é professor do Ippur/UFRJ e pesquisador do CNPq. O presente artigo retoma questões debatidas no recém-lançado livro Sinais de fumaça na cidade: uma sociologia da clandestinidade na luta contra a ditadura no Brasil, Editora Lamparina, Rio de Janeiro, 2015.


Ilustração: Daniel Kondo


1         Herbert de Souza (Betinho), A situação da clandestinidade e os processos de formação dos partidos-seitas, Santiago do Chile, 1972. Mimeo. Documento CPDOC/FGV, p.2.
2  Hannah Arendt,The Human Condition[A condição humana], University of Chicago Press, 1958, p.199.
3  Pierre Bourdieu, Contre-feux 2 [Contrafogos 2], Raison d’Agir, Paris, 2001.
4  Kate Bronfenbrenner, Uneasy Terrain: the Impact of Capital Mobility on Workers, Wages and Union Organizing [Terreno incerto: o impacto da mobilidade de capital sobre trabalhadores, salários e organização sindical], US Trade Deficit Review Commission, Nova York, 2000. Mimeo.
5         Michael Kalecki, “Aspectos políticos do pleno emprego”. In: Crescimento e ciclo nas economias capitalistas, Hucitec, São Paulo, 1983 [1944], p.54-60.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Baratas Na Cultura de Brasília

por José Gilbert Arruda Martins

As baratas tomaram de conta do "Espaço Renato Russo" na 507 Sul. Não que isso seja uma novidade, a cultura na capital federal, local que deveria ser referência, foi "jogada às baratas". O GDF, que abandonou a cidade, abandonou é claro, toda arte, toda cultura.


Espaço Cultural Renato Russo W3 Sul - foto: PG


E olha que as baratas urbanas têm um papel importante.

"Esses insetos consomem rapidamente toneladas de fezes, cadáveres, restos alimentares e até papel, cigarros e plásticos. Se sumissem, sofreríamos com um rápido acúmulo de resíduos humanos nos esgotos e cemitérios."

Consomem também espaços culturais.

"As baratas são insetos muito diversos e abundantes e, por serem onívoras, ou seja, por comerem de tudo, têm papel vital como decompositoras de restos orgânicos. Além disso, elas fazem parte da dieta de muitos outros animais, como aves, aranhas, lacraias e escorpiões."

Pena que elas não consomem governantes incompetentes.

Quem tem acesso a cultura em Brasília?

Por que, espaços importantes como o "Renato Russo", foram completamente abandonado?

Senão bastassem as políticas de massificação, que embalam sonhos e realidade do nosso povo, o que presenciamos é um desrespeito absurdo com um espaço que deveria ser cuidado, não apenas por causa do nome, mas por que é próximo às escolas do Plano Piloto, é aberto e de fácil acesso aos jovens da cidade ou pelo menos aos estudantes da Asa Sul.

Jogando o "Espaço Renato Russo" às baratas, acredito que potencializamos a política de massificação da cultura, que pode até ter seu lado bom, mas que consegue homogeneizar pensamentos e ações, inclusive de organização política e social da Comunidade.

"Assim os fatores que interferem na importância da valorização da cultura popular para o desenvolvimento local são: 
• Interferência da mídia; 
• Tecnologia da informação (celular, internet, jogos eletrônicos); 
• Valorização dos produtos estrangeiros; 
• Papel da escola no ensino médio em relação à cultura popular , ou seja, falta de uma disciplina sobre cultura popular; 
• Falta de projetos de políticas culturais." 

Estamos distantes de uma verdadeira cultura popular, comunitária e para jovens.

E, o abandono de espaços importantes, como o que está acontecendo com o "Renato Russo", é um sintoma de que não nos importamos com cultura, muito menos popular.

Com informações: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2011/284/nojentas-mas-uteis

http://www.cult.ufba.br/enecult2007/RubiaRibeiroLossio_CesardeMendoncaPereira.pdf