terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Opinião - A perda de relevância do PT O PT envelheceu, perdeu o viço dos movimentos sociais, a vitalidade intelectual, a dimensão pública. - E, junto à juventude, a Lava Jato terá um poder corrosivo mil vezes maior do que a AP 470



Rui Falcão
                                  O isolamento do partido tem muito a ver com a personalidade de Rui Falcão
no Carta Capital



por José Gilbert Arruda Martins (Professor)

Confesso que, apesar de ser professor, não conhecia esses detalhes postos na matéria 
crítica sobre o Partido dos Trabalhadores. Muito elucidativa.
Torço para que o Luis Nassif esteja equivocado, mas a verdade que muitos 
companheiras e companheiros de militância percebem, é exatamente o exposto no texto.
É inacreditável o que o poder é capaz de fazer com pessoas. Esse tema é tratado nos 
intervalos de aula, nas salas de aula, no almoço de todo dia e, como não poderia deixar 
de ser, nos botecos da vida. O Partido dos Trabalhadores precisa se reencontrar. Urgente

    A perda de relevância do PT
    O PT envelheceu, perdeu o viço dos movimentos sociais, a vitalidade intelectual, a dimensão pública. E, junto à juventude, a Lava Jato terá um poder corrosivo mil vezes maior do que a AP 470
    A proposta de criação de um gabinete de crise ― composto, entre outros, por Gilberto Carvalho, Marco Aurélio Garcia, Luiz Dulci e Humberto Costa ― não se refere propriamente à crise política atual, mas ao próprio partido.
    por Luis Nassif — no Carta Capital
    Nos últimos anos, o PT tornou-se um partido insignificante. Tem apenas um porta-voz, o presidente Rui Falcão, que em geral não se pronuncia em momentos cruciais. Intelectuais, personalidades públicas, juristas simpatizantes surgem em seu apoio quando a democracia é ameaçada, mas há muito deixaram de ter voz ativa no partido.
    Esse isolamento tem muito a ver com a personalidade de Rui Falcão. Repete-se, em escala nacional, o mesmo que ocorreu com o Sindicato dos Jornalistas nos anos 80.
    O Sindicato entrou na década com enorme peso devido à gestão Audálio Dantas e mesmo a de David de Moraes, que presidiu-o na infausta greve de 1979.
    Na sucessão de David, montou-se uma frente composta por membros do recém-criado Partido dos Trabalhadores com a esquerda independente contra o Partidão. A frente elegeu Gabriel Romeiro e a chapa contava com diversos jornalistas de peso, mas não alinhados.
    Rui era a liderança de fato por trás de Romeiro. E, durante todo o primeiro ano, seu trabalho foi o de ocupar todos os espaços do sindicato, focado muito mais em reduzir o espaço dos aliados do que dos adversários.
    Ao final de um ano, todos os independentes ― que nunca haviam feito da política sua missão principal ― afastaram-se. Ficaram Rui e os chamados "tarefeiros" ― a jovem rapaziada pau para toda obra. Com a saída dos independentes, o Sindicato perdeu expressão e tornou-se desinteressante para Rui que, logo, depois de tê-lo utilizado como escada, se afastou.
    Nunca mais o Sindicato foi sombra da expressão que havia adquirido na década anterior.
    No PT, repetiu-se essa estranha autofagia. Primeiro, Rui tratou de viajar o País tentando consolidar uma estrutura de influência em cima da herança de José Dirceu ― com quem rompeu.
    Quando sentiu o terreno consolidado, fechou-se, não deu espaço para mais ninguém e tratou de ocupar todos os espaços internos, deixando o partido do tamanho do seu presidente. As personalidades ligadas ao partido foram se afastando gradativamente. Grandes nomes já haviam saído rumo ao governo.
    Aliás, essa autofagia ficou nítida nas disputas com Fernando Pimentel durante a campanha de 2010.
    O PT assistiu inerte à eclosão das manifestações de junho de 2013. Perdeu o bonde dos novos movimentos, pois poderiam gerar novas lideranças, colocando em risco o predomínio dos jurássicos. Não se apropriou do intenso trabalho intelectual da Fundação Perseu Abramo, pois dali poderiam emergir novos rumos e, com eles, novas lideranças.
    Agora, segundo notícias de ontem, a primeira missão do tal gabinete de crise será correr atrás da nova geração de movimentos que emergiu das manifestações de 2013.
    Vai chegar tarde. O PT envelheceu, perdeu o viço dos movimentos sociais, a vitalidade intelectual, a dimensão pública. E, especialmente junto à juventude, a Lava Jato terá um poder corrosivo mil vezes maior do que a AP 470.
    Fica o País órfão de partidos, entre o PT, que perdeu a dimensão do nacional, e o PSDB, que tornou-se um partido golpista, com suas principais lideranças se permitindo ser coadjuvantes de revoltados online. E sem Marina, que continua chorando pelos cantos como uma hárpia autocompadecida.

    segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

    Comissão Nacional da Verdade Dilma chora ao receber relatório final da Comissão Nacional da Verdade Grupo entregou documento à presidenta sobre violações na ditadura, no qual recomenda revisão da Lei da Anistia

    Antonio Cruz/ Agência Brasil
    Dilma chora
    Presidenta se emocionou no momento em que falava sobre as pessoas que perderam familiares e “continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia”

    no Site da Carta Capital

    por José Gilbert Arruda Martins (professor)

    Um país civilizado se constrói com democracia e seriedade no debate.
    A presidenta Dilma Roussef em seu segundo mandato, dirige um país enorme, com problemas e soluções de toda ordem.
    Um dos problemas que eu particularmente enxergo, é o argumento raso, desrespeitoso, autoritário de pessoas que deveriam ler mais, se informar mais, pensar mais, enxergar mais além do próprio umbigo.
    É inacreditável como a internet proporcionou e patrocinou a violência por meio de ofensas e colocações pobres em argumentação.
    Gostaria de usar o espaço da Carta Capital para o debate sério. Para as argumentações sérias.
    O país precisa disso e não da violência das palavras e atos.
    Tenho consciência dos erros do governo. Tenho consciência dos erros do Partido dos Trabalhadores, mas estou aberto ao debate e à argumentação que provoque aprendizado, crescimento nas ideias.
    Tenho consciência também dos acertos do governo e do Partido dos Trabalhadores. Avançamos em várias áreas, principalmente na educação, emprego, salários, moradias, isso precisa ser valorizado e divulgado, não é um legado apenas do governo, é de todo o país.

    Comissão Nacional da Verdade

    Dilma chora ao receber relatório final da Comissão Nacional da Verdade

    Grupo entregou documento à presidenta sobre violações na ditadura, no qual recomenda revisão da Lei da Anistia
    por Redação 
    A presidenta Dilma Rousseff recebeu nesta quarta-feira 10 orelatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e disse que o trabalho do grupo vai ajudar a afastar “fantasmas de um passado doloroso” e permitir que os brasileiros conheçam a história das violações aos direitos humanos durante a ditadura civil-militar para que elas não se repitam.
    “Nós, que acreditamos na verdade, esperamos que esse relatório contribua para que fantasmas de um passado doloroso e triste não possam mais se proteger nas sombras do silêncio e da omissão", destacou.
    Muito emocionada, Dilma chorou ao dizer que o Brasil merecia a verdade sobre a ditadura militar. “Sobretudo merecem a verdade aqueles que perderam familiares e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia”, disse, com a voz embargada, após interromper o discurso por causa do choro.
    O relatório final da CNV faz um relato das atividades desenvolvidas durante os dois anos e sete meses de investigações, além de fatos apurados, conclusões e recomendações. De acordo com o coordenador do colegiado, Pedro Dallari, uma das conclusões mais importantes do relatório final é a confirmação de que as graves violações aos direitos humanos, durante o período da ditadura militar, foram praticadas de maneira sistemática.
    Dilma agradeceu e elogiou o trabalho dos integrantes da comissão e disse que a conclusão das atividades não representa um ponto final nas investigações das violações de direitos humanos na ditadura. Segundo Dilma, o Estado brasileiro vai se “debruçar” sobre o relatório, “olhar as recomendações e propostas e tirar as consequências necessárias”. A presidenta citou os trabalhos de comissões da verdade estaduais e setoriais como complementares ao trabalho do colegiado.
    Dilma também fez um agradecimento aos órgãos que colaboraram com as investigações da comissão e aos “homens e mulheres livres que relataram a verdade para a comissão”, principalmente aos parentes de vítimas e sobreviventes do período militar. “Presto homenagem e manifesto caloroso agradecimento aos familiares dos mortos e desaparecidos, aqueles que com determinação, coragem, generosidade, aceitaram contar suas histórias e histórias de parentes, amigos, companheiros que viveram tempos de dor, morte e sofrimento.”
    A presidenta ressaltou o trabalho histórico da comissão e a importância das investigações do grupo para o reconhecimento do direito à memória – principalmente para as gerações que nasceram após o período militar – e para a reconciliação nacional, com valorização dos pactos e acordos que levaram o país à redemocratização.
    “Com a criação desta comissão, o Brasil demonstrou a importância do conhecimento desse período para não mais deixá-lo se repetir”, disse. “Conhecer a história é condição imprescindível para construí-la melhor. Conhecer a verdade não significa reagir, não deve ser motivo para ódio. A verdade liberta daquilo que permaneceu oculto”, comparou.
    Ao receber o documento de 4,4 mil páginas, que também está disponível na internet, Dilma disse que a apresentação simultânea para o governo e para a sociedade mostra que o trabalho da CNV foi isento de interferências e que é resultado de uma decisão do Estado brasileiro, e não apenas de um governo.
    Criada pela Lei 12.528/2011 e instalada em maio de 2012 para examinar e esclarecer violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, principalmente no período da ditadura militar (1964-1985), a Comissão Nacional da Verdade terá seus trabalhos encerrados no próximo dia 16. No relatório final, o grupo sugere a criação de um órgão público para dar seguimento e continuidade às ações da CNV.
    *Com informações da Agência Brasil

    Comissão Nacional da Verdade Para família de vítimas da ditadura, CNV trouxe justiça histórica, mas não de fato Falta de cooperação das Forças Armadas para descobrir paradeiro dos desconhecidos é uma das maiores frustrações da comissão e dos parentes dos mortos e desaparecidos políticos

    Antonio Cruz/ Agência Brasil
    Desaparecidos
    Protesto pelos desaparecidos na ditadura (1964-1985)
    no Site da Carta Capital

    por José Gilbert Arruda Martins (Professor)

    A resistência armada foi parte de um cenário criado pelo Estado quando implantou a Ditadura Militar no Brasil. É completamente descabida e sem parâmetros éticos, morais e de conhecimento histórico, usar argumentos que tentam desacreditar fatos históricos como a Ditadura Militar Brasileira.
    É fato, o Estado e as Forças Armadas brasileiras sabiam e usaram arcabouço legal, a força institucionalizada e ampliada ao extremo para caçar opositores do regime.
    A resistência armada foi fruto de uma violência perpetrada pelo Estado brasileiro na época, patrocinador de uma das mais cruéis ditaduras das Américas, isso é fato. 
    O Brasil institucionalizou a tortura, só isso - que não é pouco -, deveria ser suficiente para ensejar punições adequadas aos mandantes e aos torturadores.
    O Brasil, deveria ser levado aos tribunais internacionais como o de Haia, talvez, e ser forçado a punir os algozes do povo e exigir retratação das Forças Armadas Brasileiras.
    A resistência armada era quase toda ela formada por jovens secundaristas ou universitários. Jovens que foram jogados na clandestinidade pelo próprio sistema ditatorial. Eram poucos, grupo inexpressivo se comparado à força legal patrocinada pelo Estado brasileiro.
    Não ajuda em nada defender o indefensável. É fato a desproporcionalidade entre os grupos de poucas pessoas, na sua maioria jovens inexperientes, e a força bruta e todo seu aparato legal altamente organizado, usando as dependências das Forças Armadas, das delegacias e instituições estatais.
    A Comissão Nacional da Verdade, infelizmente, não tem poder de punir, mas uma coisa deixou claro para toda a sociedade, o Estado brasileiro, as Forças Armadas sabiam e concretamente participaram do esquema de violações aos direitos humanos e à tortura e assassinatos durante a Ditadura Militar brasileira. É fato.

    Comissão Nacional da Verdade

    Para família de vítimas da ditadura, CNV trouxe justiça histórica, mas não de fato

    Falta de cooperação das Forças Armadas para descobrir paradeiro dos desconhecidos é uma das maiores frustrações da comissão e dos parentes dos mortos e desaparecidos políticos
    A escassez de informações a respeito do destino de presos e desaparecidos políticos durante a ditadura era o maior desapontamento dos familiares das vítimas no dia de lançamento do relatório final da Comissão Nacional da Verdade.
    “A grande frustração das famílias é não saber ao certo o que aconteceu com os desaparecidos e nem saber a localização exata dos restos mortais”, afirmou Maria Eliana de Castro, irmã de Antônio Deodoro de Castro, o Raul da Guerrilha do Araguaia. Segundo ela, o irmão foi assassinado pelo major Curió, oficial que em seu livro de memórias relatou ter dado um tiro no peito de Antônio. “Quem não teve a chance de enterrar os seus mortos nunca vai esquecer o que aconteceu.”
    O caso do irmão de Maria e da Guerrilha do Araguaia servem para ilustrar uma problemática encontrada pela comissão durantes as suas investigações. A falta de cooperação das Forças Armadas criou empecilhos, segundo os coordenadores, na procura por vítimas do período. “As Forças Armadas mataram esses opositores [no caso da Guerrilha do Araguaia] e tiveram os corpos em suas mãos”, afirma Pedro Dallari, presidente da Comissão Nacional da Verdade. “Como podem, agora, alegar que não sabem onde eles estão? É um fenômeno sobre o qual os militares têm absoluto controle, porque as mortes ocorrem num contexto de enfrentamento militar.”
    Wadih Damous, presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, também apontou o silêncio do Exército como um mecanismo que dificultou a elucidação dos casos. "Vivenciamos a sistemática negativa da colaboração das Forças Armadas Brasileiras para alcançar os nossos objetivos.” Desde que iniciou seus trabalhos, a Comissão Nacional da Verdade localizou três corpos, em mais de 200 desaparecidos.
    A frustração foi reforçada no pronunciamento de Togo Meirelles Neto, cujo pai, Thomaz Antônio da Silva Meirelles Netto, desapareceu em maio de 74 no Rio de Janeiro. “Infelizmente, a Comissão da Verdade não conseguiu reunir todas as informações sobre os desaparecidos. Infelizmente, não teve a colaboração daquele que têm as respostas.” Com a voz embargada, Togo prometeu, em nome de todos os parentes dos desaparecidos, “nunca desistir até saber tudo o que aconteceu. Essa dor nunca vai desaparecer até o dia da minha morte."
    Os familiares afirmaram, ainda assim, que o trabalho da comissão é importante e trouxe reparação histórica para o Brasil, ainda que não tenha ocorrido a prisão dos culpados. Para eles, houve uma expectativa de punição dos responsáveis que não se concretizou. "Não sou a favor da pena de morte, mas gostaria de ver os torturadores em prisão perpétua, morrendo na cadeia.", disse Maria, que ainda espera ver os torturadores presos.
    Para Damous, o relatório entregue hoje deve ser interpretado como uma “obra aberta”. “Não é o fim. Tenho certeza de que outras investigações podem aprofundar o trabalho da Comissão Nacional da Verdade”, declarou, reforçando a atuação de comissões estaduais. “Ainda não sabemos onde está o corpo de Rubens Paiva, Stuart Angel e todos os demais desaparecidos políticos do Brasil. Não vamos descansar até encontrá-los todos.”

    Comissão Nacional da Verdade Especialistas criticam foco excessivo da CNV em casos já sabidos Historiadores reconhecem as dificuldades enfrentadas, mas afirmam que grupo deveria ter falado menos em casos emblemáticos e mais nas perseguições de cidadãos comuns

    José Cruz/Agência Brasil
    Pedro Dallari
    Pedro Dallari: Comissão da Verdade não é o começo nem o fim do processo, é o momento central

    no site da Carta Capital

    por José Gilbert Arruda Martins

    Infelizmente, parece que tudo vai ficar como antes. O país depositou fortes esperanças de que com o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CV) fossemos capazes de iniciar um processo de mudança de rumos na questão da Ditadura Militar no Brasil detalhado e específico levando o tema ao debate com a sociedade, revendo a Lei da Anistia e punindo quem deve ser punido. Outro ponto importante, e ai não é problema da CV em si, é o seguinte? O que fazer agora? Vamos rever a Lei da Anistia? Vamos punir o Estado, as Forças Armadas? Vamos punir os torturadores e mandantes vivos? Será que o país vai ficar na mesma em relação à Ditadura Militar?
    A construção democrática passa por sepultarmos os corpos insepultos de uma das mais violentas ditaduras militares da América.
    Não vamos dar credibilidade e fortaleza à nossa democracia se continuarmos jogando para debaixo do tapete e não debatendo de forma assertiva com as punições e responsabilizações adequadas, a ditadura militar.
    O Estado, as Forças Armadas precisam ser responsabilizadas. Essas instituições precisão vir a público se explicar, essa seria uma atitude de grandeza, uma atitude democrática de quem deseja ver um país melhor, mais seguro para todos e todas.


    Comissão Nacional da Verdade

    Especialistas criticam foco excessivo da CNV em casos já sabidos

    Historiadores reconhecem as dificuldades enfrentadas, mas afirmam que grupo deveria ter falado menos em casos emblemáticos e mais nas perseguições de cidadãos comuns
    por Rodrigo Martins — publicado 12/12/2014 05:47

    Embora não tenha apresentado grandes novidades capazes de mudar os rumos da historiografia, especialistas reconheceram as dificuldades enfrentadas pela Comissão Nacional da Verdade e elogiaram o reconhecimento, no relatório final do grupo, de que a repressão e a eliminação de opositores políticos durante a ditadura (1964 a 1985) se converteram em “política de Estado, concebida e implementada a partir de decisões emanadas da presidência da República e dos ministérios militares”.
    “Foi importante destacar que as torturas, mortes e desaparecimentos forçados não foram atos isolados ou fruto de excessos de alguns agentes do regime, como diziam os militares. Está mais do que comprovado que essas violações faziam parte de política de repressão institucional, com o conhecimento dos oficiais generais, inclusive dos presidentes da República”, comenta Carlos Fico, professor da UFRJ e coordenador do núcleo de História da Capes, agência de fomento à pesquisa federal.
    “Eu já havia demonstrado isso em 1998, no livro Como Eles Agiam, e fiquei muito feliz de ver essa visão referendada pela Comissão da Verdade”, diz Fico. “No senso comum, dentro das casernas, ainda prevalece o discurso de foram atos isolados”.
    De acordo com o historiador, os casos destacados pelo grupo também ajudaram a desconstruir mitos, como o de que o golpe de 1964 ocorreu sem violência e de que tudo não passou de uma batalha de telefonemas. “Isso é uma balela, os pesquisadores já sabiam, mas foi importante a Comissão divulgar que os porões dos navios estavam repletos de presos logo após o golpe. Houve prisões em massa e as torturas começaram desde o início.”
    Apesar das contribuições deixadas, Fico avalia que a Comissão Nacional da Verdade poderia ter adotado uma estratégia que mobilizasse mais a sociedade. “Os conselheiros optaram por privilegiar os casos emblemáticos, já conhecidos e que há algumas décadas são reclamados pela militância de direitos humanos”, afirma. “Ficaram de fora, por exemplo, os casos de perseguição de cidadãos comuns, aqueles que não eram militantes de esquerda, mas que também foram vítimas da extensa rede de espionagem instalada no Brasil”.
    O historiador cita os servidores que perderam o emprego ou tiveram a carreira na administração pública comprometida por alguma desconfiança dos órgãos de repressão. “Ao incluir essas pessoas comuns no rol das vítimas, a sociedade brasileira perceberia o dano causado pela ditadura a todos, e não apenas àqueles que lutaram contra o regime.”
    Luiz Antonio Dias, chefe do Departamento de História da PUC-SP e pesquisador do tema há mais de duas décadas, também destaca a visibilidade dada aos malefícios da ditadura nos últimos anos. “De fato, não tivemos grandes revelações, capazes de mudar os rumos da historiografia. Mas o trabalho deu uma visibilidade muito grande ao tema e serviu como modelo para a criação dos comitês estaduais, municipais e setoriais”, afirma.
    Segundo o pesquisador, a falta de colaboração dos agentes da repressão e das Forças Armadas prejudicaram os trabalhos da comissão, que não conseguiu avançar muito na localização dos desparecidos políticos. “É preciso reconhecer que a Comissão da Verdade não tinha poder coercitivo, tanto que muitos agentes se recusaram a prestar depoimentos. Também não tinha poder punitivo. Não por acaso, o coronel Paulo Malhães vangloriava-se das atrocidades que cometeu. Tinha a certeza da impunidade.”
    Dias também destacou como um fato positivo a divulgação da lista com 377 violadores dos direitos humanos, além da recomendação pela responsabilização criminal, civil e administrativa dos 196 que permanecem vivos. “Acho pouco provável que esta proposta prospere nos tribunais ou no meio político, por conta do caminho escolhido lá atrás, de conciliação e esquecimento”, diz. “De toda forma, há um certo sentido de Justiça histórica na apresentação da lista dos torturadores.”
    Fico também aplaude a iniciativa, mas critica o caráter genérico do pedido de responsabilização dos agentes da repressão. “Seria melhor uma recomendação expressa para que o Congresso Nacional reavaliasse a Lei da Anistia. O Supremo já se posicionou sobre o tema. Não acho que seja o caso de interpretar de forma diferente a lei ou de entrar na discussão de sua validade diante do sistema jurídico internacional”, afirma. “O Congresso fez essa lei e, à luz das revelações da Comissão da Verdade, deveria reavaliar sua posição. Essa é uma questão política, não jurídica.”
    Em entrevista a CartaCapital, o advogado Pedro Dallari, atual coordenador da Comissão Nacional da Verdade, rebateu a acusação de que o grupo “requentou” fatos já sabidos e afirmou que houve avanços em muitos casos específicos, como o que trata da morte do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado em janeiro de 1971 nas dependências do DOI-Codi do Rio de Janeiro.
    “Não tenho o menor problema em reconhecer que nos baseamos em dados levantados anteriormente. Sempre digo que a Comissão da Verdade não é o começo nem o fim desse processo, é o momento central”, afirmou. “Antes de nós, houve, por exemplo, os trabalhos da Comissão dos Mortos e Desparecidos Políticos e da Comissão de Anistia. Agora, tivemos o mérito de sistematizar as informações, acrescentar novas revelações, e criar uma plataforma que permitirá o aprofundamento dessas investigações por um grande número de instituições”.
    Wadih Damous, presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, tem uma avaliação bastante semelhante. Para ele, o relatório do Comitê Nacional deve ser entendido como uma “obra aberta”, cujas investigações serão aprofundadas pelo Ministério Público, pelas universidades e pelas comissões da verdade locais. “Ainda não sabemos onde está o corpo de Rubens Paiva, Stuart Angel e todos os demais desaparecidos políticos. Não vamos descansar até encontrá-los todos.”


    domingo, 14 de dezembro de 2014

    História das Relações Internacionais - Aula 3 - A Idade Média e o Sistema Internacional

    Aula 3 - A Idade Média e o Sistema Internacional Renascentista - parte 3

    O professor Peter Demant, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, fala sobre as fases do Império Bizantino e seus imperadores.

    História das Relações Internacionais - Aula 2 - A Antiguidade Medioriental e Clássica

    Aula 2 - A Antiguidade Medioriental e Clássica - Parte 1
    O professor Peter Demant, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, fala sobre as quatro grandes civilizações originais da humanidade: o Egito, a Mesopotâmia, a Índia e a China. Fala também dos grandes impérios: Assírio, Babilônio, Persa e de Alexandre Magno. O desenvolvimento das civilizações resultou em formas de políticas para comandar essas civilizações, essas formas foram: monarquia, aristocracia e democracia.

    História das Relações Internacionais - Aula 1

    O professor Peter Demant, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, introduz aos seus alunos a matéria História das Relações Internacionais. Seu programa aborda desde o início das relações internacionais até a Primeira Guerra Mundial.

    Jailson, "morador" de rua em Brasília que participou do Projeto Click Humano é encontrado pela família

    Sr. Jailson, agora ex-morador de rua, encontrado em Brasília pelos familiares.

    Sr. Jailson




    Ontem liguei para a professora Ivete Aguiar - Coordenadora Pedagógica da Escola Meninos e Meninas do Parque - com o objetivo de convidar os alunos e aluna que participaram do Projeto e contaram suas experiências aos nossos alunos e alunas em setembro/outubro próximos passados, para o Natal da Humanos.

    Durante a conversa ela me relatou que depois de uma reportagem do SBT Brasil com o aluno/morador de rua Sr.  Jailson que trabalhava como guardador de carros aqui na Asa Sul, a família no Maranhão, que achava que ele estava morto, viu a matéria e se deslocou a Brasília e o levou para aquele Estado.

    Fiquei feliz com a notícia e torcendo para que Jailson se readapte ao convívio familiar fora das ruas. Ele mesmo havia dito, em um dos encontros com nossos alunos e alunas que "Quando a rua te abraça, é difícil se livrar".

    Dia 24 próximo, a partir das 19 horas iremos fazer o Natal Humanos. Segunda feira, amanhã, dia 15/12, faremos reunião na escola, na parte da tarde, para fecharmos os últimos detalhes.



    sábado, 13 de dezembro de 2014

    Projeto Humanos: Natal Com "Moradores" de Rua em Brasília-DF. Participe

    Prof. Gilbert, Jimmy Clyff e o aniversariante Alan

    Prof. Gilbert e Jimmy Clyff

    Hoje participamos do 36° aniversário do Alan Sarda Py, também conhecido nas ruas do Plano Piloto como "Gaúcho". (é o rapaz de camisa verde acima)

    Alan é de Porto Alegre, está nas ruas de Brasília há mais de 6 anos. Um jovem talento, desperdiçado, jogado na periferia do sistema pelo próprio sistema. Alan se diz 'cuidador' de cachorros, é, o que denominamos na hora do encontro de "personal dog", uma "profissão" em alta na cidade, pois para cada morador temos mais ou menos um cachorro, é a sociedade onde um cachorro é prioridade, o humano não.

    Aproveitamos o encontro para discutir com eles o Natal do dia 24 de dezembro. Vamos fazer uma Ceia de Natal com os "moradores" de rua ali mesmo, 306/307 Sul.

    Quer participar e ajudar?

    Entre em contato conosco aqui no blog, todos e todas os alunos estão convidados, é o fechamento desta etapa do Projeto Humanos.


    sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

    Adultizar, erotizar …. vender!

    141013_lilica-ripilica-verao-2015
    Outdoor da Marisol, em Londrina: pressionada, empresa firmou Termo de Ajustamento de Conduta, comprometeu-se a não mais veicular publicidade desse tipo e a pagar multa de R$ 20 mil.

    Ao suspender publicação da “Vogue Kids”, Justiça aponta: publicidade contemporânea tira proveito da vulnerabilidade infantil para sugerir consumo alienado e fútil
    Por Lais Fontenelle - no Outras Palavras
    Mês passado, um ensaio fotográfico intitulado “Sombra e água Fresca”, de um editorial de moda da Vogue Kids envolvendo meninas em poses sensuais, foi alvo de contundentes críticas de pais, mães, pediatras, especialistas em infância, estudantes e instituições que trabalham em prol da garantia dos direitos das crianças. O repúdio e as denúncias a diversos órgãos competentes foram tamanhos, que acabaram acarretando denúncia formal ao Ministério Público do Trabalho. A Justiça determinou que as fotos fossem retiradas, em 48h, de todas as mídias digitais, da revista Vogue Kids e consequentemente da Vogue (edição de setembro), na qual Vogue Kids é encartada como suplemento.
    O fato deve ser celebrado nesse mês das crianças, e merece reflexão. É claro que é linda a cena de uma filha se equilibrando nos saltos da mãe, passando o batom vermelho da avó ou brincando com outros elementos que permeiam o universo feminino materno e fazendo de conta que é gente grande. Brincar de faz de conta com roupas e objetos do universo adulto e experimentar trejeitos maduros é importante para o desenvolvimento e faz parte do exercício de comportamentos futuros.
    Mas o que vimos nas fotos do ensaio da revista Vogue estava longe de ser brincadeira. As imagens veiculadas rompiam nitidamente com o limiar entre crianças e adultos, meninas e mulheres – um limiar já bastante tênue, hoje, na sociedade de consumo. O ensaio fotográfico trazia fotos de meninas entre sete e dez anos em poses mais que sensuais, fazendo caras e bocas costumeiras às modelos adultas mas incompatíveis com essa faixa etária. O cenário era praiano, mas as fotos não retratavam crianças brincando ou correndo felizes. Aliás, nem sorrindo estavam. Com expressões lânguidas, as meninas posaram em posições adultas, mas com expressão de fragilidade, tirando a blusa e olhando por cima do ombro ou com o corpo deitado e as pernas entreabertas.
    Cabe então a pergunta: qual a real intenção do ensaio? A meus olhos, nada mais do que chamar atenção de adultos e crianças para os produtos ali “anunciados veladamente” – o que, por si só, já ataca a vulnerabilidade infantil, posto que a maioria das crianças ainda não têm, como nós, adultos, capacidade crítica e abstração de pensamento necessárias para lidar com os apelos sedutores do consumo. Sem falar das consequências emocionais que imagens como essas provocam no imaginário feminino infantil, levando as pequenas moças a acreditar que roupa sensual e pose erótica serão peças fundamentais para a expressão de sua identidade e aceitação social.
    Não é de hoje que que as crianças são insistentemente convidadas a amadurecer precocemente e passar, num clique, de menina a mulher aos olhos da sociedade. Isso, num país que mapeou 1.820 pontos de exploração sexual infantil nas rodovias federais, 241 rotas de tráfico de crianças e adolescentes para fins de exploração sexual, além de 13.472 denúncias de pornografia infantil na internet e de 3.600 denúncias telefônicas de abuso e exploração sexual infanto-juvenil, apenas no primeiro semestre de 2010.
    TEXTO-MEIO
    Diante desses dados, fica clara a gravidade de convidar nossas meninas à adultização e erotização precoces. Recente pesquisa da World Childhood Foudation (WCF) revela que 65% das meninas exploradas sexualmente declaram usar o dinheiro da exploração sexual para comprar celular, tênis ou roupas. Isso demonstra que a vulnerabilidade econômica não é mais o único fator a despertar esse tipo de violência, dividindo a cena com apelos de consumo de indumentária e aparelhos eletrônicos.
    Assim, não restam dúvidas de que imagens como as do ensaio fotográfico são uma violação ao direito das crianças a ter infância – fase essencial do desenvolvimento físico, cognitivo e de valores. Meninas precocemente erotizadas não estão preparadas para os olhares adultos que receberão – e o mercado tem o dever e responsabilidade compartilhada de construir um olhar mais cuidadoso sobre estas crianças.
    Sem esquecer o fato de que essas meninas trabalharam, ao participar do ensaio, e a legislação brasileira veda o trabalho infantil até os 14 anos, e permite trabalho artístico desde que com caráter de aprendizagem e com as devidas autorizações, de modo a garantir-se o direito da criança de ter seus interesses preservados.
    Não é de hoje que fatos como esse chamam atenção da sociedade civil e de profissionais que trabalham pelos direitos das crianças. Em 2008, o Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana denunciou a marca de roupas infantis Lilica Ripilica, da empresa Marisol, pela veiculação de outdoor com foto erotizando uma criança, em Londrina. Depois de muitas idas e vindas, nova representação foi endereçada ao Ministério Público de Santa Catarina, sede da empresa. Em março de 2009 foi celebrado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Marisol S.A., em que a empresa comprometeu-se a não mais veicular publicidade com imagens desse tipo e a pagar multa de 20 mil reais – evidência de que, com a devida pressão, os abusos começam a ser coibidos.
    Não há dúvidas quanto à importância de as crianças serem representadas na mídia, até para serem enxergadas na sociedade como sujeitos de direitos. No entanto, as produções culturais devem contribuir para o desenvolvimento infantil ou, ao menos, não prejudicá-lo. Crianças são sujeitos de direitos, e o principal deles é ter infância. Não façamos o convite para que as crianças, meninas especialmente, amadureçam antes do tempo. Elas precisam ser preservadas para que possam florescer no seu próprio tempo. Façamos valer o preceito legal de que elas são prioridade absoluta em nosso país. Será nosso maior presente no mês das crianças.

    Segurança Pública, pauta dos conservadores?

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    Anistia Internacional provoca: quem deseja mundo melhor, não pode furtar-se ao tema. Porque violência é manipulada pelas elites, mas inferniza as maiorias.

     Átila Roque, entrevistado por Marcelo Pellegrini, em Carta Capital  -  no Outras Palavras

    Matou-se mais no Brasil do que nas doze maiores zonas de guerra do mundo. Os dados são da Anistia Internacional no Brasil e levam em conta o período entre 2004 e 2007, quando 192 mil brasileiros foram mortos, contra 170 mil espalhados em países como Iraque, Sudão e Afeganistão.
    Os números surpreendem e são um reflexo de uma “cultura de violência marcada pelo desejo de vingar a sociedade”, conta Átila Roque, diretor-executivo da base brasileira da Anistia Internacional. De acordo com os últimos levantamentos feitos pelo grupo, 56 mil pessoas foram assassinadas em solo brasileiro em 2012, sendo 30 mil jovens e, entre eles, 77% negros.
    Esses índices, segundo ele, são resultado de uma política de criminalização da pobreza e de uma indiferença da sociedade em torno de um “genocídio silenciado” que muitas vezes fica impune. “Entre 5 e 8% dos homicídios no Brasil chegam a virar processo criminal. Então, na verdade, matar no Brasil virou um crime quase que impune”, afirma Roque. “Ou seja, processos sobre os homicídios também são seletivos.”
    Do outro lado desse processo, o racismo introjetado nos profissionais de segurança pública explica a alta mortandade da população negra. Para Roque, esses policiais são vítimas do mesmo preconceito que reproduzem. “Essa sociedade que constrói uma visão estereotipada sobre sua população, em particular a jovem negra de periferia, vê o policial como parte desses cidadãos de segunda classe”, argumenta.
    CartaCapital conversou com o diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil sobre a campanha “Jovem Negro Vivo”, cujo objetivo é sensibilizar a sociedade para o tema da violência direcionada aos jovens, em especial negros, no Brasil.
    CartaCapital: O Mapa da Violência de 2014 da Unesco mostra que há uma queda de 32,3% no número de homicídios de jovens brancos, enquanto o percentual de homicídios de jovens negros cresceu na mesma proporção, com um aumento de 32,4%. O que isso indica?
    Atila Roque: Essa é uma tendência não só de 2014. Se olharmos os dados dos últimos dez anos, é certamente isso que você vai encontrar. Entre jovens brancos, com idade entre 16 a 29 anos, há uma redução na taxa de homicídio da ordem de 33%. Quando considerarmos os homicídios de jovens negros, na mesma faixa de idade, é como se olhássemos para um espelho invertido. A partir disso, quando olhamos a linha de crescimento de homicídios no Brasil, a conclusão imediata é que o crescimento das mortes está muito sustentado na morte do jovem negro.
    Se a tendência de redução que encontramos nas mortes de jovens brancos prevalecesse, estaríamos em um processo de redução das taxas de homicídio, o que não está acontecendo. Estamos há mais de dez anos na faixa de 50 mil homicídios por ano, o que é um número absolutamente espantoso, mesmo comparando com situações de guerra e conflitos.
    Isso também sugere que a sociedade brasileira está claramente admitindo que não se importa, pelo silêncio e pela indiferença. Está dizendo que o jovem negro pode morrer e que há um tipo de pessoa que é “matável”. Isso tem muito dos nossos preconceitos e dos estereótipos que formam a visão do Estado e da sociedade em relação a seus cidadãos.
    CC: A sociedade não se importa ou não sabe?
    AR: Não saber é relativo. Primeiro porque esses dados existem pelo menos desde 1981. Então, a sociedade como um todo, e isso inclui os órgãos de imprensa e as entidades estatais responsáveis por políticas públicas, não pode alegar desconhecimento. Essa série de dados que é proveniente do registro do Sistema Único de Saúde já vem sendo feita há 30 anos. Por isso conseguimos traçar tantas tendências e fazer paralelos. O Brasil tem os dados. O problema é em que medida esses dados são apresentados à população e com que dramaticidade. A verdade é que, se analisarmos, com raríssimas exceções, a cobertura que a grande imprensa dá, notamos um grande silenciamento. Isso raramente chega até as manchetes dos jornais.
    CC: Diferentemente de outros países…
    AR: A barbaridade do caso Ferguson, por exemplo, causou um escândalo nos Estados Unidos e no Brasil também. Alguns jornais brasileiros deram quatro páginas para o caso. Por outro lado, há três semanas, tivemos um episódio em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, em que cinco jovens foram executados em uma esquina. Isso gerou um pedaço de notícia minúsculo.
    Não quero culpar a imprensa, isso faz parte de uma situação complexa em que a imprensa responde às prioridades da sociedade, o que sugere que a sociedade não está mesmo prestando atenção para esse tipo de caso. Assim, temos um ciclo vicioso. O dado sai naturalizado. É como se as pessoas dissessem “puxa, que pena, mas eles tinham que morrer mesmo”.
    Gráfico
    CC: Por que espanta quando a notícia é Ferguson e não espanta se acontece em Duque de Caxias?
    AR: Porque em Ferguson a reação da sociedade foi de outra ordem, saiu às ruas, indignou o país. Em Duque de Caxias, a notícia fica na cidade. Essa tem sido, infelizmente, a dura rotina de quem é vítima da violência. Existe um olhar da sociedade sobre o jovem negro, morador da periferia, que é “ele vai morrer, ele vai entrar no crime, ele vai se envolver em situação de conflito”, então, quando acontece, é como se o destino já estivesse traçado. E, na verdade, não está. O destino desse jovem é viver e não morrer.
    CC: Existe algum levantamento da polícia que tipifica o tipo de crime pelo qual esses jovens negros, que estão sendo mortos, respondem?
    AR: Eu não conheço esse dado, mas o que eu posso dizer é que existe um índice muito alto de prisões por crime contra a propriedade – roubo, assalto, e delitos pequenos em comparação com crimes letais – e tráfico de drogas. A gente sabe que o Brasil pune o peixe pequeno e o usuário pobre e morador de periferia. Estes são enquadrados como traficantes, enquanto os grandes traficantes, às vezes, são enquadrados como usuários. O Brasil prende muito.
    Assim como a violência é seletiva, a Justiça também é e a impunidade é mais ainda. Desde a República Velha há o dizer: “Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. De certa maneira é isso o que acontece no sistema de justiça no Brasil. Como pode-se falar em impunidade se temos a quarta maior população prisional do mundo? É um espanto. Prende-se quem, por quê?
    TEXTO-MEIO
    Ao mesmo tempo, entre 5 e 8% dos homicídios no Brasil chegam a virar processo criminal. Então, na verdade, matar no Brasil virou um crime quase que impune. Só vira inquérito quando é quase em flagrante, ou seja, quando o crime é passional ou de trânsito, aquele crime que todo mundo viu. Ou seja, processos sobre os homicídios também são seletivos.
    Crescimento dos homicídios

    CC: O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo e o País é conhecido por não conseguir recuperar os seus presos e reinseri-los na sociedade. Partindo desse princípio, qual é o futuro de um jovem negro que vai preso, hoje, no Brasil?
    AR: Hoje, infelizmente, com a exceção daqueles que conseguem nadar contra a corrente, por força pessoal ou pelo apoio familiar, a chance é a pessoa sair mais desacreditada em relação à sociedade e pior. O sistema piora as pessoas. A maior parte das pessoas vai presa sem ter cometido um crime violento, ou seja, sem histórico de violência ou vínculo com o crime organizado. Ao entrar na prisão, ele é submetido à violência do sistema prisional, ao controle das prisões pelas facções criminosas e é empurrado a aprofundar seu envolvimento com o crime. E, além de tudo, o jovem sai do sistema com o estigma de quem foi preso.
    A lei de execução penal, embora bastante razoável, não é aplicada no Brasil. Não se opta por penas alternativas porque ainda temos uma cultura muito marcada pela vontade de vingar a sociedade. Além disso, 40% da população carcerária está em prisão provisória, ou seja, nem sequer passaram por um julgamento. A maioria dessas pessoas seria submetida a penas de trabalho comunitário ou seria inocentada, sem a necessidade de ter sido presa. Isso mostra o grau de injustiça e perversidade contido no sistema.
    CC: É possível mensurar o número de morte de jovens cometidas pelo Estado?
    AR: Estamos bastante mal na coleta de dados de letalidade provocada pelo Estado. Nós sabemos muito pouco sobre quem foi morto pela polícia. A coleta é imperfeita. A maior parte dos estados não coleta, coleta mal ou não divulga. Isso no País que tem uma das polícias que mais matam no mundo. E, para fazer justiça, é uma das polícias que mais morrem também.
    CC: É justo afirmar que as instituições policiais brasileiras apresentam um racismo crônico e que existe deficiência na formação policial?
    AR: Eu acho justíssimo. Vejo os profissionais de segurança como vítimas dessa máquina de matar. Eles são profissionais que não são reconhecidos pela sociedade, a sociedade olha para eles como aqueles que fazem o serviço sujo. Essa sociedade que constrói uma visão estereotipada sobre sua população, em particular a jovem negra de periferia, vê o policial como parte desses cidadãos de segunda classe. Eles são mal pagos, mal treinados, mal equipados.
    Eles não têm apoio psicológico ou de saúde. Suas famílias ficam quase desamparadas quando um deles morre. Eles são vítimas. São, em sua maioria, jovens e, no caso da Polícia Militar, negros. E pagam o preço por estarem na ponta do sistema, quando a verdade é que são vítimas também.
    Uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas com o Fórum de Segurança Pública, há dois anos, mostra que ninguém deseja mais a reforma do sistema de segurança do que o próprio policial. Ele é a favor da desmilitarização, ele se manifesta a favor da reforma da polícia, ele está insatisfeito por não ter uma carreira única.
    Temos um sistema caótico e devemos revisitá-lo sob a perspectiva de que segurança pública é um direito de todos. O profissional de segurança pública deveria ser considerado pela sociedade tão ou mais importante quanto um médico, porque é ele quem tem o monopólio da violência para proteger os outros.
    CC: Com exceção de 2014, que foi um ano de desaceleração econômica, o Brasil tem vivido um ciclo de crescimento e maior inclusão social, no qual o jovem pobre tem um acesso ampliado ao Ensino Superior e goza de um processo de maior distribuição de renda. Diante disso, por que o número de homicídios entre pobres e negros não cai?
    AR: Esse talvez seja o maior paradoxo que estamos vivendo enquanto sociedade. Isso desmente o que se dizia no passado que é: basta resolver a questão social e promover inclusão que a violência automaticamente vai diminuir. O que estamos vendo no Brasil é que a dinâmica da desigualdade, da distribuição dos bens e da violência obedece a outros critérios que não são apenas a inclusão. É claro que a inclusão é um fator importantíssimo, mas provavelmente o que estamos assistindo é que a mesma família que se beneficia da inclusão também paga o preço entre os seus.
    A conclusão que os estudos têm demonstrado é que, se não priorizarmos uma política inclusiva e responsável de política pública, junto com uma política de redução da desigualdade, não é possível reverter essa situação.
    A dinâmica da violência está associada aos problemas históricos do campo da política de segurança no Brasil. Temos uma tradição de criminalização da pobreza, de definição de guerra ao jovem pobre, que só foi agravada com a ditadura militar e que não foi alterada de forma substantiva com a democracia.
    CC: Existe uma estimativa do número de jovens que morrem no Brasil por dia?
    AR: Algo em torno de 82 jovens entre 16 e 29 anos a cada 24 horas. Isso não estar nas páginas dos jornais é algo espantoso. Para que se tenha uma ideia do que significa, imagine que a cada dois dias caia um avião cheio de jovens. Entre eles, 93% são do sexo masculino e 77% são negros. E a sociedade não dá uma só notícia. Na verdade, esse deveria ser o único assunto. Nós não devíamos falar de mais nada no Brasil. É uma tragédia de proporções escandalosas.
    Homicídios idade
    CC: O Estatuto do Desarmamento está para ser revisto em uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados. Na sua opinião, a revisão do Estatuto influenciaria nesse número de mortos?
    AR: No caminho que está tomando, sem dúvida nenhuma. Mais de 90% das 56 mil mortes são causadas por armas de fogo. É muito fácil colocar a mão em um revólver no Brasil. Essas pessoas todas estão morrendo com armas de fogo de muito fácil acesso, não estamos falando de armas altamente sofisticadas como o noticiário sugere. Ao se pensar que essa legislação corre o risco de ser ainda mais flexibilizada, isso se torna uma coisa inclassificável do ponto de vista de uma sociedade que valoriza a vida. É uma loucura.
    CC: E o que fazer para alterar esse cenário de genocídio não divulgado entre os jovens?
    AR: A Anistia Internacional no Brasil lançou uma campanha chamada “jovem negro vivo”. Nós tomamos essa decisão porque poucos temas na área dos Direitos Humanos, da democracia e da cidadania tem tanta importância quanto essa situação de quase extermínio cotidiano que a população jovem, em especial jovem negra, está vivendo. Acreditamos que o Brasil precisa fazer com a questão dos homicídios de jovens a mesma coisa que fez com a fome.
    Hoje, o Brasil saiu do mapa da fome. Houve uma mudança concreta no momento em que a sociedade despertou para esse problema e colocou isso na sua lista de mais altas prioridades. A Anistia está convidando para a mobilização, para que a sociedade brasileira coloque a questão dos homicídios de jovens, em especial os negros, como prioridade e retire o Brasil do mapa de homicídios. O manifesto já está no site. Esperamos que em cinco anos, ou até menos, nós possamos acordar e dizer que nós, como sociedade, tomamos a decisão de romper o pacto de silêncio e acabar com essa epidemia da indiferença que está matando tantos jovens.


    Pautas do dia – Por que a mídia protege Bolsonaro?

    141211-Bolsonaro
    PT, PCdoB, PSOL e PSB pedem à Câmara cassação do deputado. Mas no Legislativo, processo contra ele só começa em 2015. Seria possível um “escracho” ambulante.
    por José Gilbert Arruda Martins (Professor e blogueiro)
    Bolsonaro é a cara da elite branca reacionária.
    Bolsonaro é a cara da classe média alta branca reacionária.
    Representa aqueles e aquelas que mamam nas tetas do Estado há anos, ganhando salários entre R$ 17 mil a R$ 30 mil/mês, vive se esbaldando nas festas de arromba, viajando duas a cinco vezes ao ano aos EUA, já compraram mais de um apartamento de luxo, com piscina, parque infantil, quadras de esporte, churrasqueiras, adquiriram seus carrões de R$ 90 a R$ 180 mil; a maioria vota de forma ultraconservadora, se acomodaram aos salários e, por isso, estão "cagando e andando" para o país ou para o seu povo.
    Bolsonaro é a cara dessa galera. Esse é o tipo de gente que, quando faz alguma coisa pelo país é via "para dormir em paz", ter a "consciência limpa"...essas tolices todas.
    O deputado representa uma via política em moda no país, hoje, mais que no passado, ultraconservadora. É só observar como uma parte substancial da Câmara e do Senado se comporta. São homofóbicos, são, muitas vezes racistas, nunca entenderam ou aceitaram a "lei Áurea" (1889), e, claro nunca irão entender programas sociais como o Bolsa Família. É essa gente que o deputado se apoia, não apenas na mídia. 
    No próximo ano estaremos todos e todas ferrados, vem aí um Congresso Nacional digno dos bolsonaros. 
    Caminhamos a passos largos rumo a consolidação de um modelo de sociedade que nega suas origens negra e indígena e, infelizmente, fortalecem comportamentos ovacionados pela "grande" mídia, como esse do deputado que deveria estar na cadeia, enjaulado.
    Pautas do dia – Por que a mídia protege Bolsonaro?
    no Outras Palavras
    Há um novo exemplo de descasamento entre o que os leitores dos jornais julgam importante e o que vai para as manchetes. Desde terça-feira, as matérias sobre o discurso provocador do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), ofendendo e ameaçando sua colega Maria do Rosário (PT-RS) estão entre as mais lidas, nos sites da Folha, Estado eGlobo. No entanto, o assunto recebe, destes órgãos, destaque muito menos relevante: está ausente das capas, nas edições impressas. Nas páginas iniciais dos respectivos sites, ou não comparece (Folha), ou tem espaço secundário (Globo Estado). Por que?
    Como membro do PP, Bolsonaro integra a base do governo. Em condições normais, a brutalidade de seu ato se somaria ao antipetismo dos jornais para explorar um novo problema que surgiu diante de Dilma. Por que, então, minimizar seu ato? Será desejo de preservar uma liderança de extrema direita, de mantê-lo como peça importante no cenário político conturbado que surgirá a partir de 2015?
    O gesto do deputado parece ter sido cuidadosamente calculado. A fala odiosa rendeu-lhe enorme destaque — e foi feita na véspera da data em que a Comissão Nacional da Verdade apresentaria seu relatório final sobre os crimes da ditadura. Bolsonaro despontou como óbvio contraponto, num momento em que grupos pedem “intervenção militar”.
    Mas o suposto valentão sabia estar protegido pelo regimento da Câmara. O pedido de cassação protocolado ontem por PT, PCdoB, PSOL e PSB terá de ser analisado, em primeiro lugar, pela Comissão de Ética da casa — que só o fará a partir de 2015, quando o noticiário estará coalhado de outros fatos. Em termos práticos, o deputado bateu e correu. Para manter a pressão sobre ele, não bastarão as petições no Avaaz e sites do gênero. Seria possível pensar em algo como um “escracho” ambulante?