sábado, 27 de setembro de 2014

Isolamento não é prova de inconformismo



Por que a esquerda no Brasil não consegue andar unida?
O que leva, personagens importantes da esquerda a apoiar políticos da direita com claras intenções neoliberais como a candidata Marina?
Se analisarmos a trajetória dos partidos de esquerda no Brasil dos últimos 50 anos veremos a grande dificuldade de associação dessas agremiações rumo a um projeto de priorize as lutas dos trabalhadores e do Povo.
É mesquinharia?
É poder pelo poder? Qual poder? se as classes ricas são os detentores?
Ou é pura incompetência?
Ouvir de um professor que o Partido dos Trabalhadores é de direita e que o país não mudou em nada é desconhecer completamente a situação dos trabalhadores, da sociedade mais pobre desse país dez anos atrás, e isso é inadmissível para um educador.
Enquanto parte da esquerda brasileira ajuda a direita bater no PT, as elites, por seu turno, se reorganizam e conseguem se reunir facilmente. Um telefonema, uma conversinha aqui outra ali, já estão juntos manobrando, maquinando uma forma de controlar, influenciar ou assumir o governo, por que o poder elas possuem.
Os artigos que postamos, esse abaixo é o terceiro, pode nos dar uma ajuda no entendimento dessa desunião da esquerda brasileira.

por José Gilbert Arruda Martins (Professor)



Isolamento não é prova de inconformismo

Por Breno Altman
Caros Amigos

A banalização das conquistas, (...) da qual o PSOL e seus parceiros parecem depender para respirar, acaba confluindo para a seguinte conclusão: “este também é um governo da direita"

No início dessa semana, um importante dirigente do PSOL, Juliano Medeiros, deu-se ao trabalho de responder nota que eu havia recentemente escrito, acerca do caráter marginal de agremiações políticas que buscam se situar à esquerda do PT. Seu artigo atende pelo título “Resposta a Breno Altman: por uma esquerda inconformista”.
A questão proposta em meu texto era simples e o encabeçava: “Por que a ultraesquerda brasileira é residual?”. Não houve qualquer intenção ofensiva na pergunta enunciada. A história está repleta, afinal, de pequenos grupos que lograram rapidamente plantar frondosas alternativas de poder.

Não é o que ocorre, no entanto, com os agrupamentos mencionados em meu breve artigo. O desempenho eleitoral do PSOL, PSTU, PCB e PCO, tudo junto e misturado, dificilmente chegará a 2% nas eleições presidenciais. A curva de resultados, após atingir seu pico em 2006, é declinante e beira a inanição. Tampouco sua influência nos movimentos sociais e nas lutas populares é relevante, com a exceção de alguns segmentos minoritários.

Essa constatação foi feita apenas para fazer jus a um clássico axioma: a prática é o critério da verdade. Maus resultados, depois de um longo período, deveriam obrigar à revisão de orientações adotadas. Outra opção é sobreviver como pequenas seitas, senhoras da luz e da razão, mas cujas ideias supostamente corretas jamais são capazes de servir como amálgama para uma força social expressiva.

Medeiros labuta para explicar, em sua resposta, a existência de diferentes concepções entre as correntes citadas. Aceitemos que suas explanações sejam certeiras e apropriadas. Todos estes grupos, ainda assim, têm em comum, mesmo com distintas matizes, a mesma caracterização sobre o Partido dos Trabalhadores: o maior instrumento político que o proletariado brasileiro logrou forjar teria se passado, de malas e bagagens, para o campo da burguesia.

Tal conclusão é seminal para a atuação de legendas pretensamente situadas à esquerda da esquerda. Ela nasce da compreensão de que o governo petista configurou-se em comitê gestor a serviço das companhias capitalistas e, portanto, no principal inimigo a ser combatido. No curso dessa transição, teria arrastado o próprio partido para a posição de apêndice político das classes dominantes.

O dirigente do PSOL ensaia certo cuidado em sua análise, mas em termos que ressaltam seu ponto de partida. Ao se referir à presumida posição do PT como fiador de um “pacto conservador”, Medeiros indaga e responde a si próprio: “Isso é o mesmo que dizer que o PT e os demais partidos burgueses seriam farinha do mesmo saco? Evidente que não.” O fato é que, ao determinar diferenças táticas no tratamento de diferentes partidos, o psolista reafirma o eventual transformismo de classe operado pelo PT, agora vicejando ao lado dos “demais partidos burgueses”.

Este padrão de raciocínio não é novo. Trata-se de comparar a trajetória petista a de partidos sociais-democratas europeus que, nascidos no movimento operário, acabaram por se alinhar a suas respectivas burguesias nacionais durante a Guerra Fria. Foram ainda mais longe: com o colapso da União Soviética, aprofundaram sua submissão à hegemonia norte-americana, ao capital financeiro, à doutrina neoliberal e a excrecências como o chauvinismo.

Pode-se argumentar, com razoável comprovação nos fatos e narrativas, que o PT veio a se converter em um partido reformista, a partir de sua estratégia de aproximação do poder pela via institucional. Eventualmente alguns de seus quadros tenham saltado o alambrado. Mas não há qualquer fundamento na realidade para se afirmar que tenha reproduzido o curso social-democrata europeu, o da passagem para outro campo de classe, ou que esteja próximo de fazê-lo, ainda que o risco esteja sempre presente em um partido que opera por dentro do Estado.

As medidas e políticas adotadas desde 2003, ainda que possam ser consideradas débeis e insuficientes, tiveram caráter de resistência ao modelo rentista herdado dos governos anteriores e emulado de projetos animados pelos países centrais do capitalismo. Ao lado de outras experiências latino-americanas, mais ou menos radicais, o PT impulsionou programa na contramão do ciclo histórico aberto nos anos oitenta.

A aplicação de políticas distributivistas promoveu a maior e mais prolongada onda de crescimento de renda e emprego entre os trabalhadores desde os anos quarenta. A inclusão social se transformou na principal ferramenta para ampliação do mercado interno de massas como força propulsora do desenvolvimento, apoiada também por iniciativas que ampliaram direitos de acesso à moradia e à educação.

O Estado vem recuperando papel regulador e protagonismo econômico, com a expansão dos investimentos públicos e o fortalecimento dos bancos estatais. Outras empresas sob controle governamental também tiveram suas atividades alavancadas, a começar pela Petrobrás, cuja musculatura foi tonificada após a descoberta do pré-sal e a substituição do regime de concessão pelo de partilha.

Essas reformas, no fundamental, não alteraram as estruturas da economia e do poder político, mas representam alternativa programática distinta daquela defendida pelos núcleos dirigentes da burguesia interna e seus sócios internacionais. Não é à toa a guerra permanente dos meios tradicionais de comunicação, efetivos partidos das classes dominantes, contra os governos de Lula e Dilma.

A adaptação de determinadas corporações ao predomínio da agenda petista não anula sua oposição de classe. O capital, como sabe qualquer curioso pelos assuntos da história, busca acomodação, se possível, até a processos revolucionários. Quanto mais a uma situação instável, no quadro de um governo de coalizão, sem maioria parlamentar de esquerda, com as velhas instituições praticamente intactas, na qual são vastos os espaços para a disputa entre diversos projetos e interesses.

Ainda que limitadas, na essência, à realocação de recursos orçamentários e ao redirecionamento de fundos públicos, as mudanças implementadas pelas administrações petistas se contrapõem à lógica rentista e aos primados neoliberais, em movimento inverso ao da social-democracia europeia.

Medeiros até chega a considerar estes fatos como “ganhos reais”. Mas logo emenda que “não comprovam qualquer compromisso em si”. Do bolso de seu colete saca uma espantosa tese para tentar argumentar exatamente o contrário, que esses “ganhos reais” são um sinal de capitulação do PT: “aumentar a renda e expandir gastos públicos são instrumentos utilizados pela burguesia sempre que as condições conjunturais permitem.”

A afirmação reflete ilusão escandalosa. Quer dizer que há vontade patronal natural para “aumentar renda e expandir gastos públicos”, cujo obstáculo seriam apenas “condições conjunturais”? Em qual momento da história a burguesia aceitou aumentar a renda dos trabalhadores sem que fosse por poderosa pressão do movimento operário, interna ou internacional, através de lutas sindicais ou governos de caráter popular?

Mas o pior aspecto de sua peroração fantasiosa diz respeito ao desconhecimento do mundo no qual vivemos depois do colapso da União Soviética. Todos os países capitalistas, nos últimos quase 25 anos, sob governos conservadores ou sociais-democratas, padeceram com a redução dos salários reais dos trabalhadores e a diminuição dos gastos públicos com programas sociais. As únicas exceções foram nações governadas por partidos de esquerda, de oposição ao neoliberalismo, como é o caso do Brasil no período petista.

Trata-se de estelionato político da pior qualidade reconhecer “ganhos reais”, mas classificá-los como normais aos interesses da burguesia ou triviais em um cenário internacional ainda dominado pela hegemonia unipolar do imperialismo norte-americano.

A banalização das conquistas, para enquadrá-las na teoria da suposta domesticação petista, da qual o PSOL e seus parceiros parecem depender para respirar, acaba confluindo para a seguinte conclusão: “este também é um governo da direita, ou ao menos de parte dela”.

Obviamente esta afirmação vem acompanhada da crítica à política de alianças, tanto no campo econômico quanto institucional. Medeiros não se deu ao respeito de citar, como caberia a um quadro responsável, a contradição fundamental decorrente da eleição de um presidente de esquerda sem maioria parlamentar. Qual a alternativa para uma situação como essa, a propósito, além da negociação com setores e partidos da burguesia que, se descolando da fração dirigente do neoliberalismo, aceitassem respaldar um programa mínimo e progressista de governo? Afinal, não foi assim que se obtiveram os tais “ganhos reais” reconhecidos até pelo açodado crítico?

Não passa de charlatanismo caracterizar o atual governo, por sua natureza de coalizão, como “da direita” ou de parte dela. Basta analisar seu rumo, com alguma honestidade, para reconhecer que o princípio reitor foi a construção de um modelo econômico-social que se choca com a fórmula propugnada pelo capital financeiro desde o Consenso de Washington.

Outra coisa é questionar seu ritmo e profundidade, ou identificá-lo como um “reformismo fraco”, repetindo André Singer, que fica aquém das possibilidades políticas reais e debilita a disputa pela hegemonia no Estado e na sociedade. Uma posição é considerar este governo inimigo, outra é carimba-lo como insuficiente ou recuado.

A história está cheia de exemplos como uma ou outra destas conclusões sobre governos frentistas levam a distintas estratégias.

O MIR chileno não participava do governo da Unidade Popular, durante a presidência de Salvador Allende. Classificava-o como reformista, indisposto a conduzir rupturas que julgava indispensáveis. Buscava, no limite de suas forças, mobilizar setores do povo e da juventude para radicalizar as medidas palacianas e reivindicar mudanças mais profundas. Mas diante de qualquer ataque da direita, cerrava fileiras com a UP e formava nos primeiros batalhões em sua defesa. Marchava separado, mas golpeava junto.

O grupo Bandeira Vermelha, na Venezuela, poucos meses após a eleição do presidente Hugo Chávez, passou a considerá-lo um braço populista do Fundo Monetário Internacional, destinado a reorganizar o Estado burguês em crise. Passou a defini-lo, portanto, como um inimigo a ser abatido. Seus militantes, aplicando essa linha, estavam ombro-a-ombro com os golpistas de 2002, a ocupar provisoriamente o Palácio de Miraflores. Estabeleceram, desde então, aliança implícita com a oposição de direita, pois partilham o mesmo objetivo tático, qual seja, derrubar o governo de Nicolás Maduro, como antes o de Chávez.

"O caráter residual da ultraesquerda não a condena, por si só, ao desaparecimento, mas deveria ser suficiente para (...) repensar opções que conduziram ao raquitismo"

Os fatos não deixam quaisquer dúvidas que, até o presente, com raros momentos de bom senso, o pensamento majoritariamente assumido pelo PSOL aproxima-se mais da variante venezuelana que da chilena. A diferença é que, retoricamente, também bate nos partidos da direita, mas efetivamente movimenta-se pela lógica de considerar o governo petista seu inimigo principal.

Basta relembrar o comportamento durante a crise de 2005 e a AP 470. Ou no curso da operação conservadora contra a Petrobrás. Ou nas campanhas presidenciais de Heloísa Helena e Plínio de Arruda Sampaio. Ou a facilidade com que filiados importantes – como a própria ex-senadora alagoana e o senador Randolfo Rodrigues, entre outros – já anunciam apoio à candidatura de Marina Silva para o segundo turno da corrida presidencial.

O grande problema da linha adotada pelo PSOL e companhia, no entanto, é a existência de um abismo entre a caracterização do governo como “da direita” e a potente mudança positiva da situação dos trabalhadores. O “inconformismo” receitado por Medeiros esbarra no apoio de massas ao processo liderado pelo PT. Ainda que existam insatisfações concretas, especialmente nos últimos anos, os pobres da cidade e do campo não reconhecem, em sua experiência concreta, a identificação do governo petista como traidor ou patronal. Pelo simples fato que essa afirmação não se sustenta sobre a história dos últimos doze anos, refletindo apenas uma análise sectária e inócua.
Medeiros parece não dar muita bola para isso. Diante da sustentação popular ao governo petista, recorda que assim também se portava “a maioria dos trabalhadores que viviam sob o fascismo da Itália dos anos 20”. Vamos saltar seu desconhecimento sobre qual era a base social dos fascistas, que jamais conseguiram maioria entre operários e camponeses sem-terra. Ainda que adesão social não seja definidora sobre o caráter progressista ou não de um determinado partido, isolamento tampouco é prova de inconformismo eficaz, a serviço da boa causa socialista.
A incorreta apreciação sobre o significado contemporâneo do PT e seu governo, além de estimular tendência à reclusão em um gueto político, propicia certa dinâmica mercadológica: vale tudo para tentar o desgaste do partido que ocupa o espaço social supostamente dedicado à autodenominada “esquerda inconformista”, incluindo exacerbar os piores preconceitos de setores médios naturalmente antipetistas.

A ineficácia desta postura, no entanto, parece que ainda não incomoda seus autores, mesmo que os dividendos correspondentes sejam recolhidos por correntes reacionárias que celebram a possibilidade de encontrar ajuda objetiva de agrupamentos estranhos ao seu campo político-ideológico. Apropriam-se da produtividade denuncista da ultraesquerda, sugando mais um pouco de seu potencial de inserção autônoma na luta de classes.

Ainda que esta situação residual da ultraesquerda não a condene, por si só, ao desaparecimento, deveria ser suficiente para levar seus melhores dirigentes e agremiações a repensar opções que conduziram ao raquitismo, mesmo com o importante espaço à esquerda aberto pelo gradualismo petista. A preferência por atitude de rejeição, em prejuízo à hipótese de defesa e radicalização das mudanças, parece tornar inepto o acionar dos que se imaginam o último biscoito do pacote revolucionário.

Estas escolhas serão colocadas em xeque, mais uma vez, no segundo turno das eleições presidenciais de 2014. Qual será a orientação do PSOL, por exemplo? Marchando separado, golpear junto com o PT para derrotar a restauração neoliberal representada por Marina e Aécio? Ou lavar as mãos porque, conforme reza sua bem-sucedida cartilha, são todos farinha do mesmo saco e da mesma classe?
* Versão atualizada às 20h30 a pedido do autor, que ajustou os últimos parágrafos

 Breno Altman é jornalista e diretor do site Opera Mundi.

Resposta a Breno Altman: Por uma esquerda inconformista

Por Juliano Medeiros

"Acredito que, convencido de que a sociedade brasileira não suportava mais que um "reformismo fraco", o PT abandonou a perspectiva de superação política e econômica do modelo das elites em favor de uma adaptação às regras do jogo, um aggiornamento, no dizer de Lincoln Secco"

Dias atrás foi publicado artigo de autoria de Breno Altman, com o provocativo título que pergunta "por que a ultra-esquerda brasileira é residual". Curiosamente, Altman coloca a questão em debate justamente no momento em que o PT busca apoderar-se de um discurso mais ideológico contra sua principal adversária nessas eleições, Marina Silva, evocando uma contundente crítica aos bancos e defendendo - ainda que timidamente - o controle público sobre o Banco Central. Não considero que Altman, conhecido por estimular debates fundamentais para a esquerda brasileira, esteja apenas servindo como anteparo a uma estratégia que busca proteger o flanco petista junto aos eleitores assumidamente de esquerda. Ainda assim, seu artigo sugere questões que não poderiam deixar de ser respondidas.
Começo com o título do artigo, que apresenta uma premissa no mínimo questionável: seriam os partidos por ele citados membros de uma mesma "ultra-esquerda", digna de ser assim definida? O PCO, por exemplo, desde o início da campanha eleitoral deixou claro que seu objetivo é estritamente propagandístico. O PCB, por sua vez, embora não diga com essas palavras, vai mais ou menos pelo mesmo caminho, quando afirma que a prioridade nas eleições é a denúncia do capitalismo. Já o PSTU relativiza esse discurso, uma vez que admite que a eleição de parlamentares socialistas cumpre um importante papel na luta anticapitalista. O PSOL, por sua vez, nega peremptoriamente essas perspectivas e não esconde de ninguém que vê na disputa das instituições um elemento essencial na construção de uma alternativa de poder dos trabalhadores. Assim, além do fato de acreditarem que o socialismo é um objetivo a ser alcançado, pouco há em comum entre um partido minúsculo como o PCO e uma agremiação como o PSOL, que governa uma capital e elegeu parlamentares em todos os níveis desde que foi criado. Portanto, rotular pontos de vista tão distintos simplesmente como parte de uma "ultra-esquerda" não passa de um recurso de desqualificação que não pega bem para quem quer discutir a sério os dilemas da esquerda brasileira.
Mas não é aí que reside a diferença fundamental entre a análise de Altman e aquela que fazem os partidos – e falo apenas em nome do PSOL – que optaram por manter-se fora da grande concertação liderada pelo PT. Na verdade, a questão de fundo é a validade do pacto conservador – no dizer de um intelectual petista de boa-fé – como forma de superação dos limites historicamente impostos pela dinâmica capitalista brasileira. Particularmente, não estou entre aqueles que imputam à uma suposta "traição" do PT o abandono de sua vocação anticapitalista. Acredito que, convencido de que a sociedade brasileira não suportava mais que um "reformismo fraco", o PT abandonou a perspectiva de superação política e econômica do modelo das elites em favor de uma adaptação às regras do jogo, um aggiornamento, no dizer de Lincoln Secco.

Mas é compreensível que Altman busque forjar uma caricatura de nossas posições. Só assim pode simplificar a realidade para colocá-la a favor de seu discurso conformista. Quem conhece o mínimo da dinâmica econômica do capitalismo brasileiro, sabe que não é possível manter uma política macroeconômica que privilegie igualmente todos os ramos da economia. E ao fazer determinadas opções em favor deste ou daquele setor, o PT acaba forjando suas alianças. Por exemplo, enquanto o agronegócio lucra como nunca com a atual política cambial – herdada dos neoliberais e mantida pelo PT – a indústria definha ano a ano. Assim se constrói o pacto de classes que permite que um poderoso partido com raízes profundas no movimento de massas possa servir como elemento estabilizador da hegemonia de determinas frações da burguesia. Isso é o mesmo que dizer que "o PT e os demais partidos burgueses seriam farinha do mesmo saco"? Evidente que não. Essa seria uma leitura pobre (ou, pelo menos, propagandística) da realidade. Tão pobre quanto a que coloca PSOL e PCO “no mesmo saco”...

Afora os preconceitos e caricaturas que não merecem comentários (como a da "origem de classe" dos partidos que não compõem o governo petista), Altman agarra-se a duas teses principais: a) o PT tem grande base social e enraizamento popular – coisa que falta a muitos partidos da tal "ultra-esquerda" – porque representa verdadeiramente os interesses de classe dos trabalhadores; b) ao não apoiar o governo petista, a "ultra-esquerda" alia-se indiretamente à burguesia.
Burguesia
As premissas de Altman poderiam ser corretas, não fossem os ensinamentos da história. Os elementos destacados por ele como prova do compromisso do PT com os trabalhadores – expansão dos gastos públicos, políticas distributivistas, aumento do emprego e da renda dos trabalhadores – são, objetivamente, ganhos reais, mas que não comprovam qualquer compromisso em si. Por exemplo, o PMDB, partido que melhor representa os interesses do agronegócio, antagônicos ao desenvolvimento e aos trabalhadores, está alinhadíssimo com o governo. E por que seria? Porque, objetivamente, os ganhos listados por Altman não foram obstáculos ao projeto desta parte das elites. Pelo contrário. Aumentar a renda e expandir os gastos públicos, por exemplo, são instrumentos utilizados pela burguesia sempre que as condições conjunturais permitirem. Ou a Ditadura Militar também não aumentou o emprego e a renda, angariando ampla simpatia popular, no período do chamado “milagre econômico”? Não representava o regime militar um tipo de nacionalismo conservador, útil a determinadas frações da burguesia? Evidentemente, o aumento do emprego, da renda, das políticas redistributivas, é resultado de determinadas opções que podem ser consideradas corretas. Mas o fato de que a maioria da população não tenha se convencido dos limites do lulismo – tal como não estava convencida das propostas radicais do PT em 1989, optando por Collor – não colocam a "narrativa" de Altman mais próxima da realidade.

"O núcleo da burguesia que assumiu protagonismo com o crescimento da economia mundial e a explosão das commodities em meados da década passada é aquele que hoje está ao lado do governo e não contra ele: o agronegócio, as empreiteiras e setores do capital financeiro"



Por isso o petismo precisa lançar mão de outro argumento central: o de que não apoiar o governo é fazer, objetivamente, o jogo da direita. O problema, aqui, é que Altman considera a "direita" um bloco homogêneo, cujo "núcleo central" está em oposição ao governo. Nada mais falso. O núcleo da burguesia que assumiu protagonismo com o crescimento da economia mundial e a explosão das commodities em meados da década passada é aquele que hoje está ao lado do governo e não contra ele: o agronegócio, as empreiteiras e setores do capital financeiro. Ficaram no prejuízo a indústria e outra parte dos financistas. A CNA, de Kátia Abreu, não está com o governo? As empreiteiras, não estão com o governo? Os partidos que representam esses setores não estão com o governo?
Conformismo

A narrativa que coloca a direita como um bloco homogêneo é pobre, mas funcional. Através dela, todos os que estiverem contra o governo, estão com a direita. A retomada das privatizações (ou "concessões", como prefere o governo), a regressão da legislação ambiental e indígena, o crescimento do fundamentalismo no Congresso Nacional, as altas taxas de juros que inviabilizam o investimento produtivo e garantem o lucro dos bancos, tudo isso, não pode ser imputado exclusivamente a uma direita abstrata, que só existe em oposição ao governo. A direita também está no governo. E não através de um golpe, mas convidada pelos anfitriões do baile. Com isso, este também é um governo da direita, ou ao menos de parte dela. Da mesma forma, há milhares de trabalhadores que consideram, por ausência de uma alternativa, que este também é seu governo. Como achava a maioria dos trabalhadores que viviam sob o fascismo na Itália dos anos 20. Com isso, quero dizer que legitimidade não é suficiente para determinar o caráter de um projeto.

Por fim, afora todo o conformismo de Altman, para o qual o governo está no limite do possível, encontro em seu artigo uma afirmação verdadeira: há espaço à esquerda do PT. Não para cumprir o papel sugerido por Altman – a saber, a de uma "consciência crítica" do PT – mas para apresentar uma alternativa de poder que considere a hipótese de enfrentamento com os senhores que, há quinhentos anos, determinam os rumos do país. Esse é o bloco histórico do qual o Brasil precisa, e espero sinceramente que nele estejam muitos pós-petistas, que não tendo abandonado a crença de que os trabalhadores podem determinar seu destino, não aceitaram os limites do conformismo que a realpolitik impôs ao PT.

Porque a ultra-esquerda brasileira é residual



Por Breno Altman - Caros Amigos - 27/09/2014
Dificilmente chegará a 2% o total de votos dos candidatos a presidente do PSol, PSTU, PCB e PCO. Mas não é apenas a influência eleitoral desses partidos que é pífia. Também são forças de pouca envergadura no movimento sindical, estudantil e camponês. Não passam de franjas isoladas na intelectualidade. Apesar de tentarem se integrar às manifestações de junho do ano passado, não tiveram papel de relevo e tampouco se constituíram em referência para as massas juvenis que ocuparam as ruas.
Diversos motivos poderiam ser identificados para desempenho tão marginal. Há interpretações sociológicas e políticas de diversas matizes para ajudar a compreender essa fragilidade. Mas creio que existe, ao menos entre seus militantes de boa fé, uma razão de fundo para tamanho isolamento: a política de todas essas correntes é baseada na ideia de hipotética traição do PT ao programa de esquerda e aos interesses do proletariado.
De acordo com esta interpretação, teria ocorrido fenômeno semelhante ao que se passou com a social-democracia europeia. O partido de Lula teria assumido o mesmo programa neoliberal do capital financeiro, transitado de armas e bagagens para o campo da burguesia rentista e renunciado à construção de um projeto independente dos trabalhadores. Segundo esse raciocínio, ainda que haja diferenças táticas, o PT e os demais partidos burgueses seriam farinha do mesmo saco.
Esta posição empurra facilmente setores da ultra-esquerda para assumir o discurso falsamente moralista da direita contra o PT e até se alinhar com o conservadorismo quando se trata de fazer oposição ao governo petista.
A absoluta falta de audiência popular à sua narrativa poderia levar estas correntes a refletir sobre a justeza ou não de sua política, mas não o fazem. Prevalecem o dogmatismo, o rancor de ex-petistas e a origem de classe: afinal, a maioria esmagadora de seus quadros tem origem nas camadas médias, onde viceja ambiente generalizado de ódio e desconfiança contra o PT.
O erro fundamental de sua análise consiste em não compreender que a natureza petista e seu papel concreto nada tem a ver com a social-democracia dos dias atuais. Ainda que se possa criticar os governos de Lula e Dilma pela eventual opção por um reformismo fraco, no dizer de André Singer, o fato é que se constituíram em ferramentas de resistência ao neoliberalismo em todos os terrenos. 
Estes últimos doze anos foram marcados pela expansão dos gastos públicos, pela adoção de políticas distributivas, pela ampliação de direitos sociais, pelo aumento do emprego e da renda dos trabalhadores. O Estado está sendo paulatinamente reconstruído como epicentro de um modelo econômico que associa desenvolvimento e criação de um mercado interno de massas, através de mecanismos para a inclusão social. No mais, o País impulsiona política internacional contra-hegemônica e de apoio à integração de blocos que se separam do campo de gravidade do imperialismo norte-americano.
Como se pode ver, pela realidade dos fatos, um caminho absolutamente distinto da social-democracia europeia. Não apenas por questões programáticas, mas também pela posição na luta de classes: não é à toa o esforço beligerante do núcleo dirigente da burguesia para derrotar o PT a qualquer preço, aceitando até o risco de inflar uma candidatura de oportunidade como a de Marina Silva. 
Há espaço, à esquerda do PT, para forças que pressionem pelo aprofundamento e a aceleração de reformas, buscando forjar um bloco histórico que mude a qualidade do processo de mudanças. Mas essa orientação é impossível para quem vê no PT o inimigo principal ou como integrante do campo político e classista da burguesia. Essa postura visceralmente antipetista não provoca apenas isolamento dentro da esquerda, mas também tornam inacessíveis os ouvidos das dezenas de milhões de trabalhadores, de pobres do campo e da cidade, cuja vida melhorou admiravelmente desde a posse de Lula em 2003.
Por fim, a insistência nessa política sectária faz da ultra-esquerda um aliado objetivo das forças reacionárias nos momentos de grande polarização e disputa. O caso mais emblemático foi o processo do chamado "mensalão", mas muitos foram os episódios políticos e eleitorais nos quais essa lógica se reproduziu. Afinal, se o governo é do PT e esse partido passou para o outro lado, transformado em instrumento da dominação burguesa, contra essa administração deve ser a direção do golpe principal. 
Trata-se da fórmula perfeita para a irrelevância e a residualidade.

POR TRÁS DO MARKETING POLÍTICO - Entre trolls, robôs e ativadores: as eleições na internet


A força do poder econômico que havia sido atenuada nas redes digitais está se recompondo na verticalidade e nos controles das redes sociais. Nestas eleições, veremos embates entre diversas redes de opinião, e a principal disputa pelo voto do eleitor se dará nas redes sociais controladas por grupos privados
por Sérgio Amadeu da Silveira
Entre as principais mudanças dos últimos dois anos na internet, certamente duas tendem a ter um grande impacto nas eleições de 2014: o crescente acesso à rede por meio de aparelhos móveis e o peso decisivo adquirido pelo Facebook como plataforma maciça de debates públicos. A explosão do acesso às redes digitais pelos celulares aumenta a relevância e o uso político de aplicativos de comunicação como WhatsApp e Instagram, bem como amplia a instantaneidade da comunicação. O fato de 77% dos brasileiros conectados utilizarem frequentemente as redes sociais, das quais a mais acessada é o Facebook, traz novos desafios para as campanhas eleitorais.
A elevação da renda da população mais pobre, o barateamento do custo dos computadores e dos aparelhos celulares multimídia e a ampliação de locais de acesso gratuito à internet contribuíram para aumentar a presença dos brasileiros nas redes digitais. Apesar do elevado custo da conexão no Brasil, a pesquisa TIC Domicílios e Usuários 2013, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, mostra que 58% dos brasileiros já acessaram pelo menos uma vez a internet. Levando em conta somente o ambiente urbano, o número de conectados sobe para 63% da população. Nas áreas rurais, somente 30% já navegaram pela rede mundial de computadores.
Nas camadas mais jovens da sociedade, o uso da internet aumenta expressivamente. Na faixa de brasileiros com idade entre 16 e 24 anos, já atingimos 87% de pessoas que acessaram as redes pelo menos uma vez. Entre 25 e 34 anos, os que já se conectaram somam 75% da população. Somente após a faixa de pessoas entre 45 e 59 anos o percentual daqueles que tiveram acesso (38%) é inferior aos que nunca acessaram as redes (62%). Apesar do crescimento dos conectados, a barreira da inclusão digital existe e é nitidamente socioeconômica. Apenas 32% dos brasileiros com rendimentos de até um salário mínimo já utilizaram a internet, contra 92% no segmento com renda superior a dez mínimos. Todavia, as políticas distributivas do governo Lula e as ações de barateamento dos computadores resultaram no acesso à internet de 62% das pessoas que ganham entre dois e três salários mínimos.
O mais curioso é perceber que os indicadores de uso da internet pelos mais jovens são muito semelhantes aos dos mais pobres. No segmento dos conectados de 10 a 15 anos, 78% utilizam redes sociais e somente 49% possuem e-mail. Observe que, entre os brasileiros com acesso a internet que recebem até um salário mínimo, 74% estão nas redes sociais e apenas 47% usam e-mails. Os percentuais se assemelham muito. Fenômenos como o funk ostentação, os rolezinhos e as páginas das comunidades de periferia podem ser analisados pela crescente presença dos jovens de periferia nas redes sociais. As barreiras de entrada para produzir e disseminar conteúdos caíram com o crescimento da internet.
Mais da metade dos brasileiros conectados (56%) tem o costume de assistir a vídeos on-line, em sites como YouTube e Vimeo. Jogos on-line são praticados por 43% das pessoas, sendo 56% destas do segmento com rendimento até um salário mínimo e apenas 36% daquelas que possuem renda superior a dez salários mínimos. Um dado expressivo que poderá gerar novas implicações nas disputas eleitorais é o fato de 21% dos brasileiros que estão na internet afirmarem acompanhar transmissões de áudio ou vídeo em tempo real (streaming). Esse percentual já é maior do que o número de conectados que afirmam utilizar microblogs, como o Twitter (18%). O segmento que mais acompanha streaming nas redes é o dos jovens de 16 a 24 anos: 25% – ou um em cada quatro jovens conectados – têm essa prática. Na divisão de renda, enquanto apenas 13% dos que recebem até um salário mínimo têm o costume de ver transmissões em tempo real, 42% dos que recebem mais de dez salários assistem a vídeos on-line, em tempo real.
Esses números conformam uma tendência de importância crescente da internet como ambiente de grandes embates político-eleitorais. Os candidatos irão aonde estão seus possíveis eleitores. Estes cada vez mais podem ser encontrados nas redes sociais, na navegação entre os portais e nos sites de entretenimento, enfim, no ciberespaço. Seria um equívoco desconsiderar as redes, mesmo que os marketeiros, criados e crescidos na escola do broadcasting, não saibam bem como utilizá-las. A maior dificuldade daqueles que pensam a rede para a publicidade política é tentar medir e isolar seu impacto na decisão dos eleitores. Há uma série de certezas sobre a TV, entre elas, de que boas inserções podem mudar o rumo de uma campanha. No caso da internet, ninguém sabe efetivamente quais são as implicações no voto do eleitor de centenas de memes, cada um deles com milhares de compartilhamentos.

O problema das métricas de ação e das métricas de opinião
As redes digitais permitem saber exatamente quantas pessoas visitaram uma página, o horário de cada visita, quanto tempo cada visitante permaneceu em cada canal de um site, entre outras informações. Essas características cibernéticas, simultaneamente de comunicação e de controle, permitem captar com precisão como se formam as audiências na internet, que é uma rede distribuída. Entretanto, ao contrário de uma pesquisa de opinião, na qual o pesquisador faz perguntas ao entrevistado, em uma rede social só conseguimos captar e medir a ação da pessoa conectada, e não sua intenção. Por exemplo, se o cidadão escrever um post no Facebook, o analista de redes sociais poderá ler e classificar aquela postagem como negativa, neutra ou positiva, em relação ao seu candidato. O analista até poderá saber quantas pessoas provavelmente visualizaram o post, mas somente conseguirá medir o efeito observando aqueles que deixaram um comentário, compartilharam a mensagem ou curtiram aquilo. Repare que a minoria dos eleitores presentes nas redes sociais deixa seus cliques na forma de curtir ou compartilhar. Um número menor ainda realiza comentários.
Aranhas e robôs, ou seja, softwares de rastreamento das redes, podem capturar palavras publicadas, hashtags e seguir as publicações de milhares de perfis. Novamente, será obtido e analisado algum movimento feito na rede, e não a opinião de quem tem a prática de ver e não comentar nada sobre produtos ou sobre a política. Consciente do problema das métricas, o Facebook criou mecanismos que encantaram os publicitários: o like, ou as curtidas, o compartilhamento e o chamado engajamento em torno das páginas criadas na rede social. Muitos medem o sucesso de uma campanha peloslikesque um meme ou uma página obtiveram. Obviamente, o compartilhamento de um post é um ato mais forte do que o de curtir. Quem compartilha traz a postagem para sua própria página, ficando nítida para seus amigos e seguidores a adesão àquela mensagem. O problema está na constatação de que uma minoria da rede social curte ou compartilha.
A métrica da internet, a métrica daquele que se movimenta, daquele que age, confunde os analistas que dizem que o que ocorre nas redes é diferente do que ocorre nas eleições. Aqui vale lembrar Karl Marx: se a essência e a aparência fossem idênticas, não haveria necessidade da ciência. O que ocorre nas redes influencia o que ocorre nas eleições e, por enquanto, pode ser mais bem captado por pesquisas de opinião feitas com amostras aleatórias. Os memes, os posts e os vídeos fazem parte da mobilização pelo convencimento dos eleitores. Não há mágica, há um processo de construção simbólica que é bem antigo e que adquiriu uma dinâmica distinta e novas possibilidades com a internet.

Poder da grana na compra de likes
O Facebook é uma rede privada onde estão ocorrendo os debates públicos. Isso não acarretaria problemas se os gestores da rede não interferissem no processo de formação da opinião pública interconectada. Ao contrário do Twitter, o Facebook restringe a visualização das publicações pelos amigos e seguidores do perfil ou página. Segundo o estudo realizado pela agência de publicidade Ogilvy, em 2012, o Facebook limitou o alcance de uma publicação em 16% do número de fãs de uma página. Em dezembro de 2013, apenas 6% dos amigos de um perfil ou página receberam as postagens. Páginas com mais de 500 mil likessomente são visualizadas por 2%. O Facebook alega que isso é necessário para que as pessoas possam ler os posts, mas o resultado é que, se você quer atingir todos os seus seguidores, agora terá de pagar.
Os candidatos presidenciais nestas eleições já gastaram muito no Facebook. A maior rede social vende não somente visualizações para públicos segmentados; ela vendeu também os likes para as páginas dos candidatos. Recentemente, os advogados de Paulo Skaf, candidato ao governo paulista, entraram com uma representação contra o governador Geraldo Alckmin alegando que ele realizou postagens pagas. O tesoureiro do PSDB confirmou o pagamento. A alegação dos advogados foi baseada na evolução do número de seguidores de Alckmin. Em dezembro de 2013, o governador tinha 100 mil seguidores e em seis meses atingiu 320 mil. Observando o grau de crescimento do número de seguidores das respectivas páginas, é possível afirmar que todos os candidatos à Presidência da República patrocinaram suas páginas e pagaram para disseminar algumas postagens.
A maior rede social cobra entre R$ 0,20 e R$ 2,50 por like. A Justiça Eleitoral proíbe a propaganda paga na internet. Mas é fácil perceber que ela ocorreu e ocorre. Com as restrições impostas pelo Facebook, quem não tinha muitos fãs e seguidores antes de 2013 só podia crescer pagando. E por que os organizadores das campanhas acreditam que é importante ter muitos likesna página do candidato? Primeiro, para mostrar aos visitantes que a candidatura é forte. Segundo, para que as diversas postagens sejam visualizadas por um número maior de pessoas sem a necessidade de pagamento. A lógica é a seguinte: 2% de 1 milhão (20 mil) é mais do que 5% de 100 mil (5 mil). Nesse sentido, o modelo de negócios do Facebook agigantou a verticalização das campanhas, recolocando o enorme poder do dinheiro e da publicidade paga na comunicação política em rede.
É possível fazer crescer o número de fãs no Facebook rapidamente sem comprar likesou visualizações. A obtenção de muitos seguidores em curto espaço de tempo se dá pela adesão a uma causa capaz de gerar muito engajamento, a uma grande novidade ou diante de uma grande comoção. Após a trágica morte de Eduardo Campos, a página de Marina Silva ganhou 249.261 novos fãs em cinco dias, entre 13 e 17 de agosto, o que dá uma adesão média diária de 49.852,2 pessoas. Até 12 de agosto, um dia antes do desastre que matou Campos e sua jovem equipe, Marina tinha 768.127 fãs. No dia 17 de agosto, contava com 1.017.388 curtidas. Analisando a evolução da página de Marina Silva de 1ode julho último a 12 de agosto, captamos um crescimento médio de 1.039 fãs por dia, durante 43 dias. O período de comoção e de definição da candidatura de Marina para a disputa presidencial gerou uma explosão de likesque em situação normal só poderia ser obtida mediante pagamento.
Para ficar mais clara a dinâmica das redes sociais, é importante observar os números da presidente Dilma e do senador Aécio. No dia 1o de julho, Dilma tinha 653.171 fãs em sua página oficial; Aécio, 892.858. No dia 12 de agosto, Dilma havia atingido 878.168 fãs, e Aécio, 1.061.404. Após a queda do avião de Eduardo Campos, entre os dias 13 e 17 de agosto, Dilma cresceu para 908.863 fãs, e Aécio, para 1.126.361. Visto de outro modo, nos cinco dias após o acidente, Dilma cresceu à média de 6.139 novos fãs, e Aécio obteve a média diária de 12.991,4. Agora, compare o crescimento de fãs entre 1o de julho e 12 de agosto: Dilma angariou 259.571 (39,98%), e Aécio, 249.851 (28,51%). O crescimento médio diário de Dilma nesses 43 dias foi de aproximadamente 6.036,53 curtidas, enquanto o de Aécio foi de 5.810,48.
A entrada de Marina na disputa pela Presidência redesenha o cenário político e também a comunicação em rede. Em um vídeo em sua página, postado em julho, a então candidata a vice-presidente falava sobre como apoiar a “casa de Marina e Eduardo Campos”. A “casa de Marina” foi uma articulação em rede lançada pela candidata em 2010. Aproveitando o ativismo nas redes que sua campanha angariava, Marina disseminou comitês de campanha em cidades, bairros e comunidades onde não havia um partido nem políticos tradicionais a apoiá-la. Tentando retomar o mesmo processo, Marina disse que nestas eleições “não são as grandes estruturas que decidirão, mas as novas posturas”. Será que Marina conseguirá aglutinar os ativistas de rede e transformá-los em ativistas políticos, mesmo com seu compromisso religioso e com sua adesão a temas conservadores?

Trolls e a estratégia das páginas aliadas
Sem dúvida alguma, as campanhas proporcionais podem se beneficiar muito da ação em rede, desde que tenham uma causa que desperte os interesses de segmentos sociais conectados, principalmente os mais jovens. O custo de tornar-se um comunicador caiu para todos na rede. Mas quem centrar a campanha apenas ou principalmente no Facebook enfrentará as limitações impostas pela política de monetização da rede social. Uma candidatura que despertar os ativistas da rede e os diversos grupos que normalmente habitam o ciberespaço, o Instagram, o WhatsApp, o Twitter e mesmo o Facebook pode levar as vantagens da comunicação distribuída. Todavia, a novidade e a grande criatividade necessárias para atrair e empolgar estão cada vez mais difíceis de serem produzidas nas redes. A atenção e os afetos parecem durar pouco tempo nesses meios.
Frequentemente, temas políticos entram nas conversas das famílias, dos jovens e das pessoas em seu cotidiano. Na internet, a conversação política também ocorre, principalmente em comentários nas redes sociais e nos blogs. Entretanto, a conversa em rede tem características específicas. A polidez é menor do que no contexto face a face, e a sátira e o humor tendem a ser preferidos e compartilhados mais vezes que uma postagem somente argumentativa. O ambiente digital também é repleto de trolls, pessoas que têm paixão pela provocação e pelo embate utilizando todo tipo de recursos expressivos, incluindo o xingamento. Em momentos eleitorais, os debates tendem a ser interrompidos rapidamente pelas trollagens. Assim, a busca pela atenção dos cidadãos passa a ser realizada por meio da criação e distribuição de memes. Alguns deles se tornam virais, ou seja, são replicados por milhares de pessoas.
A grande questão é que as forças de direita brasileira, embaladas pela onda conservadora promovida pelas elites endinheiradas que não suportam o convívio com a diversidade e com a melhoria econômica dos mais pobres, trabalharam elementos simbólicos fundamentais contra os valores básicos da justiça como equidade. A maior parte das esquerdas abandonou o trabalho de conscientização política e o substituiu pela crença no marketing de campanha. Ocorre que o marketing reforça o senso comum, e aí está a armadilha – no momento eleitoral, o pensamento das camadas médias é contrário às esquerdas. Por isso, a campanha eleitoral nas redes não será feita somente por meio das postagens e replicações nos canais oficiais dos candidatos, mas também pela ação das páginas de apoio aos candidatos.
Boa parte da classe média alta, altamente conectada, tem prazer em compartilhar posts etweetscontra o Bolsa Família, contra a diversidade cultural e sexual, contra o imposto progressivo, contra o ensino gratuito nas universidades federais, contra a política de cotas, contra o programa Mais Médicos, contra tudo que permite reduzir a concentração de renda promovida pelo capital. Incentivadas por facções conservadoras articuladas pelos interesses de grandes corporações transnacionais, essas camadas médias produziram um perfil de ação em rede baseado no ódio, no preconceito e na disseminação de inverdades notórias.
Essa base social dá força a uma série de páginas de apoio da direita, tais como a TV Revolta, que contava no início de agosto de 2014 com 3.675.912 curtidas. Apesar de se afirmar independente, ela participa claramente de uma operação anti-Dilma. O mesmo ocorre com o MCC (Movimento Contra a Corrupção), com 1.359.700 curtidas, contrário à corrupção ocorrida nas gestões do PT, mas que pouco postou sobre a corrupção nas gestões do PSDB e do PMDB, muito menos sobre a promovida pelas grandes corporações. Utilizando o mesmo mote genérico, a OCC (Organização contra a Corrupção), curtida por 181.393, simpatiza com o deputado Jair Bolsonaro e, aparentemente, com o regime militar. A operação eleitoral da direita incorpora ainda páginas que cresceram muito a partir das mobilizações de junho, tais como a Anonymous Brasil, com 1.391.444 curtidas, rejeitada e denunciada por diversos coletivos Anons autênticos, e outras como a Fora PT, com 274.892 curtidas, que apesar do nome atacava com vigor também a candidatura de Eduardo Campos.
As forças de esquerda possuem uma blogosfera articulada, que conta com algumas páginas de relevância nas redes sociais, chamadas pelo tucano José Serra de “blogueiros sujos”. Essas páginas podem tentar construir um pequeno contraponto à campanha aberta que a revista Veja, os humoristas conservadores e o sistema Globo tentam fazer pela vitória eleitoral de Aécio. No Facebook, a Dilma Bolada é certamente a maior expressão pró-Dilma e conta com 1.052.863 curtidas. Não é por menos que um publicitário ligado ao PSDB ofereceu R$ 500 mil para Jeferson Monteiro, o autor do perfil fakeda presidente, apoiar a candidatura tucana. Apesar de contar ainda com Lula, detentor de uma página com 1.053.696 curtidas, a esquerda inicia a campanha em nítida desvantagem no Facebook quando se faz o balanço das páginas aliadas. O mesmo ocorre no Twitter.
A grande incógnita dessas eleições gira em torno do ativismo e do pensamento ambientalista e de causas sem contraposição econômica evidente, como a dos cicloativistas urbanos e inúmeros movimentos culturais. Eles se colocam fora do embate entre esquerda e direita e consideram que suascausas são renovadoras da política. A defesa da sustentabilidade, de uma política efetiva de uso de energias alternativas, a reorganização da mobilidade urbana com políticas mais agressivas de restrição dos automóveis, de governos mais transparentes, a defesa da diversidade cultural, entre outras, não são diretamente relacionadas à esquerda ou à direita. Com o trágico falecimento de Eduardo Campos, ainda não é evidente se o retorno da candidatura de Marina poderá reativar esses segmentos, dispersos e sonolentos, ou reduzir os que iriam votar nulo e trazê-los para o embate eleitoral.
O glamour da primeira eleição de Obama e o sucesso da campanha em rede, com a novidade dos memes, podem não se repetir em 2014. Robôs estão sendo utilizados para inflar candidaturas proporcionais, links patrocinados e curtidas compradas, páginas e aplicativos que enviam cookies para identificar visitantes e usuários – tudo isso mostra que a campanha na internet promete consolidar o que o pesquisador Alexander Galloway havia dito: veremos cada vez mais redes enfrentando redes. Sem dúvida, a internet é uma rede de redes distribuídas; ela permite organizar processos transparentes e participativos que dificilmente ocorreriam sem sua existência. Entretanto, a ambivalência das tecnologias está sendo capturada mais pelo processo do marketing do que pelo potencial de interação social. O grande poder horizontal da internet e das tecnologias P2P (peer-to-peer) está sendo alterado por corporações que dominam as principais redes sociais. O Facebook reestabeleceu a comunicação broadcastingno interior das redes distribuídas, ou melhor, as formas de controle vertical baseadas no dinheiro. Isso significa que a força do poder econômico que havia sido atenuada nas redes digitais está se recompondo na verticalidade e nos controles das redes sociais. Nestas eleições, veremos embates entre diversas redes de opinião, e a principal disputa pelo voto do eleitor se dará nas redes sociais controladas por grupos privados. Como procurei mostrar em diversas passagens do texto, apesar do peso da verticalidade, há possibilidade de que ideias fortes e articulações criativas mobilizem e superem os arranjos do capital, organizando os afetos e articulando as perspectivas de mudança real.

Sérgio Amadeu da Silveira
Sóciólogo, professor da Universidade Federal do ABC, integra o grupo de pesquisa em Cultura Digital e Redes de Compartilhamento da UFABC


Ilustração: André Dahmer

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

JOVENS DE DIREITA E A NOVA POLÍTICA DE SEMPRE

Jovens de direita e a nova política de sempre
Retirado da Revista Semanal Fórum dia 26/09/2014

Redução da maioridade penal, privatização das universidades públicas, kit para ensinar meninos a serem “machos” e até defesa do regime militar: conheça quem são e o que pensam os jovens candidatos da direita brasileira
Por Maíra Streit | Fotos retiradas do site Eleições 2014 
A maioria deles nasceu nos anos 1980, período marcante no processo de redemocratização do país. Foi nessa década que eclodiu o movimento Diretas Já, em que diversos setores da sociedade – como lideranças sindicais, artistas, jornalistas e estudantes – se uniram para pedir eleições diretas para presidente. Foi também nessa fase o fim do conturbado regime militar, que, sob o pretexto de combater o comunismo, traçou várias das mais sangrentas páginas da história brasileira, com atos de censura, repressão e mortes.
A partir daí abriu-se espaço para um outro momento, com a aprovação de uma nova Constituição Federal para, no fim da década, ser a vez de o povo finalmente ir às urnas para eleger seu maior representante – e ter forças para tirá-lo três anos depois, devido a denúncias de corrupção. Não há dúvidas de que os anos 1980 foram tumultuados e igualmente importantes para o que se entende hoje da política brasileira.
E é natural pensar que essa geração, nascida em meio a tantas conquistas democráticas, tenha crescido com uma visão mais progressista e libertária, uma vez que herdou as benesses vindas da luta de gerações anteriores e só precisava mantê-las. Porém, na prática, a realidade não é bem essa. Muitos rostos jovens aparecem, cada vez mais, na defesa de valores que deixariam os militares de outrora bastante orgulhosos.
Pena de morte, redução da maioridade penal, endurecimento de táticas para conseguir confissões de suspeitos e até a volta dos anos de chumbo. Essas são algumas das bandeiras levantadas por uma ala que, segundo especialistas, está perdendo a vergonha de marcar posição e assumir seus ideais conservadores. A nova direita no país é formada por lideranças determinadas a romper com o que consideram uma afronta aos “valores da família tradicional” e supostos retrocessos econômicos e sociais implantados pelo governo nos últimos anos.
Trazendo para o atual cenário – em momento de plenas campanhas eleitorais –, o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo federal acirrou a polarização ideológica no Brasil. Aqueles que contrariam as medidas populares assumidas por essa gestão passaram a bater de frente com as propostas de redução das disparidades econômicas e das distinções por gênero, orientação sexual, etnia ou modo de vida.
Ele afirma que o sentimento de “antiesquerdismo” uniu grupos liderados pelo PSDB que pudessem contrapor, de maneira mais enfática, o modo de gestão adotado atualmente. “Chama a atenção, particularmente, o conservadorismo de uma certa juventude tucana, sobretudo quando comparado à posição dos tucanos mais velhos, fundadores do partido, bem menos conservadores. Virou o partido do que em minha juventude chamávamos de ‘mauricinhos’, hoje chamados de ‘coxinhas’”, ressalta.
Para Couto, o rechaço aos programas sociais vigentes traduz o incômodo que eles podem gerar nas camadas mais conservadoras da população e cita como exemplo o programa Bolsa Família, apelidado por parte da oposição de “Bolsa Esmola”. “Os direitistas tendem a rejeitar as políticas públicas que efetivam a igualdade. Assim, podem dizer que não são contra o valor da igualdade, mas rejeitam qualquer meio prático que possibilite buscá-la. E, claro, sempre usam para essa desqualificação o argumento da meritocracia, como se houvesse uma competição equitativa entre os que partem de condições muito desiguais”, explica.
A juventude direitista, então, assumiu o discurso moralizante de seus antepassados e tratou de levá-lo adiante, com todo o afinco. Para o professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), João Feres Júnior, é compreensível que isso aconteça. Ele lembra que, com as grandes manifestações de junho de 2013, houve um discurso apolítico bastante expressivo dentro de uma multidão heterogênea e desorganizada. “Mas, ao mesmo tempo, quando se olha para o lado das eleições, a tendência dos apolíticos é defender os candidatos de direita. Eles pedem mudanças, mas acabam votando nos mesmos, ou até em outros piores”, ressalta.
O especialista destaca que o Brasil viveu, até hoje, um período de transição democrática. Porém, o discurso de direita vinha sendo mantido com o apoio da mídia, que, segundo ele, defende a opinião de apenas um lado: o do liberalismo econômico e de outros ideais conservadores na sociedade. Feres vê a reafirmação desses grupos como parte natural do amadurecimento da democracia no país. No entanto, faz um alerta: “A direita tem sido golpista no Brasil. Espero que não aconteça mais e eles se mantenham dentro do debate, mas acho que ocorreria de novo, se tivessem a oportunidade”.
O que mostram os números
Em 2013, uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha indagou os brasileiros sobre uma série de questões envolvendo concepções políticas e sociais. O resultado mostrou que, de forma geral, a população se divide de maneira igualitária entre a direita (39%, sendo 10% de direita, e os demais 29%, de centro-direita) e esquerda (41%, sendo 10% de esquerda, e 31% de centro-esquerda).
Quando o assunto é economia, a maior fatia fica à esquerda (46%, considerando 21% de esquerda, e outros 25% de centro-esquerda), enquanto a direita abrange 26% (8% de direita, e 18%, de centro-direita), e o centro abriga 27%. Ao tratar somente de temas comportamentais ligados a valores, os segmentos da população com mais afinidades com a direita (49%, sendo 12% de direita, e 37%, de centro-direita) ultrapassam os mais ligados à esquerda (29%, sendo 4% afinados com a esquerda, e 25%, com a centro-esquerda), e o centro ganha espaço (22%).
O levantamento ouviu a opinião de quase 5 mil pessoas em cerca de 194 municípios, acerca de assuntos como crença em Deus, homossexualidade, pobreza, uso de drogas, criminalidade e posse de armas. Os posicionamentos defendidos pelos entrevistados mostram que a sociedade brasileira ainda mantém opiniões conservadoras a respeito de muitos temas considerados polêmicos no cenário nacional.
E é nesse nicho que os partidos de direita têm apostado para conseguir alavancar votos e eleger seus representantes. O professor Adriano Codato, do Departamento de Ciência Política e Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), chama a atenção para uma parcela de alguns desses grupos que, embora seja “eleitoralmente irrelevante”, tem visibilidade nas redes sociais, nos fóruns de discussão e é alimentada pela grande imprensa por conta de suas notícias e opiniões.
A grande contradição, segundo Codato, está em determinados candidatos defenderem, ao mesmo tempo, o liberalismo econômico, mas se oporem frontalmente a alguns valores individuais. E, para ele, essa é também uma concepção que muda de acordo com a classe social. “À medida em que as pessoas melhoram de vida, elas tendem a ser mais conservadoras, justamente para não arriscar perder o status conquistado”, afirma.
Quem são eles?
Os estudiosos apontam para os efeitos das grandes manifestações do ano passado na integração de parte da juventude no discurso ideológico de direita. Também alertam que a mídia tem, em grande parte, responsabilidade na manutenção de um viés mais reacionário no país, além da polarização política inevitável com a ascensão do PT ao poder, que, de certa forma, uniu a oposição para derrubá-lo. Mas o que pensam os próprios jovens que integram e defendem os ideais de direita?
Fórum foi ouvir quatro representantes que concorrem a cargos públicos nas eleições deste ano, para entender as motivações, as propostas de campanha e o que, de fato, acreditam ser o melhor projeto para a mudança nas condições de vida da população. As opiniões são diversas e, muitas vezes, polêmicas. Quanto ao resultado disso tudo, somente as urnas poderão dizer.
dr-matheus-sathlerMatheus Sathler
“Praticantes do homossexualismo infectaram todas as instituições com o que chamo do vírus ideológico do ‘Eboiola’”, afirma
Idade: 31 anos
Partido: PSDB/DF
Profissão: advogado
Candidato a deputado federal
Em pouco tempo de vida pública, Matheus Sathler coleciona uma lista infindável de polêmicas em torno de seu nome. A maior delas diz respeito à defesa da criação de um “kit macho”, para ensinar meninos a “gostar somente de mulheres”, e um “kit fêmea”, que seria responsável por passar às meninas informações de como “serem femininas” e seguirem “o seu papel correto” na sociedade, segundo palavras do próprio advogado.
De acordo com ele, a proposta viria para contrapor o chamado “kit gay”, projeto de distribuição de conteúdos e materiais contra a homofobia nas escolas. A ideia foi apresentada durante a propaganda eleitoral na televisão e causou revolta entre militantes feministas e do movimento LGBT de todo o país.
Questionado sobre o mal-estar gerado pelo assunto, o presidente regional do PSDB, Eduardo Jorge, determinou que o programa fosse retirado do ar e afirmou que o partido não compactua com o tom homofóbico apresentado pelo jovem candidato. Porém, isso não impediu que Sathler continuasse defendendo o projeto em entrevistas e reuniões de campanha e, até o momento, não houve qualquer medida que inviabilizasse a sua candidatura.
O ataque às mulheres e aos homossexuais fica explícito, por exemplo, ao defender que esses grupos devem manter distância da polícia e das Forças Armadas. “Nós nos baseamos no fato de a mulher ser muito delicada para exercer tal atividade notoriamente bruta, rude e máscula. Mas minha posição mais contundente é contra a presença dos praticantes do homossexualismo [sic] nessa instituição tão honrada. O que eles querem não é servir a pátria, mas enfiar sua agenda sodomita goela abaixo para desmoralizar essa instituição de machos”, destaca.
Aliás, o linguajar politicamente incorreto se tornou marca registrada do candidato, que completou: “infelizmente os praticantes do homossexualismo infectaram todas as instituições com o que chamo do vírus ideológico do ‘Eboiola’, principalmente os partidos políticos”. Em vídeo publicado no YouTube, Stathler registra em cartório o seu compromisso de doar 50% do salário como deputado para “recuperação dos órgãos genitais” de vítimas de “estupro pedófilo homossexual”. Em outra gravação, chama a presidenta Dilma Rousseff de “anta” e afirma sentir orgulho de ser chamado de machista.
paulo-batistaPaulo Batista
O raio privatizador não perdoa nem as universidades públicas
Idade: 34 anos
Partido: PRP/SP
Profissão: empresário
Candidato a deputado estadual
Com o slogan “Magoe um socialista, vote no Batista”, o candidato de São Paulo é autor de uma das campanhas mais excêntricas das eleições deste ano. Em vídeo de divulgação de sua candidatura, ele aparece como um super-herói que tem como poder o “raio privatizador”. Ao ser disparado contra universitários em uma manifestação, eles logo chegam à formatura. O “super-poder” também teria sido o responsável por melhorias nas condições do metrô.
Embora a maneira de explicitar isso seja questionável para alguns eleitores por causa do tom extremamente debochado, o material deixa nítida a ideia do candidato de que as privatizações são a melhor solução para os problemas da sociedade brasileira. Ideia essa que não deixou de fora nem mesmo universidades conceituadas como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), que na concepção dele, devem se tornar instituições particulares.
De acordo com Batista, a tradição de defender as universidades públicas seria uma forma de os mais pobres financiarem a faculdade dos mais ricos. “Cada aluno da USP, por exemplo, custa mensalmente aos cofres públicos cerca de R$ 4.500. Tais recursos são direcionados quase que exclusivamente a pagamentos de salários e encargos, deixando a instituição de joelhos diante de grupos de pressão como sindicatos e lideranças estudantis ligadas a partidos de esquerda”, acredita.
Outra crítica veemente do candidato do PRP diz respeito ao programa “De Braços Abertos”, implantado pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, para resgatar socialmente usuários de crack da região de Nova Luz, centro da cidade. Para ele, a iniciativa seria uma forma de o PT financiar o consumo de drogas entre os dependentes, o que ele chama de “Bolsa Crack”. “O suposto salário não é nada além de uma desculpa para a oferta de dinheiro a usuários de tal droga”, alega.
Ao contrário do que foi afirmado por Batista, dados do Sistema de Informações Criminais (Infocrim), da Secretaria Estadual de Segurança Pública, mostram que, após o programa, o consumo de crack foi reduzido, em média, de 50% a 70%. E, dos 422 beneficiários cadastrados, 23 já receberam o atestado médico de aptidão ao mercado de trabalho, com acompanhamento feito por equipes de saúde e assistência social.
eduardo-bolsonaroEduardo Bolsonaro
Para ele, grupos LGBTs querem criar uma “super raça” e tentam segregar a sociedade
Idade: 30 anos
Partido: PSC/SP
Profissão: policial federal
Candidato a deputado federal
Eduardo estreia na política tendo como principal cabo eleitoral seu pai, o controverso deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ), que sustenta o título de um dos maiores opositores à causa LGBT do país. Além deste, Jair tem outros dois filhos que seguiram a mesma trajetória: o candidato a deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP/RJ) e ainda Carlos Bolsonaro (PP/RJ), que se tornou, nas eleições de 2000, o mais jovem vereador do Brasil.
Mesmo tendo sido o único a não aderir ao partido do pai, Eduardo não destoa das pautas defendidas pela família e ainda tem como padrinho político o colega de PSC Marco Feliciano, bastante criticado por sua atuação agressiva diante de minorias étnicas e sexuais.
Formado em Direito e inspetor da Polícia Federal, o jovem candidato do PSC tem como principais propostas a redução da maioridade penal, a defesa do agronegócio, da propriedade privada e da liberação do uso de armas para o cidadão comum, além da proibição do ensino da “ideologia de esquerda” nas escolas. Segundo ele, professores utilizam a sala de aula para defender o socialismo e a implantação de regimes totalitários, como parte de uma tentativa de doutrinação política.
Nesse contexto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é, obviamente, rechaçado por Eduardo. “Acreditamos que uma pessoa tem que ser valorizada por seu caráter e competência e não por sua convicção sexual, como propõem os articulados grupos LGBTs, que com essa nova modalidade de imposição de uma ‘super raça’, além de abocanhar milhões de reais de dinheiro público, mais uma vez tentam segregar a sociedade”, afirma.
Ele diz que, por possuir uma formação cristã, vê o assunto sob um ponto de vista diferente. “Eu me posiciono contrário, pois acredito que uma família saudável só pode ser formada por homem e mulher, conforme, inclusive, prevê nossa Constituição”, conclui, reafirmando que o pai é seu maior ídolo e inspiração nessa trajetória política.
lucas-trevizanLucas Trevizan
O candidato do PSC diz que apoiaria caso os militares resolvessem voltar ao poder
Idade: 22 anos
Partido: PSC/SP
Profissão: estudante
Candidato a deputado federal
Lucas Trevizan se considera, antes de tudo, um patriota. Por ter sido militar, defende que o golpe de 1964 foi uma saída para “impedir o comunismo de tornar o Brasil uma franquia de Cuba”. Apesar de ser bastante jovem, com pouco mais de 20 anos, o discurso é antigo. “Meus pais, tios, primos e amigos viveram essa época e nenhum foi preso. Sabe por quê? Eles não frequentavam o covil dos guerrilheiros, não tramavam assaltos, não sequestravam, não mataram civis e militares. Eles estudavam e trabalhavam”, garante.
Assumidamente conservador, Lucas reforça o compromisso com a família tradicional como o maior patrimônio da nação e enfatiza ser parente de um dos líderes da extinta Aliança Renovadora Nacional (Arena), o ex-deputado Sólon Borges dos Reis, já falecido. “Tenho orgulho em dizer que a farda é minha segunda pele. Não há dúvidas de que o regime trouxe avanços para o Brasil. Se não fossem os militares, não seríamos o que somos hoje”, destaca.
Quanto a uma possível volta dos militares ao poder, ele não descarta o seu apoio, caso o país “precise de uma intervenção”. E complementa: “se essa for a vontade do povo”. Ele acredita que o que houve no período da ditadura foi uma exceção e que os livros deturpam a história, colocando os presos políticos como heróis.
Lucas diz não acreditar em um Estado laico porque, segundo ele, temos uma Constituição “promulgada sob a proteção de Deus”. O candidato afirma que a religião tem um papel fundamental na formação do ser humano e não vê equívocos em misturar crenças pessoais com o dia-a-dia de cargos públicos, já que tem como eleitorado o povo cristão e precisa representá-lo. “Religião e política são irmãs gêmeas. Porém, a política é a irmã rebelde”, filosofa.

Pastor Candidato quer eliminar referências públicas das religiões afro-brasileiras na Bahia

                                          Estátuas dos Orixás do Dique do Tororó, em Salvador

Nas minhas aulas no dia de ontem sobre Idade Média/Feudalismo, fizemos uma coisa que tento sempre em sala de aula, que é trazer para próximo da realidade de nossos alunos e alunas o fato histórico distante; na aula de ontem, quando debatíamos sobre a vida super explorada dos servos - trabalhadores - do sistema feudal europeu, levantamos e detalhamos quem eram os detentores do poder político, econômico, religioso e ideológico daquela sociedade, na hora de debatermos sobre o poder religioso/ideológico sobrou para a igreja católica, os próprios alunos e alunas levantaram então que ainda hoje, em quase todas as religiões, o controle por parte de uma boa parcela de pastores evangélicos e padres católicos conservadores, é tão presente quanto na época medieval.
Somos professores e professoras de estudantes de escolas públicas e o que se observa é que os alunos e alunas mais intolerantes - são alunos e alunas de 13/14 anos de idade, são aqueles mais ligados às igrejas e padres/pastores conservadores que pregam, também aqui em Brasília, a mesma coisa que esse senhor candidato a deputado negro da Bahia. Em nossa escola, tivemos casos de alunos e alunas que se retiraram de sala quando o professor iniciou a projeção de filme com temática religiosa voltada ao Candomblé, se recusaram inclusive, a fazer as tarefas propostas.
Essas eleições, isso já aconteceu em outras, mas nessas eleições esse tipo de intolerância parece mais visível, mostrando o quanto nossa sociedade vem aprofundando a intolerância, o racismo, a homofobia, o desrespeito. Precisamos debater esse tema com mais seriedade nas escolas e em todos os espaços públicos. O respeito às religiões afro-brasileiras é de fundamental importância para mantermos a cultura do nosso Povo. A preservação, o fortalecimento, a divulgação e conhecimento da cultura popular, pode ser uma forma de acabar ou diminuir com a intolerância.

por José Gilbert Arruda Martins (Professor)

Blog Maria Frô

De todas as propostas esdrúxulas dos mais de 14 mil candidatos a deputado federal nas eleições de 2014, a campanha do pastor candidato, Elionai Muralha, chega ao requinte da intolerância. Ele prega abertamente uma verdadeira caça às bruxas ao patrimônio cultural baiano: quer retirar todas as esculturas dos orixás de locais públicos na Bahia.
Carybé, Jorge Amado, Pierre Verger e tantos outros artistas, escritores e pesquisadores das religiões de matrizes africanas devem estar dando muitas voltas no túmulo e espero que os vivos como Mario Cravo e toda sociedade pensante brasileira reajam.
O que é mais assustador é que o ataque vem de uma pessoa negra. Só Frantz Fanon pode explicar a ignorância fundamentalista do candidato pastor que ataca uma tradição herdada dos africanos que se confunde com a própria identidade baiana. As religiões afro-brasileiras são patrimônio imaterial e as esculturas dos orixás, patrimônio brasileiro. Os orixás são referências culturais transformadas em obras de arte expostas em locais públicos. Mas elas incomodam tanto o pastor que ele deseja retirá-las do dique do Tororó, de praças, tornando a bandeira de sua campanha.
O pastor candidato ignora por absoluto o fato de que nas religiões ancestrais de matrizes africanas, o espaço da natureza é sagrado. Assim como os povos indígenas, o povo de terreiro lida com o mar, as cachoeiras, os rios, as matas como espaços importantes para exercer seus rituais. No entanto, o candidato pastor vai além, ele quer riscar do mapa baiano esculturas que são cartão postal de várias cidades do estado. Qual será o próximo passo? Fazer terra arrasada das igrejas? Demolir as estátuas de santo católicos nas praças?  Imagine um candidato pai, mãe de santo propondo demolir igrejas evangélicas?
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Deputado é contra retirada de Orixás do dique por: Colbert Martins Filho
Caso vingue o argumento que o candidato a deputado federal pastor Elionai Muralha está usando para tentar retirar as estátuas dos Orixás do Dique do Tororó, em Salvador, uma série de privilégios públicos para todas as religiões deverão ser revistos, tais como concessões de TV, doação de terrenos públicos e apoios financeiros para igrejas e até mesmo a isenção de impostos, conforme contra-argumenta o deputado federal Colbert Martins (PMDB).
Colbert destaca que, em matéria publicada na imprensa, o pastor alega que seu argumento se baseia na “isonomia na função social de órgãos e repartições que não podem atender a uma única crença”, salientando ainda Elionai que “local público não pode ser confundido com local de culto. A Bahia é conhecida de uma única crença: o candomblé. Não tem cabimento”.
“Creio que o ponto de vista do pastor remeta também à proibição de emprego de dinheiro público, ou qualquer serviço ou bem público em benefício de qualquer religião. Pelo meu ponto de vista, a existência dos Orixás no dique é mais uma visão histórica do que propriamente apenas de crença, assim como o Candomblé se confunde com a história da Bahia. A retirada das estátuas seria descabida, uma falta de respeito à história da Bahia e ao candomblé”, afirma Colbert Martins.
Comentário de um internauta no blog da Maria Frô:
Pastor Elionai, não lhe conheço, mas desejo muito que o senhor seja derrotado em qualquer eleição que o senhor venha a concorrer. Como ser humano o considero como alguém totalmente destituído de qualquer ligação com suas raízes, pelo que vejo na sua cor o senhor é negro e com esta postura intolerante e preconceituosa contra as religiões afro-brasileiras o senhor está afrontando e mais do que isto, está desrespeitando a memória dos seus e dos nossos antepassados. O senhor demonstra uma ignorância cega quanto ao significado das simbologias representadas nos cultos religiosos do Candomblé e da Umbanda. O senhor está desrespeitando todas as pessoas que cultivam livremente sua crença religiosa, o senhor está desrespeitando a Constituição Brasileira que comporta e protege todas as manifestações de credo, o senhor está desrespeitando seus próprios seguidores os evangélicos de boa fé, pois esses entendem o verdadeiro espírito de Jesus Cristo que vai no caminho justamente da tolerância e do amor. Por isso tudo, o senhor não deve ganhar votos nem do Candomblé e nem dos evangélicos, pois o senhor é um falso profeta descrito claramente na Bíblia, os trechos em que há essa descrição pode-se ver o senhor lá de uma forma muito clara.