domingo, 6 de abril de 2014

José de Abreu: “Não há ideologia que justifique a tortura”

José de Abreu: “Não há ideologia que justifique a tortura”

Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/blogterramagazine/blog/2014/04/05/jose-de-abreu-nao-ha-ideologia-que-justifique-a-tortura/

Dos 580 catarinenses presos durante o regime militar, identificados pela Comissão da Verdade Paulo Stuart Wright, 27 eram mulheres. Entre elas, Derlei Catarina de Luca e Rosângela Souza. Em comum, uma história de tortura e lutas em busca da preservação da memória das vítimas da Ditadura brasileira. Ambas atuam de forma ativa na identificação dos presos, torturados e mortos do estado onde nasceram e vivem. O golpe militar de 1964 completa 50 anos nesta segunda-feira (31).

FONTE: http://www.portalaz.com.br/noticia/geral/291116_50_anos_apos_o_golpe_militar_presas_de_sc_relatam_tortura_e_detencao.html

http://www.portalaz.com.br/imagens/geral/20140331131610_604a4.jpgDerlei foi presa três vezes. A primeira foi durante um Congresso da União Nacional de Estudantes, em Ibiúna (SP), em 12 de outubro de 1968, quando todos os participantes foram detidos. Depois, em 5 de dezembro de 1968 foi presa em Florianópolis. Quase um ano depois foi capturada durante a Operação Bandeirante, em São Paulo, em 23 de novembro de 1969, centro clandestino do Exército financiado por empresários para cassar, torturar e matar os opositores do regime, que mais tarde se transformou no Doi/Codi. Natural de Içara, na terceira detenção, ela foi torturada e mantida encarcerada por vários meses. Passou por praticamente todos os tipos de tortura física empregados na época: pau-de-arara, cadeira do dragão, choque elétrico e a palmatória.

A então estudante da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi convidada a deixar os estudos depois de participar do Congresso da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna (SP), quando todos os participantes foram detidas. Tempo depois, ela foi pega novamente com uma maleta cheia de documentos comunistas de outros países. Ela relata que conheceu a sala de tortura às 19h de 23 de novembro de 1969.

"A primeira noite é indescritível. Arrancam minhas roupas. Sou pendurada no pau-de arara, recebo choques elétricos nos dedos, vagina, ouvido. Quebram meus dentes. A dor é lancinante. Tão intensa que nem dá para gritar. O sangue escorre pela cabeça, melando os cabelos e pescoço. Os braços, seios e maxilar recebem pancadas e coronhadas de revólver. São vários homens gritando. Ninguém pergunta objetivamente nada. Eles berram”, relembra a ex-militante da Ação Popular, no livro "No Corpo e na Alma", que começou a escrever durante seu exílio em Cuba.

As agressões sofridas na primeira semana de reclusão a fizeram passar quatro dias desacordada. Levada para um hospital, foi medicada e recebeu tratamento até ser removida novamente e agredida mesmo engessada e machucada das torturas anteriores.

As sequelas daquela época ficaram marcadas no corpo e na alma, como ela mesma descreve em livro. Por causa das agressões, passou 20 anos em tratamento por problemas renais.

Foi exilada, no Chile, Panamá e depois em Cuba. Voltou para o Brasil com a Anistia em 1979 e continuou lutando em busca dos desaparecidos políticos. Hoje, ela é apontada por historiadores e militantes como uma das pessoas mais engajadas no estado de Santa Catarina.

Faltou com respeito com o presidente
Rosangela Souza foi presa aos 23 anos em 1979, por ter "faltado com o respeito com o então presidente, general Figueiredo. Na época estudante de Direito da UFSC, ela ajudou a organizar uma manifestação pública contra o governo vigente. Por causa disso, ficou presa dez dias e foi julgada pelo Tribunal Militar em Curitiba.

Durante oito dias, ela permaneceu incomunicável no Hospital Militar, em Florianópolis, quando foi interrogada e ameaçada. “Fui retirada da cama às 6h por policiais federais. Os carcereiros eram meus amigos de sala”, contou à Comissão da Verdade.

Atualmente, ela é advogada e atua na busca de informações dos presos, desaparecidos e mortos políticos da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina. É responsável por fazer o levantamento dos profissionais que sofreram repressão durante o regime militar.

Segundo ela, apesar dos dados obtidos ainda falta ter acesso a muitas informações cruciais para desvendar todos os abusos cometidos duranta a ditadura. Ela cita os arquivos da Marinha que continuam intocados. Conforme a advogada, foi um dos locais com os piores casos de tortura e desaparecimentos. “Nós temos que conseguir os arquivos do Cenimar”, ressaltou.

O posicionamento dela é enfático sobre os crimes cometidos naquela época. Em depoimento para a comissão da verdade e ao G1 defendeu: “precisamos da verdade. Depois, de justiça. Muitos jovens que não cometeram crime algum foram assassinados pelo estado. Os assassinos têm de ir para a cadeia. Esta é a minha posição particular”.

Nos EUA, a confirmação da mão de Roberto Marinho nos bastidores da ditadura.

DOCUMENTO
Nos EUA, a confirmação da mão de Roberto Marinho nos bastidores da ditadura.
Roberto Marinho e o Ditador Costa e Silva
Em telegrama ao Departamento de Estado norte-americano, embaixador Lincoln Gordon relata interlocução do dono da Globo com cérebros do golpe em decisões sobre sucessão e endurecimento do regime
por Helena Sthephanowitz publicado 05/04/2014 15:25, última modificação 05/04/2014 15:27
No dia 14 de agosto do 1965, ano seguinte ao golpe, o então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, enviou a seus superiores um telegrama então classificado como altamente confidencial – agora já aberto a consulta pública. A correspondência narra encontro mantido na embaixada entre Gordon e Roberto Marinho, o então dono das Organizações Globo. A conversa era sobre a sucessão golpista.
Segundo relato do embaixador, Marinho estava “trabalhando silenciosamente” junto a um grupo composto, entre outras lideranças, pelo general Ernesto Geisel, chefe da Casa Militar; o general Golbery do Couto e Silva, chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI); Luis Vianna, chefe da Casa Civil, pela prorrogação ou renovação do mandato do ditador Castelo Branco.
No início de julho de 1965, a pedido do grupo, Roberto Marinho teve um encontro com Castelo para persuadi-lo a prorrogar ou renovar o mandato. O general mostrou-se resistente à ideia, de acordo com Gordon.
No encontro, o dono da Globo também sondou a disposição de trazer o então embaixador em Washington, Juracy Magalhães, para ser ministro da Justiça. Castelo, aceitou a  indicação, que acabou acontecendo depois das eleições para governador em outubro. O objetivo era ter Magalhães por perto como alternativa a suceder o ditador, e para endurecer o regime, já que o ministro Milton Campos era considerado dócil demais para a pasta, como descreve o telegrama. De fato, Magalhães foi para a Justiça, apertou a censura aos meios de comunicação e pediu a cabeça de jornalistas de esquerda aos donos de jornais.
No dia 31 de julho do mesmo ano houve um novo encontro. Roberto Marinho explica que, se Castelo Branco restaurasse eleições diretas para sua sucessão, os políticos com mais chances seriam os da oposição. E novamente age para persuadir o general-presidente a prorrogar seu mandato ou reeleger-se sem o risco do voto direto. Marinho disse ter saído satisfeito do encontro, pois o ditador foi mais receptivo. Na conversa, o dono da Globo também disse que o grupo que frequentava defendia um emenda constitucional para permitir a reeleição de Castelo com voto indireto, já que a composição do Congresso não oferecia riscos. Debateu também as pretensões do general Costa e Silva à sucessão.
Lincoln Gordon escreveu ainda ao Departamento de Estado de seu país que o sigilo da fonte era essencial, ou seja, era para manter segredo sobre o interlocutor tanto do embaixador quanto do general: Roberto Marinho.

RBA
E seu relato, Gordon menciona Marinho entre os cérebros da continuidade do golpe. E cita Milton Campos como muito respeitável, mas um "gentleman"

RBA

Eleições diretas poderiam das margens para "esquerdistas" como o marechal Lott; regime criaria eleição indireta

RBA
Marinho discutiu com Caslelo Branco a possibilidade de Costa e Silva vir a sucedê-lo
O histórico de apoio das Organizações Globo à ditadura não dá margens para surpresas. A diferença, agora, é confirmação documental.


sábado, 5 de abril de 2014

O ARAGUAIA NÃO CHEGA A PERDIZES


O ARAGUAIA NÃO CHEGA A PERDIZES


Dom Pedro Casaldáliga


Por Fábio Py Murta de Almeida
(Extraído da revista Caros Amigos dia 04 de abril de 2014 no endereço: http://www.carosamigos.com.br/index.php/artigos-e-debates/4011-o-araguaia-nao-chega-a-perdizes
Chega a informação de que o bispo emérito da Prelazia do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga (1928), poderá ser condecorado mais uma vez com o título de doutor honoris causa dessa vez pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) – antes recebera a honraria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2000, e da PUC-GO em 2012. Sem dúvida, é algo a ser comemorado. A indicação do título para o CÔNSUL da universidade foi da Faculdade de Teologia da PUC-SP, o qual é o grande prêmio dado pelas universidades a pessoas, podendo condecorar até os que não têm título acadêmico. Com ele, o laudeado passa a assinar ‘doutor’ ou ‘doutora’, sendo concedido a pessoas de destaque em área acadêmica ou em decorrência de serviços prestados à comunidade.
Vetores
Gostaria de destacar que caso haja o laudeamento do ‘Pedro do Araguaia’ há pelo menos dois vetores tendidos nas entrelinhas do ato titulatório. O primeiro vem de sua trajetória marcada pela luta dos direitos humanos, contra a ditadura, contra as forças capitalistas no campo, contra os posseiros. Intra-catolicismo suas lutas se orientam no sentido da crítica à estrutura, ao celibato sacerdotal e pela luta da maior participação das mulheres no clero. Nada disso impediu de ser admirado por figuras centrais da cúria como o Papa Paulo VI. Pontífice, no qual, nos tempos da Ditadura Militar no Brasil desafiou que se tocassem no Pedro do Araguaia estaria encostando no Papa. Lideranças da igreja quando podem, prestam homenagens ao Pedro do Araguaia, dono das honrarias pela vida pastoral aguçada pelas dores dos que pouco têm.
Entretanto também, deve-se considerar o vetor da universidade, isto é, da PUC-SP. Uma universidade que há anos constrói um histórico na sociedade brasileira no qual não se pode ser demonstrado nesse pequeno espaço. A PUC-SP onera em sua tradição: reflexão, o social, e em seus quadros teológicos agrega excelência ao fino do tecido ecumênico brasileiro. Apesar disso, a universidade vem se recuperando de embates, lutas contra a estrutura antiga, medieval - não condizente com sua excelência. Isso por que, na questão da eleição dos cargos mais altos como a reitoria depende ainda da palavra final do bispado paulista. Não importa às primeiras colocações. Quem define suas lideranças são os grupos do bispado. Por isso, tempos atrás ocorreram protestos de estudantes contrariados com a indicação do bispo levando a ocupar por dias o campus. Os protestos ocorreram pela indicação do Arcebispo Metropolitano de São Paulo e grão-chanceler da PUC-SP, Dom Odilo Scherer (1949), de postular na reitoria uma pessoa não foi a tão bem cotada quanto os demais. Uma postura controversa no sufrágio universal do Brasil.
Sinal de Francisco?
Sob o governo de Dom Odilo Scherer (de ala mais fechada da igreja, com histórico de intolerância com teólogos da libertação, responsável por retiradas de padres e párocos mais progressistas) soa tão distinta a indicação da solenidade de honoris causa para um bispo como Dom Pedro Casaldáliga reconhecidamente anti-estrutural, ligado à Teologia da Libertação, aos movimentos sociais e camponeses. Seria uma vitória da teologia latino-americana? Um sinal da primavera vivida pela Igreja com o governo de Francisco? A primeira impressão é que sim. Contudo, a quem perceba que está ocorrendo um deslocamento de uma teologia social mais para o centro da igreja ao invés de a celebração da vida, das lutas e pautas do Pedro do Araguaia com críticas aos ornamentos estruturais. Parece que se está ocorrendo um processo de alocação de temas da religião progressista no mandato de Francisco, com vias de ocultação ou silenciamento dos antigos embates desta teologia. É o que se vê nas argumentações do atual cardeal presidente da cadeira da Congregação para Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício), Gerhard Muller, quando desloca a teologia da libertação como subserviente a doutrina social da igreja simplificando-a como mera solidariedade, caridade cristã.
Segmento de Cristo
O inverso dos que elaboraram as teologias sociais, quando em 1950-1960 seus produtores alertavam os truques das estruturas religiosas do uso dos termos e postulados das filosofias da libertação a fim de domesticar em prol do seu leso cristianismo. O inverso do programa preferido quando a partir dos leigos se construiria uma igreja genuinamente do segmento de Cristo, isto é, entre os pobres e desguarnecidos. Horizonte que hoje se torna cada vez mais utópico como quem luta em acreditar que o Araguaia do Pedro possa inundar as ricas túnicas do Odilo corriola escondido entre os cimentos dos prédios da classe média alta de Perdizes, São Paulo.

 Fábio Py Murta de Almeida é teólogo, historiador e doutorando em Teologia pela PUC-RJ. Articulador do blog fabiopymurtadealmeida.blogspot.com

As opiniões contidas nos artigos publicados nessa editoria, dedicada ao debate de ideias, não refletem necessariamente a opinião da revista.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Especial 50 anos do golpe Jornalismo golpista



Especial 50 anos do golpe
Jornalismo golpista



A participação entusiasmada dos donos de mídia, articulistas, editorialistas e chefes de redação na conspiração contra o presidente João Goulart
por Juremir Machado da Silva — publicado 03/04/2014 05:37
Site da revista Carta Capital dia 03/04/2014

No Brasil, 1964 pode ser descrito como o ano da imprensa colaboracionista. Os intelectuais jornalistas traíram o compromisso com a verdade e com a independência por desinformação, conservadorismo e ideologia. Alberto Dines, Antonio Callado e Carlos Heitor Cony ajudaram a derrubar Jango. O poeta Carlos Drummond de Andrade sujou as mãos com algumas mal traçadas crônicas destinadas, pós-golpe, a chutar cachorro morto. Em 1954, a mesma imprensa havia empurrado Getúlio Vargas ao suicídio. Nas únicas três vezes em que o Brasil teve governos do centro para a esquerda – 1951-1954, 1961-1964 e 2003 até hoje –, a mídia aliou-se aos mais conservadores ao agitar os mesmos espantalhos: corrupção, anarquia, desgoverno, aparelhamento do Estado, tentações comunistas e outras ficções mais ou menos inverossímeis.
Em 1964, João Goulart, fervido no caldo borbulhante da Guerra Fria, enfrentou a ira moralista de veículos como oCorreio da ManhãJornal do BrasilO GloboO Estado de S. PauloFolha de S.PauloTribuna da ImprensaO Dia e dos Diários Associados de Assis Chateaubriand. A queda de Jango começou a se definir em 13 de março, uma sexta-feira. O presidente cometeu o pecado de abraçar a reforma agrária e de encampar as refinarias de petróleo. A reação conservadora pôs nas ruas as Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Consumado o golpe, o diretor de O Estado de S. Paulo, Julio de Mesquita, não se constrangeu em publicar, em 12 de abril de 1964, o “roteiro da revolução”, que ajudara a preparar com auxílio do professor Vicente Rao, em 1962.
O patriarca da imprensa golpista clamava pelo fechamento do Congresso Nacional e das assembleias legislativas. “Há mais ou menos dois anos, o Dr. Júlio de Mesquita Filho, instado por altas patentes das Forças Armadas a dar a sua opinião sobre o que se deveria fazer caso fosse vitoriosa a conspiração que então já se iniciara contra o regime do Sr. João Goulart, enviou-lhes em resposta a seguinte carta...” Sugeria a suspensão do habeas corpus, um expurgo no Judiciário e a extinção dos mandatos dos prefeitos e governadores. A solução “democrática” contra o governo de Jango seria uma junta militar instalada no poder por, no mínimo, cinco anos.
A “Mensagem ao Congresso”, enviada por Jango em 15 de março, detonou o horror na imprensa golpista. O confronto com os marinheiros reunidos no Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, em 25 de março, deu nova e poderosa munição para o golpismo midiático: as Forças Armadas estariam minadas pela indisciplina. Os marinheiros da base da hierarquia tinham reivindicações subversivas, entre elas... o direito ao casamento. A mídia considerava tudo isso muito radical. Em 30 de março, Jango compareceu ao encontro dos sargentos no Automóvel Clube do Rio. Foi a senha para o autodenominado “vaca fardada”, o general Olympio Mourão Filho, dar o seu coice mortal, marchando com suas tropas de Juiz de Fora para o Rio. A mídia exultou.
O golpe partiu de Minas sob a liderança civil do governador Magalhães Pinto. Alberto Dines, hoje decano dos críticos de mídia e pregador de moral e cívica no seu Observatório da Imprensa, brindou o governador, no livro que organizou e publicou ainda em 1964 para tecer loas ao golpismo – Os Idos de Março e a Queda em Abril –, com o mais alto elogio disponível na época, um cumprimento aos colhões do pacato golpista: “Enfim, apareceu um homem para dar o primeiro passo. Este homem é o mais tranquilo, o mais sereno de todos os que estão na cena política. Magalhães Pinto, sem muitos arroubos, redimiu os brasileiros da pecha de impotentes”.
Correio da Manhã deveria constar no livro dos recordes como o mais rápido caso de arrependimento da história do jornalismo. Em 31 de março e 1º de abril de 1964, golpeava furiosamente. No editorial “Basta!”, decretava: “O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta”. De quê? “Basta de farsa. Basta da guerra psicológica que o próprio governo desencadeou com o objetivo de convulsionar o país e levar avante a sua política continuísta. Basta de demagogia para que, realmente, se possam fazer as reformas de base”.
O jornal iludia-se como uma senhora de classe média desinformada: “Queremos as reformas de base votadas pelo Congresso. Queremos a intocabilidade das liberdades democráticas. Queremos a realização das eleições em 1965. A nação não admite nem golpe nem contragolpe”. No editorial “Fora!”, saiu do armário: “Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: 'Saia!”' Veredicto: “João Goulart iniciou a sedição no país”. E mais: “A nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do Governo. Chegou ao limite final a capacidade de tolerá-lo por mais tempo. Não resta outra saída ao Sr. João Goulart senão a de entregar o Governo ao seu legítimo sucessor”. Como poderia de um golpe vir um “legítimo sucessor”? Mistérios do jornalismo: “Hoje, como ontem, queremos preservar a Constituição. O Sr. João Goulart deve entregar o Governo ao seu sucessor porque não pode mais governar o País”.
Os grandes jornais paulistas e cariocas atolaram-se com o mesmo entusiasmo. Apoiaram o golpe e a ditadura. A Folha de S.Paulo ficou famosa por emprestar suas caminhonetes para a Operação Bandeirantes transportar “subversivos” para o tronco. Em 22 de setembro de 1971, o jornal de Octavio Frias tecia em editorial o seu mais ditirâmbico elogio ao pior momento da ditadura: "Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social, realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama".
Esse apoio explícito da Folha de S.Paulo ao governo de Emílio Garrastazu Médici ganha nesse editorial um tom de confissão apaixonada: “Um país, enfim, de onde a subversão – que se alimenta do ódio e cultiva a violência – está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma imprensa que os remanescentes do terror querem golpear”. Em 2009, a Folha de S.Paulo chamou a ditadura de “ditabranda”. O arrependimento nunca chegou.
O Globo, em editorial de 2 de abril de 1964, notabilizou-se pela bajulação surrealista: “Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem”. Em 7 de outubro de 1984, nos 20 anos do regime, Roberto Marinho reincidiu: “Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Só 49 anos depois do golpe, O Globo publicaria uma retratação contraditória e pouco convincente. Assim foi com outro representante do jornalismo carioca. Em 31 de março de 1973, o Jornal do Brasil comemorava: “Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer”.
Em 2 de abril de 1964, a Tribuna da Imprensa deu em manchete uma lição do mau jornalismo que sempre a distinguiu: “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas”.
Se os jornais apoiaram o golpe e a ditadura, muitos intelectuais jornalistas marcharam na linha de frente do golpismo. Cony, que logo percebeu o tamanho da encrenca e passou a criticar o novo regime, admitiu ter participado da confecção dos editoriais “Basta” e “Fora” do Correio da Manhã: “Minha participação limitou-se a cortar um parágrafo e acrescentar uma pequena frase”. Quanta modéstia retrospectiva! Para Cony, João Goulart era um “homem completamente despreparado para qualquer cargo público, fraco, pusilânime e, sobretudo, raiando os extensos limites do analfabetismo”.
Dines vomitaria uma das maiores asneiras da época: “É preciso muita convicção para não se enredar pelo glamour de uma façanha esquerdista. Quem tem coragem para dizer que aqueles marinheiros, que arriscaram a vida com aquele motim por uma causa tão distante e abstrata, como reformas de base, eram oportunistas e agitadores”. Entre as causas distantes e abstratas defendidas naqueles tempos estavam o direito ao casamento e ao voto para os analfabetos. Em 1968, depois do AI-5, em discurso numa formatura, Dines criticou a censura. Enrolou-se com os velhos amigos. O Serviço Nacional de Informações forneceu-lhe um atestado de bons antecedentes descoberto pelo pesquisador Álvaro Larangeira: “Sempre se manifestou contrário ao regime comunista. Colaborou com o governo revolucionário, escrevendo livro sobre a revolução e orientou feitura de cadernos para difundir objetivos da revolução”. Não foi denunciado. Perdoou-se o deslize.
Callado faz de Jango um bêbado, incompetente e inculto, casado com uma mulher fútil, e com um vício terrível, “o de aumentar o salário mínimo”. O futuro escritor atrapalhava-se com as palavras: “A Presidência da República foi transformada numa espécie de grande Ministério do Trabalho, com a preocupação constante do salário mínimo”. Chafurdava na maledicência: “Ao que se sabe, muitos cirurgiões lhe garantiram, através dos anos, que poderia corrigir o defeito que tem na perna esquerda. Mas o horror à ideia de dor física fez com que Jango jamais considerasse a sério o conselho. Talvez por isso tenha cometido o seu suicídio indolor na Páscoa”. Raízes de certo jornalismo de nossos dias.
Juremir Machado da Silva é jornalista e autor de 1964, Golpe Midiático-Civil-Militar


DITADURA MILITAR NO BRASIL (1964 A 1985)


DITADURA MILITAR NO BRASIL




O golpe e a construção da dependência financeira brasileira pelos olhos de Fábio Antonio de Campos
Do IHU Online
Site da revista Caros Amigos – 03/04/2014
Passados 50 anos do golpe militar que depôs o ex-presidente João Goulart, na madrugada do dia 1º de abril de 1964, pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento tentam compreender quais razões fizeram com que a ditadura se mantivesse por mais de 20 anos no país. A economia, nesse sentido, “é fundamental para entender o alcance e os limites da ditadura como instrumento do capitalismo brasileiro”, diz, à IHU On-Line, o economista Fábio de Campos, autor da tese de doutorado A arte da conquista: o capital internacional no desenvolvimento capitalista brasileiro (1951-1992).
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o professor do Instituto de Economia da Unicamp assinala que as multinacionais que atuavam no Brasil à época apoiaram e financiaram o golpe, porque ele era “extremamente necessário para dar continuidade à valorização capitalista das empresas multinacionais com o mercado interno brasileiro”. Segundo ele, a ditadura “permitiu a conexão dos interesses de valorização das filiais estrangeiras com o sistema financeiro internacional. A reforma da legislação, além de retirar do marco institucional as medidas que impediam as remessas ao exterior a partir de reinvestimentos de lucro, criou novos instrumentos que liberalizavam o acesso da filial estrangeira ao endividamento externo”.
Campos esclarece que a Lei de Remessas de Lucro, como outras propostas do ex-presidente Jango, entre elas a estatização do setor energético e a negociação da dívida externa, bem como “qualquer política que fosse um pouco mais discricionária em relação à entrada e saída de capitais estrangeiros (investimentos, empréstimos, remessas, repatriações, juros, transferências diversas), afetava a valorização capitalista que sustentava os interesses do complexo multinacional”.
Crítico das interpretações de que a ditadura gerou o “milagre econômico” para o Brasil, Campos frisa que o “capital internacional, ao mesmo tempo que permitiu o avanço da industrialização brasileira, constituindo-se no eixo dinâmico dessa expansão, selou a aliança imperialista entre as burguesias internacionais com suas correspondentes nativas que sempre se subordinaram a essa articulação. Longe de isso criar as condições para autodeterminação do desenvolvimento nacional, acabou por sacramentar nossa dependência externa e subdesenvolvimento”. Essa aliança tem reflexos ainda hoje e pode ser percebida no processo de desindustrialização e primarização da economia nacional.
Fábio Antonio de Campos é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, mestre em História Econômica e doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp.
Hoje continua, no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, a programação do Ciclo de Estudos “50 anos do Golpe de 64. Impactos, (des)caminhos, processos. A programação do evento está disponível aqui.
Confira a entrevista:
IHU On-Line - Quantas multinacionais havia no Brasil antes do golpe de 64 e como elas atuavam?
A presença de empresas multinacionais na economia brasileira data desde os tempos do Império, quando se fixaram nas áreas de utilidade pública, transporte, finanças, infraestrutura e atividades ligadas à economia cafeeira. No decorrer da primeira metade do século XX, novos investimentos estrangeiros se destinaram aos setores energético, primários, de comunicações e de representação comercial de indústrias manufatureiras. Mas foi na segunda metade dos anos 1950 que tivemos um marco decisivo na internacionalização brasileira, quando as empresas estrangeiras chegavam ao país para conquistar o mercado interno e, com isso, se constituir estrategicamente nos setores de bens de capital e de consumo duráveis, os mais dinâmicos na implantação e desenvolvimento da indústria pesada brasileira. A origem desse capital foi norte-americana e europeia, e os principais investimentos se destinaram aos setores de transporte, química, metal-mecânica, materiais elétricos, seguidos pelos setores de consultorias, comércio e farmacêuticos.
Mais que uma questão quantitativa que permitiu a economia brasileira crescer a um ritmo de “50 anos em 5”, em Juscelino Kubitschek – JK, e depois intensamente na ditadura militar, o que se consolidou nessa época com o capital internacional foi um novo nexo imperialista que articulou de forma subordinada o Estado brasileiro e os sócios privados internos à estratégia de conquista das grandes corporações. Nesse momento de Guerra Fria, tal articulação era extremamente necessária para dirimir os riscos de valorização capitalista diante da ameaça soviética em espaços periféricos como a América Latina. Junto com a internacionalização produtiva dessa fase que alavancava a industrialização brasileira, estava internalizando também um modo de vida genuinamente fordista e funcional à dominação imperialista. Uma questão complexa, portanto, que ultrapassa em muito a linha de argumentação economicista do período.
O então presidente João Goulart tinha alguma proposta em relação à atuação das empresas multinacionais no Brasil?
João Goulart sempre foi cauteloso nessa matéria porque sabia que qualquer intervenção mais nacionalista intensificava as contradições seculares de nossa dependência externa. No entanto, estas nasceram da nossa formação histórica, convertendo em antagonismos abertos que necessitavam ser enfrentados dentro do contexto da “revolução brasileira”. Demandas históricas de controle ao capital internacional passaram a ser bandeiras de sindicados, movimentos sociais organizados, intelectuais, estudantes e os partidos progressistas. A pressão nacional-popular cresceu tanto que a “Lei de Remessas de Lucro” foi aprovada no Congresso em 1962, sendo que Goulart só a sancionou em janeiro de 1964, já na antessala do Golpe. Portanto, a iniciativa de controlar o capital internacional foi resultado de uma conscientização popular que vinha de longo prazo. Tal como a campanha do “Petróleo é Nosso”, Goulart seria pressionado pela movimentação popular.
Em contrapartida, isso aumentaria a apreensão do Governo norte-americano, das empresas multinacionais aqui instaladas e dos setores estatais e de empresas privadas nacionais que formavam uma associação de interesses que tinha na dependência externa a realização de seus negócios. Como observo em minha tese de doutorado, a história se acelerou naquela quadra, e as condições para uma revolução brasileira emergiram dentro da polarização entre um “complexo multinacional” versus forças nacional-populares.
Qual foi a relação das empresas multinacionais com o golpe de 1964? Quais empresas financiaram o golpe?
A relação mais evidente foi o financiamento do IPES [instituto de Pesquisas e Estudos Sociais] e IBAD [Instituto Brasileiro de Ação Democrática] — que eram órgãos de conexão política do Governo norte-americano —, empresas multinacionais e as burguesias brasileiras. Buscavam na verdade intervir por meio da conspiração contra os interesses que colocariam em risco a valorização capitalista desse complexo multinacional. Os trabalhos de Dreifuss apresentam de forma pioneira os atores que financiaram tais órgãos. No entanto, é necessária uma mediação mais profunda para entender o estágio de desenvolvimento capitalista brasileiro conectado com a fase imperialista do pós-IIGM – II Guerra Mundial. Diante da conjuntura da Guerra Fria, a viabilidade da realização dos investimentos estrangeiros mediante a conquista do mercado interno exigia parcerias nacionais sólidas, de modo a sancionar uma política econômica favorável à mobilidade do capital internacional, principalmente para realizar seus lucros extraídos com exploração do trabalho brasileiro em moeda de origem (divisas fortes). Essa valorização externa, geralmente em dólares, alavancava negócios internos dentro de um poderoso arco de alianças.
Qual era o interesse dessas empresas em que houvesse um golpe militar no Brasil?
Fábio Antonio de Campos - Qualquer política que fosse um pouco mais discricionária em relação à entrada e saída de capitais estrangeiros (investimentos, empréstimos, remessas, repatriações, juros, transferências diversas) afetava a valorização capitalista que sustentava os interesses do complexo multinacional. O capitalismo dependente brasileiro, quando passou a ser questionado por forças populares, cujas classes subalternas passaram a ter alguma voz, dilatando de forma inédita a democracia que sempre fora restrita e dominada por uma burguesia ultraelitista, fez com que o risco dos negócios aumentasse. Do ponto de vista concreto, é possível observar na “Lei de Remessas de Lucro”, ao lado de outras questões importantes como a estatização do setor energético e a negociação da dívida externa, como se manifestava essa correlação de forças.
Dentre várias atribuições, a lei propunha criar um código inédito de seleção de investimentos e uma sistemática regulação das remessas de lucros, royalties, transferências tecnológicas, juros, etc. Em seu dispositivo mais polêmico estava o limite de remessas de lucro em 10% apenas do capital inicial, ou seja, só podia remeter a partir do que de fato entrou, e não de uma base maior em que se adicionavam os reinvestimentos de lucro. Sem falar que, em caso de crise cambial, previa-se paralisação das remessas e outras medidas de controle na conta capital e de serviços do balanço de pagamentos. Na história econômica brasileira, toda vez que se tentou algo semelhante, como durante o período Vargas, por exemplo, tais medidas não duraram mais do que um ano. Essa legislação, a despeito de seu elevado grau de tecnicidades, que atrapalham a compreensão, revela o sentido político dos poderes do capital internacional que estão em jogo, e também como eles se articulavam para obstruir qualquer instrumento que inviabilizasse seus interesses. A partir do momento que no terreno da democracia esses interesses foram sendo vencidos, como no caso da aprovação da Lei de Remessas de Lucro em 1962, a conspiração e o Golpe seriam extremamente necessários para dar continuidade à valorização capitalista das empresas multinacionais com o mercado interno brasileiro.
Qual foi a política econômica implementada durante o golpe militar? O que mudou em relação à política econômica anterior?
Fábio Antonio de Campos - O Programa de Ação Econômica do Governo - PAEG e as reformas financeiras que nasceram logo após o Golpe foram mudanças essenciais. Isso porque de um lado as políticas de oferta ampliaram as condições para o financiamento da economia, sendo que as políticas de demanda criaram, por outro lado, uma intensa restrição via cortes de gasto público e arrocho salarial que penalizou boa parte das forças populares que estavam lutando contra o complexo multinacional antes de 1964. Essa política econômica, ao mesmo tempo que criava as condições para aprofundar a desigualdade social brasileira, restabelecia, por meio do financiamento às grandes empresas e às famílias da classe média alta para cima, as condições vitais para o crescimento econômico a partir de uma estrutura industrial montada na época de Kubitschek. Tais medidas que aprofundaram nosso subdesenvolvimento só tiveram êxito porque, com o Golpe de 1964 e a ditadura, o nexo imperialista foi renovado. Além de destituir da Lei de Remessas de Lucro seus dispositivos mais discricionários em relação ao capital internacional, já em agosto de 1964 (Lei 4.390), foram criadas novas medidas que facilitariam o acesso ao mercado internacional de crédito.
Como, depois do golpe, a política econômica beneficiou as multinacionais?
Além da política econômica mais geral que beneficiava tanto as condições de financiamento da empresa multinacional quanto restabelecia a potencialidade do mercado interno por meio de incentivo ao consumo das classes altas, a ditadura permitiu a conexão dos interesses de valorização das filiais estrangeiras com o sistema financeiro internacional. A reforma da legislação, além de retirar do marco institucional as medidas que impediam as remessas ao exterior a partir de reinvestimentos de lucro, criou novos instrumentos que liberalizavam o acesso da filial estrangeira ao endividamento externo. Na medida em que as matrizes intermediavam no Euromercado esses empréstimos para suas filiais no Brasil, tornavam-se suas credoras, e todo pagamento pelo serviço dessa dívida poderia ser superfaturado remetendo lucros disfarçados em juros. Essa foi uma nova fase do endividamento externo brasileiro, cujas empresas multinacionais foram agentes fundamentais desse processo. Essa liquidez internacional foi drenada pelo complexo multinacional no final dos anos 1960, internalizando crédito externo bem acima das necessidades de financiamento industrial para importação de bens de capital. Desse modo, o endividamento externo assumiu um caráter eminentemente financeiro, haja vista que as reservas cambiais que iam se avolumando deveriam ser esterilizadas por meio de emissão de títulos da dívida pública ante o impacto inflacionário que isso causava na economia.
A oferta de títulos públicos com taxas de juros cada vez mais convidativas para o mercado criava um negócio interno extremante lucrativo para o complexo multinacional, originando no futuro a “ciranda financeira”. Assim, a corporação multinacional ganhava tanto no Euromercado, permitindo que suas filiais se endividassem para remeter lucros disfarçados, como credoras internamente, ao lado do grande capital privado nacional, na rolagem de títulos da dívida pública. A chamada modernização do sistema financeiro pela ditadura garantiu essa facilidade, dentre outras, para o complexo multinacional.
A política econômica do período do golpe favoreceu os brasileiros?
A política econômica pós-Golpe favoreceu a minoria da população brasileira, isto é, os brasileiros da classe média alta para cima. A burguesia e seus aliados usufruíram de novas fronteiras de investimentos e de variados negócios que nasceram nesse período.
De que maneira o capital internacional influenciou na formação econômica do Brasil? Qual foi a relação do capital internacional com o desenvolvimento capitalista brasileiro entre 1951 e 1992?
Ao conquistar o mercado interno brasileiro, impondo o ritmo e o compasso da implantação e desenvolvimento das forças produtivas, o capital internacional, ao mesmo tempo que permitiu o avanço da industrialização brasileira, constituindo-se no eixo dinâmico dessa expansão, selou a aliança imperialista entre as burguesias internacionais com suas correspondentes nativas que sempre se subordinaram a essa articulação. Longe de isso criar as condições para autodeterminação do desenvolvimento nacional, acabou por sacramentar nossa dependência externa e subdesenvolvimento. Se antes essa articulação permitia um certo desenvolvimento capitalista, em função de que os investimentos se orientavam por um regime central de acumulação, cuja necessidade era de integrar o mercado interno por rígidas fronteiras adensando as cadeias produtivas, hoje, com a mundialização financeira, a articulação deve ser global.
O Brasil como o elo fraco no modo de produção capitalista, deve se adaptar apresentando uma política econômica liberal que garanta a mobilidade do capital internacional e, com isso, sofrer desnacionalização, privatização, desindustrialização e primarização da economia. A despeito das particularidades da época neoliberal que vivemos, a continuidade dessa dependência foi resultado de um processo histórico que só a partir do período colonial podemos entender em sua totalidade.
Qual era a situação econômica do Brasil no período pós-golpe? Alguns especialistas comentam que o Brasil viveu uma situação de milagre econômico durante a Ditadura, mas, com a reabertura, constatou-se que o déficit externo era altíssimo.
A economia é fundamental para entender o alcance e os limites da ditadura como instrumento do capitalismo brasileiro. A ditadura serviu para garantir a expansão do desenvolvimento capitalista brasileiro definido a partir de JK, ou seja, a industrialização pesada dinamizada pelo capital internacional em proveito dos diferenciais do mercado interno, estabelecidos pela elevada concentração de renda que garantia a valorização à custa da superexploração do trabalho. À medida que se avançava na industrialização intensificando a dependência externa e o subdesenvolvimento, os limites estruturais que se impunham (financiamento e liberalização cambial), exigiam reformas institucionais que aperfeiçoassem o modelo econômico funcional ao complexo multinacional.
O Golpe de 1964 e a ditadura tiveram essa função, ou seja, viabilizar um tipo de indústria que recolocava nossos dilemas de formação histórica numa situação ainda mais dramática. Os problemas que surgem desse período, como desaceleração do crescimento, redução na taxa de investimento, aumento da desigualdade, desemprego e estatização da dívida externa só podem ser compreendidos dentro da “contrarrevolução brasileira”. Na essência, ela significou o divórcio dos meios estruturais que tinham, na utopia de desenvolvimento nacional, os fins. O antagonismo que se abriu nos anos 1950, acirrando em forma de inúmeros conflitos e lutas na segunda metade dos anos 1960, foi enfrentado com uma rota desenvolvimentista antinacional, antidemocrática e antissocial.
Enquanto a ditadura serviu para viabilizar os interesses do complexo multinacional, que, aliás, tinham na industrialização seu eixo de valorização capitalista, ela cumpriu seu papel, mas quando a própria articulação imperialista entre a economia brasileira e o padrão mundial de acumulação teve que ser realinhada em favor do capital internacional, ela perdeu sua função.
Ainda hoje o capital internacional exerce influência no desenvolvimento capitalista brasileiro? Em que medida? O que diferencia o período analisado com os dias de hoje?
O Estado, na ditadura, foi instrumentalizado para atender os fins do capital internacional e seus sócios internos em um determinado padrão mundial de acumulação, e era assim que sua face intervencionista se ajustava às necessidades impostas pelas classes dominantes. Seu raio de manobra foi delimitado por essa dimensão, permitindo apresentar certa legitimidade por meio da ideologia desenvolvimentista, um aparente nacionalismo e o crescimento econômico puxado pela indústria.
Hoje, a intervenção estatal é para garantir a viabilidade dos negócios externos e internos que compõem outro arco de interesses do complexo multinacional, sob uma ideologia neoliberal, cujo aumento do poder do capital internacional na economia brasileira sanciona tanto a secular dependência externa quanto o subdesenvolvimento.
Deseja acrescentar algo?
Fábio Antonio de Campos - Apenas convidar os leitores para que revisitem a formação econômica brasileira, relendo autores brasileiros clássicos, de modo a extraírem as determinações profundas do significado do capital internacional em nossa história. Naquele difícil contexto do pré-Golpe, o pensamento social brasileiro estava armado para discutir essas questões com enorme fôlego. Atualmente, diante de uma crise estrutural que enfrentamos no capitalismo, se faz urgente estudar nossas particularidades históricas e a posição periférica que o país ocupa em um mundo cujas corporações multinacionais dominam a reprodução material e cultural da sociedade contemporânea.