por José Gilbert Arruda Martins*
Tive a honra de ser convidado a publicar artigo no novo livro do Curso de Mestrado do Unieuro. Nosso texto está no capítulo 21 da obra intitulada: Direitos Humanos, Cidadania e Violência no Brasil: Estudos Interdisciplinares. Organizadores: Dra. Lídia de Oliveira Xavier, Dr. Carlos F. Domínguez Avila e Dr. Vicente Fonseca.
Foto: Ivana Martins
Como
falar em Direitos Humanos num país que acaba de sofrer um rompimento
institucional? Como um governo ilegítimo poderá tratar de assunto tão caro à
sociedade humana? Essas são algumas questões que logo vêm ao pensamento ao
iniciarmos a leitura de qualquer obra sobre Direitos Humanos. Não tem como hoje
no Brasil, fazermos debate sobre tema tão importante, sem antes, durante e depois,
refletir sobre a atual conjuntura política.
A
filósofa e política alemã, de origem judaica, Hanna Arendt, uma vez afirmou: “A
essência dos direitos humanos é o direito a ter direitos”. Pois bem, toda a
arquitetura política e de poder pós-golpe 2016 é completamente alinhada com a
retirada quase que completa de direitos. Segundo o que conseguimos acompanhar
nos noticiários, mesmo da mídia conservadora, as pautas do governo e do
Congresso na votação de projetos nos quais os direitos consagrados na Constituição
Cidadão de 1988, estão sendo paulatinamente destruídos. Numa tentativa de dar
resposta às perguntas feitas acima, ousamos dizer que a sociedade organizada
brasileira tem a obrigação de tomar para si a responsabilidade em assumir o
debate urgente e intransigente do assunto e lutar para que efetivamente, os
Direitos Humanos sejam respeitados no país.
No
Brasil pós-golpe, a sensação que muita gente da academia e do povo tem é a de
que a violência e o desrespeito aos Direitos Humanos aumentaram violentamente.
Os episódios de extrema violência perpetrados por agentes do estado, não foram
poucos nos últimos doze meses. A mídia, mesmo a conservadora, tem relatado e
divulgado, mesmo em doses homeopáticas, notícias avassaladoras de flagrantes
desrespeitos aos direitos básicos do cidadão. Blogs progressistas e os grandes
jornais internacionais têm replicado tais notícias pelo Brasil e pelo mundo.
A
obra que analisaremos a seguir é um ótimo trabalho de professores e estudantes
do curso de mestrado em Ciência Política do Unieuro. São vinte e um textos que
tratam de temas diversos, mas, todos voltados de uma forma ou de outra, aos
Direitos Humanos. Os autores/as tiveram a ousadia e atenção para, com o cuidado
redobrado, tratar de temas que falam alto aos interesses da sociedade
brasileira e mundial.
Onde
entra então a obra Direitos Humanos, Cidadania e Violência no Brasil? A meu ver
seus bons textos como especificamente: “Ditaduras e Qualidade da Democracia no
Brasil e no Cone Sul”, podem ser replicados nas redes sociais e,
fundamentalmente em salas de aula dos diversos cursos de graduação não apenas
da instituição responsável pela obra mas, em todas as graduações do país no
sentido de provocar o debate e a reflexão sobre a flagrante incongruência entre
governos autoritários e direitos humanos. São como água e óleo, completamente
impossível de misturar. É inconcebível que governos de cunho autoritários,
frutos de golpes e acordos estranhos à democracia, mesmo a representativa,
possam tratar de assuntos tão importantes como é a questão dos Direitos
Humanos. Não enxergo como isso pode acontecer de fato.
Outro
texto bastante interessante: “Uma discussão Teórica Sobre os Interesses das
Elites Políticas Refletida na Bancada Ruralista no Congresso Nacional
Brasileiro” Acredito, seja um dos que mais poderão colaborar. O texto foi muito
feliz em iniciar a reflexão pensando sobre o modus operandi das elites políticas que atuam no Congresso
Nacional. Os parlamentares tanto da Câmara Federal como do Senado, na sua
grande maioria, combinaram com o atual governo, todas as ações de desmonte do
Estado do Bem-Estar Social brasileiro nos últimos dose meses. A velocidade com
que fazem as mudanças impressiona até os mais ansiosos defensores do grande
capital. Pois bem, historicamente, as elites brasileiras deram provas mais que
reais de seu completo descaso com os interesses nacionais e, consequentemente,
com a questão dos direitos humanos. Para muitos estudiosos, entre eles o
professor e pesquisador Jessé de Souza, autor da mais recente, surpreendente,
forte, inovadora obra: A elite do atraso,
O Brasil tem uma das mais atrasadas e indiferentes elites do mundo. Seu
comportamento ao longo da história mostra com clareza. Foi assim, nos acordos
que levaram à criação do Império, se repetiu no golpe que deu nascimento a
República, continuou com os acordos do Movimento de 1930, 1954 e o rompimento
de 1964 que pariu um dos momentos de maior desrespeito aos Direitos Humanos em
nosso país. O texto em questão foi muito feliz em trazer à baila tal assunto. Na
análise da forma de atuação das elites ou de seus lacaios no parlamento, os
autores partiram da abordagem teórica, muito criticada, por sinal pelo teóricos
ditos progressistas, “elitismo crítico e o elitismo democrático”. Mas
conseguiram provocar no sentido de pensarmos que tipo de elite está
representada num Congresso fortemente conservador como o nosso.
Três
outros textos saltam aos olhos no debate sobre direitos humanos quando destacam
a questão indígena, são eles: “Violências e Indígenas no Brasil: um estudo
sobre resistência na América portuguesa”, “Constituição, Acesso a Direitos e
Demarcação de Terras Indígenas no Brasil” e “Ensino Superior Brasileiro e Povos
Indígenas” Se o desafio em debater direitos humanos é enorme por causa da
presença de um governo ilegítimo, imaginem um governo com tais características,
cuidando dos direitos de povos historicamente perseguidos e assassinados como
os ameríndios brasileiros. Não é preciso ir muito a fundo para enxergar as
atrocidades que continuam a acontecer contra esses povos. Desde a época da
invasão europeia suas terras foram violentamente sendo invadidas e tomadas. Nas
últimas décadas esse processo, por força do agronegócio, tem sido
potencializado fazendo com que haja, inclusive, retrocessos absurdos na questão
da demarcação de suas terras. Os textos são bons instrumentos de reflexão para
estudiosos do tema e estudantes.
Como
destacado, o livro coloca em evidência um conjunto importante de assuntos
dentro do tema maior que são os Direitos Humanos. Para concluir nossas reflexões,
importante se faz destacar um último artigo: “Cidadania e Transferência de
Renda no Brasil: desvendando a percepção dos benefícios do Programa Bolsa
Família em Santa Maria, no Distrito Federal”. Para quem não conhece, Santa
Maria é uma cidade que fica há 26 quilômetros do Plano Piloto. É uma cidade com
vida própria, no entanto, a grande maioria de seus habitantes adultos, tanto
homens como mulheres, passam o dia trabalhando no centro da capital federal e
retornam para dormir na cidade. Os autores do texto falaram de um assunto, para
muito batido, mas na visão dos dois pesquisadores, essencial para o presente e
o futuro dos direitos de cidadania brasileira. A pobreza extrema; as
desigualdades sociais e regionais; a grande concentração de fluxos de renda e
estoques de riqueza; as discriminações de raça, gênero e idade; a ausência de
reformas estruturais, entre elas a agrária, tributária e política, entre outros
problemas relevantes da realidade social, são fenômenos inaceitáveis que marcam
a história brasileira. Acontecimentos construídos a partir de uma estrutura
política que abraçou e abraça historicamente o autoritarismo e a exclusão
econômica e social, desprezando de forma cabal a democracia e a cidadania. Com
um olhar nessa realidade iníqua, que os autores trabalharam o texto. O Programa
Bolsa Família, que hoje sofre com a diminuição de recursos, é um dos mais
importantes instrumentos de diminuição da fome no país. A cidade de Santa Maria
no Distrito Federal sente isso. As famílias pesquisadas demonstraram de forma
cabal essa realidade importante.
O
texto debatido logo acima, trás à luz não um programa de governo, mas, uma
política de Estado. O Programa Bolsa Família, devido à sua grande abrangência e
importância, acabou se transformando numa política que deve se tornar
permanente, ou pelo menos, até acabarmos com a fome no Brasil. Infelizmente, o
atual governo vem aos poucos reduzindo sua importância e, com a PEC dos gastos
públicos, reduzindo os investimentos nessa área, a tendência para os próximos
anos é o Bolsa Família diminuir e deixar de fazer o importante papel de ajuda
no combate à fome no país.
Os
autores destacam a cidade de Santa Maria-DF, mas poderia ser qualquer outra
cidade pobre do país. O PBF tem, como destacado pelos pesquisadores, além de
uma importância impar no combate à fome e o alastramento da miséria, o programa
é, comprovadamente, um instrumento eficaz de distribuição de renda e de aumento
do estágio civilizatório num país historicamente tão carente de humanidade e
civilidade.
Para
concluir podemos dizer que a obra referida pode, se bem usada, ser um
instrumento de reafirmação do debate sobre Direitos Humanos nas escolas e na
sociedade. Esse é o tema do presente e do futuro. Se o Brasil, mesmo com a
elite que possui, pretende construir uma sociedade moderna, precisa urgentemente
levar o debate sobre Direitos Humanos a sério. Infelizmente, não é o que
observamos quando olhamos com mais atenção para o funcionamento dos governos,
em todos os seus níveis. No que se refere ao papel, por exemplo, de
policiamento, quesito onde a PM é sua maior responsável, o país passa a ser
visto lá fora como atrasado, alguns chegam a defender, medieval.
*Mestre em Ciência Política
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