PARA ALÉM DOS FIOS
Por: Marcelle Felix (marcelle@observatoriodefavelas.org.br)
No
Brasil, onde é possível perceber uma grande variedade de fenótipos, o conjunto
cor da pele e cabelo se torna um dos principais divisores de água no que diz
respeito à classificação do que antes chamávamos de raça. De acordo com a
pesquisa de Nilma Gomes no livro Corpo e Cabelo Como Símbolos da Identidade
Negra, o fenótipo de uma pessoa não pode ser considerado como um simples
conjunto de elementos biológicos, porque são eles que expressam racismo e
desigualdade racial.
Apesar
de os brasileiros serem em sua maioria pretos e pardos, o padrão de beleza
corporal é branco. Portanto, no Brasil – para além da origem – a cor da pele, a
textura do cabelo e os traços físicos são características fundamentais para
determinar se um indivíduo pode sofrer mais ou menos racismo. Nesse contexto, segundo os estudos de Nilma
Gomes, a cor da pele e o cabelo afro ganham um significado que ultrapassa o
indivíduo para atingir o grupo étnico ao qual pertence, tomando ainda maior
importância para mulheres negras.
Apesar
do preconceito, há um grupo de mulheres que segue na valorização da estética
negra e na reafirmação do cabelo afro. A blogueira Yasmin Thayná, de 21 anos,
que passava química nos cabelos desde os cinco anos de idade, explica de forma
poética no seu conto Mc K-bela a sucessão de ofensas direcionadas aos seus
cabelos desde a infância e sua trajetória para abandonar a química e deixar
seus fios naturais.
A
blogueira afirma que não gostava de passar produtos químicos no cabelo, “Nunca
me senti bonita usando aquilo porque era uma sessão de horror mesmo, é muito
ruim não deixar alguém escolher ser quem gostaria de ser”, disse. Para ela, o
processo de alisamento dos fios se apresenta como uma imposição para as
mulheres negras, enquanto deveria ser uma questão de escolha.
Hoje
em dia, Yasmin usa o seu conto, sites da internet, além de fazer um filme sobre
essa temática da estética negra para ressignificar e revalorizar o cabelo
crespo, que costuma ser visto de forma estigmatizada. “Para mim, o cabelo afro é símbolo da minha
resistência como mulher negra. Mc K-bela é um personagem que inventei e que
conta a história de todas as meninas negras de periferia (várias me escreveram
dizendo que passaram pelo mesmo do que eu)”, contou.
Também
usando a internet como espaço para valorizar a estética negra, surgem
coletivos, como as Meninas Black Power, que estimulam mulheres a valorizarem os
fios crespos naturais, mostrando diferentes formas de usar o cabelo e como
cuidar dele. O coletivo ainda visita escolas, principalmente em zonas
periféricas, em diferentes estados do país ensinando o respeito sobre as
diferenças e estimulando o uso do cabelo afro.
Segundo
as Meninas Black Power, há um padrão branco de beleza que desvaloriza e oprime
mulheres negras. “O coletivo surgiu por
notar a forte opressão que há em torno de indivíduos negros, sempre forçando um
padrão branqueado e a não aceitação de características que são naturalmente
negras”, explicou. Para elas, o cabelo afro conta uma história, além de ser um
símbolo de luta e resistência.
De
acordo com a pesquisa “Para Ficar bonita tem que sofrer!” – A construção de
identidade capilar para mulheres negras no nível superior realizada pela
socióloga Luane Bento dos Santos, o cabelo ultrapassa o campo do individual
para atingir o coletivo. Segundo seus estudos, o cabelo é signo de
representação cultural consciente ou inconsciente em diversas sociedades. Por
meio de penteados, raspagem, ou do ato de não pentear os cabelos para que
embolem, as culturas exercem distinções de sexo, classe, religião e etnia.
Ainda
segundo a pesquisa, o cabelo faz parte não só de um componente estético, mas
também cultural, podendo atingir os campos religioso, étnico, social, político
e das preferências pessoais – que estão relacionadas direta ou indiretamente à
classe social. Além disso, a pesquisa mostra que os fios podem se relacionar às
demarcações e às delimitações internas hierárquicas das sociedades. Sendo um
dos símbolos mais notáveis de identidade individual e social o cabelo consolida
o significado do seu poder por ser físico e pessoal; e também por, apesar de
pessoal, ser mais público do que privado.
Dessa
forma, os coletivos e militantes que se utilizam de meios de comunicação para
valorizar a estética negra e sua história fazem uso de elementos pessoais que
extrapolam o pessoal para chegar ao coletivo. “Essa coroa é quem me faz
acreditar que precisamos estar fortes. Essa coroa foi quem me deu a chance de
me olhar no espelho após mais de dois anos sem conseguir olhar para mim e
dizer: como estou bonita! Como somos lindas! Porque o mais importante de ser
bonita é se sentir bonita.”, concluiu Yasmin Thayná.
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