por José Gilbert Arruda Martins
“Quando eu era cristão e queria lutar contra a
miséria,
meu dia começava com um Pai-Nosso.
Tinha fome de divindade.
Hoje, ainda luto contra a miséria, mas meu dia começa
com um Pão Nosso.
Tenho fome de humanidade.”
Betinho
José era um menino
grajauense. Nasceu na cidade de Grajaú, estado do Maranhão na Rua São Paulo do
Norte.
O pai, seu Amadeu era
comerciante. A mãe, dona Neusa era professora.
Grajaú é uma cidade do Centro-Sul
do Estado do Maranhão, fundada em terras indígenas em abril de 1811 à margem
leste do Rio Grajaú. “O local também era conhecido como Porto da Chapada. A
margem oeste, à época, era habitada pelos índios Timbiras e Piocobjés.”
Segundo o IBGE a cidade
foi “uma das maiores conquistas dos colonizadores sobre os indígenas nos
sertões do Maranhão.”
José não sabia, iria
conhecer mais tarde, autores de livros sobre a história do município, em uma
campanha cega e tendenciosamente assassina, têm frequentemente divulgado o
suposto massacre de “brancos conquistadores”, esquecendo as milhares de vidas
brutalmente retiradas dos indígenas em nossa região.
José e seus amigos, não
tinham ideia, é claro, que um clã maranhense tomaria de assalto o poder
político e fincaria suas sujas garras no povo e nas riquezas do Estado.
Só, durante a graduação
do, agora rapaz José, é que começaria a entender a política sórdida do clã
Sarney.
O hoje adulto José triste
e pensativo, ainda tem que ver os antigos amigos do tempo de criança apoiarem o
que há de mais atrasado na política brasileira que é o retorno do clã Sarney ao
governo.
“(...) mas o rebanho de
ingênuos navegantes
Acorrentados ao canto da
sereia
Marcha em direção ao nada”
O Maranhão é um Estado
que pode muito bem ser chamado de “Sarneykistão”, pois durante cerca de meio
século teve o Clã Sarney à frente do governo.
Agora com Flávio Dino,
alguns incautos desejam mesmo é “50 anos em 1”, e isso, principalmente nos dias
atuais, não é possível.
Muito bem, essa história
é para falar do José e seus amigos e não da política maranhense.
José e seus amigos, lá
nos idos anos 60/70, tinham frequentado a escola na parte da manhã e agora, de barriga
cheia, corriam desembestados pelas ruas estreitas da cidade, partindo da Praça
Raimundo Simas (antes da destruição), passando pelas ruas São Paulo do Norte e rua “da Madeira”... rumo às águas
maravilhosas do rio que dá nome à cidade de Grajaú.
Na época, o Rio Grajaú
ainda tinha águas limpas e cristalinas, a população da cidade era pequena,
portanto a quantidade de lixo, entulho e esgotos jogados no rio já comprometia,
mas o Grajaú conseguia ainda reagir.
Esse dado, apesar de
sugerir que em pouco tempo o Grajaú estaria sujo, feio e poluído, para os
garotos esse era um fato que não passava por suas mentes, apenas conseguiam
enxergar, por causa da pouca idade, a beleza de suas águas, de seus peixes, de
suas margens, do jacaré que morava ali próximo e atravessava de um lado para o
outro, todos os dias...
A alegria dos meninos estava
estampada na cara, chegava o momento diário do encontro com o Grajaú. Nem
dormiam direito à noite se não banhassem no rio. Era uma espécie de ritual, as
brincadeiras e o banho de rio faziam parte da vida quase que diária dos
garotos.
O grupo de meninos... José, Givalber do Amadeu, Clesiomar do
Cartucho, Sérgio do Dezim, Césinha do Eurico, Niltinho do Milton Gomes,
Limeirinha e Sérgio da Coralha, Joel Falcão do Zé Baiano, Benedito Jefferson, Valney Sarmento da Rita Sarmento, Argemiro, Batista do Carlos Neto, Jessé Allan, Allan Ulisses, Cacau...
No caminho para o rio, os
garotos passavam pela rua São Paulo do Norte onde José morava, davam boa tarde
ao senhor Urbano, dono da mercearia, e corriam fazendo muita zoada rumo ao
Grajaú.
No Colégio Estadual Urbano
Santo, uma escola ao lado da casa do José, tinha um campinho de futebol onde
todos os dias, essa mesma garotada jogava bola, para, logo depois irem ao Rio
tomar banho.
A bola teimava em cair na
casa do José onde seu Amadeu, pai do José, gritava “isso é uma lástima, por que
vocês não vão brincar em outro lugar?”, era uma bagunça, seu Amadeu, muitas
vezes devolvia a bola, outras, para a tristeza da garotada, furava e jogava a
bola de volta, como dissesse, “Saiam daqui seus pestinhas”.
Além do campinho de futebol,
a escola tinha professoras, isso mesmo, professoras. A de História contava aos meninos que a
região de Grajaú, antes da invasão branca, era povoada por índios guajajaras e
a de Geografia nos ensina que:
“O rio Grajaú foi
responsável pela integração de dois espaços distintos: o Centro Sul e o Norte
maranhense. Foi cenário de histórias de duas sociedades diferenciadas: a
sertaneja, distanciada do controle político dos líderes da Capital, marcada
pela criação do gado vacum e muar, pela presença de vaqueiros e por homens de
“espírito patriótico e livre”, e a litorânea, identificada pelo predomínio da
agricultura, agro exportação, escravidão e influência dos costumes europeus.”
José e os amigos adoravam
essa parte da aula, todos ficavam quietos e atentos, bebendo as palavras da
professora. Era uma forma que encontravam de conhecer melhor a história da
cidade e o Rio que amavam. Assim poderiam cuidar para tê-lo por muito e muito
tempo.
Os garotos sabiam que o
Rio Grajaú era um presente dos deuses para toda a população da cidade.
Os amigos sabiam também que
Rio Grajaú era democrático, todas e todos, independentemente de cor, raça,
poder econômico etc. poderiam se deliciar banhando, pescando e bebendo da sua
água.
Os meninos, amigos de
José, aprenderam com a professora que o rio Grajaú nasce na Serra da Cinta, viaja
por mais de 600 km e é um dos principais afluentes do rio Mearim.
Sabiam que precisavam,
além de banhar e se divertir, lutar pela defesa e preservação do Rio.
Depois do banho diário se
despediam do rio com a certeza que no dia seguinte estariam de volta para
usufruir das belezas de suas águas.
Grajaú, todo orgulhoso,
ouvia o até logo da garotada e balançava em movimentos das águas bem devagar,
como se tivesse dançando de satisfação por ter alegrado a vida do José e seus
amigos.
O Grajaú gostava muito
daquela alegria. Queria que não acabasse nunca. De dia, lavadeiras e crianças e
à noite, pescadores pegando buscando em suas águas o alimento da família.
Grajaú devia, de vez em
quando, lembrar-se dos velhos e bons tempos quando, em suas águas barcos
cargueiros e vareiros com suas canoas, flutuavam passeando em suas águas. O Rio
era o “ganha-pão” de milhares de pessoas e famílias.
Certa madrugada choveu
muito, choveu tanto que o Grajaú encheu e derramou suas águas, agora barrentas,
pelas partes mais baixas da cidade. Muitos moradores saíam para observar.
José e seus amigos
acompanharam a multidão.
Chegando em frente às
margens do Grajaú, perceberam que ele estava diferente, intranquilo, correndo
rapidamente, como se tivesse querendo dizer alguma coisa aos meninos.
Talvez, o Grajaú tivesse
aflito em dizer que sua sina era morrer.
Talvez, o Grajaú quisesse
conversar com José e amigos para pedir socorro.
O Grajaú parecia
adivinhar seu futuro sombrio.
José e seus amigos só
davam ouvidos quando o Grajaú chamava para brincar em suas águas. Os meninos
acreditavam na imortalidade do Rio. Não imaginavam que num futuro bem próximo,
aquele velho e bom amigo, Rio Grajaú estaria fadado a ser um esgoto a céu
aberto, sem beleza, sem peixes, sem vida.
REFERÊNCIAS:
Fragmento do poema “O eterno mar
dos incautos” de Carlos Araújo, poeta brasiliense no livro “Voz, poesia falada”
2016.