segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Com quem andas, doçura?

no O Joio e o Trigo




Corporações de refrigerantes se fixaram no Amazonas ao custo de parcerias causadoras de danos ambientais e dominação cultural


A partir de Manaus (AM), uma viagem de 107 quilômetros pela BR-!74 leva ao município amazonense de Presidente Figueiredo. Apesar de registrar apenas 29 mil habitantes, terra é o que não falta por lá. São vastos 25,4 mil km2 – área maior do que as de alguns países da Europa – que compõem o território. Dentro disso, se assentam 59 mil hectares de terreno pertencentes à empresa sucroalcooleira Jayoro, dos quais 4,5 mil estão ocupados por cana-de-açúcar e 410 por pés de guaraná.
Instalada na região em 1984, a usina, logo de cara, promove largo desmatamento. Nascida a partir do Proálcool estimulado pela ditadura militar (1964-1985), com apoio da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), faz predominar a monocultura da cana em detrimento de diversas espécies vegetais nativas e produz matéria-prima para combustível de veículos. Os espíritos da Amazônia praguejam e o plano dá errado: nos anos 1990, a empresa tropeça e se torna uma pequena produtora de cachaça, utilizando somente 300 hectares de canaviais. No entanto, a reza empresarial também é brava. E a salvação vem. Em 1995, o empreendimento entra na mira de “investidores-anjo”. Entre eles, a Coca-Cola.
O poder econômico da Jayoro aumenta e, consequentemente, a força política cresce, o que facilita a vida da empresa para expandir o plantio, mesmo instalada num espaço cercado por áreas de proteção ambiental e sob a acusação de ter invadido terras públicas quando chegou ao Amazonas pelas mãos da família paulista Magid.
Já nos anos 90, a usina volta a destruir a floresta.  Aproximadamente 10 mil hectares de mata são derrubados para retomar o ritmo do plantio da cana. Dessa vez, a motivação é o fornecimento do açúcar, necessário à produção de concentrado de refrigerantes, o popular xarope, que serve de base para engrossar as bebidas açucaradas e gaseificadas que enchem os copos e corpos de milhões de brasileiros, e impulsionam os índices de obesidade, relacionados diretamente com diabetes e até 13 tipos de cânceres, de acordo com posicionamento recente do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
De Presidente Figueiredo, o açúcar é despachado para a Zona Franca de Manaus, onde é despejado na Recofarma Indústria do Amazonas LTDA, fabricante de xarope e segunda maior engarrafadora de Coca-Cola do Brasil. A empresa é controlada pelo Grupo Solar, de propriedade do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), e já foi abordada pelo O joio e o trigo em reportagem sobre polêmicos incentivos tributários recebidos pelo setor de bebidas açucaradas. A triangulação Coca-Cola-Jayoro-Recofarma abastece todas as engarrafadoras no Brasil e também Argentina, Colômbia, Paraguai, Venezuela, Uruguai e Bolívia.
Não bastassem os danos ambientais causados para incentivar uma monocultura que garanta açúcar suficiente para a produção de xarope-base do refrigerante carro-chefe, a dupla Coca/Jayoro também se beneficia do tradicional plantio de guaraná na Região Amazônica. Maior usina sucroalcooleira do Amazonas, a Agropecuária Jayoro LTDA é a responsável por grande parcela do açúcar usado pela Recofarma. É da Jayoro, também, que sai a totalidade do extrato de guaraná usado no refrigerante Kuat, outro produto da corporação que carrega a tentacular marca vermelha e branca.
Mais dois problemas vêm com a parceria firmada em 1995: primeiro, o uso de agrotóxicos. Dois: o vinhoto, resíduo final do processo de fabricação do açúcar ou da destilação da qual se obtém o álcool, ou a aguardente de cana, que, se não for adequadamente tratado, provoca poluição de águas. Depositados nas lagoas e igarapés, são potentes contaminantes.
Denúncias surgem. Principalmente, após o início dos anos 2000. Segundo o técnico em agropecuária Paulo Sérgio Ribeiro, funcionário da Jayoro por 18 anos e entrevistado pela equipe da Repórter Brasil, vários tipos de inseticidas eram aplicados nos canaviais com tratores e aviões.
O pesquisador e filósofo Egydio Schwade, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), atualmente morador de Presidente Figueiredo, denuncia há tempos a situação. E não poupa palavras. “O projeto da Coca-Cola/Jayoro já começou aniquilando em torno de 3 mil espécies de vegetais nativas para instalar a cana-de-açúcar. Após esse desastre ecológico, praticado com motosserras e tratores, impõe o desastre químico sobre toda a região, com o borrifo de venenos. Nenhuma espécie de planta ou animal nativo sobrevive naquele deserto”, enfatiza.
Schwade destaca, ainda, “os efeitos nocivos sobre a terra e as pessoas”,  consequências da exploração do território e do envenenamento de trabalhadores dos canaviais por agrotóxicos. “Topo, aqui, com trabalhadores intoxicados por venenos da Jayoro. Tem gente em cadeira de rodas, muitos vão tossindo pelas ruas por ‘causa desconhecida’”, diz.
Modelo para quem?
A Jayoro já foi considerada publicamente como “usina-modelo” por José Mauro de Moraes, alto executivo da Coca-Cola Brasil. O Ministério Público Federal no Amazonas, entretanto, parece não concordar. Atento observador das atividades da empresa, o MPF já investigou, em 2008, a contaminação – por uso de agroquímicos – de igarapés na região de Presidente Figueiredo. No entanto, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), órgão que fiscaliza questões relacionadas ao meio ambiente no estado, afirmou que a sucroalcooleira atendia à legislação. O MPF, então, solicitou ao instituto os laudos de análise das águas. A devolutiva não foi satisfatória; apenas dizia que a licença da agropecuária estava em processo de avaliação,  contradizendo a primeira resposta.
Após nova investida do Ministério Público, ainda em 2008, o órgão estadual não teve saída: um parecer do Ipaam não renovou a licença ambiental da associada da Coca-Cola. Estranhamente, no ano seguinte, 2009, a empresa estava em plena atividade, sem a renovação anual de licença ambiental.
Antes, em 2007 e 2008, a licença das lavouras da Jayoro só havia sido retomada graças à assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ipaam, sob 13 condições. Dentre elas, a correção de rumos no uso de métodos agressivos ao meio ambiente e à população do entorno, a exemplo da queima de palha da cana-de-açúcar.
Dados conflitantes a respeito da agropecuária de propriedade da Coca não faltam. Única usina amazonense registrada na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a Jayoro declara possuir 4,5 mil hectares dedicados à cana. Contudo, pesquisa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) feita em 2008 já mostrava que o cultivo ameaçava uma área prioritária para a biodiversidade. A Área de Proteção Ambiental (APA) da margem esquerda do Rio Negro, setor Aturiá/Apuauzinho, constante do Mapa das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade como “de extrema importância”, sofria com o plantio de cana-de-açúcar da usina, que estaria localizado sobre nascentes do rio Apuaú, segundo o MMA.
A Jayoro, por meio da sua direção, se posiciona oficialmente afirmando que “deixou de queimar palha em 2010” e que criou “voluntariamente” um plano de mecanização do corte da planta.
Os representantes da empresa se defendem quanto à monocultura e à aplicação de agroquímicos: garantem que, hoje, a linhaça é o fertilizante aplicado no solo e que não há uso de inseticidas. Ainda certificam que não plantam cana perto de cursos d´água.
Sobre a ação movida pelo Ministério Público Federal no Amazonas, o discurso é de que a denúncia é baseada em “fatos inverídicos” e que não existe registro de doença respiratória ou de qualquer outra natureza que tenha como agente causador a queima da palha da cana-de-açúcar.
Além disso, diretores da empresa refutaram a tese de que incêndios tenham provocado a morte de animais, mas um deles, Camillo Pachikoski, em 2013, chegou a admitir publicamente que “se porventura houvesse risco, o animal teria chance de fuga.”
Já a Coca-Cola, que se gaba de incentivar programas de proteção ao meio ambiente e que possui uma página oficial na Internet para “desmentir boatos”, faz somente uma menção a Jayoro em todo o site da corporação no Brasil, num texto sobre agroflorestas.
Pai sequestrado
Além das vermelhas e brancas, “marcas verdes” também têm braços poderosos. E eles envolvem a Amazônia num abraço apertado, capaz de sufocar. As megaempresas de refrigerantes são das poucas ultraprivilegiadas que estão inseridas na produção de bens cuja matéria-prima está no Amazonas. Lá, a Paullinia Cupana (a fruta do guaraná) foi descoberta como elemento alimentar e medicinal pela tribo Sateré-Mawé, índios conhecidos como “os filhos do guaraná”.  Segundo o artigo “Da trajetória secular aos novos caminhos do guaraná: desafios e perspectivas da produção na Amazônia do século XVII ao século XXI”, dos pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Arenilton Monteiro Serrão, Manuel de Jesus Masulo da Cruz e Luis Fernando Belém da Costa, tal herança cultural foi transformada em bebida com fins comerciais pela primeira vez no século 19, por mercadores mato-grossenses que davam aos índios “espelhos, pentes e outros produtos supérfluos” em troca da fruta, para depois negociar com compradores europeus. Com o avanço da tecnologia, toda a esfera social, política e econômica até então existente foi desmantelada, aponta o trabalho.
O Guaraná Antárctica que, historicamente, usa publicidade com mensagens mostrando que é desse cultivo amazônico que sai a base da bebida açucarada, tem papel central nesse desmonte. O orgulhoso discurso do marketing empresarial se colocar na posição de “refrigerante original do Brasil”. A realidade crua, entretanto, revela que a compra feroz da fruta, que se iniciou há mais de 50 anos pela então empresa paulista Antárctica, apropriou-se da cultura dos Sateré-Mawé, afetando as relações produtivas coletivas, que, hoje, segundo os pesquisadores da Ufam, se dão “de forma monopolista.”
Fábrica do Guaraná Antárctica na cidade de Maués (AM)
Após a fusão entre Antárctica e Brahma, que criou a AmBev, em 1999, a apropriação e a monopolização aumentaram agressivamente. Em 21 de outubro daquele ano, executivos de AmBev e PepsiCo Inc estabeleceram um acordo que previa o compromisso de distribuir o guaraná (waraná, na língua Sateré-Mawé) para mais de 175 países, levando o produto a uma escalada mundial. O trato foi acertado em audiência com o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP).
Esse período, de acordo com o estudo, marca também o início da decadência produtiva do Amazonas, em especial do município de Maués, a 253 quilômetros de Manaus e terra do povo Sateré-Mawé. Inclusive, o posto de maior produtor de guaraná acabou perdido pelo estado para a Bahia, essencialmente por fatores ligados às pesquisas agronômicas, renovação dos guaranazais e produção em grande escala.
“O guaraná deixou de ser um produto genuinamente Sateré- Mawé e tornou-se uma marca conhecida mundialmente, onde o marketing principal cavalga em alusão à indicação geográfica, como parte integrante de uma cultura indígena secular amazônica, e a venda dessa imagem é um fator preponderante na arte da acumulação do capital sobre essa cultura”, conclui o pesquisador Arenilton Monteiro Serrão.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

O e-commerce é o ramo da economia que mais cresce no Brasil

por José Gilbert Arruda Martins

Nesse cenário surge a IMDSHOPPING.COM, uma loja que veio para atender os anseios do brasileiro por produtos importados e nacionais de qualidade e com preço justo.



Brasília, DF, 05 de dezembro de 2017

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Obrigado,

Equipe IMD Shopping

sábado, 2 de dezembro de 2017

"É A POLÍTICA, ESTÚPIDO" - Discurso de austeridade agrava a crise e serve para manter privilégios

na Rede Brasil Atual

Em livro, economista inglês desvenda mitos utilizados por governos para justificar cortes que afetam os mais pobres, deixando intocada a estrutura fiscal que privilegia os ricos

Austeridade
No Brasil, efeitos "amplificados" da receita de austeridade podem produzir "caos social", diz economista

São Paulo – Representantes do mercado e economistas liberais, a todo momento, insistem na ideia de que Estados podem quebrar se gastarem mais do que arrecadam. Dizem que as contas públicas devem ser administradas com a prudência devotada de uma dona de casa, que controla o orçamento doméstico para não deixar a dispensa vazia no final do mês. 
Em momentos de crise, advogam que o os governos devem dar o exemplo e "cortar na própria carne", de modo a contribuir para a elevação da confiança dos investidores que, animados, fariam o crescimento florescer, inevitavelmente, segundo as leis naturais do mercado. Há ainda o argumento de teor autopunitivo, que diz que, após períodos de bonança, baseados na gastança desenfreada, sempre chega o momento em que é preciso "apertar os cintos".
São esses mitos travestidos de argumento científico, como se fossem verdades matemáticas absolutas, que o economista inglês Mark Blyth dedica-se a investigar e destruir no livro Austeridade – A História de Uma Ideia Perigosa.
Na Europa, suas críticas a esse modelo de ajuste que repassa a conta da crise financeira (que eclodiu em 2007, e atingiu o continente nos anos seguinte), para o grosso da população, enquanto os governos correm para salvar bancos "grandes demais para falir", vem ganhando adeptos, não só entre os estudiosos, mas também entre políticos mais progressistas. 
Para tratar dos impactos da obra de Blyth, e também da sua aplicabilidade para o contexto brasileiro, os economistas Pedro Rossi (Unicamp), Laura Carvalho (USP) e Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp) participaram de debate nesta quinta-feira (30), em São Paulo, que também promoveu o lançamento da versão traduzida do livro. 
Laura Carvalho, que também prefaciou a obra, afirma que o discurso de austeridade, tratado como uma ferramenta matemática para equilibrar as contas públicas é, antes de mais nada, uma estratégia política.
No Brasil, as receitas de austeridade produziram consequências sociais ainda mais graves, congelamento de investimentos em áreas estratégicas como saúde e educação, explosão do desemprego. Ainda assim, o déficit público segue cavalgando, e parte da população também começa a perceber as contradições desse discurso, quando o governo Temer propõe cortes e congelamentos, mas abre os cofres com isenções a grupos privilegiados para se salvar a própria pele. 
"Esses cortes foram dramáticos, e o que a gente viu foi uma deterioração fiscal. Os déficits se tornaram cada vez maiores, apesar dos cortes cada vez maiores, o que também ocorreu nos vários países que tentaram essa estratégia. Entra-se numa estratégia que supostamente seria rápida, para corrigir um problema fiscal. Começa-se a cortar, a cortar, até cavar o fundo do poço, e as coisas vão piorando cada vez mais", diz a economista. 
Segundo ela, a austeridade acaba se convertendo em estagnação econômica, o que acaba por agravar, ainda mais, as desigualdades sociais no país. "A gente está falando de um país com o nível de desigualdade muito mais alto, com taxas de homicídio e de violência urbana comparáveis a de países em guerra, com uma oligarquia que domina o poder desde 1.500. Ou seja, estamos falando de efeitos amplificados da austeridade, que pode se transformar em caos social." 
Para o economista Pedro Rossi, o livro de Blyth, ensina que "o conceito de austeridade está fundamentado em mitos que não tem nenhuma aderência com a realidade, nem comprovação empírica". Ele também ressaltou que as ideias que contestam o discurso de autoridade vem influenciando políticos como o líder do partido trabalhista inglês Jeremy Corbyn. 
Seguindo o receituário de ajuste, a Inglaterra reduzia o número de policiais no mesmo momento em que cresciam as ameaças de ataques terroristas. "Corbyn dizia que a política de corte de gastos estava tirando a segurança das pessoas. Assim você captura uma parte da classe média que não tem predileção pelos temais mais à esquerda. Ele também afirmava que a austeridade é seletiva e prejudica sempre os mais pobres." 
Rossi, assim como Blyth, destacou que as contas dos governos não guardam qualquer relação com a administração do orçamento doméstico, e diz que, em momentos de crise, os Estados tem que, justamente, ampliar os gastos públicos, e não promover cortes. 
"Um governo não tem nada a ver com orçamento doméstico. Tem que fazer o contrário das famílias na hora da crise", já que conta ferramentas de planejamento e previsões de receitas. "Outra diferença é que, quando a família gasta, esse dinheiro não volta. Já, quando o governo gasta, esse dinheiro circula, gerando efeito multiplicador, e volta na forma de arrecadação." 
"Na hora da crise, as famílias, com razão, cortam gastos, porque têm medo do futuro. Deixa de comprar uma televisão ou ir a um restaurante, porque prefere esperar para ver o que vai acontecer. Se todo mundo deixa de ir ao restaurante, ele quebra, e vai despedir as pessoas, gerando desemprego e queda na renda. A crise atual é também uma crise de demanda. Se todo mundo para de gastar, ao mesmo tempo, quem é que tem recursos para gastar? É o governo", defende o economista.
Já Belluzzo destacou que, em linhas gerais, as concepções de Blyth resgatam os ensinamentos do célebre economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946), que teorizou que os Estado deveriam empreender investimentos públicos que equalizassem e suavizassem as oscilações do mercado, reduzindo, assim, as incertezas. "Blyth explica o óbvio. Se você tem uma situação depressiva e continua cortando, certamente a receita fiscal cai. Não é difícil entender isso."


sexta-feira, 17 de novembro de 2017

“O novo Palácio de Inverno são os Bancos Centrais”

no Outras Palavras

POR ANTONIO NEGRI

171116-Negri

Para Toni Negri, já surgem os movimentos que reverterão a onda conservadora. Mas é preciso sacudir os programas e métodos da esquerda no século 20 — e abraçar a Renda Universal
Entrevista a Roberto Ciccarelli, na Euronomade | Tradução: Inês Castilho | Imagem: Stelios Faitakis
Quando nos sentamos ao redor da grande mesa de seu apartamento em Paris, Antonio Negri, aos 84, traz nas mãos um monte de anotações, olhar tenso e ar exigente. Está impaciente com a gripe que o atormenta desde que voltou de viagem ao Brasil, onde lançou seus livro Negri no Trópico As Verdades Nômades.
“Não estou conseguindo trabalhar como gostaria”, diz ele, autor, com Michael Hardt, de uma tetralogia sobre as mutações do capitalismo, composta por ImpérioMultidão, Bem Comum e Assembly [este, ainda sem tradução para o português]. Filósofo de renome internacional, está agora trabalhando na segunda parte de sua autobiografia. O título da primeira parte é revelador: Storia di un comunista (História de um comunista).
TEXTO-MEIO
Ele já tem planejado um novo volume a ser escrito com Hardt. Entre o desejo spinozista e a prática marxista, Negri não deixa tempo para reminiscências, e conversamos a partir de uma posição contemporânea. Eis sua entrevista.
171116-Negri
Hoje, uma palavra como “revolução” parece merecer crédito apenas de assessores de imprensa pagos para inventar programas eleitorais. Para você, que acreditou tão intensamente na revolução a ponto de mudar radicalmente seu próprio estilo de vida, que significa essa palavra?
Para mim, significa que uma revolução não é feita – ela faz você. É preciso parar desmistificá-la: A revolução significa viver e construir momentos de inovação e ruptura constantemente. A revolução é uma ontologia, não um evento. Não está incorporada num nome, seja Jesus Cristo, Lênin, Robespierre ou Saint-Just.
A revolução é o desenvolvimento de forças produtivas, dos modos de vida comuns, o desenvolvimento da inteligência coletiva. Nunca pensei em fazer uma revolução e assumir o poder no dia seguinte.
Quando era jovem, pensava que o Comitê dos Trabalhadores de Marghera [em Veneza] organizaria a própria sociedade em torno de um conselho de trabalhadores e seus ideais, a partir do modelo da fábrica. Isso foi nos anos 1970. Hoje as coisas são muito diferentes, e existe outro modo de produção: você pode organizar a sociedade a partir de uma renda básica universal, de novos tipos de trabalho, de novas escolas e formas de associação, de novas formas de lazer, escapando do tédio e do desespero em que vivemos.
Nunca pensei que a revolução seria alguma coisa que leva ao poder, mas antes algo que muda o próprio poder. Significa adquirir poder de outra maneira. Essa é uma diferença fundamental: significa não ser concebida de cima pra baixo, mas a partir de baixo. A revolução acontece quando alguém é capaz de mostrar que, hoje, o Comum está emergindo no modo de produção que informa a vida. A revolução não é mais a “parteira da história”, que tem o fórceps nas mãos – é antes a própria criança.
Em comparação com a linguagem e as imagens correntes, sua abordagem sempre foi não-conformista, para dizer o mínimo. Em geral você recebe uma resposta polida de que está sendo otimista, utópico, visionário. Há na esquerda essa atitude sempre impiedosa, realista, ocupada com o esforço voluntarista de unir, ou de evocar aquilo que falta. Onde você se encontra, dessa perspectiva?
Posso responder narrando certo episódio, um caso bem concreto. Há alguns dias, Michael Hardt apresentou nosso livro Assembly em Londres. Ele teve um encontro com a “Momentum”, uma rede de trabalho de base que apoia o Partido Trabalhista e Jeremy Corbyn. O encontro entre jovens e velhos corbynistas é impressionante, pessoas que viveram 1968 e as lutas dos anos 70 e que hoje são puxadas pelo entusiasmo dos mais jovens, que participaram das lutas altermundistas e do movimento Occupy, as mais recentes dessa geração. Quem falta são as pessoas entre 35 e 60 anos, a geração Blair. É nesses encontros que está sendo formada a nova esquerda, e é nessas condições que estamos conseguindo, hoje, nos encontrar e superar as velhas barreiras da cultura social democrata.
No ano passado falou-se muito de Bernie Sanders, nos Estados Unidos. O que pensa da experiência dele?
Estamos em contato com uma amiga que ocupa posição de liderança no movimento de Sanders. Pelo que ela conta, entendemos que o Partido Democrata norte-americano é uma máquina poderosa que é péssima na gestão de si mesma, não reage ao que é novo e impulsiona os clássicos temas social democratas que não são efetivos.
Neste seu livro, você descreve a emergência extraordinária e dramática do movimento norte-americano Black Lives Matter [Vidas Negras Importam]. O que pensa sobre ele?
Black Lives Matter é o futuro. É a expressão de um movimento sem liderança. Há muitos como ele no mundo, e a esquerda deve compreendê-los em toda a sua amplitude: os movimentos dos indígenas, por exemplo, que lutam pela propriedade comum, oferecem experiências extraordinárias. E da mesma forma os novos movimentos feministas, com sua forte subjetividade.
É a própria forma do capitalismo que revela essas novas forças produtivas e essas experiências de ruptura. Isso não é somente um discurso marxista, é um discurso realista, se queremos finalmente nos libertar do “breve século 20″, escapar dessa agonia de uma vez por todas.
Você sempre fala do ponto de vista dos movimentos. Em Assembly,você não faz reticências à análise da crise desses movimentos, e sugere que não deveríamos subestimar “o poder duradouro daqueles que lutam e são derrotados”. O que quer dizer com isso?
Voltemos ao paradoxo Corbyn: a geração de 68 que se encontra com os jovens de hoje. Basta que lhes deem um sinal, e aqueles que então foram derrotados se levantarão novamente. Porque como parte da luta eles aprenderam a generosidade, a cooperação, e conseguiram uma vitória pela solidariedade. Esses são “vícios” que você adquire um dia, e não consegue mais livrar-se deles.
Se alguém pudesse traçar uma história foucaultiana dos movimentos na Itália, seria possível entender como muitos “cínicos”, militantes comunistas coléricos, são encontrados por todo lado. Falo de pessoas que cresceram com o “desejo de saber” e de ação revolucionária, e essa foi a maneira como aprenderam a amar aos outros e à própria vida.
Você escreve que, de 2001 pra cá, os movimentos têm reivindicado um novo começo para a esquerda, mas têm mostrado “pobreza organizacional” e não cresceram ao nível do problema que apresentaram. Não há risco de repetirem os velhos fracassos sem avançar um milímetro sequer?
Precisamos, de uma vez por todas, livrar-nos da ilusão de que alguma outra coisa pode surgir dos movimentos. Os movimentos quase sempre expressam o fim de um discurso – não produzem um evento, antes marcam sua conclusão. Sessenta e oito não foi um evento específico, mas uma construção feita no tempo. Porque antes houve os anos 60, houve uma massa política em nível global durante algum tempo. Na Itália, esse tipo de política foi poderosa o suficiente para durar 10 anos, e foi até o movimento de 1977. Os movimentos hoje não entendem que precisam construir, não apenas colher os frutos.
Tenho ouvido companheiros que vêm do movimento antiglobalização, ou das lutas universitárias, dizendo que depois das manifestações era tempo de criar uma organização. Mas se ainda não tivessem criado antes delas, nunca teriam conseguido realizá-las. Teriam sido apenas identificados pela polícia como aqueles a ser derrotados. Precisamos acabar com essa noção de que o movimento depois vai formar o partido, a coalisão, ter alguma forma de resultado. Os movimentos são eles próprios a força, a essa força será reconhecida.
Os movimentos são a estratégia. Eles não nasceram de um alento do espírito, ou por um mistério que de repente se incorpora à sociedade. Eles são construídos concretamente, passo a passo, junto com milhares de outras pessoas, cada um começando de si próprio. A política é construída em conjunto.
Os sovietes são um modelo para pensarmos, nascidos de um modo de produção especifico, reunindo forças produtivas e sociais. Hoje, num mundo completamente diferente, continuam a ser um instrumento poderoso.
Os sovietes ainda são relevantes?
Hoje temos de construir instituições não-governamentais e não-corporativas. Elas funcionariam tanto na gestão da água como bem comum como na batalha contra a violência policial na França ou nos Estados Unidos, nas grandes lutas indígenas da América Latina e nas lutas feministas. A invenção de uma nova estrutura política pode nascer apenas da conexão entre essas forças. Uma instituição não é criada por um soberano, mas pela necessidade de estar juntos, de produzir e viver juntos.
Essa era a ideia básica dos sovietes: organizar o modo como existimos juntos numa sociedade industrial, onde a cooperação social está num nível avançado e tem capacidade de exercer o poder por meio da construção política de uma força produtiva.
No livro, você usa uma expressão interessante para descrever essa construção: “o empreendedorismo de multidão”. O que isso significa?
Estão nos atacando por causa desse conceito em algumas críticas no mundo anglo-saxão. Empreender, dizem eles, não pode ser separado de neoliberalismo. Mas penso que, hoje, a relação entre empreendedorismo e instituição – do verbo latino instituere – é algo que poderia ser estudado em toda a sua profundidade. O trabalho é sempre um istitutio. Mas atualmente essa capacidade está sendo destruída ou escondida sob um falso conceito de liberdade.
Criar um empreendimento significa deixar a força de trabalho livre para organizar-se. Esse é o discurso político que o capitalismo está roubando dos trabalhadores. Acreditamos porém que se começa a fazer política quando a força de trabalho ganha capacidade de organizar-se produtivamente.
E tudo isso deve ser alcançado por meio de um partido? É isso que você sustenta?
Absolutamente não. Hoje, a autonomia da política não é mais leninista – ela é o populismo. Em cada tempo, a autonomia da política é qualificada de um modo, se o desejo é de evitar falar dela em termos gerais. E atualmente a autonomia da política foi reduzida a um jogo de linguagem que usa categorias institucionais, com a intenção de construir um povo submisso.
Estou lendo sobre o que está acontecendo na Itália, onde a legislação eleitoral tornou-se há muito tempo o locus central desse uso discriminatório da política. É manipulação pura e simples das pessoas e do consenso geral.
Em jogo encontra-se não apenas um critério mínimo de representação, que penso estar cada vez mais em crise, mas algo mais profundo: O objetivo é impedir que as pessoas façam experimentos com novas formas institucionais e produtivas de autogovernar-se.
A social democracia está em crise, que muita gente acredita poder ser superada através de uma “versão de esquerda” do populismo. Você pensa que o Podemos ou o trabalhismo de Corbyn podem ser interpretados dessa maneira?
O populismo de esquerda é um populismo de “substituição”. Duvido que essa lógica, teorizada pelo filósofo argentino Ernesto Laclau, possa algum dia inventar fórmulas diferentes das do “socialismo nacional”. Na Espanha houve um grande debate dentro do Podemos sobre essa questão. E a tendência nacional-populista venceu.
A controvérsia foi com os movimentos, em torno do papel do partido em relação a eles: se deveria apoiar os movimentos e criar uma coalizão ou ser um partido clássico capaz de encontrar seus eleitores. Venceu o populismo de “substituição”, não um projeto de reforma da esquerda.
Na outra ponta do espectro do populismo, Alice Weidel, do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), representa uma reversão sensacional das posições dos movimentos: lésbica, casada com uma cidadã do Sri Lanka, trabalhou para a Goldman Sachs e a Allianz, ao mesmo tempo apoia políticas xenofóbicas e islamofóbicas e é contra o casamento de pessoas do mesmo sexo. O que essa figura representa?
Representa o vazio que se reproduz a si mesmo. Como outras figuras, ela não é um sujeito, mas um produto. Tal produto nasce apelando ao pior dos instintos e chega ao ponto da contradição mais absurda com o que realmente acontece em sua própria vida. É a isso que leva o populismo, em sua essência: criar um povo que é inclusive contra a própria realidade. Essa contradição está ligada ao conceito de nação, e depois, na ordem, ao de pertencimento regional e familiar. Articulam-se dessa maneira formas de propriedade e de fronteira. O grande risco é o da corrupção que emerge daí. Vi no decorrer da minha vida muita gente fazer coisas terríveis em nome da família, incluindo as piores formas de corrupção. Por trás dessas formas de filiação há apenas barbárie e tribalismo.
Quais os outros tipos de populismo?
Trump é um exemplo claríssimo. Macron, na França, é parecido com ele à sua própria maneira, embora se comporte como um tecnocrata que leva direita e esquerda em direção ao centro, de acordo com o projeto de Juppé.
À esquerda e à direita, encontramos vários populismos “renovados”. No grupo Mediaset, no caso de Berlusconi; online no caso do Movimento 5 Estrelas. Melenchon, na França, distingue entre a soberania popular – a da Revolução de 1789 – e o soberanismo, que seria um conceito de direita; entre o ideal de “nação” e o de “nacionalismo como etnicismo”.
Nesse e em outros casos, tais como entre os bolivarianos da América do Sul, as pessoas nunca refletem suficientemente sobre o fato evidente de que são os setores dominantes e os ricos que conduzem o processo e falam em nome dos muitos.
É possível inclusive que essa ideia de “populismo” produza uma reviravolta contra os movimentos, particularmente nos de imigrantes, amplificando um “senso comum” xenófobo e racista. Um risco que se pode entrever também no trabalhismo inglês ou no Partido de Esquerda [Die Linke] alemão. Como explicar essa ambivalência?
Há duas ideias que jamais seremos capazes de separar da social democracia herdeira do “século breve”: as de propriedade e de fronteira. São uma bactéria mortal, hoje enraizada no coração da Europa, quando se constroem muros ou quando se movem as fronteiras através do Mediterrâneo, condenando imigrantes à morte nos campos da Líbia.
Rousseau dizia que o maior criminoso já nascido foi aquele que disse, antes de todos: “Isso é meu”. Mas houve um criminoso ainda maior, Rômulo, que disse: “Essa é minha fronteira”. São a mesma coisa, propriedade e fronteira.
A social democracia amadureceu essa cultura depois de 1848, com a revolução romântica. Estou pensando em Mazzini. Ele foi, desse ponto de vista, o primeiro democrata social – apoiou a República Popular e a centralidade da nação, dois elementos que sempre exibiram uma síntese reacionária, popular-nacionalista. A segunda Internacional Socialista foi atravessada por esse espírito contra o internacionalismo comunal e tentou combinar nacionalismo e revolução.
Por outro lado, o bolchevismo foi formidável do ponto de vista da revolução mundial porque unificou o comunismo, o anti-imperialismo e o anticolonialismo. A tragédia do anticolonialismo foi o retorno do nacionalismo.
Isso levou a um grande erro, ainda hoje recorrente nas decadentes políticas centristas: pensar que a aliança do proletariado com as classes médias e progressistas é um passo estratégico, e não meramente tático. Os vários tipos de populismo estão repetindo atualmente o mesmo erro: pensam que o conceito de nação anula o de classe. É um problema que ainda temos de confrontar.
Ouvimos cada vez mais frequentemente que a alternativa ao neoliberalismo e a crise são o trabalho, o pleno emprego, o keynesianismo, as nacionalizações. Isso é um solução?
Essas são propostas que continuam presas à agonia do “século breve”, em que ainda nos encontramos. Estamos até agora discutindo alternativas que já se mostraram ineficazes: formas de socialismo nacional e de Estado, e um liberalismo corporativo e privado. Continuamos reféns da distinção entre público e privado, e não enxergamos tudo o que se passou por baixo e atravessou o século 20 até hoje. E o que aconteceu?
A derrota da ideologia do privado e do público, por causa da transformação do modo de produção. Há um novo agrupamento das forças produtivas, determinado pela transformação do trabalho, que o tornou comum e singularizado, removendo-o tanto da esfera privada quanto da pública. É uma força de trabalho que funciona apenas cooperativamente. Quer dizer, de maneira cada vez mais comum. O problema hoje é a organização da produção social e a distribuição de renda, não o pleno emprego.
A distinção entre o trabalho/emprego e a nova capacidade laboral e cooperativa é o elemento central do debate, e envolve consequências radicais na esfera fiscal, assim como políticas sociais e industriais profundamente diferentes daquelas do passado.
A esquerda e os sindicatos sustentam que um Estado “inovador” será capaz de criar tecnologias revolucionárias na green economy, nas telecomunicações, na nanotecnologia ou na área farmacêutica. As novas instituições de que fala no livro vão para além do Estado; qual a relação delas com essa categoria que volta a ter sucesso?
Que venha esse Estado, desejo que tenha boa sorte. Contudo, permita-me notar que esses setores se encontram no mercado, organizados como mecanismos para extrair valor socialmente produzido, e como tais são protegidos, ainda que precariamente, pelo Estado.
Em Assembly, nós nos perguntamos se essas maravilhas tecnológicas podem estar sujeitas a escolhas e decisões democráticas. Respondemos que não. Não até que se reconheça o sistema de exploração extrativo e proprietário (patentes, rendas financeiras, organizações monetárias) no qual operam essas indústrias; e até que esse reconhecimento seja seguido de um processo democrático de reapropriação dos bens comuns.
Agora é o momento de reapropriação do comum por parte de seus produtores, e de reorientação democrática da gestão do comum: não é o Estado, mas os produtores quem têm de dizer para que servem essas tecnologias, que benefícios e que desvantagens acarretam.
A força de trabalho está cada vez mais organizada por plataformas digitais: Uber, Deliveroo ou Task Rabbit. O poder dos “senhores do silício” é tão amplo que leva a acreditar que o algoritmo transmite uma ideia popular e transparente de democracia. A revolução digital conduz a isso?
Nessas plataformas, os trabalhadores não pensam desfrutar de um maior grau de democracia! E lutam e resistem a uma exploração bestial. É importante, todavia, que se coloque o problema: é possível reverter o funcionamento do algoritmo de comando das plataformas digitais? Longe de imaginar reversões utópicas das plataformas digitais em circuitos de cooperação, só será possível dominar esses monstros mediante o desmantelamento das condições políticas nas quais o algoritmo é imposto: as do direito privado e sua legitimação estatal.
Mark Zuckergerg do Facebook admitiu a importância da renda básica. Será o Vale do Silício a realizar aquela que é definida como uma utopia concreta?
Zuckerberg nos obriga a estudar as maneiras por meio das quais a tecnologia e a atividade laboral se entretecem na produção e no uso das mídias sociais. É lá, naquele espaço, que paradoxalmente torna-se possível reconstruir a democracia. Creio que é nesse espaço que vai ser reaberta a busca dos revolucionários: o espaço que, mutatis mutandis, há 150 anos Marx analisou no primeiro volume de O Capital. Lá, onde o homem se defronta com a exploração de novas máquinas e de novos patrões, é que renasce a classe e que a revolução se repropõe.
Então você está convencido de que somente uma renda básica nos salvará?
Não, é óbvio que em si mesma ela não pode resolver o problema. É o elemento preliminar, e também central, para a reorganização social baseada no Comum e a superação das categorias de propriedade privada e pública. É no terreno financeiro que é preciso confrontar-se. O problema é o comando das finanças. O Palácio de Inverno hoje são os bancos centrais.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

HISTÓRIA - Um século da revolução russa: o capitalismo sobreviverá à sua 'vitória'?

na Rede Brasil Atual

O mundo emergente da queda do Muro de Berlim e do fim da URSS não está melhor do que antes: em muitos aspectos parece ter regredido ao período que antecedeu a eclosão da Primeira Guerra Mundial

por Flavio Aguiar 


revolução russa
Marcha em Moscou comemora aniversário de 100 anos da Revolução Russa. Comunismo "perdeu" Guerra Fria, mas mundo ficou pior sob o capitalismo


"A vida é bela. Que as gerações futuras
a limpem de todo o mal, de toda a opressão,
de toda a violência, e possam goza-la plenamente" – Leon Trotsky
Na noite de 7 de novembro de 1917, 25 de outubro pelo Calendário Juliano, um dos canhões do cruzador Aurora, então ancorado nas margens do Rio Neva, em Petrogrado – hoje São Petersburgo, depois de ter sido Leningrado –, disparou um tiro de pólvora seca. Foi o sinal para que os revolucionários tomassem de assalto o Palácio de Inverno na cidade, que fora dos czares russos e era então a sede do governo instalado naquele ano. A tomada se concretizou às duas horas da madrugada do dia seguinte, 26 de outubro, 8 de novembro no Calendário Gregoriano, e assim começou, cem anos atrás, a segunda fase da Revolução Russa, que criaria a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, hoje extinta.
A Revolução Soviética e a consolidação posterior do regime comunista lembram o cascudo, aquele besouro que aparentemente não poderia voar, mas que no entanto voa. Ninguém esperava que uma revolução comunista, que deveria ser mundial, começasse num país "atrasado", entre aspas, como a Rússia. Ao contrário, esperava-se que este movimento tivesse seu berço e fulcro nos países de ponta do capitalismo industrializado, como a Alemanha, a França, a Inglaterra ou até mesmo os Estados Unidos, país que então tinha um movimento operário amplo e vigoroso.
Assim, a primeira revolução comunista do mundo surpreendeu até mesmo a teoria marxista que a sustentava, bem como a subsequente revolução comunista na China, ao fim da Segunda Guerra, e a cubana, já em plena Guerra Fria. Naquela época outra revolução que sacudia o mundo – embora não fosse comunista – acontecia não nos Estados Unidos, mas no também "atrasado" México, na América Latina.
Se havia uma teoria marxista que sustentava a análise crítica do capitalismo, em termos de governo tudo teve de ser mais ou menos improvisado, esta é a verdade. Os comunistas pregavam, no limite, o fim do Estado, mas tiveram de organizar e consolidar um, poderoso o suficiente para se defenderem dos ataques que sofreram, da guerra civil contra os chamados "russos brancos" e o apoio internacional que estes tiveram.
Isto pode ajudar a entender algumas das vicissitudes trágicas que se seguiram. O testamento político de Lênin previa a destituição de Stalin e a indicação de Trotsky como seu sucessor. Mas segundo a biografia deste, escrita por Isaac Deutscher, o notável comandante do Exército Vermelho subestimou a capacidade do rival para dominar a máquina burocrática do Partido e do Estado, e ele mesmo terminou sucumbindo diante do seu poder. O mesmo aconteceu com grande parte da vanguarda revolucionária de 1917 e dos anos subsequentes.
Hoje, diante do capitalismo triunfante até mesmo na China que ainda se proclama comunista, mas não é mais, há quem afirme que a Revolução Soviética foi um fracasso histórico. Mas é necessário, no mínimo, relativizar esta afirmação.
Olhando-se o plano geopolítico, deve-se pôr no seu saldo positivo a derrota do nazi-fascismo, por exemplo. Também neste plano deve-se por o fato de que, com todas as suas contradições, a presença do regime soviético "do outro lado do muro", para usar uma expressão berlinense, contribuiu em certos momentos para dar uma face mais humana ao capitalismo, através, por exemplo, do New Deal nos Estados Unidos, ou da social-democracia na Europa pós-Segunda Guerra.
Talvez o nó górdio que os regimes comunistas não conseguiram cortar foi o de se acostumarem com a falta de democracia em tudo: no governo, na burocracia, nas instituições, no Partido. Eles não foram derrotados de fora para dentro, mas de dentro para fora, numa espécie de autofagia destrutiva.
No que toca o regime soviético, há teorias que dizem ter sido o Exército Vermelho o maior responsável pela sua longevidade, e não o Partido. Quando o Exército Vermelho saiu do Afeganistão, no começo de 1989, derrotado, desgastado, desmoralizado, depois de uma guerra de dez anos que exauriu as suas forças militar e politicamente, o regime soviético começou a entrar em colapso, o que se concretizou quase três anos depois, ao final de 1991.
Deste fracasso, depois de muitos anos de turbulência, o que emergiu, em vez do "homo sovieticus", generoso, solidário, revolucionário, foi o reino de oligarquias e máfias ferozes, e o neo-czariato de Vladmir Putin para disciplina-las. Entretanto isto não implica o desaparecimento dos melhores ideais de 17.
Os países que compunham o Pacto de Varsóvia, na maioria, se debatem hoje entre políticos de direita e de extrema-direita. A Iugoslávia, que não aderiu ao Pacto, se desfez em meio a guerras nacionalistas e movidas por diferentes formas de xenofobia. A Albânia, que deixou o Pacto em 1968, aliou-se primeiro à China mas acabou aderindo à Otan.
O mundo emergente da queda do Muro de Berlim e do fim da URSS não está melhor do que antes: em muitos aspectos parece ter regredido ao período que antecedeu a eclosão da Primeira Guerra Mundial. E até mesmo o fantasma de um apocalipse nuclear voltou a ronda-lo. A União Europeia e a Zona do Euro, que prometiam a pacificação durável da Europa de tantas guerras, está recriando seu próprio "Terceiro Mundo" às margens do Mediterrâneo, enquanto forças neo-nazis, que pareciam sepultadas, ressurgem das próprias cinzas e disputam espaço nos parlamentos.
Hoje, com o comunismo praticamente desaparecido da face da Terra, reduzido quase ao status de "reservas ecológicas" em Cuba e na Coreia do Norte, o que se viu e se vê é a capitulação, em grande parte, da social-democracia ao neo-liberalismo e à orgia capitalista promovida pelos seus agentes mais reacionários, nos Estados Unidos e na América Latina.
Cem anos depois da Revolução Soviética, a pergunta mais contundente não é se ela e seus ideias foram um fracasso, mas sim se o capitalismo, hoje envolto numa das mais brutais concentrações de renda da história, e também engolfado pelas águas turvas de coisas como Panamá e Paradise Papers, vai sobreviver à sua vitória na Guerra Fria.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

MEDIEVALISMO - Visita de Judith Butler ensina: ideologia de gênero e bruxas não existem

na Rede Brasil Atual

Aos gritos de "queimem a bruxa", conservadores e extremistas cristãos tentaram calar a filósofa, que falou sobre paz: "Nenhum grupo pode ser destituído de pertencimento e cidadania"

por Gabriel Valery, da RBA

Judith Batler em SP

São Paulo – “Temos que buscar espaços sem censura e medo (…) A maior parte das pessoas que convivem comigo passa por um momento de angústia política. Temos dores na cabeça e no estômago. Isso acontece quando passamos a perder esperanças e começamos a viver a injustiça”, afirmou a filósofa norte-americana Judith Butler nesta terça-feira (7). Uma das principais pensadoras na atualidade em questões como gênero e ética, ela está em São Paulo, onde ministrou palestras ontem (6) e hoje.
Sua presença despertou a ira de setores conservadores e de fundamentalistas cristãos brasileiros, que chegaram a promover uma petição para tentar censurar a palestrante. Não tiveram sucesso. Na noite de ontem, Judith falou no auditório da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na Vila Mariana, zona sul da capital. Hoje, foi a vez do bairro da Pompeia, na zona oeste, receber no período da manhã a filósofa, na unidade local do Sesc.
Como esperado, os grupos que defendiam a censura compareceram à porta do Sesc. O resultado da perseguição foi o oposto. Coletivos em defesa da democracia também marcaram presença para garantir o debate, e compareceram em maior número. Enfim, o debate não só aconteceu como o previsto, como ganhou maior visibilidade. Auditórios lotados, milhares de espectadores via internet e centenas de pessoas escutaram Judith na calçada da rua Clélia, em frente à sede do Sesc Pompeia.REPRODUÇÃO/FACEBOOK/GABRIEL LINDENBACH
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Coletivos marcaram presença em defesa da liberdade de expressão e da coexistência
De um lado, antes da fala da filósofa, os presentes debateram, com um microfone aberto, os perigos da radicalização e do fundamentalismo. “Estamos vendo uma questão delicada, vivendo um período de censuras. Isso nos faz enxergar como a democracia está em risco. Esse movimento tem um objetivo político e fala sobre ‘ideologia de gênero’, o que não existe”, disse a antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira.
“Esse movimento aproveitou a visita de Judith Butler para tentar impor sua agenda política, que vem sendo construída nos últimos tempos, como se viu na questão dos museus. Vivemos um conjunto de eventos que foi preparando para esse cenário trágico”, completou. A tragédia em questão ganhou fortes símbolos em meio aos conservadores. Eles carregavam crucifixos e bíblias, e queimaram uma boneca de bruxa com o rosto de Judith. “Queima no inferno, bruxa! Jesus tem poder”, diziam.

A voz de Judith

Em sua palestra, a filósofa afirmou que o “ódio vem do medo da diferença”. A pensadora possui uma carreira diversificada dentro das ciências sociais, e ganhou notoriedade por seus estudos sobre questões de gênero e feminismo, o que despertou o ódio que tentou censurá-la. Entretanto, o que esses movimentos talvez não soubessem é que o tema de suas palestras no Brasil nada tinha a ver com essas questões.
A pensadora veio ao Brasil para falar sobre sua mais nova obra: Caminhos Divergentes (2017), da editora Boitempo. No livro, Judith reúne conceitos judaicos e textos de pensadores palestinos para tentar encontrar formas de encerrar o conflito histórico na região. “O Estado de Israel não exemplifica o que as pessoas encontram no judaísmo, ao mesmo tempo, pode-se ler escritores palestinos para pensar com eles a dor do conflito e os futuros de uma coabitação”, disse.
O ponto central no livro é a proposição de uma coexistência pacífica entre os dois povos dentro do mesmo território. Um “Estado binacional”, como explicou. Isso para reverter injustiças promovidas pelo Estado israelense contra os palestinos. “Pode parecer estranho que escrevi um livro sobre o tema Israel e Palestina se você me conhece como pesquisadora de questões de gênero. Caminhos Divergentes é um livro que considero o que pode ser possível dentro da tradição judaica para estabelecer uma crítica ao Estado de Israel pela despossessão e subjugo do povo palestino desde sua fundação, em 1948”, disse.
Desde a formação do Estado israelense, mais de 5 milhões de palestinos foram expulsos de suas casas ou confinados em guetos modernos como Gaza. Judith, que é judia, argumenta que a crítica à política israelense nada tem de antissemita. “Alguns críticos suspeitam imediatamente: será que não é antissemita criticar o estado de Israel, pois ele representa o povo judeu? Talvez seja mais importante saber que muitos judeus que afirmam sua judaicidade não dão apoio ao Estado de Israel e não consideram que ele os represente. O motivo da crítica é que o Estado de Israel deveria ser democrático, tratando todos os cidadãos igualmente, independentemente de sua religião”, afirmou.
REPRODUÇÃO/FACEBOOKjudite.jpgJudith falou, em sua palestra, sobre a paz entre Israel e Palestina
Os discursos da filósofa foram os mesmos ontem e hoje. Na Unifesp, ele foi acompanhado de uma apresentação da reitora da universidade, Soraya Smaili, também integrante do Instituto de Cultura Árabe, que trouxe Judith ao Brasil juntamente com a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade da Califórnia em Berkeley, o Sesc, e a revista CartaCapital. “Judith é conhecida por ser uma voz crítica e muito bem fundamentada em seus escritos. Como genuína pensadora, trata questões do contemporâneo com engajamento, diálogo, dentro e fora da academia, com uma boa dose de afeto e humanidade”, afirmou Soraya.
Tornou-se extremamente conhecida por seus estudos de gênero, feminismo e teoria queer. Porém, é também uma voz ativa e engajada nas questões da violência e da injustiça social relativa às guerras, à transfobia, à tortura, à violência policial, ao antissemitismo e à discriminação racial de todos os tipos. Tem diversos livros publicados no Brasil, onde é particularmente querida e amada. Aqui, teremos a honra de ouvi-la falar sobre uma questão complexa do mundo contemporâneo, além de muito importante para a humanidade: a necessidade de uma convivência democrática radical entre israelenses e palestinos. Butler afirma que a judaicidade, em sua essência, está vinculada à justiça social e não à violência de Estado”, completou a reitora.
"Acreditamos que os refugiados precisam de um lar, um lugar de pertencimento, algo que Israel foi para os judeus"
De fato, a filósofa usa como argumento, por exemplo, a Lei do Retorno de Israel, que permite aos judeus de todo o mundo cidadania no Estado israelense. Ela lembra que o país foi criado como um “santuário” para os refugiados judeus dos horrores do Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial para que o povo pudesse ter o direito à cidadania. Direito que, de acordo com a pensadora, é suprimido dos refugiados contemporâneos e dos palestinos. “Acreditamos que os refugiados precisam de um lar, um lugar de pertencimento, algo que Israel foi para os judeus. Agora, se aceitamos o argumento para um grupo, temos que aceitar para o outro. Nenhum grupo pode ser destituído de pertencimento e cidadania. Falamos isso sobre o povo judeu e também dos palestinos, sírios, e do grande número de pessoas despossuídas”, disse.
Todo judeu pode pedir cidadania em Israel, sob a chamada Lei do Retorno. Mas a demanda palestina pelo retorno é negada por Israel. Então, um grupo de refugiados tem o direito de formar um Estado em terras palestinas e tirá-los de suas casas, enquanto outros não têm o direito de formar um Estado ou de ficar em suas terras. O conflito nasce desta contradição. Também significa que precisamos de uma política de refugiados consistente na região. Isso está na coabitação, em nos vermos como iguais, na dissolução do poder colonial e na abertura de cidadania dupla”, concluiu.GABRIEL LINDENBACH/FB
Judith Batler em SP
Coletivos como Pompeia Sem Medo organizaram vigília para assegurar debate