sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Pais gringos: e o Brasil passou a importar sêmen…

no Outras Palavras

Casais heterossexuais, homoafetivos e mulheres podem buscar seu doador pela internet. Estudo mostra que 52% buscam doadores com olhos azuis. Entre estes, nem 1% é negro


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Por Débora Lopes, na Vice
As comédias românticas já mostraram muitas vezes a clássica cena de um sujeito que doa seu esperma: revistas e filmes pornôs à disposição, um recipiente para coletar o “suco do amor” e uma salinha mais fria que corredor de hospital. No Brasil, a procura por um doador de sêmen importado aumentou mais de 2.500% entre 2011 e 2016, segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A questão é: por que os brasileiros querem que o pai biológico de seus filhos seja um gringo?
Casais heterossexuais, homoafetivos e mulheres a fim de encarar uma “produção independente” podem buscar seu doador até mesmo pela internet. Os dois estados que mais importaram esperma foram São Paulo (52%) e Rio de Janeiro (12%), aponta o 1° Relatório de Importação de Amostras Seminais para uso em Reprodução Humana, divulgado pela Anvisa na última quarta (9).
Além dos itens mais comuns, como cor dos olhos, da pele, do cabelo e tipo sanguíneo (poderíamos até chamá-los de “clássicos”), é possível fazer uma busca avançada e escolher signo, animal favorito, religião, objetivos de vida (reconhecimento, estabilidade financeira, Deus, casamento) e até mesmo talentos e habilidades (culinária, tecnologia, música, artesanato) do doador.
A franquia brasileira do Fairfax Cryobank, banco de sêmen dos Estados Unidos que atua em mais de 50 países, disponibiliza esse tipo de informação em seu site. Porém, o biólogo e diretor científico da unidade, José Roberto Alegretti, afirma que elas não são tão relevantes. “A primeira preocupação é a semelhança e o histórico médico”, disse, em entrevista à VICE. “A pessoa quer uma cópia dela e uma gestação saudável. [Quando se trata de] um casal, o homem quer um clone dele. Ele quer buscar um doador que seja igual porque ele vai ter um filho e quer que o filho se pareça com ele.”
Ascendência dos doadores das amostras seminais importadas no Brasil entre 2014 a 2016. Fonte: Anvisa
O que é curioso, visto que o relatório da Anvisa mostra que 52% das buscas foram por doadores com olhos azuis e, em segundo lugar, castanhos (24%). E olhos azuis não são um padrão brasileiro. A maioria dos doadores é formada por caucasianos (95%). Negros sequer alcançaram 1% nas doações.
“Existe uma falsa ideia de que as pessoas querem usar amostras importadas porque querem ter filhos loiros de olhos azuis. Mentira. Isso não existe”, pontua Alegretti. “Elas querem ter segurança, informação. E os bancos norte-americanos, em comparação ao banco brasileiro, oferecem uma gama de informações do doador muito maior, assim como uma gama de exames genéticos.”
Quantidade das amostras seminais importadas por perfil dos solicitantes no Brasil entre 2014 a 2016. Fonte: Anvisa
Um dado relevante é o aumento da importação de sêmen gringo feita por casais homoafetivos e mulheres que querem ser mães solo. Em 2014, 78 mulheres fizeram a solicitação da amostra seminal. Já em 2016, o número mais que dobrou. Foram 167 mulheres. O gráfico acima detalha isso bem.
Se a semelhança é uma busca essencial para essas famílias, a tecnologia tem facilitado o trâmite todo. Alegretti explica que é possível recorrer ao “Face Match”, uma análise aprofundada a partir da foto de quem busca o esperma e do próprio doador. Ali, características físicas são comparadas por profissionais para garantir que exista a maior paridade possível entre as duas partes.




quarta-feira, 2 de agosto de 2017

A Era do Capital Improdutivo – e como superá-la

Outras Palavras - POR ANTONIO MARTINS

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Em seu novo livro, Ladislau Dowbor oferece chaves preciosas para decifrar a metamorfose do sistema e suas novas formas de dominar e concentrar riquezas. Também sugere: é possível vencê-lo – mas com outros métodos…


ESTREIA
A Era do Capital Improdutivo, de Ladislaw Dowbor é o primeiro livro editado por Outras Palavras, em parceria com a editora Autonomia Literária. Já está à venda (em breve, lançamentos). Veja aqui o que este passo representa para o site e quais os nossos próximos projetos

Cinco famílias lideradas por homens brancos agora concentram mais riqueza que metade – 3,5 bilhões – dos habitantes do planeta. Em todo o Ocidente, a democracia declina e perde apoio porque é vista, cada vez mais, como um regime dos ricos e corruptos. O aquecimento global já se materializa na forma de mega-icebergs desprendendo-se da Antártida (sem falar nas primeiras levas de refugiados climáticos), mas os governantes permanecem desinteressados ou impotentes. No Brasil, os bancos privados multiplicam seus lucros em meio à maior recessão da História – e são o setor mais bem representado em todos os governos, antes e depois do golpe. Apesar da imensa concentração de riquezas, o sistema vai mal, deparando-se com taxas de crescimento medíocres e o risco crescente de uma nova crise financeira, que seria ainda mais devastadora e possivelmente incontrolável.
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O que estes fatos, aparentemente díspares, têm a ver uns com os outros? Mais importante: como decifrar os mecanismos que impulsionam em conjunto todos eles? Será possível revertê-los e escapar de uma armadilha que parece aprisionar tanto a humanidade quanto a própria ideia de emancipação social? Encontrar as respostas tem sido, desde a virada do século, o desafio difuso que persegue ativistas em todo o mundo – e que mobiliza um punhado de pensadores ligados às lutas sociais. Em A Era do Capital Improdutivo, Ladislau Dowbor revela que o crescimento abissal das desigualdades, a ausência de limites para a depredação da natureza e o esvaziamento da política podem ser faces de um só fenômeno. Uma nova metamorfose do capitalismo (para usar expressão de Celso Furtado) criou um sistema que já não pode ser compreendido – muito menos superado – manejando apenas as chaves analíticas do passado. O autor não se contenta em constatar o déficit teórico: ele adianta pistas para ultrapassá-lo, ou seja: para tramar um novo projeto pós-capitalista.
* * *
A natureza mutante do capitalismo já havia sido destacada por Karl Marx. Mais recentemente, François Chesnais formulou, em A mundialização do capital (1988) e em obras posteriores, a hipótese do declínio do industrialismo e o surgimento de um “regime de acumulação sob dominância financeira”. Ladislau está de acordo, e oferece farta documentação e dados a respeito. Para dar ao leitor noção das dimensões do cassino financeiro global, mostra, por exemplo, que só as transações financeiras com “derivativos” – aquelas em que não se negociam mercadorias, mas apenas índices (a taxa de inflação, o preço de uma moeda, a cotação de uma commodity) atingiram 710 trilhões de dólares em 2013 – ou 9,6 vezes o PIB mundial naquele ano.
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Mas A Era do Capital Improdutivo situa esta transição num conjunto de outras transformações civilizatórias marcantes, que se acentuam a partir dos anos 1950. A primeira delas é uma drástica mudança na arquitetura do poder mundial. Pela vez desde a Paz de Westphalia (1648), os Estados-Nações estão deixando de ser os atores centrais. Em seu lugar, emergem as megacorporações globais – grupos financeiros gigantescos; conglomerados industriais ligados e eles; um punhado de dealers que controlam o grosso do comércio de alimentos, minérios e combustíveis no planeta.
A passagem de bastão se dá por dois motivos. Primeiro, a concentração empresarial, mais intensa que nunca. Apoiado num vasto estudo do Instituto Federal Suíço para Pesquisa Tecnológica – o renomado ETH –, Ladislau demonstra que 147 grandes corporações (75% delas financeiras) controlam hoje, sozinhas, 40% do PIB do mundo. Numa espécie de “núcleo do núcleo” estão 28 “instituições financeiras sistematicamente importantes” (SIFIs, em inglês), cada uma das quais tem capital médio de US$ 1,8 trilhão (superior ao PIB do Brasil, a sétima economia do planeta).
O problema não é só o gigantismo. As megacorporações atuam em todo o mundo, enquanto os Estados-Nações são limitados por fronteiras. Todas mantêm sedes e filiais em “paraísos fiscais” (um capítulo do livro é reservado a examiná-los), onde podem articular oligopólios, evadir impostos ou praticar fraudes “livres” do constrangimento de governos ou Judiciários. Mais recentemente, diversos acordos comerciais permitem-lhes formar tribunais paralelos (Investor-State Dispute Settlement, ou ISDS, em inglês), nos quais podem exigir indenizações de Estados que adotem normas consideradas hostis a seus interesses (por exemplo, a redução da jornada de trabalho ou uma nova lei de proteção da natureza…).
O resultado é o esvaziamento rápido da democracia. Porque surgiu – acima dos Estados e com força superior à deles – uma nova esfera global de poder. Está inteiramente colonizada: em seu interior, o capital reina absoluto; não há eleições, parlamentos, governos escolhidos pela sociedade, transparência. Quem conhece a agenda do FMI, ou sabe como votam os representantes brasileiros na Organização Mundial do Comércio? Como frisa o autor, “o poder mundial realmente existente está nas mãos de gigantes que ninguém elegeu e sobre os quais há cada vez menos controle”.
A terceira grande transformação está ligada às novas relações entre a natureza, ser humano e conhecimento; ao advento do que passamos a chamar de Antropoceno. Ladislau insere-se claramente entre os autores que o veem como resultado do predomínio das lógicas mercantis. O livro resgata, à página 24 um gráfico desconcertante e pouco conhecido, em que está representada a evolução de fenômenos normalmente não relacionados: aumento da população humana, PIB, concentração de CO² na atmosfera, número de automóveis, consumo de papel, extinção de espécies, destruição das florestas e outros.
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As curvas são coincidentes: tudo dispara a partir de 1950, num claro sinal de que entramos em outra fase. O autor analisa: “todos querem consumir mais, cada corporação busca extrair e vender mais, e tecnologias cada vez mais potentes permitem ampliar o processo (…) Para a maioria dos economistas, o crescimento é tão necessário quanto o ar que respiramos”. Duas consequências dramáticas, já visíveis, são o declínio abrupto da vida marinha e os sinais de uma sexta extinção em massa das espécies: “em apenas quarenta anos, de 1970 a 2010, destruímos 52% da fauna do planeta”.
A devastação da natureza é facilitada pelo “avanço” tecnológico, mas em mais de um trecho o livro demonstra: esta mesma técnica ameaça, perigosamente, criar uma sociedade cada vez mais desigual e alienada. A concentração de riquezas é possível, em escala nunca vista, porque um pequeno número de corporações controla e processa informações sobre os mercados e inclusive sobre nossas vidas. O sinal mais evidente de que as questões social e ambiental se entrelaçam está expresso numa formulação ao mesmo tempo feliz e terrível: “estamos destruindo o planeta (…) de forma muito particular para o proveito do 1%”.
Em muitos de seus textos recentes, Immanuel Wallerstein tem sustentado que o capitalismo, tal como o conhecíamos, vive em crise terminal; mas que não é possível saber, o que o substituirá – e não se deve afastar a hipótese de que seja um sistema ainda mais desigual, mais hierárquico, mais alienante e menos democrático. Em seu novo livro, Ladislau Dowbor parece sugerir que este cenário de pesadelo está sendo montado agora, diante de nossos olhos.
* * *
O próprio livro fornece, porém, elementos para enxergar como tal construção é instável; como resta, portanto, espaço para a resistência e a busca de alternativas. O livro trata, em especial, de duas vulnerabilidades. A primeira é o declínio do próprio crescimento econômico – objetivo essencial da lógica mercantil –, acompanhado de riscos novos de terremotos financeiros avassaladores.
A concentração de riquezas, explica o autor, acaba convertendo-se num obstáculo à reprodução do ciclo do capital. Sob o regime de dominância financeira, cresce o rentismo – a capacidade de apropriar-se da riqueza social sem nada produzir. O Brasil (a que Ladislau dedica dois capítulos) é um exemplo extremado. O sistema financeiro estende seus tentáculos tanto sobre o orçamento público (de onde são desviados R$ 400 bilhões, ou cerca de treze programas Bolsa-Família ao ano) quanto sobre as famílias e empresas (reduzindo a capacidade de consumo e as margens de lucro). Em meio ao terceiro ano seguido de recessão, os lucros dos bancos não cessam de crescer.
Mas o resultado desta punção é, em todo o mundo, a economia estagnada. Desde os abalos de 2008, não houve recuperação efetiva. O autor explica, dando tintas atuais às ideias de Marx sobre as crises de superprodução: os mais ricos entesouram seu dinheiro; são as maiorias que gastam quase tudo o que recebem – mas se elas são atingidas pela desocupação e pela queda dos salários, quem manterá a economia girando? Que empresários ousarão investir, se os consumidores finais estão quebrados?
A segunda debilidade crucial é a ineficiência das empresas. Para desenvolver o tema, Ladislau recorre a seus estudos e experiência como gestor e planejador – algo raro entre a esquerda. A intensa concentração empresarial, explica, criou conglomerados enormes e disformes, movidos cada vez mais pela lógica única da rentabilidade financeira, incapazes de atender às demandas sociais e mesmo de evitar fraudes e tragédias. O exemplo emblemático é o do desastre de Mariana: “entre o engenheiro da Samarco que sugere o reforço na barragem e a exigência da rentabilidade da Vale, Billiton e Bradesco, a relação de forças é radicalmente desigual”. O resultado é o soterramento do distrito de Bento Rodrigues.
Os exemplos de ações fraudulentas entre as grandes corporações, aliás, multiplicam-se. O sistema financeiro é líder, mas a Justiça garante blindagem: “Praticamente todos os grandes grupos [internacionais] estão com dezenas de condenações, mas em praticamente nenhum caso houve sequelas judiciais como condenação pessoal dos responsáveis (…) Basta a empresa fazer, enquanto pratica a ilegalidade, uma provisão financeira para enfrentar os prováveis custos do acordo judicial”. A velha mídia cumprirá seu papel, ocultando sempre que possível os crimes e construindo, contra todas as evidências, a imagem de corporações responsáveis e de famílias saltitantes, felizes com seu banco. Mas as enxurradas de publicidade não apagam os fatos: tem futuro um sistema que não é capaz sequer de cumprir sua promessa de crescimento e eficiência?
* * *
Por outro lado, é possível enfrentar este capitalismo metamorfoseado com as ideias e personagens dos séculos passados? Ladislau Dowbor tem pistas também para esta questão. Em certo trechoele recomenda “aos sindicatos e movimentos sociais” examinar melhor as novas formas de extração de mais-valia. Explica: “A forma tradicional – o patrão que produz mas paga mal, ensejando lutas por melhores salários – foi brutalmente agravada por um sistema mais amplo de extração do excedente produzido pela sociedade”. Nos novos tempos, “todos somos explorados, em cada compra ou transação, seja através dos crediários, dos cartões, tarifas e juros abusivos, seja na estrutura injusta da tributação”. Há aqui uma fraqueza por excesso: “O rentismo é hoje, sistematicamente mais explorador, e pior, um entrave aos processos produtivos e às políticas públicas. (…) Sua grande vulnerabilidade está no fato de ser improdutivo, de constituir dominantemente uma dinâmica de extração sem contrapartida à sociedade”.
“Quem serão os atores sociais” aptos a enfrentar este poder? Pergunta Ladislau em outro ponto, que talvez merecesse ser mais destacado no livro. Ele mesmo responde: “Os partidos, os governos – mesmo democraticamente eleitos – e até os sindicatos estão fragilizados e sem credibilidade. O que era uma classe trabalhadora relativamente homogênea e com capacidade de articulação (…) é hoje extremamente diversificada pela multiplicidade e complexidade de inserção nos processos produtivos”. A esperança estaria numa espécie de novo proletariado, já entrevisto por autores como David Harvey e Toni Negri: “Os prejudicados do sistema são a imensa maioria, e não faz sentido o 1% pesar mais que o 99%”.
Como inverter a balança – ou seja, como abordar a luta pela emancipação social na Era do Capital Improdutivo? Aqui, Ladislau destoa tanto do pensamento econômico tradicional quanto de grande parte dos economistas de esquerda, tão autolimitados pelo mito segundo o qual “não há orçamento” para atender às demandas sociais. É preciso, mostra o livro, opor, às lógicas contábeis da “austeridade” e dos “ajustes fiscais”, outras realidades.
“Se há uma coisa que não falta no mundo são recursos”, lembra Ladislau – e aqui ele parece atualizar a ideia de Marx sobre a contradição entre a técnica (as “forças produtivas”) que avança, e o sistema social (as “relações de produção”) que se vê obrigado a limitá-la – porque podem ser uma ameaça aos privilégios. O livro ressalta: “O imenso avanço da produtividade planetária resulta essencialmente da revolução tecnológica que vivemos. Mas não são os produtores destas transformações que aproveitam. Pelo contrário, ambas as esferas, pública e empresarial, encontram-se endividadas nas mãos de gigantes do sistema financeiro, que rende fortunas a quem nunca produziu e consegue nos desviar radicalmente do desenvolvimento sustentável, hoje vital para o mundo”.
O autor resgata dados desconcertantes – mas sempre ocultados, porque incômodos. “Se arredondarmos o PIB mundial para 80 trilhões de dólares, chegamos a um produto per capita médio de 11 mil dólares. Isto representa 3.600 dólares por família de quatro pessoas, cerca de 11 mil reais por mês. É o caso também no Brasil, que está exatamente na média mundial em termos de renda. Não há razão objetiva para a gigantesca miséria em que vivem bilhões de pessoas, a não ser justamente o fato de que o sistema está desgovernado, ou melhor, mal governado e não há perspectivas no horizonte”.
Mas como ir além do sistema? Ladislau frisa, desde o início, que sua experiência o ensinou a passar ao largo das ideologias – os “ismos”, como ele as chama. Quer saídas práticas. Porém, a radicalidade do que propõe, sempre com base em um imenso volume de dados articulados, convida a especular: tais respostas não cabem no sistema a que estamos submetidos. Por isso, talvez não haja heresia em dizer que o autor pratica um “pós-capitalismo discreto”. É como se dissesse, à moda de Leminsky: não se afobem: “distraídos, venceremos”.
O livro termina com o “Esboço de uma Agenda”, um brevíssimo ensaio construído em coautoria com Ignacy Sachs – um dos propositores do conceito de “ecossociodesenvolvimento – e Carlos Lopes – pesquisador africano, ex-subsecretário-geral da ONU.
Proposto em 2010, o rascunho chama a atenção por sua atualidade. Nele, propostas estruturais – como a instituição Renda Básica da Cidadania, a redução da jornada de trabalho, a reorganização do sistema financeiro, a reorientação dos sistemas tributários e a livre circulação do conhecimento (em oposição à “propriedade intelectual” e aos sistemas de “copyright”) – figuram lado a lado com mudanças de atitude decisivas (como a “moderação do consumo” e a “generalização da reciclagem).
É pouco, certamente – e é ótimo que seja assim. Reconstruir um projeto de emancipação social será obra de multidões e exigirá décadas de imaginação, sondagens, tentativas, erros, novas reflexões e criações. O que o livro de Ladislau Dowbor reitera é que o esforço começou; que já somos capazes de nos perceber submetidos à Era do Capital Improdutivo – mas também de buscar as saídas; que, em oposição ao futuro distópico que hoje nos ameaça, podemos tatear o pós-capitalista.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

O nazismo era um movimento de esquerda ou de direita?

Camilla Costa Da BBC Brasil em São Paulo

Himmler e Hitler inspecionam soldados da SS
Em meio a crise econômica e política na Alemanha, nazismo trazia ideia de "revolução social". mas só para os "arianos"


"Cara, cai na real! Ser de esquerda é ser a favor de milhares de mortes causadas pelo comunismo e nazismo no mundo. Reflita!", diz uma mensagem de janeiro no Twitter. "O socialismo/comunismo é uma ideologia de esquerda irmã do nazismo", diz outra do final de abril. Outro participante da rede social pergunta: "Quantas pessoas será que estão em grupos de libertários no Facebook discutindo se nazismo é esquerda ou direita neste exato momento?".
A discussão sobre se o movimento nazista alemão - cujo governo matou milhões de pessoas e levou à Segunda Guerra Mundial - teria as mesmas origens do marxismo ferve nas redes sociais há alguns meses, com a crescente polarização do debate político no Brasil.
Mas historiadores entrevistados pela BBC Brasil esclarecem o que dizem ser uma "confusão de conceitos" que alimenta a discussão - e explicam que o movimento se apresentava como uma "terceira via".
"Tanto o nazismo alemão quanto o fascismo italiano surgem após a Primeira Guerra Mundial, contra o socialismo marxista - que tinha sido vitorioso na Rússia na revolução de outubro de 1917 -, mas também contra o capitalismo liberal que existia na época. É por isso que existe essa confusão", afirma Denise Rollemberg, professora de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF).
"Não era que o nazismo fosse à esquerda, mas tinha um ponto de vista crítico em relação ao capitalismo que era comum à crítica que o socialismo marxista fazia também. O que o nazismo falava é que eles queriam fazer um tipo de socialismo, mas que fosse nacionalista, para a Alemanha. Sem a perspectiva de unir revoluções no mundo inteiro, que o marxismo tinha."
O projeto do movimento nazista, segundo Rollemberg, previa uma "revolução social para os alemães", diferentemente do projeto dos partidos de direita da época, "que vinham de uma cultura política do século 19, de exclusão completa e falta de diálogo com as massas".
Mesmo assim, ela diz, seria complicado classificá-lo no espectro político atual. "Eles rejeitavam o que era a direita tradicional da época e também a esquerda que estava se estabelecendo. Eles procuravam se mostrar como um terceiro caminho", afirma.

Nacionalismo

A ideia de uma "revolução social para a Alemanha" deu origem ao Partido Nacional-Socialista alemão, em 1919. O "socialista" no nome é um dos principais argumentos usados nos debates de internet que falam no nazismo como um movimento de esquerda, mas historiadores discordam.
"Me parece que isso é uma grande ignorância da História e de como as coisas aconteceram", disse à BBC Brasil Izidoro Blikstein, professor de Linguística e Semiótica da USP e especialista em análise do discurso nazista e totalitário.
"O que é fundamental aí é o termo 'nacional', não o termo 'socialista'. Essa é a linha de força fundamental do nazismo - a defesa daquilo que é nacional e 'próprio dos alemães'. Aí entra a chamada teoria do arianismo", explica.
De acordo com Blikstein, os teóricos do nazismo procuraram uma fundamentação teórica e filosófica para defender a ideia de que eles eram descendentes diretos dos "árias", que seriam uma espécie de tribo europeia original.
"Estudiosos na Europa tinham o 'sonho da raça pura' nessa época. Quanto mais próximos da tribo ariana, mais pura seria a raça. E esses teóricos acreditavam que o grupo germânico era o mais próximo. Daí surgiu a tese de que, para serem felizes, tinham que defender a raça ariana, para ficar longe de subversões e decadência. (Alegavam que) a raça pura poderia salvar a humanidade."
A ideia de uma defesa do povo germânico ganhou popularidade em um momento de perda de territórios, profunda recessão e forte inflação após a Primeira Guerra Mundial - e tornou-se o centro do movimento nazista.
"Era preciso recuperar a moral do pobre coitado, que não tinha dinheiro e era 'massacrado pelos capitalistas'", explica Blikstein. Nesse contexto, afirma, o nazismo vendia a ideia de "reeguer o orgulho da nação ariana. O pressuposto disso seria eliminar os não arianos. E essa teoria foi aplicada até as últimas consequências".
Soldado da SS inspeciona judeus no gueto de Varsóvia, na Polônia, em 1943Direito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSegundo especialistas, judeus eram perseguidos por simbolizarem dois "inimigos" do nazismo: o capitalismo liberal e o socialismo marxista

'Marxistas e capitalistas'

Mesmo propagando a ideia de que o nazismo planejava uma revolução social na Alemanha - o que incluía, por exemplo, maior intervenção do Estado na economia -, o partido fazia questão de deixar clara sua oposição ao marxismo.
"Os comícios hitleristas eram profundamente antimarxistas", disse à BBC Brasil a antropóloga Adriana Dias, da Unicamp, que é estudiosa de movimentos neonazistas.
"O nazismo e o fascismo diziam que não existia a luta de classes - como defendia o socialismo - e, sim, uma luta a favor dos limites linguísticos e raciais. As escolas nacional-socialistas que se espalharam pela Alemanha ensinavam aos jovens que os judeus eram os criadores do marxismo e que, além de antimarxistas, deveriam ser antissemitas."
Os judeus, aliás, tornaram-se o ponto focal da perseguição nazista porque representavam tanto o socialismo como o capitalismo liberal, mesmo que isso possa parecer antagônico nos dias de hoje.
"Havia uma simbologia do judeu como representante, por um lado, do socialismo revolucionário - porque Marx vinha de uma família judia convertida ao protestantismo, assim como muitos bolcheviques", diz a historiadora Denise Rollemberg.
"Por outro lado, os judeus eram associados ao capitalismo financeiro porque os judeus assimilados (que assumiram as culturas de outros países, para além da nação religiosa) que viviam na Europa tinham uma tradição de empréstimos de dinheiro e de negócios."

'Precisão científica'

A "precisão científica" do extermínio de judeus na Alemanha nazista também dificulta as comparações com a perseguição política no regime socialista soviético, na opinião de Izidoro Blikstein.
"Há muitos genocídios pelo mundo, mas nenhum igual ao nazismo, porque este era plenamente apoiado por falsa teoria científica e linguística e levada até as últimas consequências. A União Soviética também tinha campos de trabalhos forçados, mas não existia uma doutrina para justificar isso", afirma.
"Mas há traços comuns entre o nazismo o regime (soviético) de Stálin. A propaganda, por exemplo, e o fato de que ambos eram regimes totalitários, que controlavam e legislavam sobre a vida pública e também privada do cidadão", admite.
Além dos judeus, o regime nazista também perseguiu democratas liberais, socialistas, ciganos, testemunhas de Jeová e homossexuais - algo que, hoje, contribui para que o nazismo seja classificado como extrema-direita, e o aproxima de grupos que pregam contra a comunidade LGBT, contra imigrantes e contra muçulmanos, por exemplo.
"Todo esse projeto de repressão, censura, campos de concentração e extermínio nazista era direcionado a quem estava fora do que eles chamavam de 'comunidade popular', o povo alemão. Mas alemães que eram democratas liberais e socialistas também eram excluídos por serem contrários ao projeto nazista e colocarem em risco essa comunidade popular", explica Denise Rollemberg.
No entanto, para Blikstein, a ideia de raça é tão central ao nazismo que, assim como não se pode usar o projeto de revolução social para classificá-lo como "esquerda", também é difícil defini-lo como a "direita" que conhecemos hoje.
"Dizer apenas que Hitler era um político de direita é apequenar o nazismo. Foi mais do que direita ou esquerda. Foi uma doutrina arquitetada para defender uma raça, embora esse conceito seja discutível e pouco científico", diz.

'Crise de referências'

Uma recapitulação do projeto e do regime nazista, de acordo com os especialistas no assunto, aumenta a confusão: deveria haver igualdade social e distribuição de renda, mas imigrantes, judeus, opositores políticos e até filhos "não talentosos" de alemães seriam excluídos dela por serem "menos puros"; o Estado prometia interferir mais na economia para benefício dos cidadãos, mas empresas privadas tiveram os maiores lucros com a máquina de extermínio e de guerra nazista; o movimento dizia defender os trabalhadores, mas sindicatos trabalhistas foram extintos, assim como o direito de greve; o socialismo marxista era considerado ruim, mas o liberalismo também.
Como seria possível defender todas estas ideias ao mesmo tempo?
"Quando o partido foi constituído, ele tinha uma vertente mais à esquerda e uma mais à direita. No início, tinha um discurso bastante antiburguês. Mas ao assumir o poder na Alemanha, o grupo à direita foi fazendo mais alianças com a burguesia e expulsando o grupo à esquerda", diz a historiadora da UFF.
"Além disso, o nazismo nasce no meio de uma crise de referências muito grande após a Primeira Guerra. Muitos passaram de um lado para outro. Os valores muitas vezes vão se embaralhar, e esses conceitos de direita e esquerda atuais não resolvem bem o problema."
Entre historiadores, a tentativa de traçar paralelos entre o nazismo e o fascismo europeus e o regime stalinista na União Soviética também não é nova, segundo Rollemberg.
"Todos eles eram regimes totalitários, mas o totalitarismo pode estar de qualquer lado. Hoje entendemos que há o totalitarismo de direita, como o nazismo e o fascismo, e o de esquerda, como o da União Soviética."


terça-feira, 18 de julho de 2017

Por que Moro condenou Lula

no GGN

Por José Gilbert Arruda Martins

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Foto: Pedro Olveira/Alep



Por que Moro condenou Lula
 
Por José Gilbert Arruda Martins
 
“Sejamos o pesadelo dos que querem roubar nossos sonhos”. É uma tremenda responsabilidade abrir este ou qualquer outro texto usando palavras do guerrilheiro argentino Che Guevara, mas o momento político brasileiro exige a ousadia. 
 
Como podemos ser o pesadelo dos caras que estão roubando sonhos de milhões de trabalhadores e trabalhadoras do país com apenas marchas, passeatas, acampamentos, discursos e reuniões?
 
Comícios, marchas, panfletagens, caminhadas, passeatas etc., parecem não surtir o menor efeito sobre a voracidade dos rentistas daqui e de fora. Do impedimento até hoje, mesmo com todas as ilegalidades cometidas pelos golpistas, nada, absolutamente nada, do que a classe trabalhadora e os movimentos sociais fizeram nas ruas e praças desse país, parece impedir o desmonte total de todo o ensaio de Estado do Bem-estar Social que existia desde 1943.
 
E, para dar continuidade ao golpe, as elites e a grande mídia, com a colaboração do judiciário na figura STF e do senhor Moro, condenaram Luís Inácio Lula da Silva em uma ação cheias de erros e absurdamente partidária. Incluo o STF porque a suprema corte se mostra incapaz de frear as ações partidárias do juiz do Paraná. 
 
Nesse contexto, precisamos pensar que o juiz de Curitiba, que se transformou em herói de parte da classe média e dos ricos do Brasil, condenou o ex-presidente Lula por várias razões.
 
Moro fez o que fez porque não temos mais coragem de lutar por nossos sonhos, somos um bando de assustados líderes sindicais e militantes teleguiados pelo consumo e pela grande mídia defensora das classes ricas. Temos medo do confronto. Somos incapazes de ir além da marcha e dos discursos fáceis.
 
Essa condenação absurda, sem nenhuma base jurídica séria, não existiria se tivéssemos a companhia de um Zumbi dos Palmares, o alagoano que foi o principal representante da resistência negra à escravidão na época do Brasil Colonial. Foi líder do Quilombo dos Palmares, comunidade livre formada por escravos fugitivos dos engenhos, índios e brancos pobres expulsos das fazendas.
 
Moro não teria a petulância de condenar Lula se tivéssemos entre nós uma Bárbara Alencar, matriarca, centro da organização da rebelião da família, conspiradora, escritora e avó do escritor José de Alencar, nascida em Exu, interior de Pernambuco, em 1760. 
 
Uma das mulheres de quem se tem notícias a envolver-se na revolução de 1817, Bárbara participou de várias revoltas, organizou-as e fez de sua casa um lugar de encontros.
 
A “republiqueta” de Curitiba não colocaria a cabeça de fora se tivéssemos uma Maria Quitéria de Jesus que lutou nos batalhões nacionalistas nas guerras de independência e não deve ser vista como mais uma exceção em meio a mulheres inativas e silenciosas. Conta-se que comandou um batalhão de mulheres. Nascida no dia 27 de julho de 1792 na Bahia, ainda criança assumiu o comando da casa e a criação dos dois irmãos mais novos. Mulher bonita, altiva e de traços marcantes, Maria Quitéria montava, caçava e manejava armas de fogo. Tornou-se soldado em 1822, quando o Recôncavo Baiano lutava contra os portugueses a favor da consolidação da independência do Brasil.
 
Lula está sendo perseguido há mais de uma década porque não temos mais as lideranças negras muçulmanas da revolta dos Malês da Bahia de 1835: Ahuna, Pacífico Licutã, Nicobé, Dassalu e Gustard.
 
Falta num momento como este, a figura de Anita Garibaldi, catarinense, que se unindo a Giuseppe Garibaldi, participa das lutas republicanas durante a Guerra dos Farrapos, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, e posteriormente luta pela unificação da Itália, na Europa.
 
Moro condenou Lula por que não temos mais um Antônio Conselheiro, o líder sertanejo nordestino, que no século XIX lia a “Utopia” de Thomaz Morus e guiou, juntamente com seus companheiros e companheiras, a criação de uma sociedade igualitária em plena caatinga.
 
O juiz de primeira instância condenou Lula por que não temos mais um lampião e uma Maria Bonita, se tivéssemos, esse rapaz já estaria fora da magistratura brasileira pagando por seus erros.
 
Lula está sendo condenado por que não temos mais um João Cândido (o almirante negro) o líder popular que nos faz muita falta em tempos de medo e manifestações via redes sociais.
 
Falta a atuação da feminista anarquista Maria Lacerda de Moura que revela “a outra face do feminismo”. Ela questionou temas enfocados pelas mulheres da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF): a maternidade consciente, o amor livre e o direito da mulher ao amor.
 
O juiz de Curitiba, definitivamente, não teria a ousadia de condenar o maior líder popular da América Latina, se tivéssemos no cenário político brasileiro atual a presença de Francisco Julião Arruda de Paula, advogado, político e escritor brasileiro. Que nasceu no Engenho Boa Esperança, no agreste pernambucano. Advogado formado em 1939, em Recife, foi líder em 1955 das Ligas Camponesas, no Engenho Galileia.
 
Moro condenou Lula por que falta-nos em fim um Paulo Freire para nos dizer: “Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade referida.”
 
O poder e o glamour das elites sempre nos deslumbraram. E esse deslumbramento nos cegou, provocando uma espécie de indiferença, apatia moral, indolência, prostração, preguiça. De uma certa forma hospedamos e amamos o opressor, por isso mesmo, sentimos admiração e, muitas vezes, medo de quem historicamente nos oprimiu.
 
O pensamento das elites é muito influenciado por noções como propriedade dos meios de produzir riquezas - aqui se inclui a exploração da força de trabalho de milhões de pessoas -, pelo sucesso pessoal na conquista de riquezas por quaisquer meios, desprezo absoluto pelas camadas menos favorecidas, ideologia do mandonismo e da repressão violenta. Mesmo tendo certo conhecimento dessas características das classes ricas, lideranças sindicais de esquerda e de direita, com raras exceções, e o povão, acreditam que os problemas vividos pela sociedade é do Estado e não dos rentistas.
 
O pensador estadunidense Noam Chomsky disse certa vez que “A população geral não sabe o que está acontecendo, e eles nem sequer sabem que não sabem” Será que é isso mesmo? Com tão farta e rápida informação que circula em todo lugar, as pessoas do povo, a classe trabalhadora e suas lideranças, não sabem o que se passa com Lula e o país? Não acredito.
 
Nós da esquerda, com raras exceções, que assumimos cargos nos governos petistas dos últimos treze anos, viramos as costas para o povo. E o povo também nos virou as costas. As igrejas pentecostais e neopentecostais ocuparam esses espaços abandonados por nossa volúpia em viver a vida de pequeno-burguês e “fizeram a festa” aliciando o povo para um projeto direitista que sempre combatemos
 
Por fim, Lula perdeu a esposa – Dona Marisa -, convive dia após dia com a insegurança jurídica própria da republiqueta Brasil, porque, entre outras coisas, falta organização e vontade real de enfrentamento e combatividade às nossas lideranças sindicais e à classe trabalhadora como um todo.
 
Segundo Instituto Brasileiro de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), o Brasil possui, atualmente, 16.491 organizações de representação dos interesses econômicos e profissionais, sendo 5.251 de empregadores e 11.240 de empregados. Os sindicatos de trabalhadores são 10.817. Esses dados são reconhecidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e estão disponíveis no texto escrito por André Gambier Campos: Sindicatos no Brasil: o que esperar no futuro próximo? No estudo, além de discutir a vastidão dessas organizações, o autor faz um comparação internacional e aponta as fragilidades das instituições.
 
Onde estão esses sindicatos e suas lideranças num momento como este? Será que, de tão gordos, serão capazes de sair do “bem bom” de suas salas refrigeradas para lutar contra o desmonte do Estado Previdência e a favor do cara que, com erros e acertos, foi, de longe o melhor presidente para os trabalhadores e o povo das últimas décadas? Desconfio que não.
 
Precisamos entender que o real se alimenta desta perpétua vontade exibida pelos defensores da regra do jogo liberal e capitalista de diluir o conflito, de o aniquilar desde o início ou mesmo de o tornar impensável, prevenindo-o o quanto antes. A negação da luta, seja ela das classes ou generalizada, continua sendo o credo reivindicado por aqueles que a tornam possível e a entretêm. Mascarada, sufocada, escondida, dissimulada, negada, ela se transforma em avenida para a circulação dos interesses daqueles que lutam contra a luta (MICHEL, 2001, p. 240).
 
Somos um bando de frouxos, falta-nos a coragem e o espírito guerreiro para suportar desgraças, para superar grandes desafios, enfiamos nossas bundas no assento das nossas vidinhas pequeno-burguesas e, esquecemos o povo. Se depender de nós, Lula irá sangrar até morrer. Pois não temos a coragem de irmos além das manifestações vazias, que falam pra nós mesmos, não iremos além das marchas e passeatas que não levam absolutamente a nada de concreto. As elites estão se linchando para esses modelos de manifestação.
 
Você, que leu até aqui, pode estar pensando: “Nossa reação precisa ser dentro do respeito à lei e à democracia”.
 
Pergunto: Que democracia?
 
Referências: MARTINEZ, Paulo. A teoria das elites. São Paulo: Scipione, 1997. ONFRAY, Michel.
 
A política do rebelde: tratado de resistência e insubmissão. Tradução de Mauro Pinheiro. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
 
Pesquisa do Ipea traça um panorama dos sindicatos. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=29256
 
 
José Gilbert Arruda Martins é Mestre em Ciência Política

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Cuidado com o que é 'muito': 4 excessos da educação moderna

no Catraca Livre

O pesquisador argentino Jorge Larrosa, no artigo "Notas sobre a experiência e o saber de experiência", diz que, apesar de vivermos em mundo onde muitas coisas acontecem o tempo todo, estamos cada vez mais pobres de experiências reais. "A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. (...) Tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça".

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"A melhor maneira de proteger o equilíbrio mental e emocional é educar as crianças na simplicidade", defende a psicóloga Jennifer Delgado Suárez.
Com as crianças, não seria diferente. Como o hiperestímulo e o excesso de informações, de ruídos, de atividades e de cobranças afetam a vivência de uma infância livre e conectada com sua essência?
A psicóloga espanhola Jennifer Delgado Suárez, no texto "Los quatro excesos de la educación moderna que transtornam a los niños', publicado no Rincón de la Psicología, investiga quatro aspectos da educação moderna que impactam a verdadeira experiência de ser criança e contribuem para a carência de que falou Larrosa.
Na escola, em casa, nos centros de ensino e cuidado, o que estamos fazendo de errado? Para Jennifer, a palavra-alerta é "muito", devemos prestar atenção em tudo o que for excesso, que ela divide em quatro pilares principais:
  • 1 – Excesso de coisas;
  • 2 – Excesso de opções;
  • 3 – Excesso de informações
  • 4 – Excesso de rapidez.
  • Tais excessos estão diretamente relacionados a alguns vícios adultos que transmitimos para a criança mesmo sem perceber, como o consumismo, o tempo convertido em sinônimo de dinheiro e produtividade, a busca incessante por ocupar o ócio e utilizar todo o tempo livre da criança com demandas de desempenho.
    "Enchemos seus quartos com livros, dispositivos e brinquedos. Na verdade, estima-se que as crianças ocidentais possuem, em média, 150 brinquedos. É demais, e quando é excessivo, as crianças ficam sobrecarregadas. Como resultado, elas brincam superficialmente, facilmente perdendo o interesse imediatista nos brinquedos e no ambiente, elas não são estimuladas a desenvolver a imaginação", diz a psicóloga.
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    "Quando as crianças estão sobrecarregadas, elas não têm tempo para explorar, refletir e liberar tensões diárias. Muitas opções acabam corroendo sua liberdade e roubam a chance de se cansar, o que é elemento essencial no estímulo à criatividade e ao aprendizado pela descoberta", defende a psicóloga.
    Nesse sentido, ela defende o valor do tempo livre para o desenvolvimento da criança.
    "A melhor maneira de proteger a infância das crianças é dizer “não” para as diretrizes que a sociedade pretende impor. É preciso deixar que as crianças sejam crianças, apenas isso. A melhor maneira de proteger o equilíbrio mental e emocional é educar as crianças na simplicidade. Para isso, é necessário: Não encher elas de atividades extracurriculares, que, em longo prazo, não vão ajudá-las em nada. – Deixe-lhes tempo livre para brincar, de preferência com outras crianças, ou com jogos que estimulem a criatividade, jogos não estruturados."
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    "A melhor maneira de proteger o equilíbrio mental e emocional é educar as crianças na simplicidade", defende a psicóloga Jennifer Delgado Suárez.
    Suárez ressalta também a importância de não antecipar as cobranças por desempenho, uma vez que os pequenos terão a vida toda para demonstrar que são eficientes, habilidosos e capazes. Muitas vezes, segundo ela, as crianças só precisam de espaço para serem crianças.
    "Deixe que elas sejam simplesmente crianças. Lembre-se que as crianças têm uma vida inteira pela frente até se tornarem adultos. Então, permita que elas vivam plenamente a infância", defende.
    Clique aqui para ler o artigo na íntegra, publicado originalmente em espanhol pela revista digital Rincón de La Psicología e traduzido pela Revista Pazes.