domingo, 14 de junho de 2015

RESOLUÇÃO N o 113, DE 19 DE ABRIL DE 2006 - CONANDA

Dispõe sobre os parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente
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CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

RESOLUÇÃO N o 113, DE 19 DE ABRIL DE 2006

Dispõe sobre os parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente:

O O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE -CONANDA , no uso das atribuições legais estabelecidas na Lei n.º 8.242, de 12 de outubro de 1991 e no Decreto n° 5.089 de 20 de maio de 2004, em cumprimento ao que estabelecem o art. 227 caput e § 7º da Constituição Federal e os artigos 88, incisos II e III, 90, parágrafo único, 91, 139, 260, §2º e 261, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei Federal nº 8.069/90, e a deliberação do Conanda, na Assembléia Ordinária n.º 137, realizada nos dias 08 e 09 de março de 2006, resolve aprovar os seguintes parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garanta dos Direitos da Criança e do Adolescente:

CAPÍTULO I - DA CONFIGURAÇÃO DO SISTEMA DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Art. 1º O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal.
§ 1º Esse Sistema articular-se-á com todos os sistemas nacionais de operacionalização de políticas públicas, especialmente nas áreas da saúde, educação, assistência social, trabalho, segurança pública, planejamento, orçamentária, relações exteriores e promoção da igualdade e valorização da diversidade.

§ 2º Igualmente, articular-se-á, na forma das normas nacionais e internacionais, com os sistemas congêneres de promoção, defesa e controle da efetivação dos direitos humanos, de nível interamericano e internacional, buscando assistência técnico-financeira e respaldo político, junto às agências e organismos que desenvolvem seus programas no país.

Art. 2º Compete ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente promover, defender e controlar a efetivação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, coletivos e difusos, em sua integralidade, em favor de todas as crianças e adolescentes, de modo que sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento; colocando-os a salvo de ameaças e violações a quaisquer de seus direitos, além de garantir a apuração e reparação dessas ameaças e violações.
§ 1º O Sistema procurará enfrentar os atuais níveis de desigualdades e iniqüidades, que se manifestam nas discriminações, explorações e violências, baseadas em razões de classe social, gênero, raça/etnia, orientação sexual, deficiência e localidade geográfica, que dificultam significativamente a realização plena dos direitos humanos de crianças e adolescentes, consagrados nos instrumentos normativos nacionais e internacionais, próprios.

§ 2º Este Sistema fomentará a integração do princípio do interesse superior da criança e do adolescente nos processos de elaboração e execução de atos legislativos, políticas, programas e ações públicas, bem como nas decisões judiciais e administrativas que afetem crianças e adolescentes.
§ 3º Este Sistema promoverá estudos e pesquisas, processos de formação de recursos humanos dirigidos aos operadores dele próprio, assim como a mobilização do público em geral sobre a efetivação do princípio da prevalência do melhor interesse da criança e do adolescente.

§ 4º O Sistema procurará assegurar que as opiniões das crianças e dos adolescentes sejam levadas em devida consideração, em todos os processos que lhes digam respeito.

Art. 3º A garantia dos direitos de crianças e adolescentes se fará através das seguintes linhas estratégicas:

I efetivação dos instrumentos normativos próprios, especialmente da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos da Criança e do Estatuto da Criança e do Adolescente;

II implementação e fortalecimento das instâncias públicas responsáveis por esse fim; e

IIIfacilitação do acesso aos mecanismos de garantia de direitos, definidos em lei.

CAPÍTULO II - DOS INSTRUMENTOS NORMATIVOS DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Art. 4º Consideram-se instrumentos normativos de promoção, defesa e controle da efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, para os efeitos desta Resolução:

I Constituição Federal, com destaque para os artigos, 5º, 6º, 7º, 24 - XV, 226, 204, 227 e 228;

II Tratados internacionais e interamericanos, referentes à promoção e proteção de direitos humanos, ratificados pelo Brasil, enquanto normas constitucionais, nos termos da Emenda nº 45 da Constituição Federal, com especial atenção para a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente;

III Normas internacionais não-convencionais, aprovadas como Resoluções da Assembléia Geral das Nações Unidas, a respeito da matéria;

IV Lei Federal nº 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente), de 13 de julho de 1990;

V Leis federais, estaduais e municipais de proteção da infância e da adolescência;

VI Leis orgânicas referentes a determinadas políticas sociais, especialmente as da assistência social, da educação e da saúde;

VII Decretos que regulamentem as leis indicadas;

VIII Instruções normativas dos Tribunais de Contas e de outros órgãos de controle e fiscalização (Receita Federal, por exemplo);

IX Resoluções e outros atos normativos dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente, nos três níveis de governo, que estabeleçam principalmente parâmetros, como normas operacionais básicas, para regular o funcionamento do Sistema e para especificamente formular a política de promoção dos direitos humanos da criança e do adolescente, controlando as ações públicas decorrentes; e

X Resoluções e outros atos normativos dos conselhos setoriais nos três níveis de governo, que estabeleçam principalmente parâmetros, como normas operacionais básicas, para regular o funcionamento dos seus respectivos sistemas.

CAPÍTULO III -DAS INSTÂNCIAS PÚBLICAS DE GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Art. 5º Os órgãos públicos e as organizações da sociedade civil, que integram esse Sistema, deverão exercer suas funções, em rede, a partir de três eixos estratégicos de ação:

I defesa dos direitos humanos;

II promoção dos direitos humanos; e
III controle da efetivação dos direitos humanos.
Parágrafo único. Os órgãos públicos e as organizações da sociedade civil que integram o Sistema podem exercer funções em mais de um eixo.

CAPÍTULO IV - DA DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS

Art. 6º O eixo da defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes caracteriza-se pela garantia do acesso à justiça, ou seja, pelo recurso às instâncias públicas e mecanismos jurídicos de proteção legal dos direitos humanos, gerais e especiais, da infância e da adolescência, para assegurar a impositividade deles e sua exigibilidade, em concreto.

Art. 7º Neste eixo, situa-se a atuação dos seguintes órgãos públicos:

I judiciais, especialmente as varas da infância e da juventude e suas equipes multiprofissionais, as varas criminais especializadas, os tribunais do júri, as comissões judiciais de adoção, os tribunais de justiça, as corregedorias gerais de Justiça;

II público-ministeriais, especialmente as promotorias de justiça, os centros de apoio operacional, as procuradorias de justiça, as procuradorias gerais de justiça, as corregedorias gerais do Ministério Publico;

III defensorias públicas, serviços de assessoramento jurídico e assistência judiciária;

IV advocacia geral da união e as procuradorias gerais dos estados

V polícia civil judiciária, inclusive a polícia técnica;

VI polícia militar;

VII conselhos tutelares; e

VIII ouvidorias.

Parágrafo Único. Igualmente, situa-se neste eixo, a atuação das entidades sociais de defesa de direitos humanos, incumbidas de prestar proteção jurídico-social, nos termos do artigo 87, V do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Art. 8º Para os fins previstos no art. 7º, é assegurado o acesso à justiça de toda criança ou adolescente, na forma das normas processuais, através de qualquer dos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Publico e da Defensoria Pública.

§ 1º Será prestada assessoria jurídica e assistência judiciária gratuita a todas as crianças ou adolescentes e suas famílias, que necessitarem, preferencialmente através de defensores públicos, na forma da Lei Complementar de Organização da Defensoria Pública.

§ 2º A não garantia de acesso à Defensoria Pública deverá implicar em sanções judiciais e administrativas cabíveis, a serem aplicadas quando da constatação dessa situação de violação de direitos humanos.

Art. 9º O Poder Judiciário, o Ministério Público, as Defensorias Públicas e a Segurança Pública deverão ser instados no sentido da exclusividade, especialização e regionalização dos seus órgãos e de suas ações, garantindo a criação, implementação e fortalecimento de:

I Varas da Infância e da Juventude, específicas, em todas as comarcas que correspondam a municípios de grande e médio porte ou outra proporcionalidade por número de habitantes, dotandoas de infra-estruturas e prevendo para elas regime de plantão;

II Equipes Interprofissionais, vinculadas a essas Varas e mantidas com recursos do Poder Judiciário, nos termos do Estatuto citado;

III Varas Criminais, especializadas no processamento e julgamento de crimes praticados contra crianças e adolescentes, em todas as comarcas da Capital e nas cidades de grande porte e em outras cidades onde indicadores apontem essa necessidade, priorizando o processamento e julgamento nos Tribunais do Júri dos processos que tenham crianças e adolescentes como vítimas de crimes contra a vida;

IV Promotorias da Infância e Juventude especializadas, em todas as comarcas na forma do inciso III;

V Centros de Apoio Operacional às Promotorias da Infância e Juventude;

VI Núcleos Especializados de Defensores Públicos, para a imprescindível defesa técnico-jurídica de crianças e adolescentes que dela necessitem; e

VIII Delegacias de Polícia Especializadas, tanto na apuração de ato infracional atribuído a adolescente, quanto na apuração de delitos praticados contra crianças e adolescentes em todos os municípios de grande e médio porte.

Art. 10. Os conselhos tutelares são órgãos contenciosos não-jurisdicionais, encarregados de "zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente", particularmente através da aplicação de medidas especiais de proteção a crianças e adolescentes com direitos ameaçados ou violados e através da aplicação de medidas especiais a pais ou responsáveis (art. 136, I e II da Lei 8.069/1990).
Parágrafo Único. Os conselhos tutelares não são entidades, programas ou serviços de proteção, previstos nos arts. 87, inciso III a V, 90 e 118, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Art. 11. As atribuições dos conselhos tutelares estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, não podendo ser instituídas novas atribuições em Regimento Interno ou em atos administrativos semelhante de quaisquer outras autoridades.
Parágrafo Único. É vedado ao Conselho Tutelar aplicar e ou executar as medidas socioeducativas, previstas no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Art. 12. Somente os conselhos tutelares têm competência para apurar os atos infracionais praticados por crianças, aplicandolhes medidas especificas de proteção, previstas em lei, a serem cumpridas mediante requisições do conselho. (artigo 98, 101,105 e 136, III, "b" da Lei 8.069/1990).
Art. 13. Os conselhos tutelares deverão acompanhar os atos de apuração de ato infracional praticado por adolescente, quando houver fundada suspeita da ocorrência de algum abuso de poder ou violação de direitos do adolescente, no sentido de providenciar as medidas específicas de proteção de direitos humanos, prevista em lei e cabível.

CAPÍTULO V - DA PROMOCAO DOS DIREITOS HUMANOS

Art. 14. O eixo estratégico da promoção dos direitos humanos de crianças e adolescentes operacionaliza-se através do desenvolvimento da "política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente", prevista no artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que integra o âmbito maior da política de promoção e proteção dos direitos humanos.
§ 1º Essa política especializada de promoção da efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes desenvolvese, estrategicamente, de maneira transversal e intersetorial, articulando todas as políticas públicas (infra-estruturantes, institucionais, econômicas e sociais) e integrando suas ações, em favor da garantia integral dos direitos de crianças e adolescentes.
§ 2º No desenvolvimento dessa política deverão ser considerados e respeitados os princípios fundamentais enumerados no artigo 2º e seus parágrafos desta Resolução.

§ 3º O desenvolvimento dessa política implica:

I na satisfação das necessidades básicas de crianças e adolescentes pelas políticas públicas, como garantia de direitos humanos e ao mesmo tempo como um dever do Estado, da família e da sociedade;

II na participação da população, através suas or ganizações representativas, na formulação e no controle das políticas públicas;

III na descentralização política e administrativa, cabendo a coordenação das políticas e edição das normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dessas políticas e dos respectivos programas às esferas estadual, Distrital e municipal, bem como às entidades sociais; e

IV no controle social e institucional (interno e externo) da sua implementação e operacionalização.

Art. 15. A política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes operacionaliza-se através de três tipos de programas, serviços e ações públicas:

I serviços e programas das políticas públicas, especialmente das políticas sociais, afetos aos fins da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes;

II serviços e programas de execução de medidas de proteção de direitos humanos; e

III serviços e programas de execução de medidas socioeducativas e assemelhadas.

SEÇÃO I - DOS SERVIÇOS E PROGRAMAS DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

SUBSEÇÃO I DOS PROGRAMAS EM GERAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Art. 16. As políticas públicas, especialmente as políticas sociais, assegurarão o acesso de todas as crianças e todos os adolescentes a seus serviços, especialmente as crianças e os adolescentes com seus direitos violados ou em conflito com a lei, quando afetos às finalidades da política de atendimento dos direitos humanos da criança e do adolescente, obedecidos aos princípios fundamentais elencados nos parágrafos do artigo 2º desta Resolução.

SUBSEÇÃO II - DOS SERVIÇOS E PROGRAMAS DE EXECUÇÃO DE MEDIDAS DE PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

Art. 17. Os serviços e programas de execução de medidas específicas de proteção de direitos humanos têm caráter de atendimento inicial, integrado e emergencial, desenvolvendo ações que visem prevenir a ocorrência de ameaças e violações dos direitos humanos de crianças e adolescentes e atender às vítimas imediatamente após a ocorrência dessas ameaças e violações.
§ 1º Esses programas e serviços ficam à disposição dos órgãos competentes do Poder Judiciário e dos conselhos tutelares, para a execução de medidas específicas de proteção, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente; podendo, todavia receber diretamente crianças e adolescentes, em caráter excepcional e de urgência, sem previa determinação da autoridade competente, fazendo, porém a devida comunicação do fato a essa autoridade, até o segundo dia útil imediato, na forma da lei citada .
§ 2º Os programas e serviços de execução de medidas específicas de proteção de direitos humanos obedecerão aos parâmetros e recomendações estabelecidos pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Conanda e, complementarmente, pelos demais conselhos dos direitos, em nível estadual, Distrital e municipal e pelos conselhos setoriais competentes.

§ 3º Estes programas se estruturam e organizam sob a forma de um Sistema Nacional de Proteção de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, regulado por normas operacionais básicas específicas, a serem editadas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda.

Art. 18. Consideram-se como programas e serviços de execução de medidas de proteção de direitos humanos aqueles pr evistos na legislação vigente a respeito da matéria.
SUBSEÇÃO III - DOS PROGRAMAS DE EXECUÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS E ASSEMELHADAS

Art. 19. Os programas de execução de medidas socioeducativas são destinados ao atendimento dos adolescentes autores de ato infracional, em cumprimento de medida judicial socioeducativa, aplicada na forma da lei, em decorrência de procedimento apuratório, onde se assegure o respeito estrito ao princípio constitucional do devido processo legal.

§ 1º Os programas de execução de medidas socioeducativas para adolescentes autores de ato infracional obedecerão aos parâmetros e recomendações estabelecidos pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda e, complementarmente, pelos demais conselhos dos direitos, em nível Estadual, Distrital e Municipal.
§ 2º Estes programas se estruturam e organizam, sob forma de um Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo -SINASE em cumprimento dos seguintes princípios norteadores:

I prevalência do conteúdo educativo sobre os sancionatórios e meramente de contenção, no atendimento socioeducativo;

II ordenação do atendimento socioeducativo e da sua gestão, a partir do projeto político-pedagógico;

III construção, monitoramento e avaliação do atendimento socioeducativo, com a participação proativa dos adolescentes socioeducandos;
IV exemplaridade, presença educativa e respeito à singularidade do adolescente socioeducando, como condições necessárias no atendimento socioeducativo;

V disciplina como meio para a realização do processo socioeducativo;

VI exigência e compreensão enquanto elementos primordiais de reconhecimento e respeito ao adolescente durante o processo socioeducativo;

VII dinâmica institucional favorecendo a horizontalidade na socialização das informações e dos saberes entre equipe multiprofissional (técnicos e educadores);

VIII organização espacial e funcional dos programas de atendimento sócio-educativo como sinônimo de condições de vida e de possibilidades de desenvolvimento pessoal e social para o adolescente;

IX respeito à diversidade étnica/racial, de gênero, orientação sexual e localização geográfica como eixo do processo socioeducativo; e

X participação proativa da família e da comunidade no processo socioeducativo.
§ 3º Os programas de execução de medidas socioeducativas devem oferecer condições que garantam o acesso dos adolescentes socioeducandos às oportunidades de superação de sua situação de conflito com a lei.
Art. 20. Consideram-se como programas socioeducativos, na forma do Estatuto da Criança e do Adolescente, os seguintes programas, taxativamente:

I programas socioeducativos em meio aberto

a) prestação de serviço à comunidade; e

b) liberdade assistida.

II programas socioeducativos com privação de liberdade

a) semiliberdade; e

b) internação.

Parágrafo único. Integram também o Sistema Nacional Socioeducativo - SINASE, como auxiliares dos programas socioeducativos, os programas acautelatórios de atendimento inicial (arts. 175 e 185 da lei federal nº 8069/90), os programas de internação provisória (art 108 e 183 da lei citada) e os programas de apoio e assistência aos egressos.

CAPÍTULO VI - DO CONTROLE DA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Art. 21. O controle das ações públicas de promoção e defesa dos direitos humanos da criança e do adolescente se fará através das instâncias públicas colegiadas próprias, onde se assegure a paridade da participação de órgãos governamentais e de entidades sociais, tais como:

I conselhos dos direitos de crianças e adolescentes;

II conselhos setoriais de formulação e controle de políticas públicas; e

III os órgãos e os poderes de controle interno e externo definidos nos artigos 70, 71, 72, 73, 74 e 75 da Constituição Federal.
Parágrafo Único. O controle social é exercido soberanamente pela sociedade civil, através das suas organizações e articulações representativas.

Art. 22. Na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios haverá um Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, respectivamente, composto por igual número de representantes do governo e da sociedade civil organizada, garantindo a ampla participação da população, por suas organizações representativas, no processo de formulação e controle da política de atendimento aos direitos da criança e ao adolescente, dos seus programas, serviços e ações.

Parágrafo Único. A composição desses conselhos e a nomeação de seus membros devem ser estabelecidas de acordo com as Resoluções 105 e 106 do Conanda, inclusive as recomendações, contendo procedimentos que ofereçam todas as garantias necessárias para assegurar a representação pluralista de todos os segmentos da sociedade, envolvidos de alguma forma na promoção e proteção de direitos humanos, particularmente através de representações de organizações da sociedade civil governamentais, sindicatos, entidades sociais de atendimento a crianças e adolescentes, organizações profissionais interessadas, entidades representativas do pensamento científico, religioso e filosófico e outros nessa linha.

Art. 23. Os conselhos dos direitos da criança e do adolescente deverão acompanhar, avaliar e monitorar as ações públicas de promoção e defesa de direitos de crianças e adolescentes, deliberando previamente a respeito, através de normas, recomendações, orientações.
§ 1º As deliberações dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente, no âmbito de suas atribuições e competências, vinculam as ações governamentais e da sociedade civil organizada, em respeito aos princípios constitucionais da participação popular, da prioridade absoluta do atendimento à criança e ao adolescente e da prevalência do interesse superior da criança e do adolescente, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

§ 2º Constatado, através dos mecanismos de controle, o descumprimento de suas deliberações, os conselhos dos direitos da criança e do adolescente representarão ao Ministério Publico para as providencias cabíveis e aos demais órgãos e entidades legitimados no artigo 210 da Lei nº 8.069/90 para demandar em Juízo por meio do ingresso de ação mandamental ou ação civil pública.

CAPÍTULO VII - DOS MECANISMOS ESTRATÉGICOS DE PROMOÇÃO, DEFESA E CONTROLE DA EFETIVAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS
Art. 24. Para promover e defender os direitos de crianças e adolescentes, quando ameaçados e violados e controlar as ações públicas decorrentes, o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente deverá priorizar alguns determinados mecanismos estratégicos de garantia de direitos:

I mecanismos judiciais extra-judiciais de exigibilidade de direitos;

II financiamento público de atividades de órgãos públicos e entidades sociais de atendimento de direitos;

III formação de operadores do Sistema;

IV gerenciamento de dados e informações;

V monitoramento e avaliação das ações públicas de garantia de direitos; e

VI mobilização social em favor da garantia de direitos.

CAPÍTULO VIII - DA GESTÃO DO SISTEMA DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Art. 25. A estrutura governamental, em nível federal, contará com um órgão especifico e autônomo, responsável pela política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes, com as seguintes atribuições mínimas :

I articular e fortalecer o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente;

II funcionar prioritariamente como núcleo estratégicoconceitual, para a promoção dos direitos humanos da infância e adolescência, no âmbito nacional;

III manter sistema de informação para infância e adolescência, em articulação com as esferas estadual e municipal ;
IV apoiar técnica e financeiramente o funcionamento das entidades e unidades de execução de medidas de proteção de direitos e de medidas socioeducativas;

V Coordenar o Sistema Nacional de Atendimento cioeducativo, especialmente os programas de execução de medidas socioeducativas; e

VI Co-coordenar o Sistema Nacional de Proteção de Direitos Humanos, especialmente os programas de enfrentamento da violência, proteção de crianças e adolescentes ameaçados de morte, os programas e serviços de promoção, defesa e garantia da convivência familiar e comunitária, dentre outros programas de promoção e proteção dos direitos humanos de criança e adolescente.

Art. 26. Nos níveis estadual, distrital e municipal, as entidades públicas responsáveis pela política de atendimento dos direitos de crianças e adolescentes e por esses serviços, programas e ações especiais deverão funcionar nessa linha, em seu respectivo nível de competência e deverão ter estrutura e organização próprias, respeitada a autonomia da política de atendimento de direitos da criança e do adolescente, na forma do Estatuto da Criança e do Adolescente, ficando, além do mais, responsáveis pela execução dos seus programas, serviços e ações e a manutenção das unidades respectivas.
§ 1º Cada Estado, município e o Distrito Federal vincularão essas suas entidades públicas responsáveis pela política de atendimento de direitos da criança e do adolescente à Secretaria ou órgão congênere que julgar conveniente, estabelecendo-se porém expressamente que elas se incorporam ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente e que deverão ser considerados interlocutores para o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda e para o órgão federal responsável, previsto no artigo anterior, principalmente para efeito de apoio técnico e financeiro.

§ 2º O órgão federal previsto no artigo anterior deverá assegurar que os estados, o Distrito Federal e os municípios estejam conscientes de suas obrigações em relação à efetivação das normas de proteção à criança e à juventude, especialmente do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Convenção sobre os Direitos da Criança, da Constituição Federal e de que os direitos previstos nessas normas legais têm que ser implementados em todos os níveis, em regime de prioridade absoluta, por meio de legislações, políticas e demais medidas apropriadas.
Art. 27. A União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios organizarão, em regime de colaboração, os sistemas estaduais, distrital e municipais, tanto de defesa de direitos, quanto de atendimento socioeducativo.

§ 1º Caberá à União a coordenação desses programas e serviços de execução das medidas específicas de proteção de direitos e de execução das medidas socioeducativas, integrando-os no campo maior da política de atendimento de direitos da criança e do adolescente e exercendo função normativa de caráter geral e supletiva dos recursos necessários ao desenvolvimento dos sistemas estaduais, distrital e municipais.

§ 2º Os sistemas nacionais de proteção de direitos humanos e de socioeducação têm legitimidade normativa complementar e liberdade de organização e funcionamento, nos termos desta Resolução.

§ 3º Aplica-se ao Distrito Federal, cumulativamente, as regras de competência dos estados e municípios.

Art. 28. Incumbe à União:

I elaborar os Planos Nacionais de Proteção de Direitos Humanos e de Socioeducação, em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios;

II prestar assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de proteção especial de direitos e de atendimento socioeducativo, no exercício de sua função supletiva;

III colher informações sobre a organização e funcionamento dos sistemas, entidades e programas de atendimento e oferecer subsídios técnicos para a qualificação da oferta;

IV estabelecer diretrizes gerais sobre as condições mínimas das estruturas físicas e dos recursos humanos das unidades de execução; e

V instituir e manter processo nacional de avaliação dos sistemas, entidades e programas de atendimento.

§ 1º Para o cumprimento do disposto nos incisos III e V, a União terá livre acesso às informações necessárias em todos os sistemas, entidades e programas de atendimento.

§ 2º As funções de natureza normativa e deliberativa da competência da União serão exercidas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda, e as funções de natureza executiva, pela Presidência da República, através da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.

Art. 29. Incumbe aos Estados:

I elaborar os planos estaduais de defesa de direitos e de atendimento socioeducativo, em colaboração com os municípios;

II instituir, regular e manter seus sistemas de defesa de direitos e de atendimento socioeducativo, respeitadas as diretrizes gerais dos respectivos Planos Nacionais;

III criar e manter os programas de defesa de direitos e de atendimento socioeducativo, para a execução das medidas próprias;

IV baixar normas complementares para a organização e funcionamento dos seus sistemas de defesa de direitos e de atendimento e dos sistemas municipais;

V estabelecer, com os municípios, as formas de colaboração para a oferta dos programas de defesa de direitos e de atendimento socioeducativo em meio aberto; e

VI apoiar tecnicamente os municípios e as entidades sociais para a regular oferta de programas de defesa de direitos e de atendimento socioeducativo em meio aberto.

Parágrafo Único. As funções de natureza normativa e deliberativa relacionadas à organização e funcionamento dos sistemas referidos, em nível estadual, serão exercidas pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Art. 30. Incumbe aos municípios:

I instituir, regular e manter os seus sistemas de defesa de direitos e de atendimento socioeducativo, respeitadas as diretrizes gerais dos Planos Nacionais e Estaduais, respectivos;

II criar e manter os programas de defesa de direitos e de atendimento socioeducativo para a execução das medidas de meio aberto; e

III baixar normas complementares para a organização e funcionamento dos programas de seus sistemas de defesa de direitos e de atendimento socioeducativo.
§ 1º Para a criação e manutenção de programas de defesa de direitos e de atendimento socioeducativo em meio aberto, os municípios integrantes de uma mesma organização judiciária poderão instituir consórcios regionais como modalidade de compartilhar responsabilidades.
§ 2º As funções de natureza normativa e deliberativa relacionadas à organização e funcionamento dos sistemas municipais serão exercidas pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

CAPÍTULO IX - PARÂMETROS, PLANOS, PROGRAMAS E PROJETOS DE INSTITUCIONALIZAÇÃO E FORTALECIMENTO DO SISTEMA DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PELOS CONSELHOS DOS DIREITOS

Art. 31. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda e os conselhos congêneres, nos níveis estaduais, distritais e municipais, em caráter complementar, aprovarão parâmetros específicos, como normas operacionais básicas para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Art. 32. Igualmente, no limite de suas atribuições, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente -Conanda e os conselhos congêneres, nos níveis estadual, distrital e municipal, em caráter complementar, aprovarão planos que visem planejar estrategicamente as ações de instâncias públicas e os mecanismos de garantia de direitos do Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes.

Parágrafo Único. Esses planos serão elaborados por iniciativa dos próprios conselhos ou por propostas das entidades de atendimento de direito ou de fóruns e frentes de articulação de órgãos governamentais e/ou entidades sociais.

Art. 33. Os programas e projetos de responsabilidade de órgãos governamentais e entidades sociais que devam ser financiados com recursos públicos dos fundos para os direitos da criança e do adolescente deverão ser obrigatoriamente analisados e aprovados, previamente, pelos conselhos respectivos.
Art. 34. Esta resolução entra em vigor na data da sua publicação.

JOSÉ FERNANDO DA SILVA


Reportagem em quadrinhos: O inimigo da vez

por José Gilbert Arruda Martins

Cunha, num desrespeito feroz a toda a sociedade, desmonta a democracia e a cidadania no Brasil.
OInimigoDaVez
Precisamos de mais gente nas ruas lutando contra esse estado de coisas.

Precisamos do povo e dos trabalhadores e trabalhadoras em geral.
Precisamos que a juventude conheça concretamente o que está acontecendo, e isso precisa ser feito nas salas de aula do país.

Os professores e professoras precisam entrar nessa Luta.

É claro que, os professores precisam antes conhecer a situação, entender como funciona essa engrenagem de poder, por isso nem todos, ou talvez, infelizmente, a maioria ficará de fora.

Como no Direito, os cursos de graduação que formam professores também formam ditadores sociais.

Professores e professoras cheios de preconceitos de todo tipo.
Uma grande parte são seguidos das ideias de Cunha.

Sou professor, vejo isso todos os dias.

Infelizmente é uma realidade.

na Caros Amigos
OInimigoDaVez

MS: Juiz substituto extingue ações de proteção aos indígenas

na Caros Amigos
Para juiz que arquivou o caso, é “impossível” combater a violência contra indígenas
Da Redação

por José Gilbert Arruda Martins

A quem compete então?

Essa atitude é a negação da cidadania.

Não podemos aceitar isso.

É a justiça fazendo-se injusta, além de incompetente.

A omissão das autoridades e da justiça contra os Povos indígenas no Brasil faz sangrar não apenas nossa cidadania, mas toda a nossa ancestralidade cultural, social, religiosa...

A luta dos Povos Indígenas, cheia de glórias perdidas, foi marcada ao longo dos séculos pela cegueira da sociedade e do Estado, se não fossem os estudantes universitários, por exemplo, da UnB e das dezenas de Universidades Públicas, as nações indígenas estariam só e isoladas ainda mais.

Venho insistindo aqui nesse espaço, da urgência que o Brasil tem, em cuidar dos cursos de Graduação em Direito, parece que estamos formando uma massa que tem a forma do autoritarismo, da insensibilidade social e da violência contra as minorias.

Impressiona o desconhecimento de como funciona a sociedade quando você conversa com um estudante ou um recém-formado em Direito.

Os cursos de Graduação, estão preocupando-se apenas com números e técnicas legais, esquecem que por trás de tudo isso tem pessoas, gente, culturas diversas e um país que é uma verdadeira colcha de retalhos cultural e social.
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O juiz federal substituto Fábio Kaiut Nunes, da 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados, extinguiu 4 ações judiciais propostas pelo Ministério Público Federal (MPF) que tinham como objetivo a diminuição de agressões e mortes em Territórios Indígenas. O juiz utilizou-se do mesmo argumento para todas as ações: “Extingo o processo sem julgamento de mérito, por entender o objeto impossível”. A frase significa que não compete à Justiça tratar do tema das ações.
leia mais:
O MPF do Mato Grosso de Sul (MS) havia pedido uma indenização por danos morais e materiais decorrentes da inércia dos poderes públicos na concretização de direitos fundamentais, além da consolidação de políticas de segurança pública em benefício dos guarani-kaiowá, atendendo às suas especificidades. O MPF usa do argumento que, enquanto a violência contra a população do estado diminuiu, a violência contra os indígenas vem aumentando dia a dia. Apenas na reserva de Dourados, o índice de mortes por causas violentas é 500% superior aos índices registrados para todo o Estado.
Para o juiz, no entanto, “não há como assegurar que a implementação de política pública nas aldeias redundará em diminuição dos índices de mortalidade no prazo de cinco anos, especialmente no que se refere às mortes decorrentes de agressão.”
Direitos indígenas
Não é a primeira vez que o juiz se utiliza deste argumento para deixar de julgar ações referentes a direitos indígenas. Em maio, o mesmo juiz revogou liminar concedida pela juíza da mesma Vara que determinava à União a compra de 30 hectares de terra para a comunidade indígena Curral do Arame (Tekoha Apika'y). Com a decisão, volta a valer uma ordem de reintegração de posse contra o grupo, que ocupa atualmente pequena área de mata dentro do território reivindicado.
O MS abriga uma população de 70 mil indígenas, a segunda maior do País, mas tem apenas 0,2% de territórios no Estado. Segundo o Censo de 2010, os indígenas são 2,9% da população, mas contribuem com 19,9% dos suicídios do Estado.
* Com informações do MPF-MS

Serge Latouche: "A idolatria do mercado nos levará a um desastre''

na Caros Amigos
Economista, autor da ideia do descrescimento, diz que é suicídio manter conceitos de mercado e crescimento econômico 
Por Francesco Comina Tradução de Moisés Sbardelotto Do IHU On Line
Latouche é um dos pensadores mais discutidos do nosso tempo. Muito mais do que um simples economista, como muitas vezes é definido, muito além do puro investigador dos processos sociais em curso, Latouche uniu profecia e história, anunciando ao mundo uma tese última, ou seja, que sem uma inversão de marcha todos vamos morrer suicidas, como se navegássemos sem mais bússolas e flâmulas em um navio à deriva.
A reportagem é de Francesco Comina, publicada no jornal Trentino, 11-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O "decrescimento" é aquele movimento contrário que poderia nos salvar, a negação da religião do desenvolvimento, que, portanto, também pode ser chamada de acrescimento, como se faz com o ateísmo, que nega uma religião.
Agora, o decrescimento tornou-se uma palavra da moda, talvez até um pouco desgastada em relação ao sentido com que você a pensou. Hoje, você fala mais de acrescimento, como de uma saída da religião da economia e do mercado.
É isso. Sim, se quisermos ser rigorosos, deveríamos falar de acrescimento, como você disse bem. Ou seja, devemos nos tornar como ateus da religião do crescimento, que é um mito dominante dentro das sociedades capitalistas. Devemos sair desse mito que sacralizou o crescimento como se fosse um deus que tudo domina e que tudo arrasta para o abismo. Um deus idolátrico. Quando eu usei o termo "decrescimento", eu pensava em sentido provocativo, justamente para abrir os olhos das pessoas acostumadas a ouvir todos os dias, como um mantra, o refrão do crescimento como única receita para o desenvolvimento da comunidade. Eu quis simplesmente expressar um conceito autoevidente, difícil refutável: no âmbito de um ecossistema finito, o princípio do crescimento infinito é uma contradição em termos.
E daí brotou uma visão de mundo que vai além da economia e que realmente funda um pensamento filosófico. Dentre outra coisas, você se remete ao filão dos pensadores proféticos, como Ivan Illich, Raimon Panikkar, Cornelius Castoriadis...
Eu poderia dizer que, retomando uma reflexão do Mahatma Gandhi, as coisas que eu tematizei e elaborei em tantos anos são tão antigas quanto as colinas, ou seja, que encontramos as intuições sobre tempo e sobre um espaço adequados para o homem nos pais da filosofia antiga e nos grandes espíritos do pensamento intercultural contemporâneo. Pensemos, por exemplo, no discurso de Panikkar sobre a tempiternidade, ou seja, sobre a consciência de que só o tempo presente é o tempo do homem e que a velocidade mata o tempo, porque nos projeta para uma dimensão desumana, razão pela qual devemos parar e desfrutar o tempo sem crescimento e ímpeto. Devemos "desarmar a razão armada", segundo a bela visão do filósofo indiano. Pensemos em Illich e no seu discurso sobre a partilha do espaço e do tempo. Pensemos em Castoriadis e no seu apelo para descolonizar o imaginário, para realizar uma sociedade frugal. O decrescimento, portanto, pode ser considerado. para todos os efeitos, um movimento de pensamento.
A Europa está vivendo uma crise epocal. Não só econômica e financeira, mas também política e, diria mais, antropológica. Ela não consegue mais dar um sentido ao existir do homem. De um lado, cresce a reação a esse sistema econômico e financeiro, mas, de outro, crescem fenômenos de populismo, de demagogia, de etnocentrismo, de fechamento...
Sim, há muitos riscos, por isso pedimos que a política volte a projetar, que as ideias voltem a circular. Essa ideologia do capitalismo é insustentável. Ela produz problemas. Divide. Devemos nos reapropriar da moeda e não deixá-la à mercê dos bancos e dos especuladores. Devemos começar a produzir aquilo de que precisamos, porque não faz sentido fazer com que caminhões de água francesa transitem rumo à Itália e de água italiana para a França. É uma loucura. O Norte do mundo consome 86% dos recursos naturais do planeta. Comecemos a pôr de lado o PIB e apliquemos o Índice da Pegada Ecológica para definir o impacto do nosso modo de vida.
A austeridade impõe receitas radicais aos países, obrigando-os a drásticas reduções de despesas. Depois, há o problema das dívidas soberanas com os mecanismos de ajuste estrutural impostos pelo FMI e pelo Banco Mundial. O que você pensa sobre isso?
Eu não vejo futuro no euro. Sei que, sobre esse assunto, há muita discussão, mas como a Europa faz para ter uma moeda comum com diversos sistemas fiscais, diversos welfare, diversas leis em matéria ecológica? A austeridade é uma alavanca nas mãos dos sacerdotes da religião do capital e do desenvolvimento. A própria Grécia está destroçada pelos programas de austeridade decididos de cima. Eu tinha aconselhado o Tsipras a sair do euro. Mas o poder da ideologia financeira condiciona os Estados assediados por uma dívida que é um câncer. O discurso sobre a dívida é ambíguo. Ela nunca vai ser paga. Todos os economistas sabem perfeitamente disso: não adianta ajudar a pagar a dívida. É preciso anular a dívida e partir de outra visão de solidariedade entre os povos. Mas o problema é que, como eles querem continuar com essa economia de cassino, é preciso fingir que ainda é crível que ela seja paga. Portanto, é preciso ajudar os países a pagarem não a dívida, mas os juros sobre a dívida. E impõem-se programas de austeridade que destroçam a vida de uma sociedade. Mas isso não pode durar ainda por muito tempo...


sábado, 13 de junho de 2015

EDUCAÇÃO - No estado mais rico do país, uma gestão que deseduca

na Rede Brasil Atual
O governo Geraldo Alckmin não ignorou apenas a greve dos professores, tampouco a paralisação foi o único de seus problemas ocultos pela mídia. O desprezo pela educação em São Paulo vem de muito antes
por Cida de Oliveira e Sarah Fernandes
Professores Palácio dos Bandeirantes
Busca de diálogo: professores na porta do Palácio dos Bandeirantes

Fora dos noticiários, o movimento se estendia além do esperado. Durante 55 dias, entre o final de março e o começo de maio, a adesão chegou perto de 100% entre os alunos do colegial. “A mobilização veio com os debates entre os alunos e professores sobre a situação da educação, logo que começou a greve na rede estadual. No começo, as turmas estavam divididas, mas com o nosso trabalho de esclarecimento, perceberam que era necessário se manifestar”, conta a estudante de ensino médio Vitória Tavares, 17 anos, integrante do grêmio estudantil da Escola Estadual Toufic Joulian, no centro de Carapicuíba, Grande São Paulo. “Precisamos cobrar. A qualidade da educação estadual, principalmente a nossa, de classe média baixa, está aquém das necessidades de quem quer entrar numa universidade boa. Sem cursinho, não dá pra pontuar no Enem”, afirma. “Temos bons professores. E quando deixa a desejar, é pelo cansaço, pela humilhação. Como ensinar em salas superlotadas? É muita gente para o professor dar atenção, e muitos estudantes perdem o interesse. Isso coopera para piorar o trabalho.”
Aluna na mesma escola, Natália de Castro, 16 anos, compartilhou foto nas redes sociais com cartaz colado à roupa: “Estamos em greve em defesa da escola Pública”, com P maiúsculo. O Toufic é a segunda melhor escola pública do município, perdendo apenas para uma de tempo integral. O diferencial, acredita, é a qualidade dos professores. “A maioria fica à disposição para dúvidas fora da aula, porque falta tempo para dar o conteúdo. Temos seis aulas de Matemática e seis de Português na semana, e só duas de Biologia, Sociologia e Geografia”, reclama a estudante, que pretende entrar na faculdade na área de humanas ou biológicas.
GERALDO LAZZARI/RBARevolta ValdemirA escola parece um salão em que jogam os alunos. É a política do ‘cuspir giz’: o professor não tem apoio para dar aula
Outra queixa é sobre a infraestrutura. A quadra esburacada há mais de dois anos já machucou muito aluno, os laboratórios estão abandonados e a pintura, desgastada. Fora a sala pequena para tanto aluno. “Tem 55 na minha classe, com fileira quase grudada na lousa”, diz a estudante do 3º ano, ciente, pelo relato de amigos, de que a situação é pior em outras escolas. Faltam professores, ou nem todos são capacitados ou experientes, limitando-se a passar conteúdos na lousa ou distribuir textos para leitura, sem estimular debates e reflexões que tanto contribuem para o aprendizado. “No Toufic, é comum aluno admirar professor. Será triste vê-lo retornar da greve para não nos prejudicar, ainda sem as conquistas que merece”, diz Natália.
Na Escola Estadual Manuel Ciridião Buarque, no Alto da Lapa, bairro da zona oeste da capital, também houve manifestação. Estudantes chegaram a ocupar a principal avenida. “Tentamos debater a greve dos professores e a direção não permitiu. Houve revolta e a escola ficou completamente parada por um dia”, diz o estudante Valdemir Júnior, 17 anos.
De acordo com ele, faltam ali espaço para o diálogo e recursos pedagógicos. “Não tem material nos laboratórios de Química e de Física e há goteiras nas salas. A escola parece um salão em que jogam os alunos. É a política do ‘cuspir giz’: o professor não tem apoio para dar aula. Se fica doente, ficamos sem aula. Em caso de licença, acidente ou problema familiar, não tem substituto”, desabafa. “Como um professor consegue dar aulas em salas com 40, 45 pessoas? É tanta gente que tem dia que falta cadeira, tem de pegar na outra sala. Eu e outros alunos até pensamos em ser professor, mas mudamos de ideia.”
Na avaliação de Magali Fernandes Diogo Mantini, que tem filho matriculado no Ciridião, a escola tem uma boa estrutura e qualidade de ensino, com professores muito comprometidos. Mas peca pela ausência de atividades complementares. “A escola poderia oferecer oficinas, cursos extras e orientações para o ingresso no ensino superior e mercado de trabalho. Quando eles chegam nessa fase, aos 16 e 17 anos, muitos já estão interessados em começar a trabalhar."
PRISCILLA VILARIÑO/RBADesconexãoMichael: 'a direção da escola é autoritária e não interage com os professores'
Aluno da Escola Estadual Professor Batista Heinze, em Suzano, na Grande São Paulo, Anthony Sampaio, 17 anos, passou a refletir sobre a situação da educação a partir de março, com o início da greve dos professores. “Muitas escolas não têm material didático, de limpeza, coisas básicas como papel higiênico. Isso prejudica o trabalho do professor, o aprendizado”, diz. Sua classe tem mais de 50 alunos.
“Quando se questiona esse número, argumentam que nem todos são frequentes. Isso não justifica. Mesmo sendo grande, a sala está superlotada. Imagina o professor entrar na sala, à noite, quando já deu aula de manhã, à tarde. Perde 15 minutos até a sala ficar em silêncio, mais 15 minutos para fazer a chamada... Só que à noite não são 50 minutos de aula, são 45. Na pratica, a gente tem menos de 20 minutos de aula, isso quando a sala vai com a cara do professor. Tem o pessoal que bagunça. Mas se tivesse menos alunos, teria mais qualidade.”

Sem estímulo

Ele reclama também da falta de acesso à sala de internet, que nunca usou. Tampouco o laboratório, sob a justificativa de que os alunos não estão preparados para ir. “Dizem que a gente vai quebrar tudo lá dentro. Mas, não é um ambiente para os alunos?”, questionam
PRISCILLA VILARIÑO/RBAMais professoresAnthony: 'se tivesse menos alunos por classe a qualidade seria melhor'
Aluno da Escola Estadual Oswaldo de Oliveira Lima, também em Suzano, Michael Krabe, 16 anos, lista diversos problemas. Desde a falta de interação entre professores e a direção, autoritária, que evita o diálogo também com os alunos, e a rotatividade do corpo docente. “No ano passado, a gente ficou com um professor, depois das férias de julho trocaram a maioria. Acho que eram temporários e tiveram que ser substituídos. Mas não são de faltar.”
Em Pirituba, zona noroeste da capital, Kézia Alves, tem um filho no 2º ano do ensino médio da Escola Estadual Professor Cândido Gonçalves Gomide. “Quem tem filho adolescente enlouquece quando o filho vai para o ensino médio e tem de ser transferido da escola municipal para a escola estadual. A qualidade de ensino é péssima, sentimos muito a diferença. Um dos problemas é a falta de profissionais. A estrutura do prédio está péssima”, desabafa. Segundo ela, no início do ano passado faltaram carteiras. “Os professores entraram em greve também pelas condições de trabalho. Não tem mesmo como trabalhar sem carteira, lousa e com os alunos desmotivados por estudar em uma escola caindo aos pedaços. Há apenas três pessoas para limpar toda a escola.”
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Para Kézia, o lado pedagógico também deixa a desejar. “Meu filho passou os nove anos do ensino fundamental numa escola municipal e a gente via avanços. No ensino médio, parece cada dia pior. Sinto também as escolas estaduais muito fechadas, sem diálogo com os pais e os estudantes, sem incentivo ao protagonismo juvenil, sem chances de uma gestão democrática”, avalia.
A situação é semelhante até em estabelecimento que funciona em tempo integral, que recebe mais investimentos. Renata Aparecida Souza da Silva, mãe de três alunas do ensino médio na Escola Estadual Professor Antônio Alves Cruz, em Pinheiros, zona oeste da capital, conta que a escola não oferece os recursos prometidos. “Minhas filhas não têm acesso à internet e os computadores estão sempre quebrados. As salas-ambiente, específicas para cada disciplina, premissa das escolas de tempo integral, foram tiradas.”
GERARDO LAZZARI/RBAPortas trancadasKézia: 'Sinto as escolas estaduais muito fechadas, sem diálogo com os pais e os estudantes, sem chances de uma gestão democrática'
De acordo com ela, falta ainda estímulo à organização dos alunos. “Minha filha está tentando montar um grêmio, mas a direção dá sinais claros de que não tem intenção de deixar, quando essa é uma questão que merece ser estimulada”, conta. “Eu percebo que os professores têm vontade de ensinar, têm interesse e estão se renovando. Não tenho crítica quanto a eles.”

Nota vermelha

Um estudo da assessoria técnica da bancada do PT na Assembleia Legislativa dá números ao desempenho do governo Alckmin na educação. Entre 2011 e 2014, São Paulo recebeu do Palácio dos Bandeirantes menos do que o governo federal destinou ao estado. Enquanto o Ministério da Educação aplicou R$ 1.679.178.319, o tucano colocou
R$ 1.530.872.006. E do orçamento da educação, aplicou mais dinheiro na rubrica propaganda do que na manutenção do ensino básico (ensino fundamental e médio).
Para as rubricas “revisão de centros de estudos de língua”, “reforma e melhorias em prédios”, “atendimento especializado aos alunos da educação básica”, “provisão de material de apoio pedagógico ao ensino fundamental e médio”, o governo destinou R$ 19 milhões.
Segundo resultados da execução dos programas aprovados no Plano Plurianual 2012-2015, publicadas noDiário Oficial do Estado de São Paulo em 29 de abril, no final de 2014 haviam sido gastos R$ 22,5 milhões somente com a chamada “publicidade de utilidade pública” da pasta da Educação.
Os dados da própria administração tucana depõem contra as escolhas da gestão. As metas mais importantes para a melhoria da qualidade do ensino ainda não tinham sido atingidas no final de 2014. Das 2.942 obras previstas para ampliação da rede física escolar, apenas 1.002 haviam sido entregues, o que corresponde a 34%. E das 200 previstas em cooperação com os municípios, apenas 52 foram adiante (26% da meta). Reparos, conservação e manutenção previstos para 5.200 estabelecimentos foram feitos em apenas 2.753 (52%).
De 603 mil alunos que deveriam ser beneficiados com transporte escolar, só 453 mil foram contemplados. E outros 30% dos estudantes ficaram sem merenda. Havia previsão de verba para atender a 4,3 milhões, mas só 3 milhões tiveram a refeição na escola. Não tinham sido atingidas ainda metas relacionadas ao gerenciamento de benefícios para servidores, à remuneração e encargos, da transferência no âmbito do programa Dinheiro Direto na Escola e Escola de Família, de promoção de ações voltadas à qualidade de vida dos profissionais do setor. Tampouco a parte do estado à educação básica decorrente do Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb) foi efetivada.
A campanha dos professores por valorização salarial, é apenas a ponta de um iceberg que mal apareceu no horizonte da política educacional de São Paulo. Os jornais, no geral, quando mencionavam a paralisação, informavam que a categoria “reivindica 75%” de  reajuste, como forma de dar conotação de um exagero. O que os educadores pedem, no entanto, é um compromisso por parte do governo de que os salários sejam recuperados gradualmente até 2020, em cinco anos portanto, de modo a se equiparar às demais carreiras de nível superior do estado.
E não só. Os profissionais pedem o desmembramento das turmas que ficaram superlotadas, um novo sistema de contratação de temporários com garantia de direitos, inclusive ao atendimento médico, convocação dos concursados e a presença de coordenadores pedagógicos nas escolas, entre outras medidas para melhorar a qualidade do ensino. “Nossa discussão é estrutural, e não apenas salarial, corporativista. Envolve mais que profissionais que trabalham na escola pública, onde estão os filhos da classe trabalhadora”, diz a presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel.
O governador Geraldo Alckmin (PSDB), que chegou a negar a existência da paralisação da categoria – como nega a crise no abastecimento de água e a violência policial nas periferias – só foi apresentar proposta no final de abril, mais de 40 dias após o início da greve. Acenou com mudanças na contratação de temporários por três anos ininterruptos, em vez de um ano, e o atendimento pelo Instituto de Assistência Médica do Servidor Público Estadual (Iamspe), além da criação de um grupo de trabalho, com participação do sindicato, para o desmembramento de salas de aula, e a possibilidade de contratação de coordenadores pedagógicos para as 5 mil escolas. Mas só a partir de 2016.
Colaborou Tiago Pereira

Acordo histórico em Minas

Depois de sete anos lutando pelo cumprimento da Lei do Piso (Lei nº 11.738/2008), o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) obteve uma primeira vitória. Em 15 de maio, assinou com o governador Fernando Pimentel (PT) o termo da proposta salarial e de carreira de todos os profissionais da educação no estado, não apenas os do magistério. O acordo já foi colocado em projeto de lei e põe fim ao subsídio como forma de remuneração e garante a adoção do piso salarial, com reajustes anuais, inclusive para os aposentados, e a nomeação de 60 mil concursados, sendo 15 mil por ano até 2018.
ROBERTO PARIZOTTI/CUTBeatriz Cerqueira'Assinamos acordos que não foram cumpridos pelo governador Antonio Anastasia (PSDB)'
A professora Beatriz Cerqueira, coordenadora-geral do Sind-Ute e presidenta da CUT-MG, comemora a vitória numa batalha importante. “Assinamos acordos em 2010 e 2011, que não foram cumpridos pelo governador Antonio Anastasia (PSDB)”. Segundo ela, porém, a mobilização não chegou ao fim. “Temos de negociar demandas importantes, como distorções na carreira e remuneração para os servidores das superintendências regionais de ensino, direitos dos educadores anteriores à implementação da política de subsídio, eleição para direção de escola, entre outras.” Em 2011, a categoria esteve em greve durante 112 dias.

Lição de cidadania é lutar pela educação

Intransigência, autoritarismo, humilhação. No desabafo da presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel, não tem sido fácil negociar com os governos do PSDB que se revezam no comando do estado desde a década de 1990. “Para eles, o professor ir às ruas é mau exemplo aos alunos, quando na verdade ir às ruas lutar por seus direitos é exemplo de cidadania, de democracia”, diz. “Mais que uma greve, é uma discussão estrutural, de profissionais que trabalham na escola pública, para filhos e filhas da classe trabalhadora. Como a elite não estuda ali, por que debater a greve?”
JAILTON GARCIA/RBABebelA elite, no poder, acredita que para pobre qualquer escola serve
Defender o salário do professor não é corporativismo?
Sim, há esse aspecto, mas a greve é uma discussão estrutural. Um profissional valorizado melhora a qualidade do ensino e pode ser cobrado. Como cobrar alguém que ganha R$ 2.460,00 por 40 horas semanais? O governo tem sido avisado do nosso descontentamento ao longo dos anos. Não estamos contentes com a maneira como implentaram a escola de tempo integral, com a diferença salarial dos professores dessas escolas, que ganham 70% a mais, na forma de gratificação incorporada ano a ano. O governo diz que é absurdo reajuste de 75% no nosso salário, mas não é para fazer funcionar a escola de tempo integral.
Vem daí o parâmetro para correção salarial em 75% até 2020?
O parâmetro vem também do Plano Nacional de Educação (PNE). O PNE determina, em sua meta 17, a equiparação do salário dos professores com o dos demais profissionais com nível superior. Segundo o IBGE, a diferença é de 75,33%. O salário do professor tem de sair do piso atual de R$ 2.480 para R$ 4.237, em 2020. Questão de justiça para um trabalho intelectual, em classes superlotadas, heterogêneas, com histórias diferentes, que exigem muito.
A pauta vai além da questão salarial?
O fundamental é garantir uma escola de qualidade para os filhos dos trabalhadores. São eles que precisam de uma escola melhor, mas o governo tucano, há 20 anos no poder em São Paulo, não tem compromisso com a educação, como não tem com a gestão da água, da saúde, da moradia. Olha apenas para o orçamento. Só que em Minas Gerais o atual governador, Fernando Pimentel, que pegou o estado com rombo de R$ 7 bilhões, um dos maiores da história, está dando 32% de reajuste aos professores, a ser pago nos próximos dois anos. É questão de prioridade.
Essa realidade ficou clara no movimento dos professores?
Temos de escancarar tudo: a superlotação decorrente do fechamento 3.390 salas no início do ano, a forma de contratação dos professores temporários, o modo de organização das escolas, que não acolhe. Como enfileirar os alunos, um atrás do outro, e querer que prestem atenção e aprendam? É preciso outro modelo, que faça sentido para eles, o que é impossível com as salas superlotadas. O mínimo passou a ser 40, 45 por turma. E o máximo até 84, o que não é raro na rede. Como ensinar?
Como tem sido a contratação?
Pelas regras em vigor, os professores temporários trabalham 200 dias e ficam um ano sem trabalho. Mas na educação, como na saúde, não pode haver interrupção, não pode faltar professor. É um trabalho coletivo e subjetivo. Os alunos não são coisas, são pessoas. Os jovens estão antenados; querem o que faça sentido para eles, e isso dá trabalho ao professor.
O professor consegue se preparar para atender a essa demanda?
O governador Alckmin não cumpre a lei 11.738/2008 (Lei do Piso), que determina que o professor tenha 33% da jornada destinada ao preparo e correção de provas e atividades e à sua formação continuada. Mas isso não acontece. Hoje, numa jornada de 40 horas semanais, nós entramos em sala de aula por 32. Não dá. Pela jornada do piso, são 26 para aulas e 14 para trabalho fora da sala. Professor leva trabalho para casa, sem receber. Estados mais pobres, como Sergipe, oferecem 34% da jornada semanal para atividades extraclasse. Aqui é 17%.
Por que a situação da educação pública foi piorando com o passar do tempo?
A escola pública era boa enquanto estudavam ali os filhos da elite. Quando começou a se abrir para o pobre, a elite retirou seus filhos. Não era preciso mais escola boa. A elite, no poder, acredita que para pobre qualquer escola serve. Acho que quem faz o pior também pode fazer o melhor. Mesmo que sejam pequenas e simples, as escolas podem ser simpáticas, funcionais e acolhedoras.
A Apeoesp é contra as escolas em tempo integral somente por causa do aspecto salarial?
Não somos contra o ensino em tempo integral, mas esse modelo de escola não inclui. Na verdade, exclui os alunos que fogem do padrão. E funcionam em regiões mais centrais, distante das periferias, onde moram os alunos que mais precisam de mais tempo na escola. Além disso, não pode ser na marra e tem de começar com os alunos mais novos, não no ensino médio, com aluno trabalhador. Nesse caso, para evitar a evasão, teria de dar uma bolsa. E esse modelo não integra o currículo, misturando atividades desconectadas, que cansam alunos e professores num ambiente autoritário, fictício.
O que de imediato pode ser feito para melhorar a educação?
O governo precisa entender que não é dono de tudo porque foi eleito. Educação não tem dono, nem partido político. Tem de ser política de Estado. Por isso o PNE instituiu um sistema nacional articulado, com financiamento baseado no Custo Aluno Qualidade que permita acabar com as desigualdades na qualidade do ensino oferecido a todos os brasileiros, em que União, Distrito Federal, estados e municípios atuem juntos em nome de um bem comum, e não cada um fazer do seu jeito porque prefeitos e governadores são de partidos diferentes. Lutamos pelo Plano Nacional de Educação, e agora pelos planos estaduais. O PNE representa avanços à educação, mas precisa sair do papel.

Richa e a pedagogia da planilhaO choque de gestão do governador paranaense Beto Richa (PSDB) foi aplicado à educação logo no início do seu primeiro mandato, em 2011. A primeira medida foi desfigurar a semana pedagógica, quando os educadores elaboram o projeto político-pedagógico da escola. O tucano substituiu reflexões a partir de textos teóricos pela análise puramente estatística das aprovações, reprovações e evasão – daí a chamada pedagogia da planilha.“Uma avaliação simplista dos números, e não mais dos motivos, na qual o professor torna-se o culpado, independentemente da falta de recursos ou de estrutura”, conta o secretário de Comunicação da APP Sindicato (entidade que representa os profissionais do ensino público no estado), Luiz Fernando Rodrigues. Richa acabou também com o livro didático público, que desde o governo de Roberto Requião era produzido por professores, com conteúdo contextualizado à realidade paranaense e adotou livros comerciais.Essa questão pedagógica e o enxugamento da folha e do quadro de funcionários ao longo do primeiro mandato culminaram com o fechamento de 2.400 turmas em dezembro passado. Sem investimentos em infraestrutura nos últimos cinco anos – levantamento do próprio governo mostra que seriam necessários R$ 2 bilhões para adequar as escolas paranaenses.Os professores entraram em greve em 27 de abril pelo cumprimento da Lei do Piso, reajuste salarial de 8,14%, realização de concurso público e melhores condições de trabalho. Eles eram maioria entre os mais de 200 feridos pela PM paranaense em 29 de abril, quando se manifestavam contra mudanças na previdência estadual proposta pelo tucano para sanar parte do rombo aberto em seu primeiro mandato.
Menos bala. Mais giz.