José Cruz/Agência Brasil
Pedro Dallari: Comissão da Verdade não é o começo nem o fim do processo, é o momento central
no site da Carta Capital
por José Gilbert Arruda Martins
Infelizmente, parece que tudo vai ficar como antes. O país depositou fortes esperanças de que com o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CV) fossemos capazes de iniciar um processo de mudança de rumos na questão da Ditadura Militar no Brasil detalhado e específico levando o tema ao debate com a sociedade, revendo a Lei da Anistia e punindo quem deve ser punido. Outro ponto importante, e ai não é problema da CV em si, é o seguinte? O que fazer agora? Vamos rever a Lei da Anistia? Vamos punir o Estado, as Forças Armadas? Vamos punir os torturadores e mandantes vivos? Será que o país vai ficar na mesma em relação à Ditadura Militar?
A construção democrática passa por sepultarmos os corpos insepultos de uma das mais violentas ditaduras militares da América.
Não vamos dar credibilidade e fortaleza à nossa democracia se continuarmos jogando para debaixo do tapete e não debatendo de forma assertiva com as punições e responsabilizações adequadas, a ditadura militar.
O Estado, as Forças Armadas precisam ser responsabilizadas. Essas instituições precisão vir a público se explicar, essa seria uma atitude de grandeza, uma atitude democrática de quem deseja ver um país melhor, mais seguro para todos e todas.
Comissão Nacional da Verdade
Especialistas criticam foco excessivo da CNV em casos já sabidos
Historiadores reconhecem as dificuldades enfrentadas, mas afirmam que grupo deveria ter falado menos em casos emblemáticos e mais nas perseguições de cidadãos comuns
por Rodrigo Martins — publicado 12/12/2014 05:47
Embora não tenha apresentado grandes novidades capazes de mudar os rumos da historiografia, especialistas reconheceram as dificuldades enfrentadas pela Comissão Nacional da Verdade e elogiaram o reconhecimento, no relatório final do grupo, de que a repressão e a eliminação de opositores políticos durante a ditadura (1964 a 1985) se converteram em “política de Estado, concebida e implementada a partir de decisões emanadas da presidência da República e dos ministérios militares”.
“Foi importante destacar que as torturas, mortes e desaparecimentos forçados não foram atos isolados ou fruto de excessos de alguns agentes do regime, como diziam os militares. Está mais do que comprovado que essas violações faziam parte de política de repressão institucional, com o conhecimento dos oficiais generais, inclusive dos presidentes da República”, comenta Carlos Fico, professor da UFRJ e coordenador do núcleo de História da Capes, agência de fomento à pesquisa federal.
“Eu já havia demonstrado isso em 1998, no livro Como Eles Agiam, e fiquei muito feliz de ver essa visão referendada pela Comissão da Verdade”, diz Fico. “No senso comum, dentro das casernas, ainda prevalece o discurso de foram atos isolados”.
De acordo com o historiador, os casos destacados pelo grupo também ajudaram a desconstruir mitos, como o de que o golpe de 1964 ocorreu sem violência e de que tudo não passou de uma batalha de telefonemas. “Isso é uma balela, os pesquisadores já sabiam, mas foi importante a Comissão divulgar que os porões dos navios estavam repletos de presos logo após o golpe. Houve prisões em massa e as torturas começaram desde o início.”
Apesar das contribuições deixadas, Fico avalia que a Comissão Nacional da Verdade poderia ter adotado uma estratégia que mobilizasse mais a sociedade. “Os conselheiros optaram por privilegiar os casos emblemáticos, já conhecidos e que há algumas décadas são reclamados pela militância de direitos humanos”, afirma. “Ficaram de fora, por exemplo, os casos de perseguição de cidadãos comuns, aqueles que não eram militantes de esquerda, mas que também foram vítimas da extensa rede de espionagem instalada no Brasil”.
O historiador cita os servidores que perderam o emprego ou tiveram a carreira na administração pública comprometida por alguma desconfiança dos órgãos de repressão. “Ao incluir essas pessoas comuns no rol das vítimas, a sociedade brasileira perceberia o dano causado pela ditadura a todos, e não apenas àqueles que lutaram contra o regime.”
Luiz Antonio Dias, chefe do Departamento de História da PUC-SP e pesquisador do tema há mais de duas décadas, também destaca a visibilidade dada aos malefícios da ditadura nos últimos anos. “De fato, não tivemos grandes revelações, capazes de mudar os rumos da historiografia. Mas o trabalho deu uma visibilidade muito grande ao tema e serviu como modelo para a criação dos comitês estaduais, municipais e setoriais”, afirma.
Segundo o pesquisador, a falta de colaboração dos agentes da repressão e das Forças Armadas prejudicaram os trabalhos da comissão, que não conseguiu avançar muito na localização dos desparecidos políticos. “É preciso reconhecer que a Comissão da Verdade não tinha poder coercitivo, tanto que muitos agentes se recusaram a prestar depoimentos. Também não tinha poder punitivo. Não por acaso, o coronel Paulo Malhães vangloriava-se das atrocidades que cometeu. Tinha a certeza da impunidade.”
Dias também destacou como um fato positivo a divulgação da lista com 377 violadores dos direitos humanos, além da recomendação pela responsabilização criminal, civil e administrativa dos 196 que permanecem vivos. “Acho pouco provável que esta proposta prospere nos tribunais ou no meio político, por conta do caminho escolhido lá atrás, de conciliação e esquecimento”, diz. “De toda forma, há um certo sentido de Justiça histórica na apresentação da lista dos torturadores.”
Fico também aplaude a iniciativa, mas critica o caráter genérico do pedido de responsabilização dos agentes da repressão. “Seria melhor uma recomendação expressa para que o Congresso Nacional reavaliasse a Lei da Anistia. O Supremo já se posicionou sobre o tema. Não acho que seja o caso de interpretar de forma diferente a lei ou de entrar na discussão de sua validade diante do sistema jurídico internacional”, afirma. “O Congresso fez essa lei e, à luz das revelações da Comissão da Verdade, deveria reavaliar sua posição. Essa é uma questão política, não jurídica.”
Em entrevista a CartaCapital, o advogado Pedro Dallari, atual coordenador da Comissão Nacional da Verdade, rebateu a acusação de que o grupo “requentou” fatos já sabidos e afirmou que houve avanços em muitos casos específicos, como o que trata da morte do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado em janeiro de 1971 nas dependências do DOI-Codi do Rio de Janeiro.
“Não tenho o menor problema em reconhecer que nos baseamos em dados levantados anteriormente. Sempre digo que a Comissão da Verdade não é o começo nem o fim desse processo, é o momento central”, afirmou. “Antes de nós, houve, por exemplo, os trabalhos da Comissão dos Mortos e Desparecidos Políticos e da Comissão de Anistia. Agora, tivemos o mérito de sistematizar as informações, acrescentar novas revelações, e criar uma plataforma que permitirá o aprofundamento dessas investigações por um grande número de instituições”.
Wadih Damous, presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, tem uma avaliação bastante semelhante. Para ele, o relatório do Comitê Nacional deve ser entendido como uma “obra aberta”, cujas investigações serão aprofundadas pelo Ministério Público, pelas universidades e pelas comissões da verdade locais. “Ainda não sabemos onde está o corpo de Rubens Paiva, Stuart Angel e todos os demais desaparecidos políticos. Não vamos descansar até encontrá-los todos.”