quinta-feira, 27 de novembro de 2014

"O Brasil e os Direitos Humanos: em busca de uma agenda positiva"


Artigo do Ministro Celso Amorim, publicado na revista Política Externa, vol. 18, nº 2 - set-out-nov/2009


A adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, em uma conjuntura internacional caracterizada pelos constrangimentos do pós-guerra, é exemplo de como é possível transformar vontade política em significativos avanços normativos e humanitários. A inclusão dos direitos humanos entre os objetivos principais da ONU - juntamente com a manutenção da paz e da segurança internacionais e com a promoção do desenvolvimento - foi essencial para conscientizar Governos e sociedades da necessidade de definir e respeitar direitos fundamentais de todos os seres humanos.
A preocupação com os direitos humanos está hoje refletida nos mandatos de quase todas as Organizações Internacionais. O respeito a esses direitos é percebido como indispensável para a busca dos ideais da paz e para a promoção do desenvolvimento. Os Estados são, assim, responsáveis por manter progressos na realização dos direitos humanos mesmo em condições políticas e econômicas adversas, como a atual crise econômica, e não podem ser indiferentes a crises humanitárias que envolvam violações graves e sistemáticas às normas internacionais sobre o tema.
O Brasil tem renovado seu compromisso internacional com os direitos humanos. Ratificou os principais instrumentos internacionais sobre a matéria. Reconheceu a competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos e estendeu convite permanente aos relatores dos procedimentos especiais do Sistema ONU. Ao todo, o País já recebeu visita de onze relatores, que trouxeram contribuição positiva, com diagnósticos e recomendações úteis a respeito de alguns dos nossos principais desafios na área.
Nos fóruns multilaterais, o Brasil tem promovido iniciativas exitosas que visam à evolução do arcabouço conceitual e dos instrumentos à disposição da comunidade internacional. Defendemos uma abordagem para o tema que privilegie a cooperação e a força do exemplo como métodos mais eficazes do que a mera condenação. Buscamos abrir os canais de diálogo para que as decisões gerem resultados práticos, com repercussão na vida das pessoas que sofrem as consequências diárias de violações. Em suma, no plano internacional, o Brasil tem pautado sua atuação pela defesa do diálogo e do exemplo e por uma visão abrangente - não hierarquizante nem seletiva - de que todos os países têm deficiências e que podem beneficiar-se da cooperação.
Essa postura do Brasil no plano internacional só é possível em razão da realidade política vivida no plano interno, resultado de processo de avanços progressivos alcançados desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. A consolidação do regime democrático assentou as bases para que o País avançasse na redução das desigualdades e na construção de formas inclusivas de participação social. A promoção dos direitos humanos e o combate à fome e à pobreza são hoje prioridades do Estado brasileiro, que o Governo do Presidente Lula tem respeitado e aprofundado.
Compromisso Renovado com o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos
O regime internacional de proteção dos direitos humanos foi estabelecido pela Carta da ONU e pela Declaração Universal de 1948, mas os avanços do ponto de vista do arcabouço normativo não pararam por aí. Grupos específicos - tais como mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiência - tiveram seus direitos humanos protegidos por tratados internacionais vinculantes. A maioria dos instrumentos de proteção incluem mecanismos de denúncia para a efetiva garantia de realização dos direitos consagrados.
Os trabalhos da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, criada em 1946, foram fundamentais para a elaboração dos documentos internacionais e para a aceitação crescente do monitoramento internacional na área. As Conferências Mundiais de Direitos Humanos, em Teerã, em 1968, e em Viena, em 1993, consolidaram os princípios básicos do sistema de proteção: a universalidade, a indivisibilidade, a inter-relação e a interdependência dos direitos humanos; a legitimidade da preocupação internacional com a situação dos direitos humanos em qualquer parte do mundo; o reconhecimento do direito ao desenvolvimento; a inter-relação indissociável entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos. Há, ainda, a inter-relação entre paz e direitos humanos. Se é verdade que os direitos humanos são elementos fundamentais na busca pela paz duradoura, também é verdade que o exercício desses direitos só é possível na vigência da paz.
A Comissão de Direitos Humanos teve, no entanto, sua legitimidade minada pelas críticas à abordagem seletiva e politizada que caracterizava sua atuação. As resoluções sobre países adotadas pelo órgão eram frequentemente inspiradas antes na singularização do país violador por motivações políticas do que na necessidade de monitoramento efetivo da situação dos direitos humanos. Como outras instâncias multilaterais, a Comissão não era infensa às disputas de poder.
Em contexto internacional pautado pela agenda de combate ao terrorismo, a AGNU convocou Cúpula de Alto Nível, em 2005, com o intuito de avançar a aguardada reforma das Nações Unidas. Da Cúpula, que reuniu mais de 170 chefes de Estado e de Governo, resultou, entre outras medidas, a substituição da Comissão pelo Conselho de Direitos Humanos (CDH), hoje o principal órgão de promoção dos direitos humanos do Sistema ONU.
Ao contrário da Comissão, o Conselho de Direitos Humanos é órgão subsidiário da Assembleia Geral da ONU, em patamar semelhante ao do Conselho de Segurança e do Conselho Econômico e Social (Ecosoc). O CDH conta com número inferior de membros em relação à Comissão: 47 contra 53. Seus membros se reúnem com maior regularidade: no mínimo 10 semanas por ano. Além disso, os países candidatos ao CDH devem assumir formalmente compromissos voluntários - medidas a serem adotadas ao longo de seu mandado para o progresso da realização dos direitos humanos em seus territórios. Essa nova configuração atendeu à demanda de dar ao tema um tratamento equivalente ao que é dispensado a questões relativas à paz e à segurança internacionais e à promoção do desenvolvimento no âmbito da ONU.
O Conselho de Direitos Humanos iniciou seus trabalhos em 19 de junho de 2006, com expectativas concentradas no processo de construção institucional. O Brasil, eleito para a primeira composição do CDH com a maior votação entre os países da América Latina e Caribe, manteve postura mediadora e construtiva. Esse papel foi, desde o início, reconhecido pelas demais delegações. Em 2008, o Brasil foi reconduzido ao órgão, novamente com votação expressiva.
Tivemos papel destacado na negociação do projeto de diretrizes sobre a atuação de relatores especiais do Conselho de Direitos Humanos, com o objetivo de conferir maior responsabilidade e transparência à missão desses relatores, sem comprometer sua independência. Mas, sobretudo, o Brasil teve participação ativa na criação da principal inovação institucional do Conselho de Direitos Humanos - o Mecanismo de Revisão Periódica Universal -, inspirado em proposta brasileira.
Ainda no âmbito da antiga Comissão, o Brasil defendia que relatório global sobre a situação dos direitos humanos no mundo proporcionaria revisão transparente e não-seletiva dos desafios enfrentados pelos Estados membros da ONU e abriria possibilidades de maior cooperação na matéria. Estava claro que era preciso modificar o sistema então vigente, em que somente alguns países eram selecionados para exame, segundo critérios sujeitos à conveniência e à oportunidade política de outros poucos.
A ideia permeou os trabalhos da Comissão de Direitos Humanos, até que, em 2005, o então Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, lançou, em discurso à Comissão, a proposta de realização de revisão por pares da proteção dos direitos humanos em todos os países membros da ONU. O Mecanismo de Revisão Periódica Universal, hoje institucionalizado, consiste em um instrumento por meio do qual todos os 192 Estados membros da Organização são objeto de análise pelos CDH.
O Brasil foi o nono país a apresentar relatório ao Mecanismo de Revisão Periódica Universal, em abril de 2008. A elaboração do Relatório brasileiro envolveu diversos órgãos do Executivo, o Congresso Nacional e ampla participação da sociedade civil. O documento foi considerado por diversos países como exemplar e deixou clara a solidez dos princípios e das políticas brasileiras ao apresentar compromisso voluntário de preparar informes anuais ao Conselho sobre a implementação das recomendações feitas ao Brasil. Em reconhecimento ao modo transparente e construtivo que orientou a participação brasileira no exercício, o Brasil tem sido chamado a participar de seminários organizados pelo Escritório do Alto Comissariado em países que ainda não se submeteram ao Mecanismo, de que são exemplos Angola e Haiti.
O Governo brasileiro tem encorajado a participação da sociedade civil no diálogo com os mecanismos internacionais de direitos humanos, o que se refletiu no processo de elaboração das regras do Mecanismo de Revisão Periódica Universal. Trabalhamos para garantir que as organizações não-governamentais possam pronunciar-se nas sessões do Grupo de Trabalho do Mecanismo a despeito de forte oposição de países e grupos regionais.
As preocupações da diplomacia brasileira com a proteção dos direitos humanos evidentemente não se esgotam no processo de construção institucional do CDH. O Brasil tem trabalhado para a evolução conceitual dos direitos humanos e para romper a clivagem temática que divide países em desenvolvimento - como defensores dos direitos econômicos, sociais e culturais - e países desenvolvidos - como promotores dos direitos civis e políticos. Um exemplo é o projeto de resolução que afirma a incompatibilidade entre a democracia e o racismo.
A iniciativa brasileira condena a existência de partidos políticos com plataformas racistas e alerta a comunidade internacional contra a possibilidade de que tais partidos venham a ser conduzidos para o poder em um contexto democrático. Com essa resolução, o Brasil contribuiu para a consolidação do conceito de democracia e de sua inter-relação com direitos humanos, preconizada pela Conferência Mundial de Viena de 1993. Foi, ainda, pioneiro, entre os países em desenvolvimento, em propor resolução sob a égide dos direitos civis e políticos, até então território exclusivo dos países ricos ocidentais.
O Brasil conferiu grande importância à Conferência de Revisão de Durban, realizada, em Genebra, de 20 a 24 de maio de 2009. A delegação brasileira procurou atuar de modo construtivo e flexível, buscando forjar consensos e construir pontes entre opiniões conflitantes. Os trabalhos preparatórios tinham enfrentado sérias dificuldades. Assuntos polêmicos, tais como a difamação de religiões, a concessão de reparações pelo tráfico transatlântico de escravos e a situação dos direitos humanos na Palestina bloquearam os debates.
O Brasil procurou zelar para que a linguagem e os conceitos consolidados em Durban fossem mantidos, a fim de evitar retrocessos ou mesmo o fracasso do processo de Revisão. Ao final, foi possível aprovar documento positivo, equilibrado e que não singulariza nenhum país. Evitaram-se resultados indesejados, como a polarização e a seletividade. Além disso, a Declaração aborda temas de grande interesse para o Brasil, como proteção de afrodescendentes, indígenas, migrantes, mulheres e crianças.
Durante a celebração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 2008, o Brasil se engajou ativamente na Resolução sobre Metas Voluntárias em Direitos Humanos. Aprovada por consenso, esta iniciativa estabeleceu dez metas que a comunidade internacional se comprometeu a alcançar até o 70º Aniversário da Declaração. Os compromissos abarcam, entre outros, o combate à fome e à pobreza; a ratificação universal dos instrumentos internacionais; o fortalecimento dos marcos legais, institucionais e de políticas em direitos humanos; a criação de instituições nacionais e o direito ao desenvolvimento.
O histórico compromisso da diplomacia brasileira com o direito ao desenvolvimento, tanto em território nacional como em escala global, também vem sendo traduzido na promoção ou no apoio a ações inovadoras. Por ocasião da 58ª Assembleia Geral da ONU, Brasil, Índia e África do Sul criaram o Mecanismo IBAS de Alívio à Fome e à Pobreza. Em janeiro de 2004, os Presidentes Lula, Chirac e Lagos e o então Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, lançaram a "Ação Global contra a Fome e a Pobreza", que teve como desdobramento a criação, em setembro de 2006, da Central Internacional para a Compra de Medicamentos contra o HIV/AIDS, a Malária e a Tuberculose - a Unitaid.
O acesso da população a medicamentos é um dos componentes essenciais no processo de inclusão social, de busca da equidade e de fortalecimento do sistema de saúde dos países. Melhorar o acesso aos medicamentos existentes poderia, segundo dados da OMS, salvar dez milhões de vidas a cada ano, quatro milhões delas na África e no sudeste asiático.
A Declaração de Doha sobre Trips e Saúde Pública, adotada em 2002, consagrou interpretação que coloca os objetivos das políticas públicas de saúde acima da proteção dos direitos privados de propriedade intelectual, ao reconhecer a possibilidade de recorrer à licença compulsória para produção de medicamentos. A Declaração representou avanço importante na garantia de acesso a medicamentos em países pobres. O Brasil tem atuado de forma articulada e assertiva em todos os foros envolvidos (OMS, OMC e OMPI), em questões vinculadas à saúde pública. No CDH, o Brasil é o principal patrocinador do mandato do Relator Especial sobre o Direito à saúde.
É fundamental que a comunidade internacional adote ações concretas para que a retração econômica não coloque em risco os valores dos direitos humanos, da democracia e da paz. Estudos demonstram que muitos dos ganhos conquistados nos últimos anos em termos de crescimento econômico, redução da pobreza, geração de emprego e desenvolvimento social foram comprometidos pela mais grave crise econômica de nossa geração. Em vários países, o cumprimento das Metas do Milênio está seriamente ameaçado. O endurecimento de legislações sobre migrações por vários países traz retrocesso perigoso para a legislação internacional de proteção dos direitos humanos.
O Brasil promoveu, juntamente com China, Índia, Rússia e o Grupo Africano, a realização da X Sessão Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre o impacto da crise econômica e financeira global sobre a efetiva realização dos direitos humanos. O fato de serem convocadas sessões especiais do CDH para avaliar o agravamento da realização de direitos econômicos e sociais - convencionalmente considerados como de realização progressiva - constitui avanço conceitual importante e um exemplo de mobilização que o Conselho de Direitos Humanos é capaz de suscitar quando amparado pela vontade comum de seus membros.
Na última reunião do G-20, em Londres, o Brasil demonstrou forte oposição às tentativas dos países desenvolvidos de flexibilizar as normas de direito do trabalho diante da nova conjuntura trazida pela crise. Temos defendido que a OIT seja chamada a participar das próximas reuniões do Grupo. Durante a 98ª Conferência Internacional do Trabalho, em junho, o Presidente Lula discursou a favor do "Pacto Global pelo Emprego", pacote de opções de políticas para enfrentar a crise, que coloca o emprego no centro das preocupações e garante proteção social aos grupos mais vulneráveis da população.
Situação dos Direitos Humanos em Países Específicos
A possibilidade de criar relatorias especiais sobre a situação dos direitos humanos em países específicos permanece no âmbito do CDH, mas há uma tendência crescente de oposição a essa forma de monitoramento. Durante o processo de construção institucional do órgão, países ocidentais apoiavam a possibilidade de o Conselho criar esse procedimento, sem mudanças em relação à sistemática adotada pela antiga Comissão. Já países que costumavam ser objeto desses mecanismos, e seus respectivos grupos regionais, desejavam eliminar essa possibilidade, salvo em hipóteses nas quais houvesse o consentimento do país implicado. Isso, no entanto, criaria virtual lacuna para a proteção de vítimas de violações graves e sistemáticas de direitos humanos em países que se recusassem a aceitar a presença de relatores em seu território.
O Brasil defendeu a validade do mecanismo, desde que fundamentado em informações objetivas sobre a situação dos direitos humanos no país avaliado. A posição brasileira certamente contribuiu para induzir atitude mais cooperativa das demais delegações, tanto no sentido de reconhecer a validade do instrumento das resoluções sobre países, quanto no sentido de evitar ou pelo menos limitar sua politização.
No caso de situações que demandem resposta urgente da comunidade internacional, há ainda a possibilidade de convocar Sessões Especiais do CDH. As onze sessões especiais convocadas para discutir o agravamento da situação dos direitos humanos decorrente da escalada de conflitos no Sudão, em Myanmar, na República Democrática do Congo, no sul do Líbano, no Sri Lanka e, em quatro ocasiões, nos Territórios Palestinos Ocupados, ilustram o impacto negativo de ameaças à paz e à segurança sobre a os direitos humanos e o direito internacional humanitário. Ressaltam também a necessidade de que a proteção desses direitos se integre plenamente aos esforços de pacificação e de solução duradoura daqueles conflitos.
A posição do Brasil nas discussões sobre a situação dos direitos humanos no Sudão é exemplo da atuação construtiva e isenta de alinhamentos automáticos do País no Conselho de Direitos Humanos. Durante a 2ª Sessão do órgão, em 2006, um impasse entre a União Europeia e o Grupo Africano poderia ter levado à suspensão do monitoramento da situação dos direitos humanos em Darfur. Enquanto os europeus consideravam o projeto de resolução africano pouco condenatório, os africanos consideravam as propostas europeias excessivas. A proposta européia previa, além do informe de Relator sobre a situação no Sudão, relatório especial da Alta Comissária sobre o assunto.
O Brasil votou a favor do projeto de resolução apresentado pelo Grupo Africano, que, ao fim, garantiu o mandato de relator especial para monitorar a crise humanitária na região. Alguns meses mais tarde, com o agravamento da situação em Darfur, o Brasil apoiou os esforços da União Europeia para a realização da Sessão Especial sobre a situação no Sudão e contribuiu para a aproximação das posições defendidas pelos dois Grupos. Essa atitude garantiu a aprovação, por consenso, de resolução que determinou o envio de missão de Grupo de Peritos a Darfur.
Em junho passado, o Brasil foi favorável à proposta de criação de mandato de um ano de especialista independente sobre a situação de direitos humanos no Sudão. A posição brasileira contrastou com a de vários países africanos e asiáticos e garantiu a continuidade do monitoramento da situação na região sob uma perspectiva mais construtiva, baseada na cooperação. Ao Brasil, antes que uma mera penalização ao Governo do Sudão, interessa a melhoria da situação de direitos humanos dos sudaneses.
O Brasil teve atitude análoga na Sessão Especial do CDH sobre a situação dos direitos humanos no Sri Lanka, convocada, em maio de 2009, em decorrência do agravamento do conflito entre o governo cingalês e os Tigres Tâmeis. Em busca de aprovação de resolução equilibrada, que garantisse resultados tangíveis para as vítimas do conflito, o Brasil procurou dialogar com o governo do Sri Lanka, principal responsável pela implementação das medidas que viessem a ser adotadas pelo Conselho. Em negociação marcada por dificuldades, particularmente devido à ausência de consultas abertas de alguns países com a delegação do Sri Lanka, a persuasão era mais eficaz do que a adoção de uma resolução excessivamente condenatória. Tal linha de atuação permitiu ao Brasil, na condição de co-patrocinador do projeto de resolução, proceder a modificações no texto originalmente proposto com vistas a incluir pontos substantivos de particular interesse da comunidade internacional, como a proteção dos deslocados internos e refugiados do conflito.
Para promover uma agenda mais positiva nas discussões sobre a situação dos direitos humanos em países específicos, o Brasil propôs ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos a formalização de Memorando de Entendimento para o desenvolvimento de projetos de cooperação Sul-Sul em países que se revelem interessados em receber cooperação. A conclusão desse Memorando - que se encontra em processo de tramitação - poderá, ao mesmo tempo, reforçar a capacidade da diplomacia brasileira de prestar cooperação e reforçar a atuação do Conselho de Direitos Humanos.
O mandato de promover atividades de cooperação internacional, conferido pela Assembleia Geral da ONU ao Conselho e ao Alto Comissariado, repousa, por um lado, na premissa de que cada Estado é soberano para decidir sobre a forma de cooperação a ser recebida e, por outro, no objetivo primário da criação do CDH de oferecer foro de diálogo e de cooperação para o fortalecimento das capacidades dos Estados de cumprir com as obrigações.
O tratamento da situação de direitos humanos em países determinados tem ocorrido, no entanto, sem grandes contrapartidas em matéria de cooperação. Tal fato induz à percepção de que o CDH tem repetido os erros da antiga Comissão ao restringir-se à mera condenação dos países, sem realizar ações concomitantes voltadas à melhoria da situação de direitos humanos por meio da capacitação estatal e da troca de experiências.
Há, todavia, significativa demanda reprimida por cooperação técnica em matéria de direitos humanos. Desde o início das atividades do CDH, vários países - entre eles Burundi, Haiti, Libéria e República Democrática do Congo - apresentaram pedidos de auxílio ao CDH com base no reconhecimento das dificuldades encontradas por seus órgãos nacionais em implementar a normativa internacional de direitos humanos.
A experiência prática que o Brasil tem adquirido em países como Guiné Bissau, Moçambique e Timor Leste, entre outros, habilita-nos a suprir tal demanda, tanto em direitos econômicos, sociais e culturais quanto em direitos civis e políticos.
Em visita a Bissau, em 2005, o Presidente Lula prometeu ajudar o país no seu processo de consolidação da democracia e expressou sua expectativa de que a reconciliação interna promovesse a convivência democrática na diversidade. Temos buscado contribuir para a democracia na Guiné-Bissau em momentos de instabilidade política e institucional por meio de auxílio financeiro e envio de missões técnicas para a realização do processo eleitoral. Assinei, em 2007, juntamente com Condoleezza Rice, pelos Estados Unidos, e António Isaac Monteiro, pela Guiné-Bissau, Memorando de Entendimento destinado a apoiar o Parlamento guineense na coordenação da assistência legislativa. Como coordenador da Configuração Específica da Comissão de Construção da Paz para a Guiné-Bissau, defendemos a adoção de medidas que conjuguem desenvolvimento econômico e inclusão social, essenciais para o equacionamento de outros problemas de longo prazo, por exemplo, na área de segurança.
No Haiti, o Brasil comanda, desde 2004, o componente militar da Missão das Nações Unidas de Estabilização do Haiti (Minustah). Nestes cinco anos de presença em solo haitiano, o Brasil buscou transcender o aspecto meramente militar da liderança da missão e inovou ao integrar as dimensões da promoção do desenvolvimento e do fortalecimento do Estado de direito no país. A Minustah contribui para a proteção dos direitos humanos no Haiti em duas vertentes: primeiro, ao apoiar o restabelecimento da segurança, o que cria condições mínimas para a proteção dos direitos humanos no País; segundo, ao apoiar a consolidação das instituições judiciárias e a capacitação da Polícia Nacional Haitiana. O fortalecimento do Estado de Direito, no Haiti, é um grande desafio, que depende, em última análise, dos próprios haitianos. A comunidade internacional pode e deve ajudar os haitianos nesse processo.
Muitas outras situações mostram que o diálogo e a cooperação são mais eficazes do que a mera condenação ou o recurso a sanções. Estive no Zimbábue no final do ano passado, quando muitos países criticavam a possibilidade de uma aproximação entre o Governo de Robert Mugabe e a oposição liderada por Morgan Tsvangirai. Independemente das razões que moviam os Governos críticos ao diálogo - interesses econômicos ameaçados, a culpa pelo passado de coerção colonial - o fato é que não estimularam uma reconciliação interna e defenderam abertamente a imposição de sanções contra o Zimbábue.
De minha parte, conversei com Mugabe, com os líderes da oposição e com o principal mediador estrangeiro, o então Presidente sul-africano Thabo Mbeki. A todos expressei a posição do Governo brasileiro de que o diálogo e a aproximação entre as forças políticas era o melhor caminho para a estabilidade e o desenvolvimento do Zimbábue. Melhorar efetivamente as condições de vida da população, no terreno, era mais importante do que passar atestados de culpa de eficácia duvidosa por violações de direitos humanos, que pouco contribuiriam para a pacificação do país. Meses mais tarde, a formação de um Governo de coalizão revelou-se crucial para a normalização da vida política, econômica e social, com efetivos ganhos para a população do Zimbábue, como quase todos reconhecem hoje.
O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos
Destaco ainda a participação do Brasil no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, cujos principais órgãos são a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. São reais os impactos que esses mecanismos de garantia podem provocar no cotidiano das pessoas dos países que reconhecem sua competência. Os principais temas levados ao sistema interamericano têm relevância direta na vida de grande número de pessoas, como segurança pública, condições carcerárias, racismo, direitos indígenas e proteção de defensores de direitos humanos.
Ao sistema interamericano podem ser atribuídas mudanças concretas em vários países da região, inclusive no Brasil. A política nacional de erradicação do trabalho escravo, a legislação de prevenção e sanção da violência contra as mulheres, conhecida por Lei Maria da Penha, e a mudança do modelo assistencial em saúde mental são exemplos emblemáticos de políticas públicas que têm inspiração em acordos e decisões geradas no âmbito do sistema interamericano.
Conclusão
Os avanços na proteção dos direitos humanos no Brasil permitiram ao País consolidar posição de interlocutor coerente e equilibrado no sistema multilateral, com capacidade de influenciar o debate sobre direitos humanos e colaborar para melhorias efetivas no respeito a esses direitos em outros países. Temos priorizado o desenvolvimento de agenda positiva de proteção dos direitos humanos, que rompa com a tradição de debates estéreis sobre o assunto baseados mais na conveniência política dos países do que nas reais necessidades das pessoas que sofrem os efeitos de violações.
Uma militância construtiva em favor dos direitos humanos leva em conta as peculiaridades de cada situação e as verdadeiras necessidades das vítimas das violações. Em reação a crises humanitárias, a comunidade internacional deve buscar o difícil equilíbrio entre o fortalecimento dos esforços pela paz e a necessidade de resposta condenatória às violações dos direitos humanos. A mera condenação leva ao isolamento. O diálogo e a persuasão são muitas vezes mais eficazes para a melhoria da situação no terreno ao trazer à cooperação as partes responsáveis pelo cumprimento das decisões dos fóruns multilaterais.
Defendemos uma atitude de não-indiferença, sem descuidar dos princípios basilares da soberania estatal e da não-intervenção nas relações internacionais. Essa posição se reflete nas iniciativas do Brasil no Conselho de Direitos Humanos, no comando do componente militar da Minustah, na coordenação da Configuração para a Guiné-Bissau da Comissão de Construção da Paz, nos projetos de cooperação Sul-Sul e na ampliação da ajuda humanitária que enviamos ao exterior. Além disso, temos envidado esforços para a construção de uma ordem internacional mais justa e igualitária, que favoreça a defesa desses direitos, o que inclui a democratização das instâncias decisórias internacionais.
Esse engajamento internacional só é possível por nosso diálogo privilegiado com países de todas as regiões - posição desfrutada por poucos países no mundo. A criação do Fórum IBAS entre três grandes democracias multirraciais de países em desenvolvimento; a criação e coordenação do G-20 para defender os interesses comerciais dos países em desenvolvimento na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e as Cúpulas América do Sul - Países Árabes (ASPA) e América do Sul - África (ASA) são exemplos de iniciativas que contribuem para essa nossa posição.
Como afirmei na Sessão Inaugural do Conselho de Direitos Humanos, em junho de 2006, é preciso que o nosso objetivo não seja só de condenação, mas também de promoção; de não correr atrás de vitórias políticas de um tipo ou de outro, mas de assegurar que cada indivíduo possa desfrutar a vida livre do medo, da fome e do desrespeito. A cooperação precisa prevalecer sobre a vitimização. E os ideais - precisamente aqueles que foram consagrados na Declaração Universal - precisam prevalecer sobre a conveniência política.
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Sobre ser de "direita" ou de "esquerda, no Brasil e no mundo...

Se quisermos realmente qualificar posturas de direita e de esquerda, temos que verificar como as pessoas se posicionam, por exemplo, frente ao capital e ao trabalho; mas não só isso…
Rodolpho Motta Lima, Direto da Redação - no Pragmatismo Político

O tema em questão é mesmo instigante. É interessante verificar como incomoda a alguns a simples menção às categorias “esquerda” e
“direita” no campo da política. Mais interessante ainda é perceber que a
reação quase sempre parte daqueles que, pelo que pensam e praticam,
seriam de direita…
É uma discussão estéril, concordo, mas por motivos diferentes
dos normalmente levantados. Em países considerados modelares por
esses mesmos críticos , a terminologia esquerda x direita, com suas
variações, é empregada sem os traumas que provoca aqui. Então,
é mesmo uma discussão estéril, porque não há como negar o óbvio.
Há – e desde sempre – no Brasil e no mundo, pensamentos e atitudes
de esquerda e de direita, em maior ou menor profundidade, gerando
maiores ou menores consequências. Os termos remontam à Revolução Francesa: os Girondinos, à direita no plenário da Assembleia nacional, representavam os nobres e os burgueses ricos; os Jacobinos, sentados à esquerda, eram representantes da pequena burguesia e do povo. Mas as
duas posturas ideológicas vêm de muito antes.
Não sei se ajuda como argumento mencionar as recentes declarações do ministro Joaquim Barbosa, o herói da vez na mídia, afirmando, na Costa
Rica, que, em nosso país, os três maiores jornais impressos são, todos
eles, “mais ou menos inclinados para a direita no campo das ideias”. De
onde será que ele tirou essa palavra? E como chegou a essa conclusão?
Mencionei o adjetivo “ideológicas”, porque é mesmo disso que se trata: ideologia, ou seja, um conjunto de ideias (ou ideais?) que as pessoas
acabam assumindo em função da visão do mundo que absorveram, dos valores que aprenderam, das vivências que experimentaram. Todos
precisam de uma ideologia pra viver (e não apenas o Cazuza), e mesmo
os que a recusam já assumem uma, no ato mesmo de recusá-la…
Em cada momento, em cada lugar, as posições de esquerda e de direita podem até apresentar variações, nuances, matizes. Mas há sempre
como enxergar os dois campos. E não é, seguramente, desqualificando
um dos dois com a análise de processos de corrupção (um certo “corruptômetro” que anda por aí), que iremos separar os dois lados.
Se esse ou aquele político de esquerda é corrompido, esse ou aquele
político de direita também o é. Se funcionários de órgãos públicos
cedem às propinas, empresários da iniciativa particular é que os
compram…

O destaque que se dá a um ou outro desses lados corre por conta dos interesses de quem destaca. No Brasil, por exemplo, a tal mídia de direita apontada pelo presidente do STF destaca os erros da esquerda e omite
os da direita a que pertence. Por esse caminho, então, não chegamos a
lugar algum, a não ser à convicção de que a corrupção é nefasta, onde
existir, e deve ser combatida. E que valeria a pena discutir que tipo de sociedade é essa que, calcada no lucro e nos valores materiais, gera,
a todo momento, fraudes, negociatas e corrupção…
Se quisermos realmente qualificar posturas de direita e de
esquerda, temos que verificar como as pessoas se posicionam,
por exemplo, frente ao capital e ao trabalho. Não é interessante
verificar que ruralistas e latifundiários se autointitulam e são rotulados
pela mídia como membros das “classes produtoras”? Onde ficam os
que realmente produzem, os trabalhadores do campo, explorados e
às vezes escravizados? Dependendo de para onde façamos pender
a nossa “balança ideológica”, seremos, sim, de direita ou de esquerda.
Quem aceita, por exemplo, passivamente, o rótulo de “consumidor” e
não percebe a gradativa ascendência dessa palavra sobre o nome
“cidadão”, seguramente está absorvendo valores da direita, do mercado,
do consumo individualista a qualquer preço, em detrimento de valores
sociais que se perdem a cada dia… Um problema de esquerda ou
direita, podem crer…
As cotas , e o posicionamento que se assume sobre elas,
são um outro tema que permite a identificação ideológica. Elas
colocam de um lado os que as rejeitam como algo contrário à
“meritocracia”, que não premiaria os “melhores”. Uma espécie de
“seleção natural” que de natural não tem nada, porque esquece, convenientemente, que o “mérito” , em um país perversamente
desigual como o nosso, já começa no berço, e acaba sendo, com
exceções que confirmam a regra, um mecanismo de perpetuação de
elites. Do outro lado, há os que lutam pelas cotas como instrumento
de correção social, um pagamento de dívidas históricas contraídas
pelos poderosos. Direita x esquerda, sem dúvida…
Nessa esteira haveria muitos outros exemplos. Um, bem emblemático:
bolsa-família. A posição de direita considera que a bolsa estimula
a inércia, uma espécie de “dolce far niente” dos premiados com as
“polpudas” importâncias, um bando de desocupados que o Governo
subsidia… Nada mais perverso do que os bem alimentados ousando
discorrer sobre o problema dos que têm fome, aquela mesma fome
que o saudoso Betinho dizia que “não podia esperar”. O que interessa,
para a esquerda, é que dezenas de milhões de brasileiros saíram da
miséria e vão mais longe do que isso, muito mais, a julgar pelas
recentes notícias que dão conta que 1,3 milhão de “bolsistas” devolveram
a sua bolsa ao Governo porque já conseguem caminhar com os próprios pés…
Segmentos de direita podem, aqui e ali, ter posicionamentos mais à esquerda, até por demagogia. Da mesma forma, por fraqueza ideológica, a esquerda pode ter momentos de direita. Não devia ser assim, mas acontece. Mais cedo ou mais tarde , essa confusão de quem entra em contradição com a própria visão do mundo pode provocar irreversíveis problemas de consciência. Nesse quesito, felizmente, e desde garoto, a minha consciência vai seguindo em paz…


quarta-feira, 26 de novembro de 2014

No Brasil e EUA os encarcerados e assassinados são jovens negros

EXTERMINIO-juventude-negra
De acordo com 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, das 53.646 vítimas de homicídio, 36.479 são negras; dos 574.207 presos, 307.715 são negros
11/11/2014
Da Redação do Brasil de Fato - no Maria Frô
De 2009 a 2013, cresceu o número de homicídios no Brasil, de 44.518 mil para 53.646 mil. Das vítimas fatais do ano passado, 36.479 eram negras. O valor corresponde a exatamente 68% do total. A maioria das vítimas (53,3%) tinha entre 15 e 29 anos e eram homens (93,8%). Os dados apresentados são do 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgado nesta terça-feira (11) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Outro dado apontado pelo relatório é o número de presos no Brasil. Segundo o FBSP, o país já possui 574.207 pessoas encarceradas – cerca de 23 mil a mais que em 2012. Deste total, 307.715 são negros, 61,7% a mais que brancos. A maioria das pessoas – 75% – se encontra privada de sua liberdade por tráfico de drogas e crime contra o patrimônio.
Outro dado alarmante levantado pelo relatório é o número de presos provisórios, que estão aguardando julgamento, que chega a 215.639 pessoas, ou seja, 40,1% do total de presos no sistema penitenciário, que não inclui os que estão sob custódia das polícias.
Diante desses números, Fábio de Sá e Silva, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea e pós-doutorando no centro de profissões jurídicas da Harvardu University  Schooloflaw, avalia que o crescente encarceramento, com ênfase em jovens, negros e por crimes associados a entorpecentes e o aumento do número de presos em situação provisória explicam por que o Brasil caminha resoluto para alcançar posições de destaque entre os países que mais encarceram.
De acordo com ele, a publicação dos dados do relatório coincide com o início de um novo ciclo governamental, no qual a política prisional terá de ser profundamente repensada.
“Um primeiro investimento deverá ser feito na retomada do vínculo entre a política prisional e a política criminal, com a avaliação dos efeitos do atual arcabouço jurídico-penal sobre os níveis de encarceramento e uma apreciação crítica dos próximos movimentos a serem adotados”, explica no relatório.
Fábio ainda ressalta que é fundamental o governo investir na ampliação do repertório punitivo, de modo que a prisão deixe de ser a única ou a principal resposta de que o Poder Público dispõe para dar conta da violência e da criminalidade.
“Neste sentido, aliás, talvez o maior desafio, mas também a melhor aposta no setor para o próximo ciclo governamental seja abrir o tema a discussões públicas e envolver a sociedade civil, os especialistas e trabalhadores”, conclui.
Sem tempo para sonhar: EUA têm mais negros na prisão hoje do que escravos no século XIX

No “trote” violento da Medicina, lições de Freud e Foucault

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Humilhações na calourada expõem formação que vê o outro como objeto de gozo. E papel do Médico associa-se ao controle e esvaziamento da vida
Por Christiana Oliveira - no Outras Palavras
Após uma onda de ódio e preconceito, ligado às eleições, nos deparamos com denúncias aterrorizantes, que seguem a linha da intolerância e demarcam o que sempre existiu – e que foi mantido no silêncio por anos, como algo inexistente. Na última terça-feira, 11/11, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) realizou uma audiência sobre as denúncias feitas contra os universitários da Faculdade de Medicina da USP. Rompido o lacre da impunidade, tornaram-se públicos segredos sórdidos: assédios, estupros, preconceito e humilhação são as marcas principais. A universidade, que sempre soube das acusações, não se deu o trabalho de investigá-las, justificando a importância de “não manchar a imagem da instituição”¹.
Diante disso, questiona-se: de que maneira esses alunos, que passaram por uma educação de qualidade e são tidos como a elite intelectual brasileira, chegaram a esse nível? Ou, então: de que modo ocorrerá o encontro do futuro médico com seu paciente, se o outro é visto como objeto de gozo?
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A escolha
Todo sujeito tem uma formação, e essa constatação não se reduz a um curso universitário, por exemplo, mas sim, aos desejos que motivaram as escolhas individuais de cada um, e que constituem esse ser. De maneira geral e abrangente, há o reconhecimento social da profissão. “Médico”, com letra maiúscula; há muitas associações que elevam a profissão a um ideal a ser assumido, e muitas vezes venerado. Além disso, envolve o prestígio e a promessa do retorno financeiro. Ou seja, há quem se sinta motivado (ou pressionado) a seguir tal carreira, deixando de lado a empatia com a profissão, o cuidado com o outro e o reconhecimento do sofrimento alheio.
A partir dessa escolha, vemos as pressões de uma formação objetificada, já que o sujeito fica inundado de metas e se torna alvo de humilhação. Os cursinhos preparatórios ditam o conteúdo a ser engolido e reproduzido pelos alunos, submetidos ao vestibular maçante e desigual. Tudo o que pode desviar a atenção desses estudantes tem que ser descartado, havendo uma inversão drástica entre as relações interpessoais e as horas de estudos. Com isso, há o incentivo ao individualismo como fortaleza: o outro passa a ser uma ameaça, que pode tirar a tão sonhada vaga na faculdade – ou transformada em sonho, através de toda essa neurotização criada.
Vemos, em suma, um aluno fragilizado, com seu narcisismo abalado. Porém, essa fragilidade é degolada e negada tanto quanto possível. Se o objetivo final não é conquistado, ele é tomado literalmente como um bosta, descartável, que tem que se reaver com o fracasso. Esse ciclo pode durar anos. E quanto mais se vive nessa objetificação, mais o sujeito pode aderir a essa postura, passando a olhar o outro dessa forma. Só há o reconhecimento de seus esforços, quando ele vence o vestibular: assim, ele passa a ser vangloriado, aplaudido, e lentamente o ego fragilizado começa a se restabelecer numa velocidade brutal, sendo bombardeado de investimentos. Há o tão sonhado reconhecimento.
Há de se lembrar que a reflexão se refere aos alunos que cometeram os delitos (vemos, por outro lado, alunos com uma postura distinta²), e que se mostram tão preocupados com a própria imagem quanto a faculdade. Ou seja, tais alunos identificam-se com essa perspectiva narcisista; narcisismo esse que sustenta o dos alunos, que mantiveram as denúncias silenciadas em nome de algo maior: seu interesse próprio.
Ao resgatar Freud (1914), temos que o narcisista busca, acima de tudo, proteger-se e se satisfazer; e para isso, ele nega a alteridade. O que é diferente, e, portanto, menor que ele, é descartável – e ele o faz porque o outro pode retirá-lo de sua posição onipotente, trazendo-lhe receio de perder seu lugar alcançado. Toda crítica que chega aos seus ouvidos é negada tanto quanto possível. Todos nós temos a marca do narcisismo, já que faz parte de nossa constituição. Uns mais, outros menos. No entanto, o que salta aos olhos é esse empoderamento que massacra o outro, um narcisismo perverso e exacerbado.
O papel assumido
Já na faculdade, os alunos são recebidos como os heróis da tragédia. Há, muitas vezes, uma aproximação da figura do médico com Deus; os médicos possuem o poder da cura, o dom da vida na palma das mãos. Como não reconhecer esse ser magnífico, que afasta nosso grande temor, que é o de encarar a finitude? Ou seja, como não ceder aos caprichos desse vencedor fálico, onipotente?
É nessa mesma ordem que muitas das denúncias ligadas a abuso sexual relataram essa postura: “Deixa de ser chata, eu sei que você quer”³. Temos, que a onipotência requer a submissão, já que retém o poder. Como seria possível o desejo do outro não incluir esse ser em destaque? Com o receio da recusa e da humilhação serem revividos, o sujeito regride, e aplica o que bem aprendeu: a objetificação e a violência. Não há espaço para o outro, para a escolha, há a submissão e a opressão.
Vemos, com as contribuições de Foucault (1980), que essa lógica tem aflorado cada vez mais. O médico, que antes se implicava no cuidado das doenças, hoje passa a ser o fiscal da saúde. É ele quem controla, através dessa variável, quais as condutas viáveis para a manutenção do bem estar. Desse modo, o médico se torna uma figura determinante para o aperfeiçoamento do biopoder. Sua formação, ligada a onipotência, e portanto ao poder, replica-se em sua atuação. Todo o cuidado ao sujeito doente é descartado em detrimento ao mantimento da vida – vida esvaziada e objetificada, através da exclusão da subjetividade e medicalização desenfreada.
Se nos voltarmos para a filosofia clássica, vemos que Aristóteles já nos atentou sobre a não dicotomização entre corpo e mente. No entanto, isso se perde na medida em que a classe médica fortalece as alianças com a indústria farmacêutica. Aliança essa que reinventa os conceitos de normal e patológico, no intuito de manter a dependência e a alienação dos sujeitos, instaurando o domínio sobre seus corpos. O saber depositado na figura do médico lhe cai bem, já que saber é poder. Ou seja, o saber determina o entorno e faz com que o outro, que não o possui, se submeta a ele.
Portanto, como desenvolver a empatia com o outro fragilizado, se desde a formação o sujeito tem suas próprias fragilidades refutadas? Como podemos repensar a educação, a formação pessoal e o social que nos toma? Afinal, permanecemos no raso se mantemos nossa crítica pautada na culpa, direcionando-a a um único agente. Agindo assim, reafirmamos outra dicotomização, entre o ser e o social, que é impossível, se considerarmos a dialética.
Referências Bibliográficas
¹ Medicina da USP registra 8 casos de estupro e 2 contra homossexuais, aponta MPE. Disponível em: http://jornalggn.com.br/noticia/medicina-da-usp-registra-8-casos-de-estupro-e-2-contra-homossexuais-aponta-mpe > Acesso em: 13 Nov. 2014
² Felipe Scalisa: A face oculta da medicina. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/11/1547277-felipe-scalisa-a-face-oculta-da-medicina.shtml > Acesso em 13 Nov. 2014
³ Violência sexual, castigos físicos e preconceito na Faculdade de Medicina da USP. Disponível em http://www.brasildefato.com.br/node/30483 > Acesso em 11 Nov. 2014
ARISTÓTELES. De Anima. São Paulo: Editora 34, 2006.
FOUCAULT, Michel. O Nascimento da Clínica. 2.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1980.
FREUD, Sigmund. (1914) Sobre o narcisismo: uma introdução. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1969.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Por que a Folha esconde Kassab?

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Denúncia de profissionais da redação revela: jornal optou por omitir nome do prefeito, em manchete sobre corrupção dos auditores de SP
Por Renato Rovai, em seu blog
Há um constrangimento entre repórteres e editores no grupo Folha-Uol com relação à cobertura que está sendo realizada por essas redações no caso do esquema da quadrilha formada por auditores da Prefeitura de São Paulo que pode ter desviado mais de 500 milhões de reais dos cofres públicos.
Desde ontem este blogue conversou com quatro jornalistas dessas redações e todos, com um ou outro detalhe diferente, confirmam a tese que me foi levantada por um deles. De que este é um “caso do Otávio Frias”. E de que ele teria dado a seguinte ordem: “não importa o que aconteceu antes, importa saber a corrupção nesta gestão”.
Três deles confirmam que há gente trabalhando para que a cabeça de ao menos de um petista seja cortada do governo antes do final do ano. Um disse que acha que há equívocos na cobertura, mas que considera isso parte “da teoria da conspiração”.
O fato é que hoje o jornal Folha de S. Paulo traz como manchete de hoje a seguinte frase: “Prefeito sabia de tudo, diz fiscal preso, em gravação”. Quem é o prefeito de São Paulo? Haddad, claro. Kassab é ex-prefeito. E Kassab tem nome. E o nome dele poderia muito bem substituir a palavra prefeito. Ou se a folha fosse ao menos um pouco correta, a de ex-prefeito.
Quem apenas passou pelas bancas e viu a manchete, passará o dia com a certeza do envolvimento de Fernando Haddad no esquema de desvio do Imposto Sobre Serviços na Prefeitura de São Paulo.
Na versão online da notícia, a Folha mantém o tom. E até o terceiro parágrafo do texto o leitor não é sequer informado sobre quem é o “prefeito”.
Já o G1, das organizações Globo, deu o seguinte título: “Kassab sabia de tudo, diz acusado de chefiar fraude em telefonema gravado”.
O trecho transcrito da gravação do telefonema de Ronilson Bezerra Rodrigues , que seria um dos chefes da quadrilha, é o seguinte:
“É um absurdo. Paula, tinha que chamar o secretário e o prefeito também, você não acha? Chama o secretário e o prefeito que eu trabalhei. Eles tinham ciência de tudo.”
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A Paula citada é Paula Sayuri Nagamati, que teve seu depoimento do dia 31 de outubro à promotoria revelado. Ela teria dito neste dia que só sabia que Ronilson teria dado dinheiro ao secretário Donato. Ou seja, não se recordava deste telefonema de Ronilson, onde ele provavelmente se referia a Mauro Ricardo, de quem ela foi chefe de gabinete. E ao ex-prefeito Kassab.
Paula, ao que tudo indica, também fazia parte do esquema. E foi à promotoria para tentar salvar Ronilson e seus parceiros. Por isso batucou o nome de Antonio Donato no depoimento. Na tática diversionista da quadrilha, era preciso achar alguém do PT para tirá-los do foco.
A relação de Paula e Ronilson é bastante comentada na sede da prefeitura de SP. Este telefonema revelado ontem não seria o único grampeado de conversas entre eles. Existiram outros que revelariam um nível bem mais alto de intimidade.
Mas quando Paula foi exonerada ontem, qual foi a cobertura do UOL? Tentou transformá-la em vítima e depois forçou uma manchete absurda para mostrar que o secretário de governo da Prefeitura perdera a confiança do prefeito.
O UOL manchetou que Haddad afirmara que a situação de Donato era delicada. E anunciava que isso seria uma mudança de posição. Ou seja, o ex-presidente do PT estaria na marca do pênalti. O que corroboraria a tese de que tudo não passaria de mais uma lambança petista. E de que Serra, Kassab e Mauro Ricardo Dias, que agora trabalha com ACM Neto, em Salvador, e que diretamente ou indiretamente comandou a pasta da Finanças de São Paulo nos últimos 8 anos, eram inocentes.
O grupo Folha-UOL decidiu que é preciso transformar o escandaloso caso de mais de 500 milhões de reais de desvio de ISS da prefeitura para o bolso de agentes públicos nos governos Serra-Kassab em um crime do PT. E isso coloca-o sob suspeita.
Por que a família Frias decidiu operar neste sentido? Quem  quer preservar? O que pode surgir deste escândalo que os faz se comportar jornalisticamente de forma tão escandalosamente absurda? Por que o nome de Mauro Ricardo, o todo poderoso das Finanças de São Paulo nos últimos anos sequer é citado? Por que a Folha esconde Serra e Kassab?
O prefeito Haddad pode processar e pedir retratação para a Folha por tentar incriminá-lo de forma leviana na manchete de hoje. Injúria e difamação não fazem parte dos direitos de qualquer jornal ou jornalista. E deve se preparar para o que vem pela frente, porque a manchete de hoje deixa claro quem é o verdadeiro alvo da operação pega PT.

As inovações de São Paulo no combate à corrupção

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                                        Prefeito Fernando Haddad e Controlador Geral Mário Vinícius Spinelli

por José Gilbert Arruda Martins (Professor)

Quem realmente quer colocar na cadeia corruptores e corruptos?

A "grande" mídia descobriu agora que existe corrupção no Brasil.

A globo, com suas reportagens pensadas, analisadas, medidas, divulga de uma forma que a pessoa desavisada entenda que o Brasil descobriu a corrupção e, que ela - corrupção - não faz parte da vida brasileira há décadas.

Um exemplo é São Paulo dirigido pelo Haddad. O prefeito tem feito de tudo para, aos poucos e de forma transparente desvendar os caminhos nebulosos e pérfidos da corrupção no município e na prefeitura. Vem criando com coragem toda a estrutura necessária para facilitar aos agentes públicos botar a mão no corruptor e corruptor.

Será que a imprensa de São Paulo deseja realmente isso?

Quem ganha com a corrupção no município de São Paulo ou no Estado?

Quando o véu for finalmente retirado, o que aparecerá? Quem aparecerá? 

Vamos ver.

As inovações de São Paulo no combate à corrupção


no Outras Palavras

Como informática e redes sociais estão ajudando a identificar funcionários corruptos e “laranjas”. Estranhos favores da mídia aos “esquemas” mafiosos. O combate à cultura de impunidade 
Por Luis Nassif, no GGN
Para desmascarar uma quadrilha que atuava há pelo menos uma década da prefeitura de São Paulo foi suficiente uma equipe de meia dúzia de pessoas e a vontade política do prefeito Fernando Haddad.
Haddad trouxe de Brasilia o auditor Mário Spinelli, lotado na CGU (Controladoria Geral da União). Foi firmado um acordo com o governo federal que permitiu trazer cinco servidores da CGU e dois da Receita Federal.
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As medidas tomadas, de tão simples e óbvias, chamam a atenção do fato de jamais terem sido implementadas nas gestões anteriores.
Há uma obrigação legal dos servidores apresentarem sua declaração de bens. Só que elas eram entregues em envelopes, que ficavam fechados devido à dificuldade de conferir os dados.
Criou-se, então, a obrigatoriedade dos servidores entregarem a declaração eletronicamente. Montou-se um banco de dados com as declarações de 160 mil servidores. Foram firmados acordos com outros órgãos para cruzar os dados.
Em seguida, montou-se uma matriz de risco, para identificar as áreas mais expostas a propinas. A certeza de impunidade era tanta que muitos dos corruptos não se preocupavam em ocultar patrimônio ou coloca-los em nome de laranjas.
Na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab, o Secovi (Sindicato da Habitação) encaminhou um relatório com denúncias sobre os achaques sofridos pelo setor. Kassab encaminhou o dossiê justamente para o chefe da máfia dos fiscais, Ronilson Bezerra Rodrigues – que, entre outros feitos, foi responsável pelo vazamento do ISS de Antônio Palocci.
Não havia nenhuma forma de cercar um golpe óbvio. A Secretaria das Finanças não tinha sequer o registro eletrônico das notas fiscais das obras, sobre as quais incidiria o ISS.
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A segunda etapa das fiscalização consistiu em buscar os “laranjas”. Para isso, foi importante a análise das redes sociais. Através de um perfil do Facebook, por exemplo,  chegou-se a um servidor público que tinha uma pousada no Rio de Janeiro avaliada em R$ 6 milhões.
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Para tornar permanente o combate à corrupção, o prefeito enviou projeto à Câmara dos Vereadores criando a figura do auditor. O projeto empacou na Câmara e só saiu depois de denúncias envolvendo um dos vereadores.
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Outra dificuldade foi o viés político imprimido pelos jornais paulistanos ao tema, permitindo à quadrilha jogadas de contrainformação.
Em muitas reportagens, os escândalos revelados foram apresentados como se fossem da gestão atual – e não fruto das suas investigações.
Também tentou-se incriminar um secretário de confiança do prefeito, Antônio Donato, baseado exclusivamente em declarações dos chefes da quadrilha. Nem se levou em conta o fato de Donato ter participado de todas as etapas da investigação e a denúncia não vir acompanhada de um elemento concreto sequer.
Outra “denúncia” armada pela quadrilha consistiu em expor o próprio Spinelli, acusando-o de receber acima do teto da Prefeitura e informando sobre sua vida pessoal, incluindo o clube que frequenta. Não adiantou Spinelli informar o repórter que, sendo cedido pelo CGU, seu parâmetro salarial era a própria CGU. A divulgação de dados pessoais, além disso, expôs o auditor e a família a eventuais represálias da organização criminosa.

Aplicativo gratuito oferece livros infantis

iStock
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no Catraca Livre
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Carregando o peso de ter sido estuprada

reprodução youtube ponte.org
Leandra (nome fictício) foi a aluna que resolveu bater de frente contra o silêncio que cerca os abusos sexuais na Faculdade de Medicina. Em depoimento para a Ponte.org, ela conta como enfrentou o corporativismo que existe na instituição. “Quando fui denunciar, achei que o meu era um caso isolado, mas descobri que havia mais.”

no Catraca Livre

Quebrar o silêncio, seja pela mídia, seja pela arte, pode ser um ótimo caminho para combater o assedio sexual em universidades – e ainda inspirar outras vítimas a fazerem o mesmo

Desde quando existem casos de assédio sexual dentro das universidades brasileiras? A pergunta é difícil de ser respondida, mas depois que foram reveladas denúncias de estupros em festas da Faculdade de Medicina da USP, outros casos também saíram do escuro. Na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da mesma universidade, dois casos de abuso sexual vieram à tona recentemente.
reprodução youtube ponte.org
reprodução youtube ponte.org
Leandra (nome fictício) foi a aluna que resolveu bater de frente contra o silêncio que cerca os abusos sexuais na Faculdade de Medicina. Em depoimento para a Ponte.org, ela conta como enfrentou o corporativismo que existe na instituição. “Quando fui denunciar, achei que o meu era um caso isolado, mas descobri que havia mais.”
Ao contrário das ocorrências da capital, essas não aconteceram em festas. Um dos casos teria acontecido entre alunos de uma república ainda no início de 2013. Outro, do segundo semestre deste ano, teria ocorrido à tarde dentro do campus Ribeirão Preto.
Reportagens recentes trazem relatos e dados sobre a frequência dos casos e o silêncio que sempre se fez sobre eles. No início deste ano, as denúncias de algumas alunas vítimas de abusos resultaram na criação de uma comissão interna dentro da faculdade, formada por professores. Eles coletaram relatos de violações sexuais, físicas, morais, machistas e homofóbicas e elaboraram um relatório sobre a investigação.
Carregando o peso
Meses atrás ficou famosa uma norte-americana de 22 anos que pensou em um jeito diferente de protestar contra o abuso sexual dentro e fora da universidade.
Emma Sulkowicz, estudante do curso de artes visuais da Universidade de Columbia, em Nova York, procurou as autoridades da instituição para denunciar um colega que a teria estuprado. Após ter a denúncia questionada por “falta de evidências”, Emma encontrou o apoio de outras 22 alunas que também prestaram queixa contra o mesmo agressor, alegando que ele seria um estuprador em série.
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Outras alunas, influenciadas por Emma Sulkowicz, também usaram seus colchões para denunciar seus agressores.
Mas, de acordo com a universidade, só há prova de casos de crimes sexuais se houver “preponderância de evidência”, ou seja, se um painel composto por profissionais da Columbia for “convencido de que a agressão aconteceu”.
A solução de Emma para protestar contra essa política foi começar a andar para todos os lugares carregando o colchão onde a agressão teria acontecido. A ação se tornou até parte de seu projeto de conclusão de curso, chamado de “Carry That Weight” (ou “Carregue Aquele Peso”, em tradução livre).
amanda hess
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Os protestos ganharam coro em todo o país.
O protesto da aluna, que promete mantê-lo até que seu agressor seja expulso da universidade, inspirou outras garotas pelo país, que também começaram a carregar os colchões em que foram estupradas por aí.
Quebrando o silêncio
Uma das afirmações mais recorrentes entre as vítimas dos abusos sexuais é que esses tipos de violência não acontecem apenas dentro da universidade – pelo contrário, apenas concentram ensejos que vem de fora dela. Seja onde for que o crime ocorrer, saiba como denunciar.

DENUNCIE

No Brasil há um número específico para receber esse tipo de denúncia, 180, a Central de Atendimento à Mulher. O serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias do ano e a ligação é gratuita. Há atendentes capacitados em questões de gênero, políticas públicas para as mulheres, nas orientações sobre o enfrentamento à violência e, principalmente, na forma de receber a denúncia e acolher as mulheres.
O Conselho Nacional de Justiça do Brasil recomenda ainda que as mulheres que sofram algum tipo de violência procurem uma delegacia, de preferência as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), também chamadas de Delegacias da Mulher. Há também os serviços que funcionam em hospitais e universidades e que oferecem atendimento médico, assistência psicossocial e orientação jurídica.
A mulher que sofreu violência pode ainda procurar ajuda nas Defensorias Públicas eJuizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nos Conselhos Estaduais dos Direitos das Mulheres e nos centros de referência de atendimento a mulheres.
Se for registrar a ocorrência na delegacia, é importante contar tudo em detalhes e levar testemunhas, se houver, ou indicar o nome e endereço delas. Se a mulher achar que a sua vida ou a de seus familiares (filhos, pais etc.) está em risco, ela pode também procurar ajuda em serviços que mantêm casas-abrigo, que são moradias em local secreto onde a mulher e os filhos podem ficar afastados do agressor.