quinta-feira, 3 de abril de 2014

Especial 50 anos do golpe Jornalismo golpista



Especial 50 anos do golpe
Jornalismo golpista



A participação entusiasmada dos donos de mídia, articulistas, editorialistas e chefes de redação na conspiração contra o presidente João Goulart
por Juremir Machado da Silva — publicado 03/04/2014 05:37
Site da revista Carta Capital dia 03/04/2014

No Brasil, 1964 pode ser descrito como o ano da imprensa colaboracionista. Os intelectuais jornalistas traíram o compromisso com a verdade e com a independência por desinformação, conservadorismo e ideologia. Alberto Dines, Antonio Callado e Carlos Heitor Cony ajudaram a derrubar Jango. O poeta Carlos Drummond de Andrade sujou as mãos com algumas mal traçadas crônicas destinadas, pós-golpe, a chutar cachorro morto. Em 1954, a mesma imprensa havia empurrado Getúlio Vargas ao suicídio. Nas únicas três vezes em que o Brasil teve governos do centro para a esquerda – 1951-1954, 1961-1964 e 2003 até hoje –, a mídia aliou-se aos mais conservadores ao agitar os mesmos espantalhos: corrupção, anarquia, desgoverno, aparelhamento do Estado, tentações comunistas e outras ficções mais ou menos inverossímeis.
Em 1964, João Goulart, fervido no caldo borbulhante da Guerra Fria, enfrentou a ira moralista de veículos como oCorreio da ManhãJornal do BrasilO GloboO Estado de S. PauloFolha de S.PauloTribuna da ImprensaO Dia e dos Diários Associados de Assis Chateaubriand. A queda de Jango começou a se definir em 13 de março, uma sexta-feira. O presidente cometeu o pecado de abraçar a reforma agrária e de encampar as refinarias de petróleo. A reação conservadora pôs nas ruas as Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Consumado o golpe, o diretor de O Estado de S. Paulo, Julio de Mesquita, não se constrangeu em publicar, em 12 de abril de 1964, o “roteiro da revolução”, que ajudara a preparar com auxílio do professor Vicente Rao, em 1962.
O patriarca da imprensa golpista clamava pelo fechamento do Congresso Nacional e das assembleias legislativas. “Há mais ou menos dois anos, o Dr. Júlio de Mesquita Filho, instado por altas patentes das Forças Armadas a dar a sua opinião sobre o que se deveria fazer caso fosse vitoriosa a conspiração que então já se iniciara contra o regime do Sr. João Goulart, enviou-lhes em resposta a seguinte carta...” Sugeria a suspensão do habeas corpus, um expurgo no Judiciário e a extinção dos mandatos dos prefeitos e governadores. A solução “democrática” contra o governo de Jango seria uma junta militar instalada no poder por, no mínimo, cinco anos.
A “Mensagem ao Congresso”, enviada por Jango em 15 de março, detonou o horror na imprensa golpista. O confronto com os marinheiros reunidos no Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, em 25 de março, deu nova e poderosa munição para o golpismo midiático: as Forças Armadas estariam minadas pela indisciplina. Os marinheiros da base da hierarquia tinham reivindicações subversivas, entre elas... o direito ao casamento. A mídia considerava tudo isso muito radical. Em 30 de março, Jango compareceu ao encontro dos sargentos no Automóvel Clube do Rio. Foi a senha para o autodenominado “vaca fardada”, o general Olympio Mourão Filho, dar o seu coice mortal, marchando com suas tropas de Juiz de Fora para o Rio. A mídia exultou.
O golpe partiu de Minas sob a liderança civil do governador Magalhães Pinto. Alberto Dines, hoje decano dos críticos de mídia e pregador de moral e cívica no seu Observatório da Imprensa, brindou o governador, no livro que organizou e publicou ainda em 1964 para tecer loas ao golpismo – Os Idos de Março e a Queda em Abril –, com o mais alto elogio disponível na época, um cumprimento aos colhões do pacato golpista: “Enfim, apareceu um homem para dar o primeiro passo. Este homem é o mais tranquilo, o mais sereno de todos os que estão na cena política. Magalhães Pinto, sem muitos arroubos, redimiu os brasileiros da pecha de impotentes”.
Correio da Manhã deveria constar no livro dos recordes como o mais rápido caso de arrependimento da história do jornalismo. Em 31 de março e 1º de abril de 1964, golpeava furiosamente. No editorial “Basta!”, decretava: “O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta”. De quê? “Basta de farsa. Basta da guerra psicológica que o próprio governo desencadeou com o objetivo de convulsionar o país e levar avante a sua política continuísta. Basta de demagogia para que, realmente, se possam fazer as reformas de base”.
O jornal iludia-se como uma senhora de classe média desinformada: “Queremos as reformas de base votadas pelo Congresso. Queremos a intocabilidade das liberdades democráticas. Queremos a realização das eleições em 1965. A nação não admite nem golpe nem contragolpe”. No editorial “Fora!”, saiu do armário: “Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: 'Saia!”' Veredicto: “João Goulart iniciou a sedição no país”. E mais: “A nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do Governo. Chegou ao limite final a capacidade de tolerá-lo por mais tempo. Não resta outra saída ao Sr. João Goulart senão a de entregar o Governo ao seu legítimo sucessor”. Como poderia de um golpe vir um “legítimo sucessor”? Mistérios do jornalismo: “Hoje, como ontem, queremos preservar a Constituição. O Sr. João Goulart deve entregar o Governo ao seu sucessor porque não pode mais governar o País”.
Os grandes jornais paulistas e cariocas atolaram-se com o mesmo entusiasmo. Apoiaram o golpe e a ditadura. A Folha de S.Paulo ficou famosa por emprestar suas caminhonetes para a Operação Bandeirantes transportar “subversivos” para o tronco. Em 22 de setembro de 1971, o jornal de Octavio Frias tecia em editorial o seu mais ditirâmbico elogio ao pior momento da ditadura: "Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social, realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama".
Esse apoio explícito da Folha de S.Paulo ao governo de Emílio Garrastazu Médici ganha nesse editorial um tom de confissão apaixonada: “Um país, enfim, de onde a subversão – que se alimenta do ódio e cultiva a violência – está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma imprensa que os remanescentes do terror querem golpear”. Em 2009, a Folha de S.Paulo chamou a ditadura de “ditabranda”. O arrependimento nunca chegou.
O Globo, em editorial de 2 de abril de 1964, notabilizou-se pela bajulação surrealista: “Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem”. Em 7 de outubro de 1984, nos 20 anos do regime, Roberto Marinho reincidiu: “Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Só 49 anos depois do golpe, O Globo publicaria uma retratação contraditória e pouco convincente. Assim foi com outro representante do jornalismo carioca. Em 31 de março de 1973, o Jornal do Brasil comemorava: “Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer”.
Em 2 de abril de 1964, a Tribuna da Imprensa deu em manchete uma lição do mau jornalismo que sempre a distinguiu: “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas”.
Se os jornais apoiaram o golpe e a ditadura, muitos intelectuais jornalistas marcharam na linha de frente do golpismo. Cony, que logo percebeu o tamanho da encrenca e passou a criticar o novo regime, admitiu ter participado da confecção dos editoriais “Basta” e “Fora” do Correio da Manhã: “Minha participação limitou-se a cortar um parágrafo e acrescentar uma pequena frase”. Quanta modéstia retrospectiva! Para Cony, João Goulart era um “homem completamente despreparado para qualquer cargo público, fraco, pusilânime e, sobretudo, raiando os extensos limites do analfabetismo”.
Dines vomitaria uma das maiores asneiras da época: “É preciso muita convicção para não se enredar pelo glamour de uma façanha esquerdista. Quem tem coragem para dizer que aqueles marinheiros, que arriscaram a vida com aquele motim por uma causa tão distante e abstrata, como reformas de base, eram oportunistas e agitadores”. Entre as causas distantes e abstratas defendidas naqueles tempos estavam o direito ao casamento e ao voto para os analfabetos. Em 1968, depois do AI-5, em discurso numa formatura, Dines criticou a censura. Enrolou-se com os velhos amigos. O Serviço Nacional de Informações forneceu-lhe um atestado de bons antecedentes descoberto pelo pesquisador Álvaro Larangeira: “Sempre se manifestou contrário ao regime comunista. Colaborou com o governo revolucionário, escrevendo livro sobre a revolução e orientou feitura de cadernos para difundir objetivos da revolução”. Não foi denunciado. Perdoou-se o deslize.
Callado faz de Jango um bêbado, incompetente e inculto, casado com uma mulher fútil, e com um vício terrível, “o de aumentar o salário mínimo”. O futuro escritor atrapalhava-se com as palavras: “A Presidência da República foi transformada numa espécie de grande Ministério do Trabalho, com a preocupação constante do salário mínimo”. Chafurdava na maledicência: “Ao que se sabe, muitos cirurgiões lhe garantiram, através dos anos, que poderia corrigir o defeito que tem na perna esquerda. Mas o horror à ideia de dor física fez com que Jango jamais considerasse a sério o conselho. Talvez por isso tenha cometido o seu suicídio indolor na Páscoa”. Raízes de certo jornalismo de nossos dias.
Juremir Machado da Silva é jornalista e autor de 1964, Golpe Midiático-Civil-Militar


DITADURA MILITAR NO BRASIL (1964 A 1985)


DITADURA MILITAR NO BRASIL




O golpe e a construção da dependência financeira brasileira pelos olhos de Fábio Antonio de Campos
Do IHU Online
Site da revista Caros Amigos – 03/04/2014
Passados 50 anos do golpe militar que depôs o ex-presidente João Goulart, na madrugada do dia 1º de abril de 1964, pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento tentam compreender quais razões fizeram com que a ditadura se mantivesse por mais de 20 anos no país. A economia, nesse sentido, “é fundamental para entender o alcance e os limites da ditadura como instrumento do capitalismo brasileiro”, diz, à IHU On-Line, o economista Fábio de Campos, autor da tese de doutorado A arte da conquista: o capital internacional no desenvolvimento capitalista brasileiro (1951-1992).
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o professor do Instituto de Economia da Unicamp assinala que as multinacionais que atuavam no Brasil à época apoiaram e financiaram o golpe, porque ele era “extremamente necessário para dar continuidade à valorização capitalista das empresas multinacionais com o mercado interno brasileiro”. Segundo ele, a ditadura “permitiu a conexão dos interesses de valorização das filiais estrangeiras com o sistema financeiro internacional. A reforma da legislação, além de retirar do marco institucional as medidas que impediam as remessas ao exterior a partir de reinvestimentos de lucro, criou novos instrumentos que liberalizavam o acesso da filial estrangeira ao endividamento externo”.
Campos esclarece que a Lei de Remessas de Lucro, como outras propostas do ex-presidente Jango, entre elas a estatização do setor energético e a negociação da dívida externa, bem como “qualquer política que fosse um pouco mais discricionária em relação à entrada e saída de capitais estrangeiros (investimentos, empréstimos, remessas, repatriações, juros, transferências diversas), afetava a valorização capitalista que sustentava os interesses do complexo multinacional”.
Crítico das interpretações de que a ditadura gerou o “milagre econômico” para o Brasil, Campos frisa que o “capital internacional, ao mesmo tempo que permitiu o avanço da industrialização brasileira, constituindo-se no eixo dinâmico dessa expansão, selou a aliança imperialista entre as burguesias internacionais com suas correspondentes nativas que sempre se subordinaram a essa articulação. Longe de isso criar as condições para autodeterminação do desenvolvimento nacional, acabou por sacramentar nossa dependência externa e subdesenvolvimento”. Essa aliança tem reflexos ainda hoje e pode ser percebida no processo de desindustrialização e primarização da economia nacional.
Fábio Antonio de Campos é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, mestre em História Econômica e doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp.
Hoje continua, no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, a programação do Ciclo de Estudos “50 anos do Golpe de 64. Impactos, (des)caminhos, processos. A programação do evento está disponível aqui.
Confira a entrevista:
IHU On-Line - Quantas multinacionais havia no Brasil antes do golpe de 64 e como elas atuavam?
A presença de empresas multinacionais na economia brasileira data desde os tempos do Império, quando se fixaram nas áreas de utilidade pública, transporte, finanças, infraestrutura e atividades ligadas à economia cafeeira. No decorrer da primeira metade do século XX, novos investimentos estrangeiros se destinaram aos setores energético, primários, de comunicações e de representação comercial de indústrias manufatureiras. Mas foi na segunda metade dos anos 1950 que tivemos um marco decisivo na internacionalização brasileira, quando as empresas estrangeiras chegavam ao país para conquistar o mercado interno e, com isso, se constituir estrategicamente nos setores de bens de capital e de consumo duráveis, os mais dinâmicos na implantação e desenvolvimento da indústria pesada brasileira. A origem desse capital foi norte-americana e europeia, e os principais investimentos se destinaram aos setores de transporte, química, metal-mecânica, materiais elétricos, seguidos pelos setores de consultorias, comércio e farmacêuticos.
Mais que uma questão quantitativa que permitiu a economia brasileira crescer a um ritmo de “50 anos em 5”, em Juscelino Kubitschek – JK, e depois intensamente na ditadura militar, o que se consolidou nessa época com o capital internacional foi um novo nexo imperialista que articulou de forma subordinada o Estado brasileiro e os sócios privados internos à estratégia de conquista das grandes corporações. Nesse momento de Guerra Fria, tal articulação era extremamente necessária para dirimir os riscos de valorização capitalista diante da ameaça soviética em espaços periféricos como a América Latina. Junto com a internacionalização produtiva dessa fase que alavancava a industrialização brasileira, estava internalizando também um modo de vida genuinamente fordista e funcional à dominação imperialista. Uma questão complexa, portanto, que ultrapassa em muito a linha de argumentação economicista do período.
O então presidente João Goulart tinha alguma proposta em relação à atuação das empresas multinacionais no Brasil?
João Goulart sempre foi cauteloso nessa matéria porque sabia que qualquer intervenção mais nacionalista intensificava as contradições seculares de nossa dependência externa. No entanto, estas nasceram da nossa formação histórica, convertendo em antagonismos abertos que necessitavam ser enfrentados dentro do contexto da “revolução brasileira”. Demandas históricas de controle ao capital internacional passaram a ser bandeiras de sindicados, movimentos sociais organizados, intelectuais, estudantes e os partidos progressistas. A pressão nacional-popular cresceu tanto que a “Lei de Remessas de Lucro” foi aprovada no Congresso em 1962, sendo que Goulart só a sancionou em janeiro de 1964, já na antessala do Golpe. Portanto, a iniciativa de controlar o capital internacional foi resultado de uma conscientização popular que vinha de longo prazo. Tal como a campanha do “Petróleo é Nosso”, Goulart seria pressionado pela movimentação popular.
Em contrapartida, isso aumentaria a apreensão do Governo norte-americano, das empresas multinacionais aqui instaladas e dos setores estatais e de empresas privadas nacionais que formavam uma associação de interesses que tinha na dependência externa a realização de seus negócios. Como observo em minha tese de doutorado, a história se acelerou naquela quadra, e as condições para uma revolução brasileira emergiram dentro da polarização entre um “complexo multinacional” versus forças nacional-populares.
Qual foi a relação das empresas multinacionais com o golpe de 1964? Quais empresas financiaram o golpe?
A relação mais evidente foi o financiamento do IPES [instituto de Pesquisas e Estudos Sociais] e IBAD [Instituto Brasileiro de Ação Democrática] — que eram órgãos de conexão política do Governo norte-americano —, empresas multinacionais e as burguesias brasileiras. Buscavam na verdade intervir por meio da conspiração contra os interesses que colocariam em risco a valorização capitalista desse complexo multinacional. Os trabalhos de Dreifuss apresentam de forma pioneira os atores que financiaram tais órgãos. No entanto, é necessária uma mediação mais profunda para entender o estágio de desenvolvimento capitalista brasileiro conectado com a fase imperialista do pós-IIGM – II Guerra Mundial. Diante da conjuntura da Guerra Fria, a viabilidade da realização dos investimentos estrangeiros mediante a conquista do mercado interno exigia parcerias nacionais sólidas, de modo a sancionar uma política econômica favorável à mobilidade do capital internacional, principalmente para realizar seus lucros extraídos com exploração do trabalho brasileiro em moeda de origem (divisas fortes). Essa valorização externa, geralmente em dólares, alavancava negócios internos dentro de um poderoso arco de alianças.
Qual era o interesse dessas empresas em que houvesse um golpe militar no Brasil?
Fábio Antonio de Campos - Qualquer política que fosse um pouco mais discricionária em relação à entrada e saída de capitais estrangeiros (investimentos, empréstimos, remessas, repatriações, juros, transferências diversas) afetava a valorização capitalista que sustentava os interesses do complexo multinacional. O capitalismo dependente brasileiro, quando passou a ser questionado por forças populares, cujas classes subalternas passaram a ter alguma voz, dilatando de forma inédita a democracia que sempre fora restrita e dominada por uma burguesia ultraelitista, fez com que o risco dos negócios aumentasse. Do ponto de vista concreto, é possível observar na “Lei de Remessas de Lucro”, ao lado de outras questões importantes como a estatização do setor energético e a negociação da dívida externa, como se manifestava essa correlação de forças.
Dentre várias atribuições, a lei propunha criar um código inédito de seleção de investimentos e uma sistemática regulação das remessas de lucros, royalties, transferências tecnológicas, juros, etc. Em seu dispositivo mais polêmico estava o limite de remessas de lucro em 10% apenas do capital inicial, ou seja, só podia remeter a partir do que de fato entrou, e não de uma base maior em que se adicionavam os reinvestimentos de lucro. Sem falar que, em caso de crise cambial, previa-se paralisação das remessas e outras medidas de controle na conta capital e de serviços do balanço de pagamentos. Na história econômica brasileira, toda vez que se tentou algo semelhante, como durante o período Vargas, por exemplo, tais medidas não duraram mais do que um ano. Essa legislação, a despeito de seu elevado grau de tecnicidades, que atrapalham a compreensão, revela o sentido político dos poderes do capital internacional que estão em jogo, e também como eles se articulavam para obstruir qualquer instrumento que inviabilizasse seus interesses. A partir do momento que no terreno da democracia esses interesses foram sendo vencidos, como no caso da aprovação da Lei de Remessas de Lucro em 1962, a conspiração e o Golpe seriam extremamente necessários para dar continuidade à valorização capitalista das empresas multinacionais com o mercado interno brasileiro.
Qual foi a política econômica implementada durante o golpe militar? O que mudou em relação à política econômica anterior?
Fábio Antonio de Campos - O Programa de Ação Econômica do Governo - PAEG e as reformas financeiras que nasceram logo após o Golpe foram mudanças essenciais. Isso porque de um lado as políticas de oferta ampliaram as condições para o financiamento da economia, sendo que as políticas de demanda criaram, por outro lado, uma intensa restrição via cortes de gasto público e arrocho salarial que penalizou boa parte das forças populares que estavam lutando contra o complexo multinacional antes de 1964. Essa política econômica, ao mesmo tempo que criava as condições para aprofundar a desigualdade social brasileira, restabelecia, por meio do financiamento às grandes empresas e às famílias da classe média alta para cima, as condições vitais para o crescimento econômico a partir de uma estrutura industrial montada na época de Kubitschek. Tais medidas que aprofundaram nosso subdesenvolvimento só tiveram êxito porque, com o Golpe de 1964 e a ditadura, o nexo imperialista foi renovado. Além de destituir da Lei de Remessas de Lucro seus dispositivos mais discricionários em relação ao capital internacional, já em agosto de 1964 (Lei 4.390), foram criadas novas medidas que facilitariam o acesso ao mercado internacional de crédito.
Como, depois do golpe, a política econômica beneficiou as multinacionais?
Além da política econômica mais geral que beneficiava tanto as condições de financiamento da empresa multinacional quanto restabelecia a potencialidade do mercado interno por meio de incentivo ao consumo das classes altas, a ditadura permitiu a conexão dos interesses de valorização das filiais estrangeiras com o sistema financeiro internacional. A reforma da legislação, além de retirar do marco institucional as medidas que impediam as remessas ao exterior a partir de reinvestimentos de lucro, criou novos instrumentos que liberalizavam o acesso da filial estrangeira ao endividamento externo. Na medida em que as matrizes intermediavam no Euromercado esses empréstimos para suas filiais no Brasil, tornavam-se suas credoras, e todo pagamento pelo serviço dessa dívida poderia ser superfaturado remetendo lucros disfarçados em juros. Essa foi uma nova fase do endividamento externo brasileiro, cujas empresas multinacionais foram agentes fundamentais desse processo. Essa liquidez internacional foi drenada pelo complexo multinacional no final dos anos 1960, internalizando crédito externo bem acima das necessidades de financiamento industrial para importação de bens de capital. Desse modo, o endividamento externo assumiu um caráter eminentemente financeiro, haja vista que as reservas cambiais que iam se avolumando deveriam ser esterilizadas por meio de emissão de títulos da dívida pública ante o impacto inflacionário que isso causava na economia.
A oferta de títulos públicos com taxas de juros cada vez mais convidativas para o mercado criava um negócio interno extremante lucrativo para o complexo multinacional, originando no futuro a “ciranda financeira”. Assim, a corporação multinacional ganhava tanto no Euromercado, permitindo que suas filiais se endividassem para remeter lucros disfarçados, como credoras internamente, ao lado do grande capital privado nacional, na rolagem de títulos da dívida pública. A chamada modernização do sistema financeiro pela ditadura garantiu essa facilidade, dentre outras, para o complexo multinacional.
A política econômica do período do golpe favoreceu os brasileiros?
A política econômica pós-Golpe favoreceu a minoria da população brasileira, isto é, os brasileiros da classe média alta para cima. A burguesia e seus aliados usufruíram de novas fronteiras de investimentos e de variados negócios que nasceram nesse período.
De que maneira o capital internacional influenciou na formação econômica do Brasil? Qual foi a relação do capital internacional com o desenvolvimento capitalista brasileiro entre 1951 e 1992?
Ao conquistar o mercado interno brasileiro, impondo o ritmo e o compasso da implantação e desenvolvimento das forças produtivas, o capital internacional, ao mesmo tempo que permitiu o avanço da industrialização brasileira, constituindo-se no eixo dinâmico dessa expansão, selou a aliança imperialista entre as burguesias internacionais com suas correspondentes nativas que sempre se subordinaram a essa articulação. Longe de isso criar as condições para autodeterminação do desenvolvimento nacional, acabou por sacramentar nossa dependência externa e subdesenvolvimento. Se antes essa articulação permitia um certo desenvolvimento capitalista, em função de que os investimentos se orientavam por um regime central de acumulação, cuja necessidade era de integrar o mercado interno por rígidas fronteiras adensando as cadeias produtivas, hoje, com a mundialização financeira, a articulação deve ser global.
O Brasil como o elo fraco no modo de produção capitalista, deve se adaptar apresentando uma política econômica liberal que garanta a mobilidade do capital internacional e, com isso, sofrer desnacionalização, privatização, desindustrialização e primarização da economia. A despeito das particularidades da época neoliberal que vivemos, a continuidade dessa dependência foi resultado de um processo histórico que só a partir do período colonial podemos entender em sua totalidade.
Qual era a situação econômica do Brasil no período pós-golpe? Alguns especialistas comentam que o Brasil viveu uma situação de milagre econômico durante a Ditadura, mas, com a reabertura, constatou-se que o déficit externo era altíssimo.
A economia é fundamental para entender o alcance e os limites da ditadura como instrumento do capitalismo brasileiro. A ditadura serviu para garantir a expansão do desenvolvimento capitalista brasileiro definido a partir de JK, ou seja, a industrialização pesada dinamizada pelo capital internacional em proveito dos diferenciais do mercado interno, estabelecidos pela elevada concentração de renda que garantia a valorização à custa da superexploração do trabalho. À medida que se avançava na industrialização intensificando a dependência externa e o subdesenvolvimento, os limites estruturais que se impunham (financiamento e liberalização cambial), exigiam reformas institucionais que aperfeiçoassem o modelo econômico funcional ao complexo multinacional.
O Golpe de 1964 e a ditadura tiveram essa função, ou seja, viabilizar um tipo de indústria que recolocava nossos dilemas de formação histórica numa situação ainda mais dramática. Os problemas que surgem desse período, como desaceleração do crescimento, redução na taxa de investimento, aumento da desigualdade, desemprego e estatização da dívida externa só podem ser compreendidos dentro da “contrarrevolução brasileira”. Na essência, ela significou o divórcio dos meios estruturais que tinham, na utopia de desenvolvimento nacional, os fins. O antagonismo que se abriu nos anos 1950, acirrando em forma de inúmeros conflitos e lutas na segunda metade dos anos 1960, foi enfrentado com uma rota desenvolvimentista antinacional, antidemocrática e antissocial.
Enquanto a ditadura serviu para viabilizar os interesses do complexo multinacional, que, aliás, tinham na industrialização seu eixo de valorização capitalista, ela cumpriu seu papel, mas quando a própria articulação imperialista entre a economia brasileira e o padrão mundial de acumulação teve que ser realinhada em favor do capital internacional, ela perdeu sua função.
Ainda hoje o capital internacional exerce influência no desenvolvimento capitalista brasileiro? Em que medida? O que diferencia o período analisado com os dias de hoje?
O Estado, na ditadura, foi instrumentalizado para atender os fins do capital internacional e seus sócios internos em um determinado padrão mundial de acumulação, e era assim que sua face intervencionista se ajustava às necessidades impostas pelas classes dominantes. Seu raio de manobra foi delimitado por essa dimensão, permitindo apresentar certa legitimidade por meio da ideologia desenvolvimentista, um aparente nacionalismo e o crescimento econômico puxado pela indústria.
Hoje, a intervenção estatal é para garantir a viabilidade dos negócios externos e internos que compõem outro arco de interesses do complexo multinacional, sob uma ideologia neoliberal, cujo aumento do poder do capital internacional na economia brasileira sanciona tanto a secular dependência externa quanto o subdesenvolvimento.
Deseja acrescentar algo?
Fábio Antonio de Campos - Apenas convidar os leitores para que revisitem a formação econômica brasileira, relendo autores brasileiros clássicos, de modo a extraírem as determinações profundas do significado do capital internacional em nossa história. Naquele difícil contexto do pré-Golpe, o pensamento social brasileiro estava armado para discutir essas questões com enorme fôlego. Atualmente, diante de uma crise estrutural que enfrentamos no capitalismo, se faz urgente estudar nossas particularidades históricas e a posição periférica que o país ocupa em um mundo cujas corporações multinacionais dominam a reprodução material e cultural da sociedade contemporânea.


domingo, 30 de março de 2014

Karl Marx e o Capitalismo

Karl Marx e o Capitalismo



18/11/2008 - Karen Egas


Filósofo e economista, o judeu-alemão, Karl Marx foi um dos maiores pensadores do século XIX. Marx tinha uma visão otimista dos destinos da humanidade, acreditando ser possível que na batalha final, os operários venceriam os capitalistas por serem maioria na sociedade.

Em 1867 publicou Marx o primeiro volume de sua obra mais importante: O Capital. Marx reuniu documentação imensa para continuar esse volume, mas não chegou a publicá-lo. Os volumes II e III de O Capital foram editados por Engels, em 1885 e em 1894. Outros textos foram publicados por Karl Kautsky como volume IV (1904-10).

O Capital foi a suprema conquista de Marx, o centro da obra de sua vida. Seu objeto era, como Marx colocou no Prefácio ao Volume I, "revelar a lei econômica do movimento da sociedade moderna". Pensadores econômicos anteriores haviam captado um ou outro aspecto do funcionamento do capitalismo. Marx procurou entendê-lo como um todo. Coerente com o método de análise e concepção de história, Marx analisou o capitalismo não como o fim da história, como a forma de sociedade correspondente à natureza humana, mas como um modo de produção historicamente transitório cujas contradições internas o levariam à queda.

O Marxismo é o conjunto de idéias filosóficas, econômicas, políticas e sociais elaboradas primariamente por Karl Marx e Friedrich Engels e desenvolvidas mais tarde por outros seguidores. Interpreta a vida social conforme a dinâmica da luta de classes e prevê a transformação das sociedades de acordo com as leis do desenvolvimento histórico de seu sistema produtivo.

Fruto de décadas de colaboração entre Karl Marx e Friedrich Engels, o marxismo influenciou os mais diversos setores da atividade humana ao longo do século XX, desde a política e a prática sindical até a análise e interpretação de fatos sociais, morais, artísticos, históricos e econômicos. Tornou-se base para as doutrinas oficiais utilizadas nos países socialistas, segundo os autores dessas doutrinas.

No entanto, o marxismo ultrapassou as idéias dos seus precursores, tornando-se uma corrente político-teórica que abrange uma ampla gama de pensadores e militantes, nem sempre coincidentes e assumindo posições teóricas e políticas às vezes antagônicas, tornando-se necessário observar as diversas definições de marxismo e suas diversas tendências, especialmente a social-democracia, o bolchevismo e o comunismo de conselhos

Para Marx, a base de cada sociedade humana é o processo de trabalho, seres humanos cooperando entre si para fazer uso das forças da natureza e, portanto, para satisfazer suas necessidades. O produto do trabalho deve, antes de tudo, responder a algumas necessidades humanas. Deve, em outras palavras, ser útil. Marx chama-o valor de uso. Seu valor se assenta primeiro e principalmente em ser útil para alguém.

A necessidade satisfeita por um valor de uso não precisa ser uma necessidade física. Um livro é um valor de uso, porque pessoas necessitam ler. Igualmente, as necessidades que os valores de uso satisfazem podem ser para alcançar propósitos vis. O fuzil de um assassino ou o cassetete de um policial é um valor de uso tanto quanto uma lata de ervilhas ou o bisturi de um cirurgião.

Sob o capitalismo, todavia, os produtos do trabalho tomam a forma de mercadorias. Uma mercadoria, como assinala Adam Smith, não tem simplesmente um valor de uso. Mercadorias são feitas, não para serem consumidas diretamente, mas para serem vendidas no mercado. São produzidas para serem trocadas. Desse modo cada mercadoria tem um valor de troca, "a relação quantitativa, a proporção na qual valores de uso de um tipo são trocados por valores de uso de um outro tipo". Assim, o valor de troca de uma camisa poderá ser uma centena de lata de ervilhas.

Valores de uso e valores de troca são muito diferentes uns dos outros. Para tomar um exemplo de Adam Smith, o ar é algo de um valor de uso quase infinito aos seres humanos, já que sem ele nós morreríamos, mas que não possui um valor de troca. Os diamantes, por outro lado, são de muito pouca utilidade, mas tem um valor de troca muito elevado.

Mais ainda, um valor de uso tem que satisfazer algumas necessidades humanas específicas. Se você tem fome, um livro não poderá satisfazê-lo. Em contraste, o valor de troca de uma mercadoria é simplesmente o montante pelo qual será trocado por outras mercadorias. Os valores de troca refletem mais o que as mercadorias têm em comum entre si, do que suas qualidades específicas. Um pão pode ser trocado por um abridor de latas, seja diretamente ou por meio de dinheiro, mesmo que suas utilidades sejam muito diferentes. O que é isso que eles têm em comum, que permite a ocorrência dessa troca?

A resposta de Marx é que todas as mercadorias tem um valor, do qual o valor de troca é simplesmente o seu reflexo. Esse valor representa o custo de produção de uma mercadoria à sociedade. Pelo fato de que a força de trabalho é a força motriz da produção, esse custo só pode ser medido pela quantidade de trabalho que foi devotada à mercadoria.

Mas por trabalho Marx não se refere ao tipo particular de trabalho envolvido em, digamos, assar um pão ou manufaturar um abridor de latas. Esse trabalho real, concreto, como disse Marx, é variado e complexo demais para nos fornecer a medida de valor que necessitamos. Para encontrar essa medida nós devemos abstrair o trabalho de sua forma concreta. Marx escreve: "Portanto, um valor de uso ou um bem possui valor, apenas, porque nele está objetivado ou materializado trabalho humano abstrato".

Marx não estava interessado especificamente em preços de mercado. Sua meta era entender o capitalismo como uma forma de sociedade historicamente específica, descobrir o que faz o capitalismo diferente das formas anteriores de sociedade, e que contradições levariam à sua futura transformação. Marx não queria saber em que medida o trabalho formava o valor de troca das mercadorias, mas em que forma o trabalho realizava essa função e porque sob o capitalismo a produção era de mercadorias para o mercado e não de produtos para uso direto como nas sociedades anteriores.

O que faz o valor de uma mercadoria? Eis uma pergunta que instigou os economistas da Escola Clássica e que levou Marx a desenvolver o conceito da “mais-valia”, que é descrita por Paul Singer no excerto abaixo:

“Marx repensa o problema nos seguintes termos: cada capitalista divide seu capital em duas partes, uma para adquirir insumos (máquinas, matérias-primas) e outra para comprar força de trabalho; a primeira, chamada capital constante, somente transfere o seu valor ao produto final; a segunda, chamada capital variável, ao utilizar o trabalho dos assalariados, adiciona um valor novo ao produto final. É este valor adicionado, que é maior que o capital variável (daí o nome "variável": ele se expande no processo de produção), que é repartido entre capitalista e trabalhador. O capitalista entrega ao trabalhador uma parte do valor que este último produziu, sob forma de salário, e se apropria do restante sob a forma de mais-valia”.

Na verdade, o trabalhador produz mais do que foi calculado, ou seja, a força de trabalho cria um valor superior ao estipulado inicialmente. Esse trabalho excedente não é pago ao trabalhador e serve para aumentar cada vez mais o capital. Insere-se neste ponto a questão da alienação - o produtor não se reconhece no que produz; o produto surge como um poder separado do produtor. O produto surge então como algo separado, como uma realidade soberana – o fetichismo da mercadoria. Mas o que faz com que o homem não perceba? A resposta, de acordo com Marx, está na ideologia dominante, que procura sempre retardar e disfarçar as contradições politicamente. Portanto, a luta de classes só pode ter como objetivo a supressão dessa extorsão e a instituição de uma sociedade na qual os produtores seriam senhores de sua produção.



Bibliografia
GUZZO, Maria Auxiliadora. Enciclopédia do estudante: história geral. São Paulo: Moderna, 2008

Enciclopédia Barsa, volume 5. Encyclopedia Britannica Editares Ltda. Rio de Janeiro : Melhoramentos,1964, p.257-259

Enciclopédia Barsa, volume 9. Encyclopedia Britannica Editares Ltda. Rio de Janeiro : Melhoramentos,1964, p.64

O Ciclo do Capitalismo. Por Janisson Nascimento. Publicado em: julho 07, 2007. Disponível em: Acessado em 15.09.2008

O que é Capitalismo? Fonte: Colégio Santo Agostinho – RJ. Publicado em 25/12/2007. Disponível em Acessado em 15.09.2008

O Capital, por Mansoe, Publicado em: janeiro 05, 2007. Disponível em . Acessado em 24.09.2008.

Capitalismo. Wikipédia, a enciclopédia livre. Publicado em setembro 23, 2008. Disponivel em Acessado em 24.09.2008

Mundo Vestibular. Capitalismo, Segunda Parte. Disponível em: Acessado em 25.09.2008


sábado, 29 de março de 2014

FHC e PSDB cada vez mais à direita


FHC e PSDB cada vez mais à direita



Autor: José Gilbert Arruda Martins
Professor de História

A morte da ex-primeira ministra Tchacher da Inglaterra em abril de 2013, fez lembrarmos que a "dama de ferro" era de ferro porque entre outras coisas, perseguiu violentamente os Sindicatos de Trabalhadores, além de engrossar as fileiras de empobrecidos da Grã-Bretanha com sua política fortemente neoliberal, uma coisa, no entanto chamava a atenção de todos, a ex-primeira ministra deixava claro de que lado ela estava, era conhecida por todos como uma política de direita que sempre defendeu os interesses dos mais ricos.

Aqui no Brasil, FHC e o PSDB deveriam assumir suas posições e abandonar essa perversa visão de se dizer de esquerda. Essa atitude engana os incautos e ingênuos de esquerda e de direita também, e claro, os eleitores desavisados.

FHC, aproveitando o momento de alta da inflação no país, lança críticas fortíssimas contra o governo, se o leitor pegar a Veja e acompanhar os noticiários da Globo, verá uma grande "coincidência" entre as notícias veiculadas por esses órgãos da imprensa e o texto do ex-presidente.

FHC perdeu ao longo dos últimos anos seu jeito e orientação dito progressista e passou, agora na oposição, a tecer criticas, muitas vezes contraditórias aos adversários e não consegue esconder seu perfil direitista.

O PSDB no governo, não só desmontou o Estado brasileiro com as privatizações, mas tentou também criar uma rede de proteção social aos mais desfavorecidos que, devido à desorganização e à falta de direcionamento, não funcionou, foi, por isso substituído pelo programa Bolsa Família, portanto, FHC fez coisas altamente negativas e algumas ações positivas também, tomou medidas boas na área da macro-economia, só que, seu perfil e o perfil do seu governo era neoliberal e de direita, isso precisa ser esclarecido.

Assumir que é de direita, não é o fim do mundo, FHC e o PSDB ajudariam muito mais a política brasileira se fizessem isso. Dariam à direita brasileira, talvez, um pouco de ideologia, talvez, até mais consistência ideológica.

FHC e o PSDB deveriam dizer e mostrar a quem e o quê defendem, deveriam ter a decência política de assumir o palanque dos Partido Político Democratas, antiga UDN, ARENA, PFL e firmar posição mais clara na direita brasileira, com certeza essa atitude seria saudável, nossa estrutura político-partidária daria um salto de qualidade, não teríamos mais PT contra PSDB apenas, teríamos sim, esquerda e direita, debatendo e discutindo projetos e programas para o Brasil.



Autor: José Gilbert Arruda Martins (Betinho do “seu” Amadeu)
Professor de História de escola Pública em Brasília-DF
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50 anos do Golpe

O inaceitável risco da igualdade

Quando se delineia, mesmo ao longe, a chance da demolição da casa-grande e da senzala, a vocação golpista dos privilegiados se estabelece
por Mino Carta — publicado 28/03/2014 06:26, última modificação 28/03/2014 16:37
EXTRAÍDO DO SITE DA REVISTA CARTA CAPITAL DIA 29/03/2014


Faz pouco tempo, a chamavam Revolução, com r grande, e ainda há quem assim a chame. O Brasil inovou ao batizar desta forma um golpe de Estado. O ex-ministro do STF e presidente da Câmara durante o “mandato” do ditador Ernesto Geisel, Célio Borja, em entrevista à Folha de S.Paulo, sustenta hoje, aos 85 anos, que a partir de 1º de abril de 1964 o Brasil teve “um regime de plenos poderes”. Não sei como o ilustre jurista definiria ditadura. Primeiro de abril, disse eu, mas se o golpe se deu nesse dia, ou em 31 de março, tanto faz. De todo modo não ocorreu de mentirinha. Mentiras monumentais houve para justificá-lo, e algumas continuam a ser proferidas.
Como Moniz Bandeira logo adiante escreve, o governo dos Estados Unidos teceu, de caso pensado ou de crença própria (de americanos tudo cabe esperar), um magistral enredo de pura ficção para mobilizar, debaixo de sua bandeira, diplomatas, espiões, mestres em tortura, tropa e até um porta-aviões. Segundo os ficcionistas de Washington, o Brasil preparava-se para enfrentar uma guerra civil, provocada pela insurgência de comunistas de inspiração cubana, como se sabe canibais de criancinhas. Os reacionários nativos, instalados solidamente na casa-grande, engoliram mais um best seller ianque, e lhe acrescentaram capítulos decisivos, com a colaboração dos editorialistas dos jornalões.
Soprava o entrecho que a subversão ensaiava sua marcha e a intervenção militar era recomendada, ou melhor, indispensável. A invocação prolongou-se in crescendo desde o instante em que o vice-presidente João Goulart assumiu o posto abandonado por Jânio Quadros, o tragicômico homem da renúncia, antes contida enquanto durou o imbróglio parlamentarista, enfim em tons de desespero quando Jango mandou às favas o sistema de governo inventado para cerceá-lo e retornou ao presidencialismo. A história prova que Goulart era um democrata sincero, nenhuma das suas atitudes, do começo ao fim do mandato constitucional, demonstra o contrário. Quanto à marcha da subversão, nunca a vi passar.
Outra marcha desfilou diante dos meus olhos estupefactos, a “da família, com deus e pela liberdade”. Dirigia então a redação de Quatro Rodas, instalada na capital paulista em um prédio da Rua João Adolfo, esquina da Avenida 9 de Julho. Na tarde do 19 de março de 1964, dia de São José, o resignado padroeiro da família, deixei a redação e andei não mais que 500 metros para alcançar a esquina da Rua Marconi com Barão de Itapetininga, onde estacionei para assistir ao desfile.
Vinham na frente os sócios do Harmonia, clube mais elegante de São Paulo, acompanhados por seus fâmulos, mucamas, aias, capatazes, colonos, jardineiros, motoristas, cocheiros, massagistas, pedicuros, manicures etc. etc. Em seguida trafegaram os sócios do Clube Paulistano (sinto por eles, menos faustosos que o Harmonia), também seguidos por seus serviçais, em número menor e mesmo assim expressivo. Depois passaram os demais, em ordem decrescente, ditada ou pelo clube frequentado, ou pelo bairro da residência. Na rabeira, os remediados, irrefreáveis aspirantes a inquilinos da casa-grande. Sobrevoava o cortejo o governador Adhemar de Barros, de helicóptero em voo quase rasante, desfiava o rosário guardado na algibeira do colete.
A “marcha da família”, capaz de incomodar o Altíssimo e negar a liberdade que diziam defender, revela a verdadeira natureza do golpe de Estado que precipitou a ditadura. A qual é, ou não é. Como a de Hitler, de Mussolini, de Stalin. E não excluamos Franco, ou Salazar, e os fardados de quepe descomunal em toda a América Latina. No caso de Fidel Castro, é natural que tenha merecido uma avaliação especial por parte de quem viveu a condição de relegado ao quintal dos Estados Unidos. De minha parte, confesso, não me agradam personagens que atravessam a vida de uniforme.
Irrita, de todo modo, que seja comum ler ou ouvir a referência à ditadura militar brasileira. Quiséssemos ser precisos, afirmaríamos ditadura civil e militar. A bem da verdade factual, há de se reconhecer que nos começos de 1964 não seria missão impossível atiçar os nossos fardados, e na tarefa o governo americano, e os privilegiados do Brasil, por meio dos seus porta-vozes midiáticos, saíram-se à perfeição. A tal ponto que eles próprios, jornalistas inclusive, acabaram por acreditar no enredo criado em Washington, pelo qual a guerra civil batia às portas. Houve até civis graúdos que estocaram armas nos porões e nas adegas.
Calibrados para a intervenção, os militares cumpriram o seu papel de gendarmes da casa-grande, de exército de ocupação, e com notável aparato partiram para a refrega de fato impossível. A renúncia de Jânio Quadros deveria ter sido lição profícua. Este sim, ao contrário de Jango, pretendia provocar a reação popular e errou dramaticamente. No mesmo dia, o Santos jogava em terra estrangeira e o povo comprimia-se nos bares para ouvir a irradiação. Reação houve, delirante, aos gols de Pelé.
A 1º de abril, ou 31 de março, que seja, vieram os blindados e os canhões, Carlos Lacerda armou-se de fuzil e fez do Catete uma trincheira. O golpe se deu, porém, com a imponência de um corriqueiro desfile de 7 de setembro. Houve um ou outro episódio de violência aqui e acolá, enfrentamento nunca. As calçadas não ficaram manchadas de sangue. Os militares executaram o serviço sujo com a eficácia e o risco de quem vai à guerra sem inimigo. Do outro lado, havia idealistas, sonhadores, nacionalistas, esperançosos de um futuro melhor para um país que amadurecia lentamente demais para a contemporaneidade do mundo.
Brasil padeceu de várias desgraças ao longo de cinco séculos. A colonização predatória, a matança dos aborígenes, três séculos e meio de escravidão, uma independência sem sangue, uma proclamação da República perpetrada por obra de um golpe de Estado militar, a indicar o caminho convidativo daí para a frente. O entrecho de desgraças, entre elas a carga mais deletéria representada pela escravidão, cujos efeitos permanecem até hoje, influenciou profundamente a história do século passado. Dominada em boa parte por Getúlio Vargas, um estadista, decerto, ao pensar um Brasil moderno, e também ditador no primeiro período da sua atuação, o que não depõe a favor.
golpe de 1964, reforçado na sua essência daninha pelo golpe dentro do golpe de 1968, uma vez imposto o Ato Institucional nº 5, é a última das desgraças. A mais recente, e de repercussões duradouras. Leiam, por exemplo, o texto de Vladimir Safatle, mais adiante. A derrubada de Goulart assinala o enterro de um processo que levaria o Brasil bem mais longe do que se encontra hoje. Não imagino, está claro, a chegada da marcha da subversão para impor uma ditadura também, embora de esquerda, mesmo porque as lideranças disponíveis, os cassados daquele momento, estavam longe de mirar neste alvo. Digo lideranças como o próprio Jango, Brizola, nem se fale de Juscelino.
Mudanças sensíveis se dariam aos poucos, caso não ocorresse uma reviravolta armada, no espaço de uma ou mesmo duas décadas, a partir das chamadas reformas de base, encabeçadas pela reforma agrária, indispensável em um país em que 1% da população é dona de cerca de 50% das terras férteis. As circunstâncias favoreceriam o surgimento de partidos autênticos em lugar de clubes recreativos de uns poucos sócios, a representarem, quase todos, os interesses do privilégio. Baseado no parque industrial paulista, o mais desenvolvido de todo o Hemisfério Sul, brotaria um proletariado consciente da importância e da força do seu papel, e portanto sindicatos dignos deste nome.
O golpe de 1964 aconteceu exatamente por causa da perspectiva renovadora que apavorava os senhores. Chega a ser ridículo invocar a ameaça da guerra civil, como alega Célio Borja na entrevista à Folha de S.Paulo, e como alegam muitos outros como ele, convictos de que é da conveniência do Brasil ser satélite de Tio Sam, bem como manter de pé a casa-grande e a senzala, da qual vale convocar eventuais marchadores. Os senhores escravocratas do século XXI ainda se movem ao sabor das crenças de 50 anos atrás (ou de 500?), certos do velho axioma, melhor prevenir do que remediar. Daí a oposição sistemática aos governos Lula e Dilma. Aquele já fez alguns estragos, esta é sua criatura, donde para ela a berlinda é automática.
Sempre que ouço pronunciar a palavra redemocratização padeço de um sobressalto entre o fígado e a alma. É justa e confiável a democracia em um país que ocupa o quarto lugar na classificação dos mais desiguais do mundo? Os senhores do privilégio querem é uma democracia sem povo e um capitalismo sem risco. De qualquer forma, à democracia não basta promover eleições periódicas, mas algo é mais grave, nesta instância do pós-ditadura: o espírito golpista ainda lateja nas entranhas da sociedade, como vocação inapagada e impulso natural.
De um lado há a fé em um recurso extremo, porém disponível ad aeternitatem, como aspiração latente em caso de necessidade. Do outro lado, o medo, enraizado nos demais, mal acostumados. Raros os brasileiros que, ao se arriscarem a vislumbrar a possibilidade de uma situação de agitação social, não temam a solução golpista. Há quem suponha que, a esta altura, exageram em temores. Há também quem sustente que basta pensar para tornar o pior admissível.
Agrada-me relembrar Raymundo Faoro, que sustentava a competência da direita, tranquila vencedora em 1964. A respeito discutíamos. Na minha opinião, o nível da competência é determinado pela qualidade do adversário. O que me impressiona, isto sim, é a ausência de adversários à altura desta direita tão, como direi, medieval, responsável pelo brutal oximoro: um país grande por natureza e forte por vocação se vê tolhido por uma elite prepotente, arrogante e ignorante. Deste ponto de vista, a ditadura brasileira tem, aquém ou além da tragédia, ou a despeito da tragédia, um aspecto patético. Quantos perseguiu e até matou e agora são, ou seriam, tucanos convictos, inequivocamente bandeados para a reação?
Com a premissa de que o acaso é entidade insondável, faltou uma esquerda capaz de acuar os donos do poder, como se deu em muitos outros países habilitados à democracia e à civilidade. Para ser de esquerda atualmente é suficiente empenhar-se a favor da igualdade, conforme recomenda Norberto Bobbio, cujo ensaio a respeito Fernando Henrique leu sem proveito algum. Nesta quadra, pretensamente de redemocratização ou, pelo menos, de democratização, o Brasil não conta, na quantidade necessária, com batalhadores da igualdade. Salvo melhor juízo.

A falácia das Elites sobre a importância da Educação


A falácia das elites sobre a importância da Educação

Por: José Gilbert Arruda Martins (Betinho do “seu” Amadeu)*

LUTA...MUITA LUTA. O governo Agnelo, do Partido dos Trabalhadores aqui em Brasília-DF, relutou em sentar e negociar, os professores e professoras tiveram que fazer no ano passado, uma greve de 52 dias, mas conseguiram agora no início de abril/2013, um acordo provisório; provisório por que a conquista não foi satisfatória, não foi alcançado a tão sonhada isonomia, mas o governo sinaliza com uma minúscula preocupação com a Educação. E em São Paulo? Geraldo Alckmin do PSDB precisa sentar para negociar, não é de bom alvitre tratar os professores e a educação dessa forma.
O país está cansado dessa “lenga...lenga” que defende a educação como ferramenta importante para o desenvolvimento da nação. Os professores, professoras, pais, mães, alunos e alunas aguardam há mais de um século para que os governos adotem um projeto de desenvolvimento que leve em conta de forma verdadeira a Educação, por enquanto não passou de discurso vazio para ganhar eleição.
Importantes lutas foram travadas ao longo do século passado, intelectuais, professores e professoras foram às ruas numa batalha incansável pela transformação da educação brasileira, mas, nada concretamente, foi feito.
Perdemos tempo, muito tempo. Com o desenvolvimento industrial dos anos 1940 aos dias atuais a preocupação parece ter sido apenas no sentido de preparar mão de obra e, nem isso o país conseguiu conquistar e só ver a dificuldade que temos em alocar especialistas em várias áreas da economia e nas empresas.
Estamos perdendo tempo, muito tempo. O Estado brasileiro, nos últimos decênios privilegiou uma educação escolar elitista e excludente, o sistema de organização da educação escolar, até os anos 2000 era desconectada, não havia uma relação estreita entre o Ensino Infantil, Fundamental, Médio e Superior, só nos últimos anos o governo iniciou uma reestruturação dessa importante máquina e deu sentido de continuidade e integração mas, ainda é muito pouco.
Estamos perdendo tempo, muito tempo. Em Brasília, Distrito Federal, o governo paga aos professores e professoras remuneração aquém da remuneração dos funcionários do mesmo governo que possuem graduação em nível superior, esse fato, que acontece praticamente em todo o território nacional, afasta os jovens das Licenciaturas, para eles, jovens, além de ser uma profissão difícil, é mal remunerada e, parecesse que perdeu sua luz, sua importância.
Estamos perdendo tempo, muito tempo. Em Brasília, Distrito Federal, cidade sede, cidade administrativa, um professor de contrato temporário 40 horas recebe uma remuneração de cerca de R$ 4 mil, um médico, recém-formado com contrato temporário de 40 horas – sem querer retirar a importância do médico, que também precisa e deve receber remuneração à altura – recebe um salário, segundo as últimas notícias, de R$ 10 mil. Para que estudar tantos anos para ser professor? Fica a pergunta.
Por todo o exposto, e as perguntas sem respostas, fica uma certeza, a distância entre o discurso e a prática governamental é de anos-luz.



*Professor de História de Escola Pública em Brasília-DF.

terça-feira, 25 de março de 2014

Para Conhecer e Não Esquecer o Golpe civil-Militar


Ivan Seixas no antigo prédio do DOI-Codi. Ele acompanhou o assassinato do pai


Especial - 50 anos do golpe
Um golpe contra o Brasil
O objetivo da ditadura era implantar um projeto econômico e social cujo alvo eram os trabalhadores, escreve Ivan Seixas
por Ivan Seixas — publicado 25/03/2014
 Extraído do site da revista Carta Capital dia 25/03/2014
Engana-se quem acha que a ditadura foi implantada , em abril de 1964, com uma quartelada ou alguma ação improvisada de militares furiosos. Foi um golpe de Estado anticomunista, antioperário e antinacional, dentro da histeria da Guerra Fria, em uma agressão escancarada para impor um minucioso projeto econômico e social desenvolvido segundo os interesses do capitalismo estrangeiro e seus aliados nacionais.
Para impor esse projeto econômico e social era necessário impor o arrocho salarial e medidas impopulares sem precedentes. E para que isso se efetivasse era necessário o terrorismo de Estado e a cumplicidade e cooperação do empresariado nacional. A grande maioria dos sindicatos de trabalhadores sofreu intervenção, que passaram a ser dirigidos por gente de confiança da ditadura e dos patrões. Para garantir a repressão, uma extensa rede de repressão se instala desde os primeiros momentos da ditadura sob o comando do temido SNI - Serviço Nacional de Informações, complementada por agentes de repressão particular dentro das fábricas, contratados pelos empresários. Essa cooperação é prevista no organograma do SISNI – Sistema Nacional de Informações, que destaca as “Comunidades Complementares” com os convênios com “Entidades privadas conveniadas”.
Toda essa rede de arapongas a serviço do empresariado foi detectada pela Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, de São Paulo, com base em documentos oficiais do SNI, guardados no Arquivo Nacional. Do mesmo modo, o Arquivo do Estado de São Paulo guarda documentos que mostram que as empresas entregavam as fichas funcionais de seus empregados ao DOPS – Departamento de Ordem Política e Social para que fossem perseguidos pela temida repressão política e essa perseguição servir de desculpas para demitir e colocar o nome do perseguido nas “listas negras” daqueles que não poderiam conseguir emprego mais. Suas famílias passavam fome e os empresários impunham assim o medo da demissão e a submissão dos trabalhadores dentro do projeto implantado em abril de 1964.
A Comissão Estadual descobriu também os livros de entrada e saída no DOPS. Não o livro de entrada de presos, mas o de visitantes do departamento. Sem nenhuma dúvida, o visitante mais constante era um funcionário da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Geraldo Resende de Mattos, homem de confiança do chefe da entidade patronal. Suas visitas nem sempre têm registrado o horário de saída. Numa dessas vezes, a entrada foi pouco antes das seis da tarde e sua saída se dá no dia seguinte quase sete horas da manhã. Óbvio que o funcionário da FIESP ia lá organizar a repressão ao movimento sindical já amordaçado, reprimido e duramente perseguido. Mais uma vez o projeto econômico e social implantado em 1964 era garantido pela repressão política da ditadura sem nenhum disfarce, bem longe da civilidade ou legalidade.
Outro que visitava muito aquele órgão de repressão, tortura e extermínio e opositores à ditadura militar era Claris Halliwell, graduado membro do consulado geral dos EUA, que entrava e saía com muita frequência e também não tinha horário de saída registrado ou só saía no dia seguinte. Em geral, sua presença lá coincidia com os dias em que aconteciam terríveis sessões de tortura a membros da resistência ao estado de terror imperante. Sua entrada acontecia junto com conhecidos torturadores do DOI-CODI de São Paulo como o tenebroso Capitão Ênio Pimentel Silveira, notório torturador e assassino de presos políticos. A entrada dos dois indica que participavam das sessões de torturas, como é o caso do dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), Devanir José de Carvalho, Comandante Henrique, barbarizado por quase três dias seguidos e assassinado ao fim dessa jornada.
Torturas, assassinatos e desaparecimentos de opositores militantes de organizações revolucionárias de luta armada aconteciam no mesmo lugar e com a mesma atenção que a repressão ao movimento sindical e de trabalhadores em geral. A ligação que há entre Mister Halliwell e Geraldo Resende de Mattos é o projeto econômico e social implantado em 1964, com orientação, apoio e acompanhamento do governo americano ao Estado usurpado pelos golpistas civis e militares, que se perpetuaram por longos 21 anos seguidos no poder. Causaram danos em, pelo menos, três gerações de brasileiros e estão impunes até hoje.
Nesse momento em que se marcam os cinquenta anos do assalto ao poder por gente que não tinha compromisso com a democracia e menos ainda com o País, devemos refletir o que se pode fazer para o Brasil continuar e aperfeiçoar suas instituições. Cometeram crimes de lesa-humanidade e também crimes de lesa-pátria, pois causaram danos ao povo trabalhador, aos jovens, à cultura nacional, à economia nacional e às instituições nacionais. E continuam impunes. As mortes são imperdoáveis, mas o que se pode dizer da fome causada aos trabalhadores colocados nas chamadas “listas negras”? Não eram “apenas” os trabalhadores, mas todos os componentes de suas famílias. Danos morais, políticos e econômicos em mulheres, crianças e idosos. Não há como perdoar. Tudo cometido em nome de um maldito projeto econômico e social de uma potência estrangeira.
*Ivan Seixas, ex-militante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), foi torturado ao lado do pai, assassinado pelo regime. Hoje Seixas preside o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Seu relato faz parte da série de 50 depoimentos coletados para o especial Ecos da Ditadura, sobre os 50 anos do golpe civil-militar de 1964