domingo, 17 de novembro de 2024

Xi Jinping defende que Brasil e China caminhem juntos e aprofundem parceria estratégica

 

Líder chinês ressalta cooperação em múltiplas áreas e propõe reformas no FMI, Banco Mundial e OMC

FONTE: Site Brasil 247

Xi Jinping e Lula (Foto: Presidência da República)


Em ARTIGO para a imprensa brasileira, o presidente da China, Xi Jinping, antecipou os temas que pautarão sua visita de Estado ao Brasil, a convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e sua participação na Cúpula de Líderes do G20, no Rio de Janeiro. Xi destacou a importância da parceria estratégica entre os dois países, celebrando o marco de 50 anos de relações diplomáticas, e propôs um reforço na cooperação bilateral e na reforma de instituições globais, como o FMI, o Banco Mundial e a OMC.

Xi Jinping rememorou o histórico da relação sino-brasileira, destacando como os primeiros intercâmbios comerciais, marcados pela chegada de chá e especiarias chinesas ao Brasil há mais de 200 anos, deram início a uma duradoura amizade entre as duas nações. “As relações diplomáticas China-Brasil, estabelecidas em 15 de agosto de 1974, têm resistido às mudanças e turbulências internacionais e são cada vez mais maduras e dinâmicas”, sublinhou o líder chinês.

O presidente da China enfatizou que os dois países mantêm uma relação pautada pelo respeito mútuo, igualdade e compreensão, com o Brasil sendo o primeiro país da América Latina a estabelecer uma parceria estratégica com Pequim. Essa aliança, segundo ele, serviu como um exemplo de cooperação entre países em desenvolvimento e fortaleceu os laços bilaterais em setores como agricultura, infraestrutura, energia e desenvolvimento sustentável.

Xi também destacou a rica interação cultural e os intercâmbios entre os povos. Ele mencionou figuras icônicas da literatura brasileira, como Cecília Meireles e Machado de Assis, que traduziram poesia da dinastia Tang, como símbolos de uma “sinfonia mental” que transcende o tempo e as fronteiras. Além disso, o presidente chinês lembrou que elementos culturais de ambos os países, como o samba e as capivaras do Brasil, e as festividades tradicionais chinesas, têm fortalecido o entendimento e a amizade entre as duas nações.

Desafios globais e cooperação estratégica

Xi Jinping apontou para a necessidade de uma colaboração mais profunda para enfrentar os desafios globais contemporâneos. Ele ressaltou o papel de Brasil e China como líderes do Sul Global, responsáveis por promover a multipolarização e a democratização das relações internacionais. Em sua visão, essa colaboração pode injetar “energia positiva à paz e à estabilidade mundiais”.

O presidente chinês propôs, ainda, que a parceria sino-brasileira busque uma sinergia estratégica entre a Iniciativa Cinturão e Rota e os planos de desenvolvimento do Brasil. Segundo Xi, essa colaboração poderá trazer benefícios duradouros e criar projetos exemplares para ambos os países e suas regiões.

Em um contexto de transformações globais sem precedentes, Xi Jinping defendeu a reforma de instituições internacionais como o FMI, o Banco Mundial e a OMC. Para ele, é necessário que essas entidades sejam mais inclusivas e representativas do Sul Global. Ele destacou que o G20 deve ser uma plataforma de cooperação que priorize o desenvolvimento sustentável e ofereça apoio efetivo aos países em desenvolvimento.

Sustentabilidade e combate à pobreza

Xi também elogiou a escolha do presidente Lula de priorizar o combate à fome e à pobreza na agenda da cúpula do G20 e manifestou apoio à proposta de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Ele lembrou a importância de um desenvolvimento sustentável e defendeu a continuidade do legado da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio em 1992.

O presidente Xi Jinping concluiu seu artigo reiterando a importância da colaboração estreita entre Brasil e China para enfrentar os desafios do futuro e fortalecer os laços históricos. Ele manifestou otimismo quanto à Cúpula do G20, acreditando que será um marco para ambos os países e para o mundo. “Espero que a cúpula possa injetar maior vigor e confiança ao desenvolvimento sustentável global”, afirmou Xi, mirando uma nova era de parceria estratégica que beneficie os dois países e promova um futuro mais justo e próspero.


sábado, 16 de novembro de 2024

Porque corre Trump?

 por Rui Abreu



Passados dez dias das eleições presidenciais estadunidenses e ainda com alguns

estados a terminar o apuramento, é já incontornável a retumbante vitória de Donald Trump.

Trezentos e doze grandes eleitores, cinquenta e três senadores, setenta e cinco milhões de

votos (vitória no voto popular), vinte e sete governadores e seis juízes da Suprema Corte dos

Estados Unidos nomeados por republicanos; são alguns dos números da nova legitimidade

institucional e política que sustenta Trump neste novo ciclo político.

Depois de ter perdido sua reeleição em 2020, como o povo devolveu a confiança política

a um ex presidente que atentou contra direitos básicos das mulheres, da população imigrante,

que tem dezenas de processos contra si no judiciário (onde tem até várias condenações) e que

contribuiu para a morte evitável de centenas de milhar de cidadãs e cidadãos durante a

pandemia do covid? Afinal, porque corre Trump?


1 – Neoliberalismo é seu nome

A chegada de Reagan ao poder em 1979 trouxe um aprofundamento do capitalismo num

formato neoliberal que colocou o estado totalmente a serviço do grande capital, em particular

do capital financeiro. Reduziu a capacidade de dinamização económica do estado em cenários

recessivos, entregou aos privados setores estratégicos da economia, cortou os programas de

apoio social, desmantelou as leis trabalhistas e as organizações de defesa da classe

trabalhadora; rebaixou as condições de vida da população colocando a classe trabalhadora

numa maior desproteção social, criou mecanismos de roubo do orçamento federal através da

dívida pública. Foi dentro desta composição económica e social que o P.I.B. norte americano se

multiplicou por nove, crescendo de três trilhões de dólares para vinte sete trilhões nestes

últimos quarenta e cinco anos.

Setorialmente os E.U.A. lideraram mundialmente transformações importantes na

economia em torno duma globalização que alimentava as taxas de lucro das suas

megacorporações. As Bigtech(s), então em crescimento, implantaram a economia digital, a

indústria deslocalizou-se para sul e oriente em busca de fatores de produção mais baratos, com

destaque para a mão de obra. O capital financeiro ocupou parcelas cada vez maiores da

economia, secundarizando o papel do estado como agente dinamizador e subjugando os

setores primário e secundário à lógica e prática da capitalização financeira.

A condição da classe trabalhadora ia acompanhando essas mudanças estruturais

económicas, sendo empurrada para a precariedade sem que sindicatos e comissões de

trabalhadores tivessem capacidade de resistência às alterações nas relações de produção que

o neoliberalismo impunha. O salário real foi desfalecendo, encontrando-se atualmente pouco

acima dos valores de 1980, retirando do fator trabalho a partilha da imensa riqueza criada nos

últimos quarenta e cinco anos. Tudo com a complacência da esquerda, que no centro do

império foi (e é) quase inexistente em termos organizados e não quis dar respostas às

dificuldades impostas ao povo. Este quadro económico neoliberal norte americano foi replicado

pelas economias ocidentais, dando origem a conjunturas semelhantes de intensa acumulação

de capital e empobrecimento generalizado da população na Europa e restante América.

É neste contexto que surge Trump e ressurgem os movimentos de extrema direita para

coletar apoio no estado de desesperança da população trabalhadora que não vê neste sistema

neoliberal a melhoria de suas condições de vida, tendo garantido para si e para as gerações

vindouras condições de vida piores que de seus pais, identificando na esquerda (normalmente

anémica de proposta) uma parte integrante do sistema. Um sistema capitalista que despeja

suas crises em cima de quem trabalha com ajustes fiscais cada vez mais draconianos

sustentados numa ideologia que individualiza os problemas e soluções, a qual não sofreu o

devido contraditório no debate e na proposta pela esquerda nas últimas décadas. A luta de

classes não esgrimida dos dois lados cria campo fértil para a extrema direita e condições para

a contínua degradação das condições de vida duma classe trabalhadora cada vez mais

politizada pelo neoliberalismo e neofascismo. Sem alternativa de esquerda e com perspetivas


de luta limitadas, os “trumpismos” surgem como catalisadores do descontentamento geral,

sendo a opção política que mais aparenta mudar o atual estado de coisas.


2 – A economia de Biden

Os indicadores liberais apresentam uma economia em recuperação no final do mandato

de Biden. A inflação, refletindo o corte de circuitos económicos com a guerra na Ucrânia

atingido 9.1% em junho de 2022 (sendo a maior dos últimos quarenta anos), situava-se em

setembro deste ano nos 2,4%. Também a taxa de desemprego acomodou-se entre os 3,8% e

os 5%, durante o mandato democrata, sendo considerada pelos analistas liberais como uma

situação de pleno emprego. O P.I.B. cresceu 6,1% em 2021 gozando do crescimento negativo

de -2,2% de 2020 provocada pelo impacto da pandemia da covid, de 2022 a 2024 cresceu

entre 2,5% e 2,9%, o que dá aos mesmos analistas o discurso de uma economia forte, de

crescimento sólido.

O que os indicadores liberais não mostram são os 25% de aumento do custo dos

produtos que constituem a cesta básica e os 30% de aumento do custo da energia, afinal a

inflação não é igual para todos; não mostram os quarenta e um milhões de cidadãos e cidadãs

norte americanas que se encontram em estado de pobreza, afinal o P.I.B. não cresce para

todos; não mostram um mercado imobiliário inflacionado pelos bancos e grupos de

investimento que vêm nos imóveis mais uma fonte de especulação e lucro, colocando os

preços inatingíveis para a maioria dos trabalhadores; não mostram uma classe trabalhadora

esmagada nas suas condições laborais que, para fazer face às despesas quotidianas, acumula

dois e três trabalhos para poder levar um salário digno para casa. Afinal o pleno emprego de

Biden é repleto de precariedade e miséria.

No plano externo, por obrigação imperial, impôs-se a estratégia da economia do caos

com a promoção da instabilidade e conflitos como método para atrasar o crescimento chinês. A

guerra económica à China tem criado reflexos inflacionários devido à forte interdependência

que existe entre as duas economias. O maior parceiro comercial dos E.U.A. tem sido a China

que só foi substituída pelo México após o início da guerra na Ucrânia. A exigência

estadunidense de separar economicamente as potências e seus campos de influência

consuma-se através da política belicista e das diversas guerras económicas que a casa branca

promove. O quadro de confronto com a China promete aumentar com a eleição de Trump,

assim como as contradições económicas que essa política externa provoca internamente,

sendo a inflação uma ameaça real para o poder de compra da classe trabalhadora.

3 – Porque não corre a esquerda?

Cansada está a análise sobre a queda do muro de Berlim e a consequente

desorientação política provocada em toda a esquerda mundial. De maior marca ficou o

acomodamento da esquerda aos lugares conquistados eleitoralmente e o seu afastamento da

classe trabalhadora.

O jargão liberal tomou lugar no discurso da esquerda e a radicalidade de proposta foi

substituída pela competência técnica, como se o papel da esquerda fosse agora o de fazer uma

melhor gestão de orçamentos neoliberais que a direita, cabimentando aqui e acolá uma

medida, uma assistência social ou subsídio. A esquerda tornou-se defensora dum capitalismo

humanizado, ente que conseguiu existir em tempos idos da guerra fria e se materializou nas

sociais democracias europeias da segunda metade do século vinte. Na política global de hoje o

“capitalismo de rosto humano” não tem qualquer lugar, sendo seus preconizadores uma

espécie em vias de extinção.

Participando o movimento global que a política fez para a direita, a esquerda perdeu

suas âncoras ideológicas, suas referências políticas e seu trabalho de base que lhe permitia ter

penetração social.

São desenvolvidos diagnósticos de conjuntura cada vez mais distorcidos pelos

indicadores liberais, tomados como fieis tradutores das condições de vida das populações.


Crescimento do P.I.B. é encarado como determinante absoluto da boa política, retirando o

detalhe de quem ganha com esse crescimento; a taxa de desemprego é apresentada como

taxa de satisfação laboral, mesmo que a precariedade extrema esteja camuflada nesses

números; a inflação reveste-se de medidor do poder de compra, não contrastando seu peso em

rendas tão desiguais como as que existem atualmente.

Os objetivos deslocaram-se da disputa política pelo poder para a eleição de

representantes na democracia burguesa. As propostas tornaram-se inevitavelmente pouco

esclarecidas, seguindo os diagnósticos feitos de forma errada. Programas cada vez mais

pastosos surgem na incapacidade de comunicar com a classe trabalhadora, tentando com

medidas liberais acertar nalgum termo decisivo do voto. Propostas neoliberais como educação

financeira nas escolas, P.P.P.(s) e concessão de serviços públicos a empresas privadas

começaram a ser lugar comum em programas e governações de esquerda. A esquerda não só

deixou de apresentar uma proposta de sociedade diferente como foi assimilada e atualmente é

identificada como “O sistema”.

Até na autocrítica perdeu-se a referência, (aqui também me incluo). Termos como

“institucionalização”, “descaracterização”, “perda de identidade” e “afastamento das bases”

ofuscaram o bom velho “aburguesamento” que tão bem define o processo pelo qual passaram

a esmagadora maioria de partidos e quadros da esquerda ocidental.

É sabida a incapacidade transformadora da esquerda per si, não conseguindo seu

voluntarismo ultrapassar o tempo da luta de classes. São as contradições de classe que

determinam esse tempo de luta. Mas Trump e “trumpinhos” só correm na nossa insuficiência de

questionar e propôr a superação do capitalismo que hoje, perante o choque da socioesfera com

a bio e geoesfera, assume forma de extermínio. O neofascismo só cresce na mescla da

esquerda com o capitalismo neoliberal.

Também é sabido que o neofascismo de aparência antissistémica não passa de um

endurecimento político do projeto liberal, dando uma relação musculada entre o estado e a

classe trabalhadora, garantindo maiores margens de lucro para os bilionários, consolidando a

desigualdade social como objetivo a perseguir. Não é assim possível derrotar a política

neofascista sem combater a base económica liberal que a sustenta. A estratégia da frente

ampla para derrotar a extrema direita goza desse pecado original: tenta derrotar a cabeça

política neofascista alimentando seu corpo económico neoliberal.

Trump corre na nossa incapacidade de disputar maiorias sociais que não se revêem no

sistema, que nestas últimas eleições são dois terços da população: um terço que votou em

Trump e um terço de abstenção.

Esta é uma fase da luta de exigência teórica, de valores e de práticas. Clarividência na

proposta social e económica é fundamental para conseguir superar o mundo trumpista que se

edifica. Medo e aburguesamento só garantirão que regimes neofascistas se imponham nos

tempos que aí vêm.


Fontes:

. https://pt.tradingeconomics.com

. https://pt.countryeconomy.com/governo/pib/estados-unidos

. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cz0m3l7r5yko

. https://www.census.gov/library/publications/2024/demo/p60-283.html

. https://www.statista.com/chart/26882/us-energy-costs-natural-gas-gasoline-electricity/

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

VÍDEO: o momento em que robô antibombas se aproxima do corpo de terrorista que se explodiu no STF

 FONTE: Site DCM


Momento em que robô do esquadrão antibombas se aproxima do corpo de Francisco Wanderley Luiz – Foto: Reprodução



Câmeras de segurança do Supremo Tribunal Federal (STF) registraram o momento em que policiais e um robô antibombas se aproximam do corpo de Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, após ele detonar um explosivo em frente ao STF. As imagens mostram a equipe de segurança se movendo com cautela para verificar a área e garantir que não houvesse outros artefatos ativos no local.

O ataque ocorreu na noite de quarta-feira (13), quando Francisco, conhecido como Tiü França, detonou explosivos que carregava consigo na Praça dos Três Poderes, em Brasília. As explosões, que também atingiram um carro estacionado no Anexo IV da Câmara dos Deputados, ocorreram por volta das 19h30, causando alarme na Esplanada dos Ministérios e levando à suspensão das atividades na Câmara e no Senado na quinta-feira (14).

Francisco, que tentou uma candidatura a vereador pelo PL em 2020, havia feito publicações nas redes sociais antecipando as explosões. O chaveiro de profissão divulgou mensagens com declarações radicais e mencionou a escolha do dia 13 para o ataque. A Polícia Federal continua investigando o caso.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

O gigante com pés de petróleo

 Por Rui Abreu


1 - O gigante com pés de petróleo

             Num final de século dezanove iluminado por Thomas Edison e acelerado por Karl Benz, o futuro previa-se entusiasmado por novas descobertas e invenções. O capitalismo, empurrado pelo motor de combustão, prometia um crescimento ímpar, trazendo novos cenários económicos e sociais com novos setores a centralizar a economia, novas camadas sociais e pessoas a ascenderem a posições de poder. Haveria de ser um filho de um vendedor de banha da cobra que iria destacar-se na indústria que marcou todo o desenvolvimento mundial através da recém descoberta fonte energética.

            Em 1870, em Cleveland, Ohio, era formada a mais importante e poderosa empresa do mundo na viragem do século. John D. Rockefeller registou a Standard Oil Company após adquirir das mais diversas formas (muitas ilegais) quase todas as empresas de exploração e distribuição de petróleo e gás do ainda jovem país, os Estados Unidos da América. Com um domínio de cerca de 90% da produção e distribuição de petróleo, gás e seus derivados, a Standard Oil posicionava-se ao lado de outros titãs energéticos mundiais. A par do consórcio anglo persa que operava no Irão e hoje subsiste como BP e do consórcio franco neerlandês que explorava no Mar Cáspio e em solo birmanês (atual Myanmar) e que conhecemos como Shell, marcaram todo o desenvolvimento industrial e comercial do mundo.

            O início do século vinte brindava Rockefeller com a distinção do primeiro bilionário da história. Famílias como Nobel, Rothschild, Família Real Holandesa e Família Real Inglesa acompanhavam o bilionário nessa ascensão de riqueza e poder global, em torno dos recursos que estariam no centro de toda a geopolítica do século vinte. Ocupações foram feitas, acordos assinados, guerras começadas por causa desses recursos e guerras ganhas por quem os detinha. O mapamundo foi redesenhado de acordo com esses conflitos, refletindo as riquezas geoestacionárias presentes no subsolo e o domínio das potências sobre elas. ISRAEL É PARTO DESSA DISPUTA GLOBAL.

            Os impérios, em rota de colisão, fervilhavam internamente com os movimentos operários a surgirem, questionando a ordem do brutal capitalismo nascida na revolução industrial e que dariam origem a partidos socialistas e comunistas, organizando assim a luta de classes. Os E.U.A. saíram quase intocados dos dois conflitos mundiais que as potências tinham deflagrado, não sofrendo em seu território batalhas ou bombardeamentos (com a exceção do episódio de Pearl Harbor1). Os combustíveis fósseis tiveram um papel fundamental na motivação desses conflitos e também na sua resolução. Não foi um acaso que E.U.A. e U.R.S.S., que detinham em seus territórios vastas reservas e fortes indústrias de exploração, refinação e distribuição de petróleo e gás, foram os grandes vencedores da segunda Grande Guerra e se estabeleceram como os polos políticos, económicos e militares do mundo.

            No pós Segunda Grande Guerra emergem assim duas superpotências detentoras de poderosas indústrias de petróleo e gás, as quais não foram alheias à vitória no maior conflito armado da história e na afirmação de seu poder no mundo. Médio Oriente, África e América do Sul tornavam-se nas décadas seguintes palco de disputa entre o bloco capitalista e o bloco socialista a cada nova descoberta de jazidas petrolíferas e cada novo campo de gás. De regimes antagónicos, as superpotências e seus blocos alimentaram suas economias com a mesma matriz fóssil, contribuindo decisivamente para a emissão desmesurada de gases de efeito estufa que tanto contribuíram para as alterações climáticas. Estas vieram para ficar e, como sabido há décadas, para determinar nossos futuros.

            Os E.U.A. haveriam de suplantar seu rival na disputa pela hegemonia global e impor o seu modelo de produção ao mundo. A formidável máquina de guerra estadounidense garantia presença permanente das corporações norte americanas nos países detentores de petróleo e gás.      As invasões do Iraque de 1990 e 2003 promovidas pela família presidencial Bush são prova da dependência imperialista dos recursos energéticos fosseis. Também o apoio incondicional ao regime sionista israelita ao nível do genocídio faz parte do modelo de domínio do Médio Oriente, região historicamente com as maiores reservas de hidrocarbonetos.

            O império procura controlar a exploração, a refinação (objeto maior no domínio do circuito económico do petróleo, sendo a fase onde o produto recebe maior valor acrescentado e que estabelece o preço a que circulará comercialmente o barril) e a distribuição. É nessa procura que se enquadram as sanções de 2018 feitas por Trump à Venezuela após os acordos de cooperação assinados entre o governo Maduro e o governo Chinês que previam investimento na capacidade de refinação venezuelana. Além de tentar impedir que a economia chinesa desembarque na América Latina e acesse mais às suas riquezas, os E.U.A. lutam para manter o primeiro lugar do ranking de países com maior capacidade de refino no mundo (cerca de 18 milhões de barris/dia), garantindo deliberação sobre os preços globais.

            Os Estados Unidos são o maior produtor do mundo de petróleo, com cerca de 19% da produção mundial, o maior refinador com cerca de 18% do refino global e o maior consumidor  com cerca de 20% do consumo mundial2.

           

2 – Riqueza para uns, problema para todos

 

            Despertos pela ciência para o novo e determinante problema das alterações climáticas, governos do mundo inteiro assinam acordos e prometem fazer a transição energética, sempre quando a economia permitir, sempre quando o lucro deixar. Uma visão liderada pelo império norte americano de exploração até ao fim (não do planeta e nem sequer dos recursos, mas sim da habitabilidade) tomou conta do mundo, criando um caminho de extinção em massa cada vez menos evitável.

            Desde a assinatura em 1997 do protocolo de Kyoto, Japão, que os países mais industrializados criaram metas de redução de emissão de gases de efeito estufa. As modestas metas de redução variavam entre 6% e 8% para países como Japão, E.U.A., Reino Unido e Bélgica enquanto outros países ainda tinham margem para aumentar a emissão em 10% como a Islândia e 8% como a Austrália. Os então chamados países em vias de desenvolvimento como o Brasil, China e Índia não tinham metas determinadas, cabendo a cada governo estabelecer medidas de controlo do problema. Passadas quase três décadas e muitos acordos depois, e todas as metas não cumpridas, o planeta bate recordes de temperatura pelo 14º mês consecutivo e a realidade climática excede todos os modelos matemáticos criados.

            O acordo de Paris de 2015 estabeleceu metas mais ambiciosas mas ainda desajustadas com a realidade. A promessa de redução de 50% das emissões até 2030 tinha um pecado original: os 50% eram relativos às emissões de 1990 que eram significativamente menores às emissões à data do acordo. Mesmo assim, ninguém chegará perto de cumprir as metas definidas em 2015, metas essas muito insuficientes perante a realidade climática atual e a avaliação da ciência.

            O tão temido aumento da temperatura média do planeta de 1,5º Celsius acima dos níveis pré industriais que sufoca os oceanos e descongela o permafrost3 que estava previsto para os próximas séculos (ou milénios) está chegando muito mais cedo e com ele as catástrofes naturais sucedem-se pelo globo inteiro. Cheias, secas, incêndios e tempestades tornaram-se visitas frequentes do jornal da noite. Realmente perigosa é a situação do permafrost siberiano que descongela rapidamente e retém calculadas 2 bilhões de toneladas de metano, que entrando em contato com a atmosfera desequilibraria o clima muito além da extinção humana.

            Em 2023 o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) no seu Relatório (anual) sobre a Lacuna de Emissões, que identifica a distância entre a previsão de emissões e os compromissos políticos atuais dos países de redução de emissões, calculando onde  deveriam estar essas emissões para cumprir a meta de aquecimento inferior ou igual a 1,5º Celcius, alerta que se não houver medidas mais efetivas o aumento de temperatura será de 2,5º Celsius a 2,9º Celsius, o que representará a falência biológica do planeta.

            A situação não se compagina mais com a divisão mundial de emissões prevista em Kyoto: reduções até 8%, alguns países tinham metas de aumento e outros não tinham metas. Como infelizmente os países pouco industrializados não poderão sustentar seu desenvolvimento económico nos combustíveis fósseis, será justo serem os últimos países a poderem fazê-lo, colocando a pressão da descarbonização econômica nas potências mundiais. O G20 é responsável por 80% das emissões globais, destacando-se pela ordem de maiores emissores a China, E.U.A., U.E. e Índia. Sendo certo que só num mundo edílico esse plano global seria estabelecido, cabe a cada país descarbonizar a sua economia o mais rapidamente possível e elevar o tema na agenda política mundial, responsabilizando e exigindo dos governos dos países com maiores emissões políticas efetivas de descarbonização.

           

3 – Transição de esquerda

 

            O capitalismo na sua versão verde abre novos campos de negócio assentes num velho modelo de exploração. Procurando manter o modelo de concentração das mega corporações na produção de energias limpas, são usadas para tal as empresas petrolíferas, transformando-as em empresas de energia. A concentração da produção de energia em grandes pólos corporativos tem sido o instrumento de controlo do capital em relação ao acesso dos povos às fontes energéticas e de domínio geopolítico imperialista. Na lógica exploratória dos hidrocarbonetos é mais assimilável que haja grandes pólos produtivos atendendo que o petróleo e gás têm localização definida no território. Na era das energias alternativas, as fontes naturais energéticas encontram-se à nossa volta, em todos os lados, devendo ser estimulada a produção local, podendo e devendo ser eliminado parte significativa do desperdício energético da distribuição. A defesa de comunidades energéticas, cooperativas de produção de energia limpa e domicílios energeticamente autónomos é uma exigência de uma política de transição mais justa, democrática e eficiente.

             No plano global, de nada adiantará as políticas de compensação financeira sobre danos ambientais dos maiores emissores assim como se revelam ineficazes os mercados de carbono, solução mercantilista que o capitalismo (com o império à cabeça) criou para lucrar com a emergência climática. Só a reposição ambiental e redução drástica de emissões pode ajudar a amenizar o problema. O metano e o carbono revelam-se pouco sensíveis a negociações e, ao contrário de todas as outras transições motivadas pelas lutas sociais, esta transição tem prazo de validade, não havendo espaço para dúvidas pseudocientíficas nem para o jogo do empurra entre países na responsabilização do processo.

            A esquerda brasileira (e mundial também) parece não querer sair do estado de negacionismo climático, recorrendo-se de reservas petrolíferas para avaliar o potencial de desenvolvimento económico de países, não acreditando que não dá para repetir os marcos de desenvolvimento das potências mundiais e que se for explorada um ínfima parte dessas reservas haverá uma cobrança brutal sobre a biosfera.

            O “cloroquinismo” climático tem de ser derrotado para que se abra uma nova frente da luta de classes. Só a esquerda pode defender a vida da classe trabalhadora perante as intempéries, com planos de deslocação massiva de parte da população que vive nas regiões de risco, só a esquerda pode apresentar proposta de descentralização econômica que acompanhe a solução urbanística, só a esquerda pode apresentar caminho para a qualificação económica e de emprego em torno da transição energética, só a esquerda pode democratizar o acesso às novas energias, só a esquerda pode questionar o atual modelo energético submisso aos E.U.A..

            A luta por uma transição energética que proteja vida dos povos, democrática e justa também é uma luta anti imperialista.

 

 

           

 

 

1 Base militar estado unidense situada no Havaí que sofreu um ataque da força aérea japonesa em 7 de dezembro de 1941 e catapultou os E.U.A. para a Segunda Grande Guerra.

 

2 Dados de 2022

 

3 Parte do solo terrestre que cobre 25% do hemisfério norte que está congelado há dezenas de milhar de anos, consequência da última era glacial. Encontra-se atualmente a descongelar a velocidade elevada devido ao aquecimento global.

 

 

Fontes:

 

. https://www.unep.org/pt-br/resources/relatorio-sobre-lacuna-de-emissoes-2023

 

 

. https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/anuario-estatistico/arquivos-anuario-estatistico-2023/secao-1/secao-1.pdf