Por
José Gilbert Arruda Martins*
Segundo
o historiador francês e uma das mais respeitadas autoridades em Idade Média Jacques
Le Goff o feudalismo é: “um sistema de organização econômica, social e política
baseado nos vínculos de homem a homem, no qual uma classe de guerreiros
especializados – os senhores –, subordinados uns aos outros por uma hierarquia
de vínculos de dependência, domina e explora uma massa campesina”.
É de
conhecimento mundial que parte do judiciário brasileiro vive e se comporta como
verdadeiros senhores feudais em pleno século XXI. As causas desse descalabro
são as mais variadas. Vai desde a formação historicamente elitista, a ações
autoritárias em suas regiões administrativas ou alianças entre pares para
assegurar regalias e privilégios. Além disso, podemos destacar com certo grau
de certeza, a participação direta de setores e pessoas da magistratura nacional
em rupturas políticas ao longo dos últimos cem anos, pelo menos.
A construção
desse “feudalismo à brasileira”, para muitos especialistas em direito no país,
vem de longa data. Esse comportamento ilegal e antiético medonho parece fazer
parte das entranhas da justiça quase como um todo. São raras as exceções e,
quando aparecem têm a cabeça cortada ou por seus próprios pares ou até mesmo,
por órgãos importantes que deveriam existir não proteger a cada um tão somente,
mas, proteger a justiça, o direito e o cidadão, como por exemplo, o CNJ.
No
último século, desde o advento da República, por sinal criada de um golpe
civil-militar, parte significativa do judiciário tupiniquim participou
ativamente da vida pública não apenas como juízes ou magistrados em suas
funções de operadores do direito e da justiça, mas, como opositores ou
apoiadores de causas políticas que, normalmente, impactaram na vida de todo o
país.
O
“Manifesto Republicano” de 1870 que foi publicado no jornal da época “A
República” trazia entre outros signatários, advogados defensores da causa. Esse
é um exemplo que poderia ser destacado como rara participação positiva na
histórica da elitista carreira de advogado da maioria dos operadores do direito
desse país.
No
entanto, o curso de direito nunca foi voltado ou teve a verdadeira preocupação
em formar pessoas de origem popular. Era assim no início do século passado é
assim, por incrível que possa parecer, ainda hoje. Os poucos do povo que
adentram as universidades para cursar direito entram em faculdades particulares
que, em sua grande maioria, possuem cursos para formar advogados da classe
média com o objetivo de aprovação em concurso público. Instituições que deixam
muito a desejar na formação humanística, social, política e de direitos humanos
de seus egressos. Como consequência, a maioria dos profissionais formados e
aprovados em concursos da magistratura, são naturalmente, conservadores.
É
sabido que o curso de direito no Brasil, desde as escolas mais famosas como a
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco criada no início do
século XIX ou a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo do
início do XX entre outras instituições importantes, historicamente, receberam e
formaram os filhos homens das elites brasileiras, não que essas faculdades não
tenham formado alguns poucos bons nomes, mas, em sua maioria, parece não restar
dúvida, logrou em oferecer ao mercado “competentes” profissionais com
pensamento liberal e, profundamente elitista.
A
participação direta de órgãos importantes como a OAB, o STF nos golpes de 1964
no de 2016 e o comportamento arrogante e autoritário de parte dos juízes no
trato com pessoas do povo que, por sinal, os vê como verdadeiros deuses em suas
circunscrições judiciárias atesta para quem quiser ver o profundo
distanciamento de parte da justiça dos verdadeiros interesses da sociedade, do
povo e da nacionalidade brasileira.
Como
não bastasse a participação ilegal, oportunista e canalha de parte importante
dos operadores do direito nos movimentos políticos importantes, esta semana o
país conheceu mais uma faceta mal cheirosa do judiciário. Juízes, e não são
poucos, entre eles os “moralistas” Sr. Moro e seu fiel seguidor Bretas, foram
pegos recebendo auxílio moradia de R$ 20 mil sendo que ambos possuem imóvel
próprio na cidade que trabalham.
Tem
mais, segundo notícias veiculadas em blogs progressistas, apenas no estado de
São Paulo cerca de 500 juízes entraram recentemente com pedido do mesmo auxílio
moradia. Quantos desses têm legalmente direito?
Le
Goff, o historiador francês, escreveu sobre a Idade Média um tempo onde não se
debatia a lei escrita, pelo menos na maior parte das regiões da Europa
Ocidental. O que existia era a lei do mais poderoso, a lei que saia da boca do
senhor que controlava e explorava o povo, que tinha o acesso à palavra e a
imposição da espada ou da fé cristã. Era um tempo de infortúnios, sofrimento e
perseguições de toda ordem. A oposição aos senhores feudais tinha apenas a sua
voz contra todo um aparato de leis não escritas (talvez com exceção da
Inglaterra que possuía alguns pontos escritos de uma legislação dos senhores
para os senhores), toda a região vivia e morria sob a vontade do rei e seus
vassalos.
No
entanto, os tempos mudaram, os movimentos de construção do Estado Moderno
acompanharam toda uma evolução do direito e da justiça. O Iluminismo, a
Revolução Francesa, apesar de um movimento burguês, trouxe para o cenário das
relações humanas novas e interessantes construções para o debate sobre leis e
direitos dos cidadãos e cidadãs.
Nesse
sentido, o Brasil não pode aceitar de forma nenhuma que pessoas, operadoras da
lei e da justiça, possam acessar de forma ilegal e imoral, certas regalias e
privilégios enquanto outras pessoas, grupos de profissionais e a sociedade
pobre não tenham os mesmos direitos e padeçam à míngua como é o caso do povo
mais pobre que é, muitas vezes, alijado de todo e qualquer acesso aos mínimos direitos
de cidadania.
A
lei e a justiça têm que ser concretamente para todos e todas. Como afirmou
recentemente a professora Beatriz Vargas da UnB: “O ‘ninguém está acima da lei’
é assumir que ninguém esteja à margem da lei”. Nenhum juiz verdadeiramente
voltado para a justiça pode agir fora da lei. E, definitivamente não é
exatamente isso o que vem acontecendo. As ações ilegais de algumas autoridades
do judiciário demonstram que agem certos de quem tem a guilhotina nas mãos,
certos de que tomaram para si o direito de inovar o direito com o intuito de
perseguir seus opositores ideológicos e políticos.
Senhores
e senhoras que agem como Suseranos e Vassalos, numa aliança que faz corar de
vergonha àqueles e aquelas que operam o direito com honestidade, seriedade
profissional e zelo pelos interesses do país e do seu povo.
*Graduado
em História pela Universidade Estadual do Ceará (1988), Mestre em Ciência
Política pelo Unieuro-DF (2017)
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