segunda-feira, 4 de junho de 2018

Como superar a República Rodoviarista do Brasil

no Outras Palavras

POR ROBERTO ANDRES



aminhão e automóvel são pivôs de um modelo de “desenvolvimento” que traz consigo o latifúndio, e especulação imobiliária e as cidades segregredas. Quais os caminhos para virar a página?
Por Roberto Andrés
Uma greve de caminhoneiros não seria capaz de parar o Brasil na década de 1950. Pessoas continuariam se deslocando pelas cidades; o abastecimento de produtos seria mantido; milhões de animais não estariam sendo sacrificados; não estaria faltando insumos em hospitais, escolas, postos de saúde, etc.
Há legitimidade em se opor à escalada dos preços dos combustíveis, mas o impacto descomunal da greve coloca em questão nossa extrema dependência de estradas, asfalto, pneus e derivados de petróleo. Vale lembrar que nem sempre foi assim: nos tornamos uma república rodoviarista ao longo do século 20, a despeito da ampla malha ferroviária e do imenso potencial hidroviário que o país já teve.
Em artigo na revista Piseagrama, Fernanda Regaldo reconta a triste história de desmonte da Rede Ferroviária Federal, que já foi a maior empresa pública do país, à frente da Petrobrás. Nos anos 1950, os trens intermunicipais no Brasil transportavam cerca de cem milhões de passageiros por ano – e hoje não chegam a transportar 2 milhões em suas poucas linhas.
A história passa pela construção desenfreada de estradas, tornada pauta nacional por Juscelino Kubitschek e levada a cabo nos anos de chumbo, junto ao abandono paulatino das ferrovias. “No afã privatizante do governo FHC, o sistema ferroviário do país foi completamente desmembrado e concedido à iniciativa privada, quase sem condicionantes de interesse público”, relembra a autora.
Nas mãos de poucas empresas ligadas à mineração, nossa malha ferroviária restante ficou restrita à exportação de minério, grãos e biocombustíveis. E a maior parte do transporte de cargas e passageiros que estrutura a dinâmica interna do Brasil foi para as rodovias.
TEXTO-MEIO
Esse modelo onera a logística do país, gera grande impacto ambiental e milhares de mortes. Estima-se que caminhões gastam cerca de dez vezes mais diesel do que trens para transportar a mesma carga; e que mais de 10 mil pessoas morrem por ano no Brasil em acidentes envolvendo caminhões.
As cidades seguiram na mesma toada. Um estudo de Ailton Brasiliense, presidente da Associação Nacional de Transporte Público, a ANTP, compara São Paulo em 1950 com Belo Horizonte em 2010: com 60 anos de distância, as duas cidades tinham a mesma população (cerca de 2,4 milhões) e a mesma área territorial. No entanto, São Paulo tinha 70 mil veículos em 1950 e, Belo Horizonte, 1,4 milhão em 2010.
O mesmo número de pessoas vive e se desloca na mesma extensão territorial com 20 vezes menos carros. Como isso é possível? A diferença é que São Paulo tinha, em 1950, mais de 600 quilômetros de trilhos de bondes. Bondes que tinham tarifas populares, andavam com gente saindo pelas janelas, não poluíam o ar e geravam pouquíssimos acidentes.
Com o espraiamento das cidades, que, como bem lembra Raquel Rolnik, sempre serviu a proprietários que têm seus terrenos valorizados, a dependência petrolífera se acentuou cada vez mais. Além disso, a produção de alimentos foi se distanciando dos polos de consumo, passando a ser feita em grandes monoculturas, altamente dependentes do diesel (assim como de agrotóxicos).
Tudo isso criou um país que, quando funciona a pleno vapor, gera poluição, doenças, mortes, mal estar. Não deixa de ser sintomático que a paralisação tenha como efeito colateral, além das perdas produtivas, melhorias em muitos aspectos da vida cotidiana.
Durante a greve dos caminhoneiros, as cidades estiveram desobstruídas e silenciosas, com vias livres para bicicletas e pedestres. Em BH, o número de ciclistas praticamente dobrou e a poluição do ar em São Paulo reduziu pela metade depois de uma semana sem gasolina. Se esse padrão fosse mantido, milhares de mortes geradas por problemas respiratórios seriam evitadas.
Revela-se a fragilidade das escolhas que nos legaram uma economia ineficaz, poluente e violenta. A revisão desse caminho é para ontem: agroecologia, agricultura urbana, trens, metrôs, bondes, energia eólica e solar, acesso à terra, reciclagem e compostagem de lixo, entre outros, conformam a agenda urgente vislumbrada na fissura aberta por esses dias de paralisação.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

As complexas sociedades indígenas da Amazônia

no Outras Palavras

Geoglifos, como estes no município de Senador Guiomard, no Acre, podem ser vistos em uma faixa de 1.800 quilômetros no sul da Amazônia


Novas descobertas sugerem que vastas porções da grande floresta não são intocadas: foram manejadas por povos pré-colombianos durante séculos, com agricultura organizada e possível formação de cidades-jardins
Por Marcos Pivetta, na Revisa Pesquisa Fapesp | Imagem: Mauricio de Paiva
A descoberta recente de 81 sítios arqueológicos pré-colombianos aparentemente densamente povoados em uma área do sul da Amazônia que se julgava inabitada ou pouco povoada entre meados do século XIII e o início do XVI reforça uma hipótese defendida por boa parte dos arqueólogos nos últimos 15 anos: a de que a grande floresta tropical, que se estende por terras brasileiras e de mais oito países, abrigava sociedades complexas e uma numerosa população antes da chegada dos europeus às Américas. Os números variam enormemente, mas as estimativas atuais mais aceitas apontam para algo entre 8 e 10 milhões de indígenas, um contingente similar ao dos incas que ocuparam nos Andes uma área muito menor no período pré-colonial, e não no máximo 2 milhões de pessoas, como dizia a norte-americana Betty Meggers (1921-2012), pioneira da arqueologia amazônica, para quem a região era um grande vazio populacional.
Os novos sítios se situam na bacia do Tapajós, no norte de Mato Grosso, em uma área relativamente plana de terra firme, livre de inundações, pontuada por suaves elevações de 100 a 300 metros (m). As regiões de terra firme, também denominadas áreas interfluviais, representam pelo menos 70% dos 5,5 milhões de quilômetros quadrados (km2) da Amazônia. Normalmente, não são alvo de buscas arqueológicas. E a razão é simples: essas áreas estão fora das planícies inundáveis, as várzeas no entorno dos rios, que são as zonas mais férteis e com mais riqueza natural. Em tese, a maior parte das antigas populações pré-coloniais deveria ter se concentrado nas várzeas, pois a terra firme seria muito pobre em recursos para sua sobrevivência. “As áreas interfluviais sempre foram negligenciadas, mas nosso estudo indica que elas podiam abrigar grandes concentrações humanas”, comenta o arqueólogo brasileiro Jonas Gregório de Souza, que faz estágio de pós-doutorado na Universidade de Exeter, no Reino Unido, primeiro autor do estudo sobre os sítios do Tapajós, publicado em março na revista científica Nature Communications.
Com o auxílio de imagens de satélites e idas a campo, Souza e colegas britânicos de Exeter e brasileiros da Universidade Federal do Pará (UFPA), da estadual de Mato Grosso (Unemat) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) identificaram no Tapajós 104 construções ou desenhos geométricos escavados no solo, os chamados geoglifos. São valas e valetas geralmente de formato circular, com diâmetros que variam de 11 m a 363 m, dentro das quais há, em alguns casos, resquícios de velhas moradias. Também foram encontrados na área, situada entre os rios Aripuanã, Juruena e Teles Pires, peças de cerâmica, traços de caminhos que ligavam as aldeias e trechos com terra preta, um solo mais escuro formado a partir de detritos orgânicos acumulados onde houve ocupações humanas prolongadas.
Cinturão de ocupação humana
Descobrir esse tipo de sítio pré-histórico, pontuado por geoglifos ou por extensas valetas escavadas na terra, deixou de ser algo inédito na Amazônia nas duas últimas décadas. Há dezenas de lugares com essas formas geométricas na floresta tropical, desde a fronteira da Bolívia com o Acre, onde as figuras também podem exibir formas quadradas ou hexagonais, até a região do Alto Xingu, também no norte de Mato Grosso. Sítios pré-colombianos circundados por valetas ou paliçadas também existem na confluência dos rios Negro e Solimões, a cerca de 30 km de Manaus, no Amazonas, no Amapá e na Guiana Francesa. O diferencial da nova descoberta reside na localização das aldeias. “Focamos nossa pesquisa no Tapajós justamente por essa área estar entre os geoglifos do Acre e os sítios do Xingu. Queríamos saber se nessa nova região também haveria sítios similares”, explica Souza. “Os sítios do Tapajós não são idênticos aos do Acre ou do Xingu. Parecem pertencer a uma outra tradição cultural, mas que certamente está relacionada a essas duas áreas.”

Os autores do estudo afirmam que, se olhados em conjunto com os sítios da Bolívia, do Acre e do Xingu, os resquícios de presença humana no Tapajós fazem parte de um cinturão de 1.800 km de extensão com evidências de ocupação humana no sul da Amazônia no período pré-colonial. Apesar de haver distinções regionais, um grande traço comportamental uniria os habitantes dessa faixa meridional da floresta: esses povos desaparecidos, que viveriam em aldeias fortificadas, deixaram marcas no solo de sua presença. “Há 10 anos, prevíamos que também deveria haver geoglifos na bacia do Tapajós e isso se confirmou agora”, afirma o paleontólogo Alceu Ranzi, ex-professor das universidades Federal do Acre (Ufac) e de Santa Catarina (UFSC). Coautor do novo estudo, Ranzi foi um dos primeiros a identificar, mais de duas décadas atrás, essas grandes figuras geométricas em território acreano. De acordo com projeções e cálculos de ocupação populacional feitos por Souza e seus colegas, entre 500 mil e 1 milhão de indígenas teriam vivido nesse cinturão em até 1.500 aldeias entre os anos 1250 e 1500. A área dessa faixa equivale a 400 mil km2, apenas 7% de toda a bacia amazônica.
“Cidade-jardim”
Talvez o exemplo mais espetacular desse tipo de ocupação nas franjas meridionais da floresta resida nos sítios arqueológicos situados nas terras hoje habitadas pelo povo Kuikuro, dentro da reserva indígena do Xingu, no norte de Mato Grosso, a leste dos novos achados no Tapajós. Ao lado de colegas brasileiros e de dois índios dessa etnia, o antropólogo norte-americano Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, descreveu, em um artigo na revista Science em 2003, um grupo de 19 aldeias de formato circular, as maiores protegidas por fossas de até 5 m de profundidade e muros de paliçadas, interligadas por uma malha de estradas de terra batida. Os pesquisadores estimaram que entre 2.500 e 5.000 pessoas podem ter residido nas maiores aldeias.
Estudioso há três décadas do Xingu, onde já viveu e ainda passa temporadas, o antropólogo denomina esse tipo de ocupação de “cidade-jardim”, uma espécie de arquitetura amazônica que teria florescido no período pré-colonial. “Seria uma forma ‘galáctica’ de urbanismo pré-histórico, sem um centro de comando, mas com aglomerados representando pequenas entidades políticas independentes dentro de um sistema igualitário de poder regional”, explica Heckenberger. Um dos traços desse tipo de ocupação seria a profunda integração dos habitantes com os recursos da floresta, que não seria simplesmente mantida intacta, como algo sagrado, mas manejada de maneira a garantir o sustento de seus povos.
Além dos traços profundos no solo amazônico, a presença de vastas populações por um longo período teria deixado marcas sutis na floresta tropical, tão tênues que, até pouco tempo atrás, eram ignoradas ou interpretadas como elementos da configuração natural da mata. Estudos recentes feitos por biólogos, ecólogos, geólogos, botânicos, geralmente em parceria com arqueólogos, têm sugerido que vastas porções da floresta não são áreas virgens, intocadas pelo homem, mas sim setores da mata manejados pelos índios ao longo de gerações para seu sustento. Um artigo publicado em março de 2017 na Scienceindicou que havia maior concentração e diversidade de árvores que podem ser fonte de alimento perto dos antigos assentamentos humanos. O trabalho, cuja primeira autora era a bióloga Carolina Levis, doutoranda no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e na Universidade de Wageningen, na Holanda, listou 85 espécies vegetais que foram usadas e domesticadas pelos índios, como o açaí, a castanha-do-pará e a seringueira.
Castanheiras em torno dos sítios
Em um trabalho de 2015 publicado na revista científica Proceedings of the Royal Society B, um grupo de pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos mostrou que as castanheiras parecem se concentrar em torno das áreas ricas em terra preta que contornam os sítios arqueológicos. Essa correlação é mais visível nos antigos assentamentos humanos que ficavam no entorno dos rios Amazonas e Madeira e, em menor escala, no Tapajós (ver mapa). “Os índios pré-colombianos domesticaram o arroz na Amazônia há 4 mil anos e moldaram partes da floresta plantando seringueiras, castanheiras e outros cultivos”, comenta o arqueólogo Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), um dos grandes especialistas na pré-história da região e coautor do estudo. Para Neves, a descoberta dos novos sítios no Tapajós não é surpreendente. “Em qualquer lugar da Amazônia que escavamos, encontramos algo. Muitas áreas não estudadas podem ter abrigado culturas complexas”, sugere.
Monumento pré-colombiano feito de pedra, perto do litoral do Amapá
Uma zona em que a pesquisa arqueológica começou a se desenvolver há pouco mais de 10 anos é a costa norte do Amapá, perto da fronteira com a Guiana Francesa. Inicialmente, essa área chamou a atenção por causa do sítio do Rego Grande, no município de Calçoene, distante 460 km ao norte de Macapá. Apelidado de Stonehenge amazônico (o conhecido círculo de pedras erguidas há 4,5 mil anos no sul da Inglaterra), o lugar abriga um pequeno conjunto de megálitos, construções humanas feitas com grandes blocos de granito. Datações de carbono 14 realizadas pelo casal de arqueólogos Mariana Petry Cabral e João Darcy de Moura Saldanha, então a serviço do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa), indicaram que o sítio, provavelmente usado para fins cerimoniais e talvez funerários, foi ocupado entre 700 e mil anos atrás, também antes da colonização europeia.
Apesar de ter se mudado do Amapá, a dupla continua os estudos na região, onde calcula haver 500 sítios pré-históricos. “Descobrimos perto do Oiapoque antigos assentamentos humanos protegidos por fossos escavados no chão”, comenta Saldanha, que defendeu doutorado sobre essa região no ano passado no MAE-USP. “Ali havia também a cultura de promover grandes movimentações de terra.” Do outro lado da fronteira, na Guiana Francesa, os arqueólogos locais denominam os sítios protegidos por valas, geralmente situados em lugares mais elevados, de montanhas coroadas. Saldanha e Mariana ainda encontraram outro tipo de estrutura monumental associada a práticas cerimoniais e funerárias: círculos formados por grandes troncos de madeira que marcavam e delimitavam a presença de poços funerários com sepultamentos humanos, alguns em urnas antropomórficas. Não se sabe se os antigos habitantes da costa amapaense dividiam as mesmas tradições culturais dos povos que fizeram os geoglifos na Bolívia e no Acre e as valetas e construções geométricas do Xingu e do Tapajós. Há, no entanto, um possível elemento de ligação, apesar da distância geográfica. Nos tempos pré-colombianos, as terras do litoral perto da Guiana Francesa eram dominadas por tribos que falavam majoritariamente línguas da família aruaque.
Fragmentação linguística
Boa parte dos sítios arqueológicos que registram extensos trabalhos de movimentação de terra, como os geoglifos do Acre e as antigas aldeias do Xingu, situa-se em áreas que foram ocupadas por falantes de línguas das famílias aruaque e tupi-guarani. Segundo a linguista Patience Epps, da Universidade do Texas em Austin, as áreas em que essas duas famílias predominam na Amazônia tendem a não ser contíguas. “Durante muito tempo, esse padrão foi interpretado como um indicador de que havia um relativo isolamento entre os grupos de indígenas, que seriam formados por pequenas populações sem muita interação”, comenta Patience. “Mas argumento que essa fragmentação linguística poderia também ser entendida como um resultado da interação desses grupos, que seria compatível com a visão de que havia nessas áreas populações densas e estruturas sociais complexas.”
Patience estuda como os falantes das diferentes línguas da Amazônia se relacionam e travam contato, um tipo de proximidade que se expressa sobretudo pelo empréstimo de palavras de um idioma para outro e de semelhanças gramaticais. Há anos, ela coleta dados sobre o léxico e a gramática de centenas de línguas da região. Ela constatou, por exemplo, que as línguas das famílias aruaque e tupi-guarani são as que mais cederam palavras ou expressões para outras línguas. Alguns termos ou expressões, como os que designam a ave garça ou o numeral 4, são disseminados por toda a bacia amazônica e compartilhados por várias línguas. “Temos evidência desse tipo de interação em algumas zonas multilinguísticas, como o Alto rio Negro e o Xingu”, explica a estudiosa. “Nessas áreas, as diferenças entre as línguas fazem parte de como os grupos marcam seu lugar e seu papel social dentro de um sistema interativo maior, como as diferentes partes de uma grande engrenagem.”
Apesar de os indícios arqueológicos, botânicos e até linguísticos serem crescentes e compatíveis com a existência de uma grande população ao menos em setores da Amazônia pré-colonial, a questão demográfica ainda permanece em aberto. Se são cada vez mais raros os arqueólogos que pensam como Betty Meggers e ainda consideram que a região foi quase um deserto de gente antes da chegada dos europeus, também não há evidências que sustentem algumas estimativas exageradas, como as de que os povos pré-colombianos da Amazônia poderiam ter abrigado 50 milhões de pessoas. “Não creio que o estágio atual das pesquisas nos permita fazer generalizações para toda a Amazônia. Seria como generalizar a história de um grande continente”, pondera a arqueóloga boliviana Carla Jaimes Betancourt, da Universidade de Bonn, na Alemanha, que estuda sítios de seu país natal. “Temos evidências de grandes populações e de uma maior densidade demográfica em algumas regiões, como o Xingu e Moxos [Bolívia] ”, afirma Carla. “Mas também devemos admitir que algumas pesquisas, como as de [Dolores] Piperno [do Instituto de Pesquisa Tropical Smithsonian], comprovam que existiram igualmente áreas mais vazias.”
___
Projeto
A arqueologia do Holoceno Médio e o início da domesticação de paisagens no sudoeste da Amazônia (nº 17/11817-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável: Eduardo Góes Neves (USP); Investimento R$ 161.053,20.
Artigos científicos
SOUZA, J. G. et al. Pre-Columbian earth-builders settled along the entire southern rim of the Amazon. Nature Communications. 27 mar. 2018.
CLEMENT, C. R. et al. The domestication of Amazonia before European conquest. Proceedings of the Royal Society B. 22 jul. 2015.

terça-feira, 29 de maio de 2018

ANTROPOLOGIA FORENSE - Uma luta contra o desaparecimento

na Revista Pesquisa Fapesp

Pesquisadores de várias especialidades compõem grupo que busca identificar desaparecidos da ditadura a partir de restos mortais da vala clandestina de Perus.

 Edição 250 dez. 2016

Armazenadas em 1.047 caixas em salas climatizadas...
Armazenadas em 1.047 caixas em salas climatizadas…Imagem: LÉO RAMOS
“Onde estão os nossos desaparecidos?” Diante da pergunta afixada na parede, cercada pelos retratos de 42 homens e mulheres desaparecidos na época da ditadura militar, uma equipe que inclui arqueólogos, médicos legistas, odontolegistas, geneticistas e bioantropólogos trabalha organizando, analisando e registrando ossadas em um processo que envolve desde ciência e tecnologia à atenção aos princípios de direitos humanos. “O grande diferencial do trabalho é o foco na equipe multidisciplinar”, declara o médico-legista Samuel Ferreira, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça e Cidadania (MJC) e coordenador científico do Grupo de Trabalho Perus (GTP). Nessa casa do bairro paulistano Vila Mariana, mantida pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), funciona o GTP, que pretende identificar rostos do trágico mural no conteúdo das 1.047 caixas que abrigam os ossos retirados em 1990 da vala clandestina do cemitério Dom Bosco, em Perus, zona norte de São Paulo. Nesse processo também se pretende contribuir para sedimentar a área da antropologia forense no Brasil.
Fundado em 1971, o cemitério Dom Bosco teve em 1975 uma série de exumações. “Isso normalmente é feito quando há necessidade de espaço, mas na época uma parte substancial do cemitério ainda estava vazia”, conta a arqueóloga Márcia Hattori, coordenadora da parte ante mortem do trabalho, ressaltando o caráter suspeito do procedimento. A vala clandestina criada à época foi reaberta em 1990, em grande parte por pressão de familiares de desaparecidos, que sabiam que ali haviam sido enterradas pessoas como desconhecidos. As ossadas foram então transferidas para a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob a responsabilidade do médico-legista Badan Palhares, onde nos primeiros anos se chegou a duas identificações por meio de um método que sobrepõe uma fotografia ao crânio, com base em algumas medidas-padrão. Mas, em meio a disputas sobre financiamento, o trabalho foi interrompido e o abandono acabou sepultando as análises já realizadas.
“A abordagem de agora, científica, é diferente da que veio antes”, ressalta Carla Borges, coordenadora de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC). Segundo ela, aconteceram iniciativas pontuais em diferentes gestões, com apenas um esforço constante: o das famílias dos desaparecidos, que nunca deixaram de cobrar respostas. Ela ressalta que o Estado (e não gestores individuais, como determinado prefeito ou presidente no exercício do mandato) tem a responsabilidade de procurar qualquer pessoa desaparecida naquela época. “Nunca estivemos tão perto de virar essa página”, afirma, argumentando pela continuidade do esforço.
Foco
O universo de busca é amplo, mas há candidatos mais prováveis cuja identificação já seria um sucesso. “Temos indicação de que os corpos de Dimas Antônio Casemiro, Francisco José de Oliveira e Grenaldo Jesus da Silva entraram em Perus”, diz Márcia. Os registros não ajudam. “As ruas do cemitério mudaram de nome nos anos 1970, o mapa das sepulturas é um quadriculado feito à mão e, quando há registro de exumação, não se sabe para onde foi transferido.” Ela e sua equipe recolheram informações de uma série de fontes para elaborar a lista de procurados. “Olhamos de maneira sistemática para os casos de ‘desconhecidos’ de toda a década de 1970 com o objetivo de mapear o caminho da morte na cidade de São Paulo durante o período e compreender a política de desaparecimento.”
....as ossadas são lavadas sob a coordenação de Ana Tauhyl
…as ossadas são lavadas sob a coordenação de Ana TauhylImagem: LÉO RAMOS
No processo de pesquisa, a equipe encontrou fotografias fornecidas pelas famílias quando a vala de Perus foi aberta, na tentativa de contribuir para a identificação: eram documentos preciosos, em um período anterior à fotografia digital. “A investigação dos crimes de ocultação acabou aprofundando o desaparecimento”, lamenta Márcia, que devolveu cópias das imagens às famílias. O GTP iniciou um trabalho que, além de forense, envolve atenção à dor de quem nunca soube o que aconteceu com pessoas queridas. Realizar o trabalho fora do IML de São Paulo, um local no passado associado à ditadura, faz parte disso. Pelo mesmo motivo o projeto contou com a colaboração das Equipes Argentina e Peruana de Antropologia Forense (EAAF e Epaf), que se formaram logo em seguida aos períodos de ditadura nos respectivos países. Os dados que a equipe ante mortem levantou formam um catálogo do que deve ser procurado nas análises das ossadas: características físicas ou acontecimentos que ficam gravados nos ossos, como fraturas ou perfuração por arma de fogo. “Procuramos materializar o morto que foi desaparecido”, esclarece.
O projeto envolve um tripé institucional: a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) do MJC, de que faz parte a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo (SMDHC) e a Unifesp. Neste momento, sua continuidade é incerta, devido à mudança de gestão na prefeitura paulistana e no governo federal. Na Unifesp, a reitora Soraya Smaili foi votada em novembro para permanecer no cargo e já se manifestou favoravelmente ao prosseguimento das atividades.
Em uma audiência pública no dia 28 de novembro, a secretária especial de Direitos Humanos do governo federal, Flávia Piovesan, afirmou o empenho da SEDH em garantir a continuidade do trabalho. “Me sensibilizou muito o compromisso com um trabalho tão necessário”, declarou, depois de ter conhecido o funcionamento do GTP. A contratação permanente dos profissionais ainda é um problema, já que vem sendo feita com recursos da SEDH por meio de uma cooperação internacional. Os contratos têm duração de um ano e é incerto o que acontecerá a partir de janeiro de 2017, quando vence a maior parte. A secretária disse estar buscando alternativas que garantam uma equipe permanente, essencial para manter a padronização do trabalho, em adição aos peritos oficiais que devem continuar o revezamento e a integrantes da Epaf. Há recursos garantidos para o próximo ano, mas insuficientes para o que precisa ser feito, de acordo com a reitora da Unifesp.
Desde 2014, quando as caixas contendo as ossadas foram transferidas para a casa batizada como Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), o grupo recomeçou o trabalho do início e já examinou 580 delas. “Precisamos de mais um ano, pelo menos, para conseguir analisar tudo”, conta a arqueóloga Ana Tauhyl, responsável pela abertura das caixas e limpeza dos ossos.
Arqueologia recente
O trabalho envolve um rigor bem diferente de quando as ossadas foram retiradas da vala por coveiros, sem atenção em manter a unidade de cada esqueleto. Ainda úmidos da terra, os ossos foram postos em sacos plásticos e logo começaram a ser degradados por mofo. E não foi o pior: os sacos, com cadeiras jogadas por cima, passaram até por uma inundação na Unicamp em consequência de uma torneira deixada aberta.
Os ossos são dispostos para secagem...
Os ossos são dispostos para secagem e em seguida analisados por Aline Oliveira e Marina GratãoImagem: LÉO RAMOS
O processo segue um protocolo elaborado pela Epaf e validado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha e pelo Comitê Científico do projeto, seguindo parâmetros nacionais e internacionais. Cada caixa é aberta por um integrante da equipe, que dispõe os ossos para serem fotografados e descritos por Ana em formulários. Além dos ossos, as caixas abrigam ainda pistas das etapas anteriores. Sacos de plástico azul com marcação do Serviço Funerário do Município de São Paulo algumas vezes aparecem esfacelados, sinal de que já estavam dentro da vala, e outras vezes estão íntegros, por serem posteriores. Outros sacos – de plástico, pano ou TNT – datam do trabalho na Unicamp, onde sempre que possível foram presos aos crânios discos de metal com o número de identificação gravado. Muitos dos ossos ainda estão recobertos de terra. Apesar de factual, o registro fotográfico não deixa de lado um cuidado que beira o artístico na disposição dos ossos e embalagens. Tudo em meio à poeira e ao cheiro de tinta da obra em andamento na casa, cujas instalações não estão finalizadas.
Depois de lavados e secos, os esqueletos são dispostos em mesas na posição dita anatômica, com ossos alinhados conforme a sua organização no corpo. Medições feitas dessa maneira permitem estimar um perfil biológico, que inclui estatura, faixa etária, sexo e outras características identificadoras, se comparadas com as informações ante mortem sobre os potenciais candidatos a identificação.
O ideal seria que esse processo permitisse afunilar a busca, mas o conjunto dos desaparecidos políticos procurados coincide com o perfil de boa parte dos enterrados na vala analisados até o momento: homens entre 20 e 40 anos de idade. Por isso, cerca de 70% das ossadas não podem ser descartadas. Diante do volume de trabalho pela frente, é preciso aliar rigor e pressa. “É um trabalho atrasado por si só, já se passaram 40 anos de espera”, diz a arqueóloga Patricia Fischer, responsável pelo laboratório e coordenadora do trabalho post mortem. Ela também avalia que 25% das caixas contenham mais de um indivíduo. Quando aparecem ossos suplementares, é preciso decidir qual não se encaixa no esqueleto sob análise – por cor, tamanho ou outras características morfológicas. Quando é possível estimar o perfil biológico, os dados são registrados em uma ficha identificada como “indivíduo B” e os ossos, guardados em sacos separados. Com isso, até 701 indivíduos podem estar representados nas 580 caixas já abertas.
Em uma tarde de trabalho em novembro, a bioantropóloga Mariana Inglez documentava uma série de fraturas feitas por volta do momento da morte em todo o lado esquerdo de um homem: na cabeça, em várias costelas, no braço. A pesquisadora mostra uma fratura tipo “borboleta” no úmero, o osso do braço, uma indicação de impacto. “Ele foi atingido por algo bem grande”, afirma, concordando com a possibilidade de atropelamento, enquanto segura um crânio e desenha as fraturas em um esquema à sua frente. Ela aponta uma pequena irregularidade no lado esquerdo da mandíbula, onde ela se encaixa no crânio. “Talvez ele sentisse dor nessa articulação”, supõe, anotando como possível característica para auxiliar na identificação.
Na mesa ao lado o odontolegista Marcos Paulo Machado, do IML do Rio de Janeiro, analisa a dentição de outro esqueleto. “É um caso incomum na vala”, conta ele, “por ser mulher, muito jovem e com acesso a tratamento dentário”. Ele mostra restaurações de amálgama e também a raiz incompleta do terceiro molar, que indica uma idade de menos de 21 anos. Ele faz parte do grupo de peritos de vários estados do país que se revezam para contribuir ao andamento do trabalho.
Em outra mesa a arqueóloga espanhola Candela Martínez consulta as colegas Marina Gratão e Aline Oliveira sobre duas vértebras fundidas, com uma fratura ocorrida próximo à morte. O desafio era descrever, sem interpretar em excesso, fraturas feitas em vários momentos da vida nas costelas, em vértebras, em um braço. Esta última se consolidou sem atendimento médico, deixando uma irregularidade no osso. “Ele sofreu muita violência em vida, agressões domésticas não bastariam para explicar”, diz Candela sobre o homem que parece ter morrido entre os 30 e os 47 anos de idade, uma estimativa com base em índices de maturidade e desgaste de partes específicas do esqueleto. Poderia ser um morador de rua ou alguém com um trabalho muito pesado, concluem. “Ele certamente tinha dificuldades de locomoção”, avalia Marina, mais uma característica que pode ajudar na identificação.
Ossos alinhados em posição anatômica permitem registrar particularidades e danos sofridos
Ossos alinhados em posição anatômica permitem registrar particularidades e danos sofridosImagem: LÉO RAMOS
Embora o GTP esteja concentrado em vítimas da ditadura, as consequências do trabalho podem ser muito maiores. Marina conta que logo no início dos trabalhos surgiu o esqueleto de uma idosa com o crânio despedaçado. Ao juntar as peças, foi possível enxergar a causa da morte: um tiro na cabeça. Não há idosas no mural, mas o achado reforçou a necessidade de estudar todos os esqueletos. Também há indícios de que ali tenham sido sepultadas vítimas de um surto de meningite abafado pelo governo entre 1972 e 1974. Sobretudo crianças, nesse caso. “Que essas pessoas tenham ou não sofrido tortura em uma prisão, elas podem ser vistas como vítimas de violência pelo Estado – no mínimo por omissão de assistência”, diz Patricia.
O Caaf pretende se estabelecer como um centro de pesquisa que possa efetuar convênios com órgãos públicos ou instituições da sociedade civil na investigação de casos de violência. O banco de dados resultante do GTP pode possibilitar a busca de qualquer pessoa desaparecida nos anos 1970, mesmo que sem ligações políticas. Outro projeto do centro, iniciado este ano sob coordenação do médico patologista Rimarcs Gomes Ferreira, da Unifesp, envolve um caso mais recente: os assassinatos ocorridos em maio de 2006 na Baixada Santista, por ocasião dos conflitos entre a polícia e o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Genética
Um dos próximos passos do GTP, essencial para a identificação dos desaparecidos, é recorrer ao DNA. Samuel Ferreira coleta pessoalmente amostras de sangue de familiares para comparação com o material genético a ser extraído dos restos mortais. “Vamos aonde os familiares preferirem”, explica ele, que já amostrou 31 famílias residentes em 16 cidades de vários estados. Uma vez reunidas as amostras dos familiares e das ossadas, elas serão enviadas a um laboratório em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, especializado na análise de restos mortais degradados e relacionados a situações de violação de direitos humanos. “O Brasil teria condições técnicas de fazer esse trabalho, mas não análises em larga escala na velocidade que o projeto demanda”, explica. A extração do DNA dos ossos não será fácil, segundo ele, devido ao mau estado de conservação, e deve começar ainda este ano.
Documentação sempre acompanha o material já estudado, até que volte para a respectiva caixa
Documentação sempre acompanha o material já estudado, até que volte para a respectiva caixaImagem: léo ramos
A Unifesp pretende aproveitar o ensejo para investir na formação em antropologia forense, a começar por um curso de especialização planejado para ter início em 2017. No Brasil, a formação em bioantropologia depende da iniciativa de cada profissional. A união entre direitos humanos e ciência é um legado que o GTP pretende deixar ao país.
“O procedimento científico que está sendo seguido nos dá segurança, alento”, afirma Amparo Araújo, que perdeu o marido e o irmão durante a ditadura. O corpo do marido, sem o crânio, foi encontrado no cemitério de Perus. Ela tem esperança de identificar o irmão entre as ossadas da vala, e para isso já teve seu sangue retirado algumas vezes, desde a fase da Unicamp. Com a falta de continuidade, porém, as primeiras amostras se perderam. “Nunca explicavam para que aquilo serviria, o que estava acontecendo”, lembra, em contraste com a transparência que destaca no processo atual.
Recentemente, Amparo viu um homem na rua e por uma fração de segundo achou que fosse o irmão. “Mas não podia ser, se passaram 45 anos e ele teria 70 anos, seria diferente do que me lembro.” Ela define o desaparecimento como uma morte que não se conclui. “Não vamos abrir mão da presença da universidade”, afirma, em nome do Comitê de Acompanhamento, formado por familiares.


O que são os direitos humanos?

no site ONUBR

Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição.


Na imagem, a sala principal do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Crédito: ONU/Jean-Marc Ferré

Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação.
Direito Internacional dos Direitos Humanos estabelece as obrigações dos governos de agirem de determinadas maneiras ou de se absterem de certos atos, a fim de promover e proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos.

Estudantes da Escola Secundária Butkhak em Cabul, no Afeganistão, participam da Semana de Ação Global, uma campanha internacional que defende uma educação gratuita e de qualidade para todas e todos. Foto: ONU/Fardin Waezi
Estudantes da Escola Secundária Butkhak em Cabul, no Afeganistão, participam da Semana de Ação Global, uma campanha internacional que defende uma educação gratuita e de qualidade para todas e todos. Foto: ONU/Fardin Waezi


Desde o estabelecimento das Nações Unidas, em 1945 – em meio ao forte lembrete sobre os horrores da Segunda Guerra Mundial –, um de seus objetivos fundamentais tem sido promover e encorajar o respeito aos direitos humanos para todos, conforme estipulado na Carta das Nações Unidas:
“Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, … a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações…”
Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948

Contexto e definição dos direitos humanos

Os direitos humanos são comumente compreendidos como aqueles direitos inerentes ao ser humano. O conceito de Direitos Humanos reconhece que cada ser humano pode desfrutar de seus direitos humanos sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outro tipo, origem social ou nacional ou condição de nascimento ou riqueza.
Os direitos humanos são garantidos legalmente pela lei de direitos humanos, protegendo indivíduos e grupos contra ações que interferem nas liberdades fundamentais e na dignidade humana.
Estão expressos em tratados, no direito internacional consuetudinário, conjuntos de princípios e outras modalidades do Direito. A legislação de direitos humanos obriga os Estados a agir de uma determinada maneira e proíbe os Estados de se envolverem em atividades específicas. No entanto, a legislação não estabelece os direitos humanos. Os direitos humanos são direitos inerentes a cada pessoa simplesmente por ela ser um humano.
Tratados e outras modalidades do Direito costumam servir para proteger formalmente os direitos de indivíduos ou grupos contra ações ou abandono dos governos, que interferem no desfrute de seus direitos humanos.
Algumas das características mais importantes dos direitos humanos são:
  • Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa;
  • Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas;
  • Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido processo legal;
  • Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros;
  • Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de cada pessoa.
(Na imagem de capa dessa página, a sala principal do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Crédito: ONU/Jean-Marc Ferré)

Retomada das análises das ossadas de Perus atende reivindicação antiga dos familiares das vítimas da Ditadura brasileira

na Secretaria de Direitos Humanos

Estamos estudando sobre a Ditadura Militar Brasileira (1964-1985) e um dos primeiros textos que encontramos sobre a repressão e mortos e desaparecidos foi este abaixo. Interessante para quem estuda e pesquisa esse período tão violento da história recente do Brasil.

No ato público que será realizado hoje, às 14 horas, na Assembleia Legislativa de São Paulo, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), juntamente com a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) anunciarão a retomada dos trabalhos de identificação das ossadas dos Restos Mortais de Perus, local em que foi descoberta uma vala clandestina, em 1990, onde eram enterrados alguns dos presos e desaparecidos políticos da ditadura civil-militar brasileira, vítimas de grupos de extermínio e pessoas enterradas como “indigentes”.

Retirada das ossadas de Perus
 
A iniciativa de retomar o processo de identificação foi um esforço conjunto da Secretaria de Direitos Humanos, por meio da CEMDP, em parceria com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo, da Ministra da Secretaria Especial de Política para Mulheres, Eleonora Menicucci e da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva.  A Comissão Nacional da Verdade e a Comissão da Anistia também apoiaram o processo de identificação das ossadas de Perus. 

A retomada do processo de identificação é uma reivindicação antiga dos familiares das vítimas e remonta um processo longo de espera por reparação, Verdade, Memória e Justiça. A pratica do desaparecimento forçado foi largamente utilizada pelo Estado durante a ditadura militar e ainda hoje é uma pratica comum. Buscar a identificação dos restos mortais de Perus também é combater essa prática.  

Os trabalhos que serão anunciados hoje estão em curso há um pouco mais de tempo. Em julho foi contratada, pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, uma equipe formada por 10 arqueólogos, um historiador e dois fotógrafos.  Desde então, as atividades de sistematização de informações para a pesquisa "Ante mortem", que constituirá um banco de dados para ser usado posteriormente na comparação com as ossadas que serão examinadas, estão sendo feitos. O objetivo dessa fase inicial é levantar características sobre os desaparecidos políticos e retomar o diálogo com os familiares. 

“A pesquisa Antemortem é mais que a identificação de um perfil biológico, ou as características físicas das pessoas. Ela é também uma documentação que é produzida, que vai contra toda uma política de desaparecimento. Quando a gente produz uma documentação sobre alguém que tentaram desaparecer, a gente tá materializando de novo a existência dessa pessoa”, defende a coordenadora da equipe de antropólogos forenses, Márcia Hattori.   

A partir dessas informações, a equipe chegou a 41 nomes de desaparecidos possivelmente inumados na vala clandestina do Cemitério de Perus. 

Após os exames antropológicos, o material genético coletado será encaminhado a laboratórios especializados para a elaboração de perfil genético das ossadas. Estima-se que as etapas de lavagem, secagem, catalogação, triagem e análise genética sejam conduzidas ao longo do próximo ano. Na primeira fase do trabalho de retomada da identificação das ossadas, serão investidos R$ 2,4 milhões. Este investimento é destinado à contração dos peritos e do aluguel do espaço que será utilizado para os exames dos restos encontrados no Cemitério.

Equipe
Além da equipe contratada, o trabalho hercúleo de examinar 1.049 ossadas, contará com a colaboração de profissionais da Polícia Federal, do Ministério da Justiça e da Associação Brasileira de Antropologia Forense (ABRAF), que auxiliarão no processo de identificação. O convênio firmado entre a SDH/PR, através da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo e a Universidade Federal de São Paulo também permitirá a participação de profissionais da UNIFESP no processo de identificação das ossadas, desde 2002 depositadas no Ossário Geral do Cemitério Araçá. 

A Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF) e a Equipe Peruana de Antropologia Forense (EPAF), representadas, respectivamente, por Luis Fondebrider e José Pablo Baraybar, também prestarão assessoria técnica à equipe.

Histórico Perus
Em 1990, no dia 4 de setembro, foi aberta a vala de Perus, localizada no cemitério Dom Bosco, na periferia da cidade de São Paulo. Lá foram encontradas 1.049 ossadas de indigentes, presos políticos e vítimas dos esquadrões da morte. 

Em junho de 1979, Iara Xavier Pereira, irmã de Iuri e Alex de Paula Xavier Pereira relatou aos familiares de mortos e desaparecidos políticos reunidos no III Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia, no Rio de Janeiro, a descoberta dos restos mortais dos seus irmãos em valas do Cemitério de Perus. A sua família havia encontrado nos livros do Cemitério de Perus, o registro de Alex com o nome falso utilizado por ele durante a clandestinidade, João Maria de Freitas. 

Descoberta da vala clandestina de Perus em 1990
Essa descoberta despertou os familiares para a utilização de identidade falsa para o sepultamento de militantes políticos assassinados. Ainda no mês de junho, alguns familiares foram ao cemitério de Perus e localizaram outros militantes mortos e enterrados sob identidade falsa como Gelson Reicher, enterrado com o nome de Emiliano Sessa, e Luís Eurico Tejera Lisbôa, enterrado como Nelson Bueno. Esses novos dados levaram outros familiares a iniciarem suas buscas em cemitérios a partir dos nomes falsos utilizados por seus parentes na clandestinidade.

Em 1990, o repórter Caco Barcellos, investigando a violência policial através de laudos necroscópicos do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo, redescobre a vala clandestina e tal acontecimento alcança grande repercussão na imprensa. Em seguida, os familiares dos mortos e desaparecidos políticos obtêm o apoio da prefeita Luiza Erundina, que criou a Comissão Especial de Investigação das Ossadas de Perus. 

Algumas das ossadas foram levadas para o Departamento de Medicina Legal da UNICAMP e em 1992 foram identificados dois presos políticos cujos restos mortais estavam na vala clandestina: Dênis Antônio Casemiro, considerado desaparecido, e Frederico Eduardo Mayr.

Desde então o processo de identificação ficou paralisado, sendo retomado apenas agora em 2014.

Sobre o cemitério
O cemitério Dom Bosco foi construído pela prefeitura de São Paulo, em 1971, na gestão de Paulo Maluf e, no início, recebia cadáveres de pessoas não identificadas, indigentes e vítimas da repressão política. Fazia parte de seu projeto original a implantação de um crematório, o que causou estranheza e suspeitas até da empreiteira chamada a construí-lo. Este projeto de cremação dos cadáveres de indigentes, do qual só se tem notícia através da memória dos sepultadores, foi abandonado em 1976. As ossadas exumadas em 1975 foram amontoadas no velório do cemitério e, em 1976, enterradas numa vala clandestina.
 
 
 
Texto produzido pela Assessoria de Comunicação da CEMDP. O histórico sobre Perus foi realizado com informações do site www.desaparecidospoliticos.org.br

terça-feira, 22 de maio de 2018

Nicolás Maduro é reeleito para segundo mandato como presidente da Venezuela

na Rede Brasil Atual

O Conselho Nacional Eleitoral declarou vitória de Maduro por volta das 23h20 do domingo; comparecimento deve chegar a 48% ao final da apuração. Presidente afirmou que vai auditar todas as urnas e investigar denúncias de fraude


Maduro reeleito
Maduro faz primeiro discurso como presidente reeleito da Venezuela e chama à unidade das forças políticas em torno de um projeto para recuperar o país

Opera Mundi – O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), venceu as eleições presidenciais realizadas neste domingo (20) no país, anunciou a presidente do CNE (Conselho Nacional Eleitoral), Tibisay Lucena. Com a vitória, Maduro irá para seu segundo mandato como presidente da Venezuela, após assumir o cargo em 2012, quando o então presidente Hugo Chávez faleceu.
Segundo a oficial, que anunciou os números , A tendência já era irreversível quando a oficial anunciou os números, por volta das 23h20 de Brasília, momento em que Maduro tinha 67,7% dos votos (5.823.728 do total). O candidato da oposição, Henri Falcón, somava 21,2% (1.820.552 votos); Javier Bertucci, 10,75% (925.042); e Reinaldo Quijada, 0,4% (34.614). Tinham sido apuradas 92,6% das urnas e, segundo o CNE, 46,01% dos venezuelanos compareceram às urnas neste domingo – a projeção é que o resultado final mostre 48% de comparecimento.
Unidade
Em discurso logo após a declaração de sua vitória, Maduro falou a apoiadores em frente ao Palácio de Miraflores, em Caracas. "Estamos obtendo um recorde histórico, nunca antes um candidato havia ganhado com 68% dos votos populares [na Venezuela], e nunca antes havia conseguido 47 pontos de diferença em relação ao segundo candidato", disse Maduro.
"Esta é a vitória número 22 em 19 anos [de chavismo], conquistada com base no esforço, no trabalho consciente, junto a um poderoso movimento, de um povo unido, de um povo lutador", disse Maduro, que dedicou a vitória ao ex-presidente Hugo Chávez. "Vocês confiaram em mim, e eu vou responder a essa confiança amorosa."
O agora presidente reeleito chamou os candidatos derrotados para conversar sobre o futuro do país. Maduro também anunciou que vai pedir a Lucena, ainda nesta segunda (21), a auditoria de 100% das urnas e a apuração de todas as denúncias de fraude durante o pleito. A lei eleitoral exige que apenas 54% das urnas sejam auditadas.
Presidente reeleito
Maduro construiu sua campanha em uma proposta de "revolução econômica", prometendo reestruturar as contas do país e aprofundar as bases do chavismo. O presidente garante que irá combater o dólar paralelo, colocar à venda uma nova moeda virtual, o Petro, e consolidar o corte de três zeros da moeda nacional, o Bolívar.
Ex-sindicalista e militante da Liga Socialista da Venezuela, Maduro foi duas vezes deputado da Assembleia Nacional, Ministro das Relações Exteriores e vice-presidente da república até a morte de Hugo Chávez, em 2012, quando assumiu a presidência.
As eleições presidenciais de domingo marcaram o quarto pleito em menos de um ano na Venezuela, que já votou para a Assembleia Nacional Constituinte, governadores e prefeitos. Em 19 anos de governo chavista, essa foi a 24ª eleição no país.
Oposição
Antes mesmo de os resultados oficiais serem divulgados, Henri Falcón, que ficou na segunda posição, disse que não iria reconhecer o pleito. "Desconhecemos este processo eleitoral e o qualificamos como ilegítimo (...) Poderia haver eleições em outubro e estaríamos dispostos a participar, sem vantagens e sem chantagem. É assim que se constrói uma alternativa para responder aos venezuelanos que hoje padecem de fome e enfermidades", disse, no Twitter.

PAÍS DEMOCRÁTICO - Na Venezuela, mais de 200 observadores internacionais acompanham eleição

na Rede Brasil Atual

Entre os que garantem lisura de todo o processo, o ex-presidente do governo espanhol Rodríguez Zapatero, afirma que o direito ao voto deve ser respeitado

por Fania Rodrigues, do Brasil de Fato

Eleições Venezuela
Mais de 200 observadores, de 60 países, acompanham as eleições deste domingo para presidente da Venezuela

Brasil de Fato – O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela convidou mais de 200 observadores internacionais para acompanhar as eleições venezuelanas que ocorrem neste domingo (20). Entre os convidados estão figuras conhecidas como o ex-chefe do governo da Espanha José Luis Rodríguez Zapatero. Ele faz parte de uma delegação de autoridades europeias integrada também pelo ex-ministro de Relações Exteriores do Chipre, Marcos Cipriani, e o ex-presidente do Senado da França, Jean-Pierre Bel, que foi representante da Presidência da França para a América Latina durante o governo de François Hollande.
Zapatero defendeu o direito dos venezuelanos de votar. “Há setores da oposição que não vão votar, os respeito profundamente. Mas agora vai falar o povo da Venezuela. É bom que os cidadãos se expressem [nas urnas]. Isso trará, sem dúvida, novas possibilidades para esse país”, afirmou o ex-presidente, em entrevista coletiva logo depois de um reunião com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, na sexta-feira (18).
O político, que foi um dos mediadores do diálogo de paz entre o governo da Venezuela e os partidos de oposição, entre dezembro de 2017 e março deste ano, falou sobre uma possível retomada dos diálogos. “Falamos com o presidente (Maduro) sobre a possibilidade de abrir uma nova etapa do diálogo depois das eleições de domingo. Não detalhamos o lugar nem quem vai participar. Em minha opinião, a participação deve ser aberta”, disse Zapatero.
Além disso, o ex-mandatário espanhol também falou sobre “a necessidade de um diálogo mais fluído” entre o governo venezuelano e a União Europeia. “Depois do dia 21 de maio, esperamos que comece uma etapa de aproximação, na qual prevaleça o diálogo em vez das sanções”, afirmou o ex presidente espanhol.
Ele disse ainda que não há explicação para a posição radical da União Europeia em relação à Venezuela. “Uma pergunta que já fiz várias vezes é: por que a Europa dialoga com o Irã, por que é partidária do diálogo, e se comporta assim com a Venezuela?”, questionou Zapatero.
Sistema venezuelano
O juiz de direito brasileiro Dalmir Franklin de Oliveira é um dos 200 convidados do CNE venezuelano. Ele foi juiz eleitoral no município brasileiro de Passo Fundo (RS) e faz uma comparação entre os sistemas eleitorias venezuelano e o brasileiro: "O sistema venezuelano nos pareceu bastante confiável. Inclusive é até mais detalhado que o nosso, em termos de certificação e das próprias auditorias que eles relatam. Parece ser muito confiável".
A deputada espanhola Alesandra Fernandez também está acompanhando as eleições e disse que a realidade com que se deparou esta semana na Venezuela é bem diferente daquela transmitida pelos meios de comunicação do seu país.
"Existe uma diferença muito grande entre aquilo que se transmite pelos meios de comunicação e a realidade que observamos aqui, principalmente ao visitar os colégios eleitorais. O processo tem garantias que vão desde a utilização das impressões digitais [dos eleitores], até a validação dos resultados. Vemos muitas garantias, inclusive algumas que não vemos nem sequer no Estado espanhol", avaliou a deputada.


O jornalista italiano Luca disse que o sistema eletrônico da Venezuela é sofisticado e serve de exemplo a outros países. "Esse é um processo eleitoral muito importante para a Venezuela e para a América Latina. O povo aqui manda uma mensagem ao mundo e também ao meu país. Na Itália, ainda votamos com cédula de papel, não temos sistema eletrônico. O sistema venezuelano é muito interessante, porque não há fraude, não há possibilidade de mudar, manipular o nome dos candidatos. É um sistema que pode ser exportado para o mundo inteiro", opinou.