terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Flávio Dino: não acredito que STF e STJ compactuarão com violência judiciária

na Rede Brasil Atual

"Se entrarmos no vale-tudo, consequências são profundas, porque o vale-tudo pode se voltar amanhã contra os que hoje estão com a guilhotina na mão", diz governador a Juca Kfouri, no 'Entre Vistas', na TVT

Flávio Dino e Juca Kfouri
Flávio Dino vê perigos quando Judiciário abandona conceitos do Direito e, em vez de perseguir o fato, persegue o inimigo

São Paulo – O governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), considera que a elite dominante não é "tão homogênea assim" e que existe uma parte importante do Judiciário preocupada com as "aberrações jurídicas" que vêm sendo praticadas em torno da Operação Lava Jato. Sobretudo após o julgamento do caso do tríplex em Guarujá – em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve a condenação da primeira instância mantida e sua pena aumentada –, decisão que, acredita Dino, poderá ser revista com recursos no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça.
Dino é o entrevistado de Juca Kfouri no programa Entre Vistas, que vai ao ar às 21h desta terça-feira (30) pela TVT – canal digital 44.1, e também pelo YouTube e no Facebook. E foi provocado pelo entrevistador: "se o sistema vem praticando decisões abusivas – e Lula está perdendo de 4 a 0 (somando a decisão da primeira e da segunda instância), porque acreditar que volte a adotar uma conduta "normal" nas cortes superiores. Não são todos parte dessa mesma elite dominante?", questionou Juca, referindo-se à politização do Judiciário.
Flávio Dino responde acreditar que há parcelas importantes do Judiciário incomodadas com a violência do sistema de Justiça e que setores do STF e do STJ "não compactuarão" com ela. O governador é conhecido pela coerência. Foi juiz federal e deixou a magistratura para atuar na política. Ele observa que os votos dos três desembargadores foram tão escandalosamente combinados que não restará ao juízo superior outra atitude que não acolher os recursos da defesa de Lula, assegurando sua liberdade durante o curso do processo. "Se entrarmos no vale-tudo, as consequências são profundas, porque o vale-tudo pode se voltar amanhã contra os que hoje estão com a guilhotina na mão", avaliou.
O programa foi gravado nesta segunda-feira (29), no Café do Sindicato dos Bancários, no Edifício Martinelli, centro de São Paulo. Mais tarde, em entrevista coletiva no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, complementaria o raciocínio citando verso de Geraldo Vandré: "Pode vir a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar".
Dino falou ainda de suas dificuldades em governar um estado dominado pelo grupo político de José Sarney desde os anos 1950, e ainda mais em plena crise econômica. Descreveu o enfrentamento da escassez de recursos com gestão rigorosa e prioridade em atender às populações que mais necessitam do Estado. Ele diz que seu governo se diferencia dos anteriores na "forma e no conteúdo" e que seu modo de governar permite que ande tranquilo nas ruas, sendo respeitado mesmo por quem não vota nele.
Participaram também do Entre Vistas a advogada Tamires Sampaio, do Instituto Lula, o jornalista Altamiro Borges, do Barão de Itararé, e o jurista Silvio Luiz Ferreira da Rocha, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC).  

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O Pacto entre o Judiciário e a Imprensa que pode ter destruído de vez o Estado do Direito no Brasil

por José Gilbert Arruda Martins

“Não estamos alegres,
 é certo,
mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?
O mar da história é agitado.
As ameaças e as guerras havemos de atravessá-las,
Rompê-las ao meio,
Cortando-as
Como uma quilha corta
As ondas.”

Maiakovski


Vladimir Vladimirovitch Maiakovski, também chamado de "o poeta da Revolução", foi um poeta, dramaturgo e teórico russo, frequentemente citado como um dos maiores poetas do século XX, ao lado de Ezra Pound e T.S.


Esse maravilhoso poema foi escrito “em 1924, quando Vladimir Maiakovski ficou abalado, como toda a então União Soviética, com a morte de Lênin, em 21 de janeiro. Foi quando resolveu escrever um poema épico como uma ode à Revolução Socialista, que foi retratada também pelo cineasta Sergei Eisenstein, no filme "Outubro", de 1927.” (RBA).

ROBERTO PARIZOTTI/CUT



É certo que a tristeza por causa do resultado do julgamento do recurso de Lula ontem no TRF4 é naturalmente, imensa. Esse verdadeiro pacto entre judiciário e imprensa vem desde 2014 fazendo sofrer a democracia brasileira. Os democratas e progressistas os que lutam por um país com justiça social e econômica não dormiram direito esta noite. É muito duro presenciar historicamente o que vem acontecendo nos últimos dois anos nesse país. É doido ver como as instituições que deveriam proteger, estão pouco a pouco, destruindo o já historicamente frágil, Estado de Direito no Brasil.

Iniciaram com a AP 470 num circo montado pelo STF liderado pelo primeiro negro a fazer parte daquela egrégia casa e seguiu no Congresso Nacional com a maioria dos 513 deputados e também maioria dos 63 senadores, num verdadeiro desmonte do arcabouço legal brasileiro retirando do poder uma mulher honesta para colocar um grupo de ladrões. Isso aconteceu, como estamos vendo, entre outros fatores, que não iremos destacar aqui devido ao tempo, para que o grande capital iniciasse o desmonte guloso com a PEC do teto, a contrarreforma trabalhista, a terceirização sem controle e, agora, a contrarreforma da previdência.

Por sua vez, grande parte do judiciário e o Ministério Público, mandaram às favas a Carta Magna em nome de destruir o PT, Lula, seu legado e as esquerdas no país.

Quem primeiro, antes de qualquer coisa, tem a obrigação de seguir as leis? Quem antes de qualquer cidadão ou instituição tem a obrigação de respeitar a Constituição?

A resposta é singela e muito simples: quem faz as leis é quem deveria, antes de qualquer coisa, defendê-las. A Câmara dos Deputados, o Senado Federal, os Tribunais Superiores, os Juízes, os Procuradores etc.

A cambaleante e doente democracia brasileira foi mortalmente atingida com os feitos perversos de quem deveria obrigatoriamente defende-la. Essa constatação não é apenas minha, os juristas e especialistas mais renomados do Brasil e do mundo disseram e dizem isso todos os dias. Até a imprensa conservadora dos EUA afirmaram isso recentemente.

Grande parte das instituições do país se juntou ao esquema de ataque e desrespeito ás leis e à Constituição em nome do combate à corrupção. Escondem do povo, no entanto, seus objetivos mais sórdidos e profundos. Está mais que comprovado, a grande mídia, capitaneada pela rede globo, os parlamentares golpistas, o judiciário e a Fiesp, não têm definitivamente nenhum compromisso com o combate à corrupção, se fosse assim, parte considerável do PSDB e dos partidos conservadores, estariam atrás das grades.

No âmago das nossas carcomidas instituições golpistas poucos se salvaram. As exceções, infelizmente, foram vozes vencidas e muitas caladas à força.

Um Congresso de maioria conservadora, atrasada, retrógrada, liderada por um parlamentar reconhecidamente corrupto liderou um movimento de retirada do governo legitimamente eleito. Esse mesmo Congresso, com mais de 300 parlamentares investigados por corrupção, votou e aprovou a PEC 241/55 que congelou por 20 anos todos os investimentos sociais. O Projeto de Lei que libera a terceirização para todas as atividades da empresa (PL 4.302/98) também foi aprovada por este mesmo parlamento corrupto.

Outra bofetada na cara dos trabalhadores e trabalhadoras foi a Reforma Trabalhista que entrou em vigor no final do ano passado e é uma mudança significativa na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) instrumentalizada pela lei № 13.467 de 2017 e pela medida provisória 808.

Uma pergunta que não quer calar: Pode um Congresso Nacional formada por sua maioria por investigados pela justiça, alguns comprovadamente corruptos, votar e aprovar leis que ferram com o povo? Eles foram eleitos para isso? A quem esses “respeitáveis” senhores e senhoras realmente defendem?

Por sua vez, tanto no golpe do impeachment como na votação acelerada desse conjunto de maldades destacadas, o judiciário se calou. O STF, órgão máximo da República atuou como um cordeirinho acovardado frente á avalanche de ilegalidades cometidas na “Casa do Povo”.

Enquanto isso, nos bastidores da justiça e na grande, velha e gulosa mídia – rede Globo, estadão, Folha etc. – o golpe mostra cotidianamente, seus tentáculos. Em Curitiba, o juiz de primeira instância, iniciou uma perseguição terrível a um partido e a um político (concretamente foi isso que acabou se destacando).

O juiz parcial, partidário se juntou a jovens procuradores sedentos de raiva, ódio e recheados de grande incompetência jurídica, iniciou uma verdadeira cruzada contra Lula, seu partido  e as esquerdas.

Por que a seletividade? Por que juízes e procuradores assaltaram as leis e a Constituição para perseguir algumas pessoas e um partido dessa forma? A quem eles concretamente defendem?

Como escreveu o poeta Maiakovski, “não estamos alegres...”, a tristeza é enorme, mas, como disse Lula, em sua fala após a farsa do julgamento, “quem está sendo condenado é o povo”.

Este povo que teve no presidente Lula a oportunidade de sonhar com uma vida melhor, de ver seus filhos e filhas entrarem na universidade. O maior condenado é o povo. É o trabalhador e trabalhadora. É a empregada doméstica que até um dia desses trabalhava sem nenhum direito garantido em lei. O ex-presidente Lula não foi condenado sozinho, somos todos condenados juntos com ele, mas, esta condenação pode ser muito pior se não reagirmos, se nos abatermos, se nos imobilizarmos.

A elite também não dormiu, e por que a elite não dormiu? Porque passou a noite festejando com vinho e comida pagas com a exploração sobre a mão de obra do povo condenado à miséria. Hoje 25/01 a revista Exame publicou matéria em edição virtual onde trás foto de uma celebração e números das empresas que, segundo a revista, animaram o “mercado e investidores”. A Bovespa teve alta de 372%, o dólar baixa de 2,5%, a Petrobrás teria sido a que mais ganhou...

E o trabalhador?

Pode gritar o que quiser aí. O trabalhador não foi citado na matéria da revista. Não importa a vida de quem é explorado. Mesmo que essa exploração enriqueça cada vez mais os 1% de super-ricos.

O que importa é que estão, depois de usurparem o poder, num pacto entre judiciário, imprensa e elites econômicas daqui e de fora, retirando na força e contra quaisquer resquícios de legalidade o único cara que poderia reverter essa situação em favor do povo e do Brasil.

Esse pacto entre judiciário e imprensa pode estar jogando de vez no lixo o Estado de Direito. O que restava de democracia no país. Essa é talvez, um dos pontos esquecidos ou deixados de lado por muitos que operam o direito hoje no Brasil.

Gostaria de finalizar dizendo que a dor imensa que todos e todas sentimos agora não pode ser instrumento para nos calar e paralisar. Como disse o poeta russo “As ameaças e as guerras havemos de atravessá-las, rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta as ondas.” Nós povo que também sentimos na pele a condenação de ontem vamos continuar e fortalecer a luta por um país de todos e todas.

Como defende o maior e mais importante educador popular do Brasil, Paulo Freire no seu livro Pedagogia do Oprimido: “Lavar as mãos em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele”.

Por isso, Condenados e condenadas do Brasil, Uni-vos!

Referências: RDB – Rede Brasil Atual


*José Gilbert Arruda Martins é mestre em Ciência Política pela Unieuro-DF e graduado em História pela Universidade estadual do Ceará (1988).

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Rádio Democracia revive Rede da Legalidade no julgamento do Lula

no Revolução Socialista

Publicado no Blog do Brasil247 https://www.brasil247.com/pt/247/rs247/336259/R%C3%A1dio-Democracia-revive-Rede-da-Legalidade-no-julgamento-do-Lula.htm


Por Rafael Duarte, da Agência Saiba Mais – Há 57 anos, o antídoto para um golpe de Estado iminente foi uma rede democrática impulsionada, a partir de Porto Alegre (RS), por uma cadeia nacional de rádios. A Rede da Legalidade, coordenada pelo então governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, impediu que os militares tomassem o poder já em 1961 após renúncia do ex-presidente Jânio Quadros e garantiu a posse de João Goulart. Quase seis décadas depois, o país vai reviver a organização em rede via rádios web, livres, comunitárias, educativas e estatais em todo o país.
A Rádio Democracia vai ao ar em 24 de janeiro, das 5 horas da manhã e segue com programação extensa até a meia-noite. Além dos bastidores do julgamento e da movimentação externa ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, a rádio vai divulgar flashes com informações de todos os Estados onde houver manifestações em defesa da democracia e pelo direito de Lula ser candidato às eleições de outubro. Até o momento, 209 rádios de 25 estados já haviam se cadastrado para retransmitir a programação da Rádio Democracia. A expectativa é de que até o dia 24 de janeiro o número aumente ainda mais. Pela internet, a programação estará disponível no endereço www.radiodemocracia.net.br.
A agência Saiba Mais conversou por telefone com o coordenador geral da rádio Democracia, Jerry de Oliveira. Ativista do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias, ele mora em Campinas (SP) onde gerencia a rádio Noroeste FM. Oliveira conta que mais de 200 comunicadores vão trabalhar pela rádio Democracia no dia do julgamento do Lula.
 – Faltam só dois estados confirmarem: Roraima e Amapá, mas já passamos de 200 profissionais. A ideia é trabalhar de forma horizontal e compartilhada. Todos vão falar da cobertura dos atos políticos em seus Estados. É importante apresentar toda a panorâmica para mostrar que a sociedade quer democracia. Não vai ser uma rede vertical, como a Rede Globo tentou ensinar, dando a entender que as coisas acontecem a partir do Rio de Janeiro e São Paulo. Todos os municípios onde haverá atividade terão espaço na rede. É para mostrar que existe uma organicidade na comunicação. Será uma comunicação dialógica, plural e horizontal.
 A ideia da rádio Democracia surgiu em 2001, a partir da rádio Favela, de Belo Horizonte (MG), para a cobertura do Fórum Social Mundial, realizado na capital gaúcha. De lá para cá, o mesmo sistema ocorreu em eventos esporádicos para a divulgação de conferências e na greve geral de 28 de abril de 2017, onde mais de 30 milhões de brasileiros cruzaram os braços. Segundo Jerry de Oliveira, o objetivo é furar o bloqueio seletivo da mídia tradicional:
 – A internet propiciou isso. A rádio democracia é a continuidade de um movimento que já vem sendo construído há algum tempo.
Diante da organização de rádios em cadeia é impossível não lembrar da Rede da Legalidade capitaneada pelo então governador gaúcho Leonel Brizola. Na época, em 1961, a campanha da legalidade, que lutava para manter a posse do vice-presidente João Goulart, se formou a partir da rádio Guaíba, em Porto Alegre, que passou a funcionar diretamente do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, e foi retransmitida por várias rádios do país, como a rádio Brasil Central, instalada no Palácio das Esmeraldas, sede do governo de Goiás, a rádio Clube de Blumenau, em Santa Catarina e a rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro.
A campanha integrou o país e mobilizou a população. Jerry de Oliveira diz que não tem a pretensão de ser um Brizola, mas admite que o momento político atravessado pelo país chama todos os comunicadores à responsabilidade:
– A rede da legalidade foi talvez o maior evento da radio difusão brasileira porque alterou a correlação de forças da sociedade e quer queira ou não, impediu um golpe que ia se dar após a renúncia de Jânio. A importância dessa rede tem a ver com a democracia e hoje estamos vivendo a ditadura do poder judiciário, da mídia, toda uma ditadura colocada tal qual aconteceu em 1964. O impedimento do Lula de se candidatar é a continuidade do golpe que está em curso. A semântica, nessa discussão, é que a rede da legalidade partiu do Palácio do Piratini, no Rio Grande do Sul, e a mesma coisa se dá agora em Porto Alegre, o que nos faz resgatar o debate conceitual político do meio de comunicação como fortalecimento da democracia. O Brizola fez isso. Não temos a pretensão de ser como o Brizola, mas o momento nos chama à reflexão. Estamos vivendo um momento em que a história se confunde com a mentira. Então resgatar um pouco disso faz parte do nosso compromisso. Não só com a rede da legalidade, mas também pelo Brizola, que foi uma grande liderança.
 
A rádio Democracia existe, insiste Oliveira, como contraponto à mídia hegemônica. E quanto mais cresce a adesão de novas rádios à rede, maior é a percepção de que a sociedade carece de mais informações confiáveis.
– Até o momento, temos 209 rádios organizadas na rede, que são rádios livres, comunitárias, estatais e algumas educativas. A rede vai aumentar até a semana do julgamento, estamos muito felizes porque todo mundo percebe a necessidade de outra comunicação, de um jornalismo mais verdadeiro, voltado ao interesse social, e não ao mercado… mais dialógico, onde os valores das elites não estejam concentrados, em jogo. Se a rede cresce é porque os veículos tradicionais de comunicação não conseguem levar uma informação de qualidade para a sociedade brasileira.
 Clima
Na primeira semana de janeiro, o prefeito de Porto Alegre Nelson Marchezan Júnior pediu ao Governo Temer o envio de tropas do Exército e da Força Nacional à capital gaúcha dia 24 de janeiro para reprimir os manifestantes dispostos a acompanhar o julgamento do ex-presidente Lula. No pedido, o prefeito justificou alegando “iminente perigo à ordem pública e à integridade dos cidadãos”. Uma semana antes, a Justiça atendeu pedido do Ministério Público Federal para limitar área de manifestações em favor do ex-presidente Lula durante o julgamento. Ainda assim, segundo o coordenador da rádio Democracia, o clima é receptivo para o público que vai acompanhar as movimentações.
– O clima em Porto Alegre é de receber muito bem quem vai chegar. Existe a apreensão pela forma como o Governo e a Prefeitura vão reagir, houve o pedido da Força Nacional, mas o clima pesado fica por conta das forças repressivas. Por outro lado o clima é bastante receptivo em Porto Alegre para a militância de esquerda. Não só nós que vamos trabalhar, mas para todos que querem chegar. Vale a pena descer para Porto Alegre e acompanhar todo esse processo.
A defesa da democracia está diretamente ligada à defesa pelo direito de Lula ser candidato às eleições em outubro. A relação é óbvia para o radialista, que destaca o papel do Judiciário como o algoz da democracia no país.
– Estamos perdendo nosso poder político de se fazer representar, escolher quem vai nos representar. A chegada do poder judiciário ditando leis, promotores, juízes, STF… tudo vem sendo definido por 6 ou 7 pessoas que dizem como deve funcionar a sociedade. Não é esse modelo de democracia que precisa ser construído, mas a partir do poder do voto, da sociedade. Estamos vivendo a “Morolização” da Justiça e temos o entendimento de que Lula está fazendo o enfrentamento necessário a um dos poderes mais conservadores da sociedade, que é o poder Judiciário.

SERVIÇO
Rádio Democracia
24 de janeiro de 2018
Porto Alegre – RS
A partir das 5h até meia-noite.
Quer ser Correspondente da rádio Democracia ou retransmitir a programação no dia 24 de janeiro através da sua rádio ?
Entre em contato com Jerry de Oliveira: (19) 996010581

Acompanhe também notícias sobre os acontecimentos em Honduras. Tudo ao vivo pelo Facebook: https://www.facebook.com/unetvhn/

Palavras-chave: Rede da legalidade;Lula;Brizola;24 de janeiro

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Política Arroz com Feijão: DEBATE JURÍDICO - As inconsistências do Processo Contra Lula

por José Gilbert Arruda Martins*

A menos de uma semana para o julgamento do maior e mais importante líder popular do planeta na atualidade, Luis Inácio Lula da Silva, no TRF4 de Porto Alegre, algumas perguntas pairam no ar: A quem interessa esse processo de perseguição que vem se arrastando há anos? Precisamos dar nomes aos bois. Tentar nomear para que cada brasileiro e brasileira entenda que esta luta não é, definitivamente, uma luta contra a corrupção, mas uma luta de classes, uma tentativa desesperada que as elites encontraram de retirar da vida pública o único cara que realmente fez pelo povo nos últimos anos.



Bernie Sanders, senador nos EUA pelo Estado de Vermont. Filiado ao Partido Democrata desde 2015, foi o político independente com mais tempo de mandato na história do Congresso dos Estados Unidos. Escreveu recentemente: 

"Difícil de compreender, o fato é que as seis pessoas mais ricas da Terra agora possuem mais riqueza do que a metade mais empobrecida da população mundial — 3,7 bilhões de pessoas. Além disso, o top 1% tem agora mais dinheiro do que os 99% de baixo. Enquanto os bilionários exibem sua opulência, quase uma em cada sete pessoas luta para sobreviver com menos de US$ 1,25 [algo como R$ 4] por dia e – horrivelmente – cerca de 29 mil crianças morrem diariamente de causas totalmente evitáveis, como diarreia, malária e pneumonia."

Teatro Dulcina em Brasília 18/01


Sanders cutuca a ferida que ontem, de uma outra forma, os professores Marcelo Neves, Eugênio Aragão e a professora Beatriz Vargas da UnB também fizeram quando falaram sobre o processo político que as elites e seus lacaios da justiça brasileira movem contra o ex-presidente Lula.

Entender um pouco como funciona isso é fundamental para cada um de nós. Sei que o dia a dia, muitas vezes impede, ou dificulta, a reflexão política por parte dos trabalhadores e trabalhadoras. Mas, mesmo assim, precisamos pensar. Eles estão pensando. Eles estão agindo. E, pode ter certeza, a ação desses canalhas é para ferrar com você.

Por isso companheiro e companheira, as perguntas e reflexões precisam de um lugar e tempo na cabeça e na vida de cada um e cada uma. Não pensar é deixar que eles, a elite, pensem por você. 

A quem interessa essa caça a um dos mais influentes políticos do mundo contemporâneo? Quem ganha com a retirada da cena política nacional e mundial do ex-torneiro mecânico que ascendeu ao poder no Brasil e chamou a atenção do planeta para suas políticas de inclusão do pobre no orçamento?



Analise, pense, reflita. A maioria das ações políticas e de mídia (diga-se rede Globo etc.), dos últimos anos, tem um grande objetivo: retirar você, pobre, trabalhador e trabalhadora, do orçamento, da vida digna. Retirar você dos caminhos que levam à construção da plena cidadania.

Com toda certeza essa violência jurídica, essa violência política não interessa aos "subcidadãos" subclasse social criada a partir de um pensamento cruel e elitista e, que foi destacado pelo professor Marcelo Neves no encontro de ontem (18/01) no teatro Dulcina. Os milhões de subcidadãos ("os desprezíveis"), como completou o professor, não ganham nada com essa perseguição. Mas, afinal, quem ganha?

Transformar o Lula em "Homo Sacer", "o homem excluído de toda a vida em sociedade", na explicação do professor Marcelo Neves, é o grande e mais urgente objetivo das elites brasileiras neste momento. Tirar da cena pública, de uma forma radical, todo o legado, todo o simbolismo que representa Lula para o povo brasileiro.

Para tentarmos entender quem ganha, precisamos antes dizer quem trabalha nos bastidores e na cena jurídica, política e midiática. Entender quem são os partidos políticos conservadores, os parlamentares, as organizações anti-povo, como o MBL, os policiais federais e delegados golpistas, os juízes e procuradores que apenas se beneficiam do Estado é tarefa de casa e do trabalho, urgente.

Esses grupos, organizações e pessoas são o que chamamos de "capitães-do-mato", aqueles que fazem o trabalho sujo. São aqueles que aparecem na mídia com discursos moralistas para te ferrar. São os lacaios do grande capital, da "Casa-Grande". São os representantes dos 1%.

Os trabalhadores e trabalhadoras e a sociedade em geral precisam se esforçar para entender que um magistrado, um juiz, um desembargador, um promotor, um apresentador de TV, um parlamentar e até um presidente tipo o que o país tem hoje, não são exatamente parte da elite que controla o poder econômico e compra a seu bel-prazer o poder político.

Esses atores citados - parlamentares de direita, juízes, promotores, desembargadores, apresentador de tv etc. são os capitães do mato apenas. Eles são o pau-mandado das verdadeiras elites.

Os 1% que controlam a riqueza e a produção da riqueza no Brasil estão fisicamente distantes do parlamento e até da mídia. esse tipo não aparece com frequência, estão quase sempre escondidos em seus próprios interesses.

Não é fácil chamá-los nominalmente um a um. Por exemplo, a família Marinho, controladora da maior rede de comunicação do país que envolve TV aberta, jornal, TV Fechada, revistas, canais na internet, rádio de grande alcance...seriam sim parte desse seleto grupo de controladores do poder econômico e que estão por trás de todas as mudanças ruins que acontecem hoje no país e que afetam diretamente os trabalhadores e trabalhadoras.

A revista Exame (revista controlada por eles) em sua edição de 13 de setembro de 2016, trouxe alguns nomes de pessoas que fazem parte dessa elite, desse 1% que controla a produção e a riqueza brasileira. Alguns nomes: Jorge Paulo Lemann, segundo a revista ele, além de mais rico do Brasil é também o 19o. homem mais rico em todo o mundo. Joseph Safra é outro que se destaca na reportagem como o bilionário com uma fortuna de 17,2 bilhões de dólares. Veja Aqui 

Quem quiser ver os outros, entre eles os Marinhos, pode acessar o link acima e conhecê-los.

É essa gente que ganha com a destruição de Lula. É esse grupo seleto de super-ricos que controla não apenas a riqueza, mas explora brutalmente a força de trabalho no Brasil é que ganha com esse viciadíssimo processo judicial que será julgado em 2a. instância dia 24 de janeiro em Porto Alegre.

Essa é a cara da elite brasileira. Os 1% que não possuem nenhum tipo de interesse na vida do povo e da nação brasileira, a não ser explorar.

São esses os verdadeiros donos do poder. Os caras que estão usando jovens do MBL, parte da classe média idiotizada, o judiciário e o parlamento como  capitães do mato.

É dessa gente que Bernie Sanders falou, é desse grupo que os professores Marcelo Neves, Beatriz Vargas e Eugênio Aragão se referiam no dia de ontem no teatro Dulcina quando esclareciam de forma brilhante os vícios do processo contra Lula da Silva.

Os professores em suas falas afirmaram "tribunais e juízes acima das leis" agem como querem colocando em risco a democracia e o Estado de Direito no país. A insegurança jurídica é enorme.

A reação do povo tem que ser agora.

Quem se interessa pelo país e seu povo, reagirá agora!

Para concluir vou usar uma parte da matéria veiculada no jornal do PCO - Partido da Causa Operária que foi distribuído ontem durante o evento: "É preciso mobilizar a militância de todo o país para impedir a prisão de Lula e derrotar a direita e os golpistas, na lei ou na marra".


*Mestre em Ciência Política, professor formado em História pela Universidade Estadual do Ceará em 1988.












Bernie Sanders: é hora de nova rebeldia global

por Bernie Sanders no Outras palavras

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Às vésperas do Fórum de Davos, ex-candidato rebelde à presidência dos EUA propõe um movimento articulado para enfrentar, em todo o mundo, os poderosos, os bilionários e a desigualdade estrutural
Por Bernie Sanders | Tradução: Mauro Lopes
Eis onde estamos como planeta em 2018: depois de todas as guerras, revoluções e grandes encontros  internacionais nos últimos 100 anos, vivemos em um mundo onde um pequeno punhado de indivíduos incrivelmente ricos exercem níveis desproporcionais de controle sobre a vida econômica e política da comunidade global.
Difícil de compreender, o fato é que as seis pessoas mais ricas da Terra agora possuem mais riqueza do que a metade mais empobrecidada população mundial — 3,7 bilhões de pessoas. Além disso, o top 1% tem agora mais dinheiro do que os 99% de baixo. Enquanto os bilionários exibem sua opulência, quase uma em cada sete pessoas luta para sobreviver com menos de US$ 1,25 [algo como R$ 4] por dia e – horrivelmente – cerca de 29 mil crianças morrem diariamente de causas totalmente evitáveis, como diarreia, malária e pneumonia.
Ao mesmo tempo, em todo o mundo, elites corruptas, oligarcas e monarquias anacrônicas gastam bilhões nas mais absurdas extravagâncias. O Sultão do Brunei possui cerca de 500 Rolls-Royces e vive em um dos maiores palácios do mundo, um prédio com 1.788 quartos, avaliado em US$ 350 milhões. No Oriente Médio, que possui cinco dos 10 monarcas mais ricos do mundo, a jovem realeza circula pelo jet set ao redor do mundo, enquanto a região sofre a maior taxa de desemprego entre os jovens no mundo e pelo menos 29 milhões de crianças vivem na pobreza, sem acesso a habitação digna, água potável ou alimentos nutritivos. Além disso, enquanto centenas de milhões de pessoas vivem em condições de vida indignas, os comerciantes de armas do mundo enriquecem cada vez mais, com os gastos governamentais de trilhões de dólares em armas.
Nos Estados Unidos, Jeff Bezos — fundador da Amazon, e atualmente a pessoa mais rica do mundo — tem um patrimônio líquido de mais de US$ 100 bilhões. Ele possui pelo menos quatro mansões que, em conjunto, valem várias dezenas de milhões de dólares. Como se isso não bastasse, está gastando US$ 42 milhões na construção de um relógio dentro de uma montanha no Texas, que supostamente funcionará por 10.000 anos. Mas, nos armazéns e escritórios da Amazon em todo o país, seus funcionários usualmente trabalham em jornadas longas e extenuantes e ganham salários tão baixos que precisam crucialmente do Medicaid, de cupons de alimentos e subsídios públicos para habitação, pagos pelos contribuintes dos EUA.
Não só isso: neste momento de riqueza concentrada e desigualdade de renda, pessoas em todo o mundo estão perdendo a fé na democracia. Eles percebem cada vez mais que a economia global foi manipuladapara favorecer os que estão no topo à custa de todos os demais — e estão revoltados.

Milhões de pessoas estão trabalhando mais horas por salários mais baixos do que há 40 anos, tanto nos Estados Unidos quanto em muitos outros países. Elas olham à frente e sentem-se indefesas diante de poucos poderosos que compram eleições e uma elite política e econômica que se torna mais rica, enquanto futuro de seus próprios filhos torna-se cada dia mais incerto.
Em meio a toda essa disparidade econômica, o mundo está testemunhando um aumento alarmante do autoritarismo e do extremismo de direita — que alimenta, explora e amplifica os ressentimentos dos que ficaram para trás e inflamam o ódio étnico e racial.
Agora, mais do que nunca, aqueles que acreditamos na democracia e em governos progressistas devemos mobilizar as pessoas de baixa renda e trabalhadoras em todo o mundo para uma agenda que atenda suas necessidades. Em vez de ódio e divisão, devemos oferecer uma mensagem de esperança e solidariedade. Devemos desenvolver um movimento internacional que rejeite a ganância e a ideologia da classe bilionária e conduza-nos a um mundo de justiça econômica, social e ambiental. Isso será uma luta fácil? Certamente não. Mas é uma luta que não podemos evitar. Os riscos ao futuro são altos demais.
Como o Papa Francisco observou corretamente em um discurso no Vaticano em 2013: “Criamos novos ídolos; a adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e impiedosa imagem no fetichismo do dinheiro e na ditadura da economia sem rosto nem propósito verdadeiramente humanos.” Ele continuou: “Hoje, tudo está sob as leis da competição e da sobrevivência dos mais aptos enquanto os poderosos se alimentam dos sem poder. Como consequência, milhões de pessoas encontram-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem possibilidades, sem meios de escapar”.
Um novo movimento progressista internacional deve comprometer-se a enfrentar a desigualdade estrutural tanto entre as nações como em seu interior. Tal movimento deve superar o “culto do dinheiro” e a “sobrevivência dos mais aptos”, como advertiu o Papa. Deve apoiar políticas nacionais e internacionais destinadas a aumentar o nível de vida das pessoas pobres e da classe trabalhadora — desde o pleno emprego e salário digno até o ensino superior e saúde universais e acordos de comércio justo. Além disso, devemos controlar o poder corporativo e interromper a destruição ambiental do nosso planeta que tem resultado nas mudanças climáticas.
Este é apenas um exemplo do que precisamos fazer: apenas alguns anos atrás, a Rede de Justiça Fiscal (Tax Justice Network) estimou que as pessoas mais ricas e as maiores corporações em todo o mundo esconderam entre US$ 21 trilhões e US$ 32 trilhões em paraísos fiscais, para evitar o pagamento de sua justa contribuição em impostos. Se trabalharmos juntos para eliminar o abuso tributário offshore, a nova receita que será gerada poderá pôr fim à fome global, criar centenas de milhões de novos empregos e reduzir substancialmente a concentração de renda e a desigualdade. Tais recursos poderão ser usados para promover de forma acelerada uma agricultura sustentável e para acelerar a transição de nosso sistema de energia dos combustíveis fósseis e para as fontes de energia renováveis.
Rejeitar a ganância de Wall Street, o poder das gigantescas corporações multinacionais e a influência da classe dos bilionários globais não é apenas a coisa certa a fazer — é um imperativo geopolítico estratégico. Pesquisa realizada pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas mostrou que a percepção dos cidadãos sobre a desigualdade, a corrupção e a exclusão estão entre os indicadores mais consistentes para definir se as comunidades apoiarão o extremismo de direita e os grupos violentos. Quando as pessoas sentem que as cartas estão  empilhadas na mesa contra si e não veem caminho para o recurso legítimo, tornam-se mais propensas a recorrer a soluções prejudiciais a elas próprias e que apenas exacerbam o problema.
Este é um momento crucial na história do mundo. Com a explosão da tecnologia avançada e os novos paradigmas que ela permitiu, agora temos a capacidade de aumentar substancialmente a riqueza global de forma justa. Os meios estão à disposição para eliminar a pobreza, aumentar a expectativa de vida e criar um sistema de energia global barato e não poluente.

Isto é o que podemos fazer se tivermos a coragem de nos unir e confrontar os poderosos que querem cada vez mais para si mesmos. Isto é o que devemos fazer pelo bem de nossos filhos, netos e o futuro do nosso planeta.

Bernie Sanders

Senador nos EUA pelo Estado de Vermont. Filiado ao Partido Democrata desde 2015, foi o político independente com mais tempo de mandato na história do Congresso dos Estados Unidos. Concorreu às eleições primárias que definiram o candidato democrata à presidência dos Estados Unidos no pleito de 2016, sendo derrotado por Hillary Clinton -sua plataforma de inspiração socialista foi a grande novidade que quase derrotou a máquina partidária democrata.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Do “livre” mercado às grandes ditaduras

por ROBERT KUTTNER

no Outras Palavras

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Sai, nos EUA, livro sobre Karl Polanyi – o pensador que mostrou como a desregulação das economias levaria à desigualdade brutal e, por fim, ao fascismo
Por Robert Kuttner | Tradução: Mauro Lopes | Imagem: Cena de “Os Deuses Malditos”, peça teatral adaptada a partir do filme homônimo, de Lucchino Visconti

Resenha do livro:
Karl Polanyi: A Life on the Left, de Gareth Dale
Imprensa da Universidade de Columbia, 381 páginas, 27 dólares
Que era esplendorosa estaríamos supostamente vivendo, com a única superpotência restante espalhando o capitalismo e a democracia liberal em todo o mundo. Em vez disso, a democracia e o capitalismo parecem cada vez mais incompatíveis. O capitalismo global escapou dos limites de uma economia mista pós-guerra, que reconciliou o dinamismo com a segurança através da regulamentação do sistema financeiro, do empoderamento do trabalho, do estado do bem-estar social e de elementos de uma propriedade pública. A riqueza eliminou a cidadania, produzindo maior concentração de renda e poder, bem como a perda de fé na democracia. O resultado é uma economia de extrema desigualdade e instabilidade, organizada não para muitos, mas para poucos.
Karl Polanyi
Karl Polanyi


Não surpreendentemente, muitos reagiram. Para decepção daqueles que esperavam na esquerda democrática disposição para limitar a ação dos mercados, a reação é principalmente dos populistas de direita. E por “populista” entenda-se a natureza dessa reação cuja retórica, princípios e práticas nacionalistas tangenciam o neofascismo. Um aumento do fluxo de migrantes, outra característica da globalização, agravou a raiva de pessoas atingidas pelas crises econômicas  que querem Fazer a América Grande Novamente (assim como a França, a Noruega, a Hungria, a Finlândia …) . Isso ocorre não apenas em países fracamente democráticos como a Polônia e a Turquia, mas nas democracias estabelecidas — Grã-Bretanha, EUA, França, e mesmo a Escandinávia social-democrata.
Já vivemos esta situação antes. Durante o período entre as duas guerras mundiais, os liberais do “livre” mercado que governam a Grã-Bretanha, a França e os EUA tentaram restaurar o sistema do laissez-faire de antes da Primeira Guerra Mundial. Ressuscitaram o padrão-ouro e colocaram como prioridade não a recuparação econômica,mas o pagamento das dívidas de guerra e reparações. Foi um tempo de “livre” comércio e especulação desenfreada, sem controle sobre capital privado. O resultado foi uma década de insegurança econômica que terminou em depressão, enfraquecimento da democracia parlamentar ereação fascista. Até as eleições alemãs de julho de 1932, quando os nazistas se tornaram o maior partido no Reichstag, a coalizão governamental anterior a Hitler estava praticando a austeridade econômica recomendada pelos credores da Alemanha.
O grande profeta de como as forças do mercado levaram ao extremo de destruir a democracia e uma economia em funcionamento não foi Karl Marx, mas Karl Polanyi. Marx esperava que a crise do capitalismo acabasse numa rebelião global dos trabalhadores que levaria até o comunismo. Polanyi, com quase um século mais de história para avaliar, indicou que a maior probabilidade era o advento do fascismo.
Como Polanyi demonstrou em sua obra-prima, The Great Transformation (A Grande Transformação – Editora Campus, Rio, 2ª ed, 2000), de 1944, quando os mercados se tornam “desembarcados” de suas sociedades e criam deslocamentos sociais severos, as pessoas acabam por se revoltar. Polanyi viu a catástrofe da Primeira Guerra Mundial, o período entre as guerras, a Grande Depressão, o fascismo e a Segunda Guerra Mundial, como a culminação lógica das forças do mercado que esmagam a sociedade. Tratava-se, para ele do “esforço utópico do liberalismo econômico para criar um sistema de mercado autorregulado” — algo que começou na Inglaterra do século XIX. Esta foi uma escolha deliberada, ele insistiu, e não a reversão a um estado econômico natural. A sociedade de mercado, Polanyi demonstrou insistentemente, só pode existir devido a uma ação deliberada do governo que define direitos de propriedade, termos de trabalho, comércio e finanças. “O laissez faire“, escreveu ele enfaticamente, “foi planejado”.
Polanyi acreditava que a única via política capaz de moderar a influência destrutiva do capital organizado e sua ideologia do ultra mercado era por meio de movimentos trabalhistas altamente mobilizados, astutos e sofisticados. Ele concluiu isso não a partir da teoria econômica marxista, mas de uma observação aguda da experiência mais bem sucedida de um socialismo municipal na Europa entreguerras: a “Viena Vermelha” (Red Viena), onde trabalhou como jornalista econômico na década de 1920. Por um tempo no pós-Segunda Guerra Mundial, todo o Ocidente teve uma forma igualitária de capitalismo construída sobre a força do Estado democrático e sustentada por fortes movimentos trabalhistas; mas, desde a era de Thatcher e Reagan, esse poder de contenção foi esmagado, com resultados previsíveis.
Em A Grande Transformação, Polanyi enfatizou que os imperativos essenciais do liberalismo clássico do século XIX eram 1) o “livre” comércio, 2) a ideia de que o trabalho devia “encontrar seu preço no mercado” e 3) a aplicação do padrão-ouro. Os equivalentes de hoje são estranhamente semelhantes. Temos um impulso cada vez mais intenso para o comércio desregulado, para destruir os restos do capitalismo com algum nível de gestão e regulação; e o desmantelamento do que resta das salvaguardas do mercado de trabalho para aumentar os lucros das empresas multinacionais. No lugar do padrão-ouro, cuja função do século XIX era a de forçar as nações a priorizar o “dinheiro seguro” e os interesses dos detentores de títulos antes do verdadeiro bem-estar econômico, temos políticas de “austeridade” aplicadas pela Comissão Europeia, pelo Fundo Monetário Internacional e a chanceler alemã, Angela Merkel, com os bancos centrais endurecendo o crédito aos primeiros sinais de inflação.
Esta trindade obscena de políticas econômicas que Polanyi identificou não está funcionando mais agora do que na década de 1920. São fracassos retumbantes , na economia, na política social e na política. A análise histórica de Polanyi, em ambos os escritos anteriores e em The Great Transformation, foi confirmada três vezes, primeiro pelos eventos que culminaram na Segunda Guerra Mundial, depois pela contenção temporária do laissez-faire com a prosperidade democrática durante o boom do pós-guerra e agora novamente pela restauração do liberalismo econômico primário e a reação neofascista a ele.
Karl Polanyi: Uma vida à Esquerda -uma biografia intelectual
Karl Polanyi: Uma vida à Esquerda -uma biografia intelectual
A biografia intelectual escrita por Gareth Dale, Karl Polanyi: A Life on the Left [Karl Polanyi: Uma vida à Esquerda — Columbia University Press, 2013], fez um fino trabalho de mergulhar no homem, seu trabalho e a configuração política e intelectual em que ele se desenvolveu. Esta não é a primeira biografia de Polanyi, mas é a mais abrangente. Dale, cientista político que ensina na Brunel University em Londres, também escreveu um livro anterior, Karl Polanyi: The Limits of the Market (2010), sobre seu pensamento econômico.
Polanyi nasceu em 1886 em Viena, em uma ilustre família judaica. Seu pai, Mihály Pollacsek, emigrou da região dos Cárpatos do Império Habsburgo e formou-se engenheiro na Suíça. Ele era empregado do vigoroso sistema ferroviário do império. No final da década de 1880, Mihály mudou a família para Budapeste, de acordo com o Arquivo Polanyi. Embora tenha mantido seu sobrenome, ele adaptou o dos filhos para ao magiar (húngaro) Polanyi em 1904 — o mesmo ano em que Karl iniciou estudos na Universidade de Budapeste. A mãe de Karl, Cecile, a filha bem educada de um rabino de Vilna (Lituânia), era uma feminista pioneira. Ela fundou um colégio de mulheres em 1912, escreveu para periódicos de língua alemã em Budapeste e Berlim e presidiu um dos salões literários de Budapeste.
Em casa, o alemão e o húngaro eram falados (juntamente com o francês “à mesa”); e o inglês foi aprendido, conta Dale. As cinco crianças Polanyi também estudaram grego e latim. No quarto de século antes da Primeira Guerra Mundial, Budapeste era um oásis de tolerância liberal. Tal como em Viena, Berlim e Praga, uma grande proporção da elite profissional e cultural era de judeus assimilados. Em meados da década de 1890, Dale observa: “a fé judaica recebeu os mesmos privilégios que as denominações cristãs, e os representantes judeus receberam assentos na câmara alta do parlamento”.
Com base em entrevistas, correspondências e textos publicados, Dale evoca a era vividamente. O círculo de Polanyi em Budapeste, conhecido como A Grande Geração, incluiu ativistas e teóricos sociais, como seu mentor, Oscar JasziKarl Mannheim; o marxista Georg Lukács; o irmão mais novo de Karl e seu sparring ideológico, o libertário Michael Polanyi; os físicos Leo Szilard e Edward Teller; o matemático John von Neumann; e os compositores Béla Bartók e Zoltán Kodály, entre muitos outros. Foi nesta estufa que Polanyi desenvolveu-se, frequentando o ginásio Minta, um dos melhores da cidade e a seguir a Universidade de Budapeste. Ele foi expulso em 1907, depois de uma confusão em que antissemitas interromperam uma palestra de um professor esquerdista popular, Gyula Pikler. Terminou sua graduação em Direito em 1908 na Universidade Provincial de Kolozsvár (hoje Cluj, na Romênia). Lá, foi um dos fundadores do jornal de esquerda humanista Círculo Galilei e depois integrou o conselho editorial do periódico.
Polanyi tornou-se um dos principais membros do partido político de Jaszi, o Radical, e foi nomeado seu secretário-geral em 1918. Ele foi atraído pelo socialismo cristão de Robert Owen e Richard Tawney e o socialismo comunitário de G.D.H. Cole. Ele contemplou uma fusão do marxismo e do cristianismo. Polanyi talvez seja melhor classificado como um social-democrata de esquerda — um cético, ao longo da vida, com a possibilidade de uma sociedade capitalista tolerar um sistema econômico híbrido.
Quando a Primeira Guerra Mundial eclodiu, Polanyi alistou-se  como oficial de cavalaria. Quando voltou para casa no final de 1917, sofrendo de desnutrição, depressão e tifo, Budapeste estava num conflito caótico entre a esquerda e a direita. Em 1918, o governo húngaro firmou uma paz separada com os Aliados, rompendo com Viena e imaginando criar uma república liberal. Os acontecimentos nas ruas ultrapassaram a disputa parlamentar e o líder comunista Béla Kunproclamou o que acabou por ser uma República soviética húngara de curta duração.
Polanyi partiu para Viena, tanto para recuperar a saúde como para sair da linha de frente política. Lá, encontrou sua vocação como jornalista de economia de alto nível e o amor de sua vida, Ilona Duczynska, uma polonesa radical de esquerda. Sua filha, Kari, nascida em 1923, recorda, como um pré-adolescente, que fazia um clipping recortando artigos de jornais em três línguas diferentes para o seu pai. Com 94 anos, ela continua a co-dirigir o Arquivo Polanyi em Montreal.
Polanyi foi contratado em 1924 para escrever sobre política internacional naquele que pode ser considerado o equivalente da Europa Central ao The Economist, o semanário Österreichische Volkswirt. Ele continuou sua busca por um socialismo viável, envolvendo-se com outros intelectuais de esquerda e polemizando com a direita, especialmente com os argumentos do teórico do livre mercado, Ludwig von Mises. Nos debates, publicados em detalhes, Polanyi mostrava como uma economia socialista poderia ser capaz de praticar preços eficientes. Mises insistia que não era. Polanyi argumentava que uma forma descentralizada de socialismo liderada pelos trabalhadores poderia praticar preços com uma boa precisão. Com o tempo ele concluiu, diz Dale, que estes argumentos técnicos abstrusos haviam sido um desperdício de seu tempo.[1]
Uma resposta prática ao debate com Mises estava se desenrolando ao vivo na Viena Vermelha. Trabalhadores mobilizados mantiveram um governo socialista municipal no poder por quase 16 anos depois da I Guerra Mundial. O governo fornecia gás, água e eletricidade, e construía casas e prédios para os trabalhadores, financiando-se por impostos pagos pelos ricos — incluindo um imposto para os funcionários públicos. Havia subsídios familiares para pais e seguro desemprego municipal para os sindicatos. Nada disso prejudicou a eficiência da economia privada na Áustria, que era ameaçada pelas políticas infelizes de “austeridade” econômica criticadas por Polanyi. Depois de 1927, o desemprego aumentou implacavelmente e os salários diminuíram, o que ajudou a levar ao poder em 1932-1933 um governo austrofascista.
Para Polanyi, a Viena Vermelha foi tão importante por sua política quanto por sua economia. A política perversa da Inglaterra de Dickens refletiu a fraqueza política de sua classe trabalhadora, enquanto a Viena Vermelha era um emblema da força de sua classe trabalhadora. “Enquanto [a reforma das leis sociais dos ingleses] causou um verdadeiro desastre para as pessoas comuns”, escreveu ele, “Viena alcançou um dos triunfos mais espetaculares da história ocidental”. Mas, como Polanyi ponderou, uma ilha de socialismo municipal não poderia sobreviver à maior turbulência do mercado e ao fascismo crescente.
Em 1933, com os fascistas assumindo o governo, Polanyi deixou Viena e foi para Londres. Lá, com a ajuda de Cole e Tawney, ele encontrou trabalho em um programa de extensão patrocinado pela Universidade de Oxford, conhecido como Associação Educacional dos Trabalhadores. Ele ensinou, entre outros temas, a história industrial inglesa. Sua pesquisa original para essas palestras formou os primeiros rascunhos de A Grande Transformação.
Seu mentor, Oscar Jaszi, também estava agora no exílio e ensinava em Oberlin. Para complementar o seu reduzido pagamento como adjunto, Polanyi conseguiu se contratado para conferências em faculdades nos Estados Unidos. Ele encontrou a América de Roosevelt um contraponto esperançoso à Europa. Depois que a guerra explodiu, uma dessas viagens de conferência evoluiu para uma nomeação por três anos no Bennington College, onde completou seu livro.
A Grande Transformação - a obra-prima de Polianyi
A Grande Transformação – a obra-prima de Polianyi
O timing para a publicação de A Grande Transformação foi auspicioso. O ano de 1944 testemunhou o Acordo de Bretton Woods, o apelo de Roosevelt por uma Declaração de Direitos Econômicos e o plano épico de Lord Beverage, Pleno Emprego numa Sociedade Livre. O que estas iniciativas tinham em comum com o trabalho de Polanyi era a convicção de que um mercado excessivamente livre nunca mais deveria levar à miséria humana, que termina no fascismo.
No entanto, o livro de Polanyi foi inicialmente recebido com um silêncio retumbante. Isto, penso eu, foi o resultado de dois fatores.
Primeiro, Polanyi não pertencia a nenhuma disciplina acadêmica e era essencialmente um autodidata. Dale escreve que quando finalmente lhe foi oferecido um trabalho como professor de História Econômica em Columbia, em 1947, “os sociólogos viram-no como um economista, enquanto os economistas pensavam o contrário”. Os meados do século XX, nos Estados Unidos, foram um período em que a economia política, o arcabouço institucional, a história do pensamento econômico e a história econômica entraram em um período de eclipse, em favor de uma visão formalista. E o pensamento de Polanyi não era uma hipótese que poderia ser testada.
Segundo e mais importante, os adversários ideológicos de Polanyi gozavam de prestígio e eram promovidos, enquanto ele contava apenas o poder de suas ideias. Mises, como Polanyi, não tinha credenciais acadêmicas. Mas ele conduziu um influente seminário privado a partir de seu cargo como secretário da Câmara de Comércio da Áustria. O seminário desenvolveu a escola de economia ultraliberal austríaca. O primeiro aluno de Mises foi Friedrich Hayek. Como teórico do laissez-faire financiado por empresários, Mises antecipou a Fundação Heritage em meio século.
Hayek afirmou em The Road to Serfdom [O Caminho da Servidão, livro que lhe deu o Nobel de Economia em 1974] que os esforços bem-intencionados do Estado para controlar os mercados acabariam em despotismo. Mas não há nenhum caso de social-democracia que tenha derivado em ditadura. A história deu razão a Polanyi, demonstrando que um mercado livre sem regras é que leva a uma ruptura com a democracia. Hayek acabou com uma cadeira na London School of Economics, que foi fundada originalmente pelos socialistas fabianos; a “Escola austríaca” foi reconhecida como uma escola de economia ultraliberal; e Hayek depois ganhou o Prêmio Nobel de Economia. O Caminho da Servidão, também publicado em 1944, foi um best-seller, publicado em capítulos no Reader’s DigestA Grande Transformaçãode Polanyi vendeu apenas 1.701 cópias em 1944 e 1945.
Quando A Grande Transformação apareceu em 1944, a resenha no The New York Times foi seca. O resenhista, John Chamberlain, escreveu: “Este ensaio maravilhosamente escrito reavalia 150 anos de história e apresenta um sutil apelo por um novo feudalismo, uma nova escravidão, um novo status econômico que vai amarrar os homens aos seus lugares de residência e seus empregos”. Não à toa, esta opinião soa como Hayek: o mesmo Chamberlain acabara de escrever o prefácio efusivo para O Caminho da Servidão. É o que se poder chamar de economia política de influência.
No entanto, o livro de Polanyi recusou-se a desaparecer. Em 1982, seus conceitos foram a peça central de um impactante artigo do estudioso de relações internacionais John Gerard Ruggie, que denominou a ordem econômica do pós-guerra de 1944 de “liberalismo incorporado”. O sistema de Bretton Woods, escreveu Ruggie, reconciliou o estado com o mercado por “re-incorporar” o liberalismo econômico na sociedade por meio de políticas democráticas”[2]. O sociólogo dinamarquês Gøsta Esping-Andersen, importante historiador da social-democracia, usou o conceito polanyiano de ” desmercantilização” em um livro importante, The Three Worlds of Welfare Capitalism [Os três mundos do capitalismo do bem-estar social -1990], para descrever como os social-democratas continham e complementavam o mercado.[3]
Outros estudiosos que valorizaram as ideias de Polanyi foram os historiadores políticos Ira KatznelsonJacob Hacker e Richard Valelly, o falecido sociólogo Daniel Bell, e os economistas Joseph StiglitzDani Rodrik e Herman Daly. Por outro lado há pensadores que parecem essencialmente polanyianos em sua preocupação com os mercados que invadem os reinos não mercadológicos, como Michael WalzerJohn Kenneth GalbraithAlbert Hirschman e a premiada com o Prêmio Nobel Elinor Ostrom. Este é o preço que se paga por ser, na auto-descrição de Hirschman, um intruso.
Exilado três vezes — de Budapeste para Viena, de Viena para Londres, e mais tarde para Nova York — Polanyi teve que se mudar mais uma vez quando as autoridades dos EUA não concederam a sua mulher Ilona um visto, alegando que ela havia sido do Partido Comunista na década de 1920. Eles mudaram-se para  um subúrbio de Toronto, de onde Polanyi foi para Columbia, até sua aposentadoria em meados da década de 1950.
Embora seus entusiastas tendam a se concentrar apenas em A Grande Transformação, o livro de Dale é precioso para a avaliação sobre Polanyi depois de 1944. Ele viveu por mais 20 anos, trabalhando no que era conhecido como sistemas econômicos primitivos, o que lhe deu mais bases para demonstrar que o mercado livre não é uma condição natural, e que os mercados de fato não têm que predominar sobre o resto da sociedade. Ao contrário, muitas culturas ancestrais misturaram as formas de intercâmbio de mercado com relação econômicas e comerciais não mercadológicas. Ele estudou o tráfico de escravos do Daomé e a economia de Atenas na Antiguidade, os quais “demonstraram que elementos de redistribuição, reciprocidade e troca poderiam ser efetivamente fundidos em ‘um todo orgânico’ “. Dale escreve: “Para Polanyi, a Atenas democrática foi na verdade uma precursora, na Antiguidade, da Viena vermelha”.  Atenas, é claro, estava longe de ser socialista, mas naquela economia pré-capitalista estavam mescladas formas de geração de renda mercadológicas e não mercadológicas.
Dale também aborda os pontos de vista de Polanyi sobre a escalada da Guerra Fria e sobre a economia mista do pós-guerra, que muitos agora veem como uma era dourada. Os Trinta Gloriosos [assim são conhecidos os 30 anos de forte crescimento na economia do pós-guerra, de 1946 a 1975] que combinavam o capitalismo igualitário e a democracia restaurada, foram  sentidos por Polanyi como uma afirmação. Mas ele, tendo vivido duas guerras, a destruição da Viena socialista, a perda de familiares durante o nazismo, quatro exílios e longas separações de Ilona, ​​não foi tão facilmente convencido. Enquanto admirava Roosevelt, ele considerava o governo trabalhista britânico de 1945 como um exemplo acabado de estado de bem-estar num sistema ainda capitalista.
Meio século depois, essa preocupação mostrou-se acertada. Outros viram o sistema de Bretton Woods como uma maneira elegante de reiniciar o comércio, criando condições para cada nação-membro administrar suas economias de pleno emprego; mas Polanyi considerou o sistema como uma extensão da influência do capital. Isso também pode ter sido profético. Na década de 1980, o FMI e o Banco Mundial foram transformados em defensores da austeridade, o oposto do que fora planejado por seu arquiteto, John Maynard Keynes. Ele culpou, pela Guerra Fria, principalmente a ação dos Aliados. Louvou a visão de Henry Wallace [vice-presidente dos EUA sob Roosevelt], de que o Ocidente poderia ter conseguido uma acomodação com Stalin.
Dale não poupou críticas a Polanyi sobre o que chamou de seu ponto cego em relação à União Soviética. Em vários momentos das décadas de 1920 e 1930, ele observa, Polanyi deu sua aprovação a Stalin, mesmo culpando o pacto Molotov-Ribbentrop de 1940 pelo o anti-sovietismo da Casa Branca. Ele estava muito otimista quanto às intenções dos soviéticos no período imediato do pós-guerra. Como membro do Conselho de Emigrados Húngaros em Londres, ele discutiu com os outros líderes se o Exército Vermelho deveria ser entendido  como um precursor do socialismo democrático. A libertação soviética da Europa Oriental, insistiu Polanyi, traria “uma forma de governo representativo baseado em partidos políticos”.
Comprovado o erro de sua tese, Polanyi aplaudiu a abortada revolução húngara de 1956. Mesmo depois de a rebelião ter sido esmagada por tanques soviéticos, ele encontrou razões para a esperança no comunismo goulash ligeiramente reformista que se seguiu. Isso era ingênuo, mas não totalmente equivocado. Embora Polanyi não fosse marxista, havia uma abertura suficiente na Hungria a ponto de em 1963, um ano antes de sua morte e bem antes da queda Muro de Berlim, ele ter sido convidado para conferências na Universidade de Budapeste, sua primeira visita a seu país em quatro décadas.
Karl Polianyi e a mulher, , Ilona Duczynska
Karl Polianyi e a mulher, Ilona Duczynska, matemática, anarquista e luxemburguista
No centenário de nascimento de Polanyi, em 1986, Kari Polanyi-Levittorganizou um simpósio em  homenagem a seu pai em Budapeste. O volume da conferência é um excelente companheiro à biografia de Dale[4]. Os 25 artigos curtos são escritos por uma mistura de escritores com base no Ocidente e vários que moravam no que ainda era a Hungria comunista — onde Polanyi era amplamente lido. A escrita é surpreendentemente exploratória e não dogmática. Mesmo assim, quando chegou sua vez da falar, Polanyi-Levitt pediu: “Se me for permitido mais um pedido à Academia Húngara das Ciências … este é que A Grande Transformação seja disponibilizada aos leitores húngaros em língua húngara”. Isso foi finalmente feito em 1990. Como muitos no Ocidente, o regime comunista em Budapeste não tinha certeza do que fazer com Polanyi.
Hoje, depois de um interlúdio democrático, a Hungria é um centro da autocracia ultra-nacionalista. Políticas equivocadas de licenciosidade financeira têm desempenhado sei papel habitual. Após o colapso financeiro de 2008, o desemprego húngaro aumentou constantemente, de menos de 8% antes do crash até quase 12% até o início de 2010. Na eleição de 2010, o Fidesz – Magyar Polgári Szövetség (União Cívica Húngara), de extrema direita, varreu o governo de esquerda, ganhando mais do que 2/3 dos assentos parlamentares, o que possibilitou a “democracia de controle” do primeiro-ministro Viktor Orbán. Foi mais um eco, de que Polanyi não precisava.
O que, afinal, devemos fazer com Karl Polanyi? E que lições ele pode oferecer para o momento presente? Como até mesmo os seus admiradores admitem, algumas de suas observações eram falhas. Alguns de seus seguidores, Fred Block e Margaret Somers, ressaltam que sua narrativa da Grã-Bretanha do final do século XVIII exagera na abrangência da proteção legal aos mais pobres. Seu famoso estudosobre a Lei dos Pobres ou  Lei Speenhamland, de 1795, cuja assistência pública protegeu os pobres das primeiras perturbações do capitalismo, exagerou na avaliação de sua aplicação na Inglaterra como um todo. No entanto, seu relato da reforma liberal da Lei dos Pobres na década de 1830 foi perfeito. A intenção e efeito foram expulsar as pessoas da rede de apoio e forçar os trabalhadores a aceitarem empregos por salários mais baixos.
Pode-se também argumentar que o fracasso da democracia liberal em conquistar a Europa Central no século XIX, o que abriu o caminho para o nacionalismo de direita, teve causas mais complexas do que a disseminação do liberalismo econômico. No entanto, Polanyi estava certo ao observar que foi a tentativa fracassada de universalizar o liberalismo de mercado após a Primeira Guerra Mundial que deixou as democracias fracas, divididas e incapazes de resistir ao fascismo, até o início da guerra. Neville Chamberlain é mais lembrado por sua capitulação para Hitler em Munique em 1938. Mas, no fosso da Grande Depressão, em abril de 1933, quando Hitler estava consolidando o poder em Berlim e Chamberlain era o chanceler conservador do Tesouro em Londres, ele afirmou : “Estamos livres desse medo que nos assola, o medo de que as coisas vão piorar. Nós devemos nossa liberdade ao fato de termos equilibrado nosso orçamento”. Tal foi a sabedoria convencional perversa, então e agora.
Um artigo recente de três cientistas políticos dinamarqueses no Journal of Democracy questiona se é razoável atribuir o surgimento do fascismo nas décadas de 1920 e 1930 às políticas liberais do laissez-faire e ao colapso econômico.[5] Eles relatam que as democracias bem estabelecidas do noroeste da Europa e das antigas colônias britânicas do Canadá, dos EUA, da Austrália e da Nova Zelândia “foram virtualmente imunes às crises persistentes do período entreguerras”, enquanto as democracias mais novas e mais frágeis da Europa do Sul, Central e Oriental sucumbiram. Na verdade, os fascistas assumiram brevemente o poder no noroeste da Europa apenas por invasão e ocupação. No entanto, essa observação faz de Polanyi uma voz ainda mais profética e ameaçadora sobre o nosso tempo. Hoje, em grande parte da Europa, os partidos de extrema direita são agora a segunda ou terceira maior força.
Em suma, Polanyi pode ter errado aqui e ali, mas conseguiu acertar no grande cenário. A democracia não pode sobreviver com um mercado excessivamente livre; e conter o mercado é tarefa da política. Ignorar isso é cortejar o fascismo. Polanyi escreveu que o fascismo resolveu o problema do mercado desenfreado destruindo a democracia.
Mas, ao contrário dos fascistas do período entreguerras, os líderes de extrema direita de hoje não se ocupam de conter as turbulências no mercado ou proporcionar empregos dignos através de obras públicas. O Brexit, um espasmo de raiva dos despossuídos, não fará nada positivo para a classe trabalhadora britânica; e o programa de Donald Trump é uma mescla de retórica nacionalista e uma aliança ainda mais profunda do governo com o capitalismo predatório. O descontentamento ainda pode ir para outro lugar. Assumindo o valor da democracia, pode haver uma mobilização combativa no espírito do socialismo viável de Polanyi. O pessimista Polanyi diria que o capitalismo ganhou e a democracia perdeu. O otimista nele procuraria uma renovação da política popular.
___________________
[1] Tratei do conflito Mises-Hayek-Polanyi em Karl Polanyi Explains It All, no The American Prospect, maio-jun 2014
[2] John Gerard Ruggie, International Regimes, Transactions, and Change: Embedded Liberalism in the Postwar Economic OrderInternational Organization, Vol. 36, No. 2 (Spring 1982).
[3] Gøsta Esping-Andersen,The Three Worlds of Welfare Capitalism (Polity, 1990).
[4] The Life and Work of Karl Polanyi: A Celebration, edited by Kari Polanyi-Levitt (Montreal: Black Rose, 1990).
[5] Agnes Cornell, Jørgen Møller, Svend-Erik Skaaning, The Real Lessons of the Interwar Years, Journal of Democracy, Vol. 28, No. 3 (July 2017).

Robert Kuttner

Fundacor e co-editor do The American Prospect; professor na Brandeis’s Heller School. Seu livro mais recente é "Can democracy survive global capitalism?"
 - "Pode a democracia sobreviver ao capitalismo global? - dezembro 2017