domingo, 12 de março de 2023

Nem Zanin, nem Toffoli 2.0: Lula precisa nomear o Direito Alternativo

 


Mestrando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, pós-graduado em Direito Público e graduado em Letras. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Trabalha na UEG. No Brasil 247, imprime questões para o debate de uma nova estética civilizatória

FONTE: Site 247


STF deveria ser o espaço derradeiro de salvaguarda de toda a sociedade, no entanto, é a última voz de proteção das elites, infelizmente

(Foto: Ricardo Stuckert)

STF: que instituição curiosa! Deveria ser o espaço derradeiro de salvaguarda de toda a sociedade, no entanto, é a última voz de proteção das elites, infelizmente…

Vamos para algumas sinceridades e chega de republicanismos de proforma:

1) O Cristiano Zanin não é, necessariamente, o melhor nome a ser indicado para a Suprema Corte do Brasil (explico ao final)[1];

2) O nosso sistema de justiça é uma das piores heranças coloniais que o Brasil ainda teima manter “encastalada” (sim, “castas” em seus “castelos” intocáveis);

3) A formação jurídica brasileira é extremamente elitista, isto é, a maioria das faculdades de Direito no País ainda formam os sujeitos para uma modalidade meramente liberal, mercadológica e tecnicista de justiça; e

4) Praticamente todos os indicados ao STF pelos presidentes Lula e Dilma entre 2003 e 2015 — ao contrário do que se esperava — traíram as esperanças de uma justiça emancipatória no Brasil.

Algumas (i)mobilizações históricas

Vou começar a analisar por este último ponto que demove para uma síntese a todos os demais. A verdade é que: 

i) só existiu um presidente da República fascista “batedor de carteira” como Jair Bolsonaro porque ministros como Edson Fachin (quem não se lembra que o pedido para tornar incompetente o Juízo de Curitiba no julgamento do Lula já estava em suas mãos 5 anos antes?)[2], Roberto Barroso (como não mencionar que a ONU notifica o STF que Lula tinha o direito de ser candidato, fato esse ignorado por quem tinha a competência de atender à recomendação posta?)[3] e tantos outros que tiveram medo de fazer cumprir verdadeiramente a Constituição Federal e preferiram a “zona de conforto” do não-incômodo da opinião pública, da opinião publicada e dos “donos do sistema” neste País;

ii) Lula somente foi preso porque o sistema de justiça driblou a própria ética do jurisdicionado para atender ao regozijo de suas excelências da Casa Suprema, em particular a presidenta da época, ministra Cármen Lúcia que chegou a aguardar  a nomeação de um novo ministro para completar a Corte, pois na “aritmética” da Justiça (manobra jurisdicional), um placar de 5 a 5 no julgamento da prisão em 2ª instância beneficiaria Lula, o que não desejava a mulher que chegou àquele Tribunal pelas mãos do próprio preso político;[4]

iii) Lula (também) não conseguiu a liberdade porque um traidor (não do ex-presidente, mas dos princípios e de uma dimensão livre da magistratura, sem se deixar levar por tantas “influências”), o ministro Dias Toffoli[5] operou para – mais uma vez – agradar os poderosos e deixar o ex-metalúrgico apodrecendo de forma injusta na cadeia;

iv) Dilma somente foi golpeada em 16 porque o STF se curvou ao jogo sujo da política e do sistema e, inclusive, aceitou participar do “circo” de um pseudo-julgamento no Senado (lembremos que Ricardo Lewandowski era o presidente da Sessão que cassou Dilma, muito embora eu sinta, sinceramente, que o ministro carrega com muita dor e arrependimento essa vergonha em sua biografia e vida); e

v) Lula (de novo) e o projeto progressista recém inaugurado no Brasil foi ofendido de quase morte quando outro indicado – a partir de “critérios” sem critérios – por Lula, Joaquim Barbosa, “importou” do Direito alemão um tal Domínio do Fato à brasileira para inventar a possibilidade de condenar alguns que não mereciam (embora outros, é verdade, mereciam sim as punições) no mal fadado julgamento do Mensalão, primeira manjedoura do “ovo da serpente” do fascismo na volta da democracia após 20 anos de Ditadura Militar.

Se de fato formos trazer as contradições de cada um dos ministros e ministras do STF, especialmente daqueles que imaginávamos que, sendo indicado por governos progressistas, seriam no mínimo dignos de olhar para a dor dos pobres e espoliados; das pessoas vulnerabilizadas historicamente, precisaríamos escrever um livro analisando cada momento, cada julgado naquela Corte nos últimos 20 anos em que tencionava de um lado a necessidade concreta do povo brasileiro e, do outro, o lobby dos empresários, ou de quaisquer atores com sobrenomes “coloniais” (elites), ou mesmo do corporativismo ultra conservador dos membros do Poder Judiciário brasileiro.

Citaria aqui apenas um julgado para exemplificar concretamente o que estou a refletir com vocês. Contudo, peço licença para melhor detalhar numa nota de rodapé[6]. Antes, porém, não se trata de pedir ao Lula que nomeie alguém que seja “seu” aliado; que vá defender os interesses do PT; que jogue os erros de pessoas do campo progressista para debaixo do tapete judiciário como o fazem Nunes Marques e André Mendonça quando os julgamentos têm relação com seu “patrão”, o Bolsonaro, ou alguém da casa miliciana. O que espero de uma indicação do Lula, mais que o sujeito “A”, ou “B”, é um conceito. Dimensões concretas a partir de critérios estético-civilizatórios.

Dimensões do Direito Alternativo: reflexões

Lula precisa entender que não basta ter um irretocável homem da técnica do Direito como Zanin (indiscutível em sua competência, contudo, competência por competência, vejamos Gilmar Mendes e tantos outros eruditos que por esta Corte transladam). 

Trata-se de enxergar outro Direito. É aí onde mora o problema. É fundamental compreender o Direito a partir de sua acepção insurgente, como nos ensina o jurista Jesús Antonio de la Torre Rangel, para quem o Direito é feito (de baixo) pelo povo e para o povo. Ou ouvir a voz de Roberto Lyra Filho, que compreende o Direito como a legítima organização social da liberdade. Repito: liberdade! Somente faz sentido o Direito se o é para que todos sejam verdadeiramente livres. E o conceito de liberdade aqui tem simetria com emancipação. Emancipação, por seu expediente, somente acontece quando as pessoas participam efetivamente da cidadania, da democracia e da partilha das oportunidades do Estado e dos direitos; por conseguinte, dos Direitos Humanos. 

Portanto, um julgamento feito na erudição da técnica do Direito é somente uma forma de jogar confetes no sistema positivado; adornar o gozo da retórica que se dará na formação de uma maioria ao jurisdicionado, ou na derrota arrotada de letras da lei, da teoria, da doutrina e da filosofia jurídica. Não passam de palavras que morrem na realidade fática da mulher negra empregada doméstica que acorda às 5 horas da manhã, pega duas conduções levando quase duas horas para chegar em seu trabalho, retornando na boca da noite quase sem dinheiro para comer e sustentar seus filhos; ou do produtor rural familiar que acaricia o chão com sua enxada antes do sol se espreguiçar e lava seu suor derradeiro no quase deitar-se para o preparo do novo dia sem que ao final de um ciclo possa prover as condições de bem-viver, ou, como ensina nossa CF-88, ao menos do bem-estar.

Enfim. Esse é o retrato da esmagadora; repitamos: esmagadora maioria do povo brasileiro que não faz ideia que suas excelências optaram por votar (ou se calar, pedindo vistas) tantas e tantas vezes, usando instrumentos do Direito, para retirar direitos (como diz Lyra Filho, o Antidireito) das e dos trabalhadores brasileiros.[7]

Finalmente, o que estou a pedir como reflexão do presidente Lula é tão simples quanto complexo; que entenda de uma vez por todas que existem outras correntes que não seja a do Direito Puro (em Hans Kelsen), mas do Direito “Impuro” (de Carlos Marés), que não titubeia ao julgar a dor e o sofrimento dos povos indígenas e dos negros discriminados no devir da sociedade e simplesmente julga, pesando derradeiramente no jogo dos princípios (base do trabalho de um ministro do STF) a coletividade menos abastada. 

O homem vive somente de pão ou do Direito meramente positivado e aplicado com requintes de beleza, estes, que promovem tantas vezes uma espécie de “necrodireito” (vejamos a produção de morte das pessoas que foi o novo Direito na Reforma Trabalhista, chancelada em sua maior parte até aqui pelo Supremo). Portanto, reivindico do Lula uma indicação que encontre sinergia nos sujeitos coletivos de direito (como ensina José Geraldo de Sousa Junior), ou que encante e mobilize sonhar e agir como um ex-advogado que abandonou o Direito por se desiludir com suas interfaces. Falamos aqui de Paulo Freire, o maior educador brasileiro, este que nos provoca um esperançar sempre para um emancipar logo ali. Freire desistiu de advogar porque percebeu as dimensões coloniais do Direito, todavia, também de uma premissa que deveria acontecer antes do Direito, que é a Educação, inclusive para formar os novos operadores do Direito mais adiante. O novo ministro precisa “abandonar” o velho Direito e se encantar com um novo Direito – libertário. 

Por que não indicar o Eloy Terena, ou o Marco Aurélio de Carvalho, ou a Vera Lúcia Santana, que conhecem os clássicos, contudo, respectiva e cumulativamente, advoga um direito emergente e ancestral; fundou uma escola “preparatória” para a justiça de transição (como é o Grupo Prerrogativas[8]); e traz toda a carga semântica, interseccional e semiótica que formam sua gramática para a defesa de paradigmas contra-hegemônicos tão necessários na Suprema Corte? Ou um “Zanin” do Direito Achado na Rua? Há tantos, aliás, alguns Luiz Gama no Brasil. Precisam apenas da ousadia de um Presidente da República que reinterprete a noção de Direito, dando ao STF este brinde histórico. 

Metacritérios que levem ao STF uma democracia jurisdicional

Escolha um juiz, Lula, que tenha coragem de promover (ou ao menos debater, já seria um começo digno) a justiça de transição, a justiça reparatória. Um magistrado que não entenda seu papel histórico (muito mais que seu papel meramente institucional) não é capaz de reivindicar um humanismo dialético-emancipatório (como nos ensina o Direito Achado na Rua, da UnB) e sempre optará pelas facilidades discursivas e convencionadas do humanismo liberal[9].

O critério, Lula, não pode ser apenas agradar os ouvidos moucos do “Centrão” judiciário. Sim, há um “partido” de centro no Judiciário que se comporta como pêndulo enferrujado, cuja moral nem é kantiana (capaz de entregar um jovem estudante insurgente para seus algozes policiais porque é incapaz de taticamente mentir para salvar o moço perseguido – qual é o princípio que tem mais valor aqui: a vida ou a verdade adiável?), nem é dworkiana (na qual o peso dos princípios não se preocupa com a narrativa de conveniência, todavia, com a justiça de fato). O pêndulo é de ocasião, porém, é mantenedor da circunstância histórica que nos fundou como critério de uma civilização colonial, escravocrata, patriarcal, portanto, promotora de instituições que chancelam o racismo estrutural e o sexismo covarde; a prevalência do direito de propriedade em detrimento da solidariedade sistêmica e ecológica; o patrimonialismo estatizado; e o falsete da “livre iniciativa” positivada (tão mais, um capitalismo sem controle social).

O critério, querido Presidente, também não pode ser apenas a formalidade barata constante do Art. 101 da CF-1988 na reza do “notório saber jurídico e reputação ilibada”. Isso, denuncio em brado som, é mesquinhamente muito pouco para um juiz da Corte Máxima do Brasil. Há que carregar nas veias e na cognição o Direito Alternativo. Somar alguns elementos que superam a mera coragem de conveniência e oportunidade de Alexandre de Moraes (necessárias para um momento pontual da história, mas insuficientes para o todo desta digna oportunidade) a uma rigorosa consciência de classe e consciência decolonial. Ou seja: os julgados não são apenas os casuísticos dos últimos anos que enfrentam o Direito naquele Supremo Tribunal, sob a emergência de defesa das instituições democráticas, entretanto, a rotina das espoliações sempre intentadas e derrotadas pelos mesmos juízes que fingem entender a dor e angústia – e a espera eterna – dos pobres, que não enxergam um sistema de justiça – realmente.
Como disse acima, Lula de Dona Lindu: não basta saber Direito, todavia, saber que o Direito somente faz sentido se o é para a emancipação efetiva dos sujeitos e dos sujeitos vulnerabilizados. Ou o novo ministro do STF é capaz de vestir pela primeira vez na história a toga do Direito Alternativo, ou tudo mais será mero jogo de cena de uma hermenêutica opaca e historicamente repetitiva.

Não basta levar ao trono máximo da Justiça o Zanin ou buscar nos rincões do sistema de justiça um Toffoli 2.0 (melhorado). Há que se ter coragem de indicar alguém que inaugure naquela Corte Suprema um princípio decolonial, isto é, o somatório de um princípio ético-civilizatório com um princípio emancipatório-intergeracional, portanto, avesso às explorações e autoritarismos históricos e sua potente produção e sedução cognitiva. Alguém que não se inebrie com as benesses do poder, ou que se envaideça em tal dimensão a esquecer suas origens: de povo brasileiro que foi colonizado, mas que reivindica liberdade – que todos temos Direito ou deveríamos ter...

Notas de Rodapé

[1] Se Zanin tiver experiência com o Direito Alternativo; tiver passado pelo “estágio” da rua, sentido por muitas vezes a experiência de lutar por direitos antes mesmo (ou após) se formar em Direito, sim, ele é o camarada certo para o STF. Se não, será apenas mais um técnico do Direito como barco à vela no alto mar do Controle de Constitucionalidade. 

[2] “Antes de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro Edson Fachin se posicionou contra restringir a competência da Lava Jato e retirar de Curitiba investigações sem relação com a Petrobras em ao menos dez julgamentos (...) O tema chegou à corte, em 2015”. (Trecho de reportagem da Folha de S. Paulo. Ver em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/03/antes-de-beneficiar-lula-fachin-rejeitou-ao-menos-10-vezes-retirar-processos-da-lava-jato-de-curitiba.shtml)

[3] Leia mais em: https://www.conjur.com.br/2018-set-10/comite-onu-reafirma-decisao-lula-participar-eleicoes.

[4] Por que Cármen Lúcia resistiu tanto em liberar o Plenário para votação da prisão em segunda instância?

Leia mais em: 

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2018/03/20/interna_politica,945247/ministros-do-stf-discutem-hoje-prisao-em-em-2-instancia.shtml.

[5] Entenda detalhes em: https://impactomais.com.br/politica/pt-ataca-toffoli-apos-decisao-que-manteve-lula-preso/.

[6] “Boiada passou na Petrobrás: STF autoriza governo a vender refinarias sem aval do Congresso - Por 6 votos a 4, o Plenário do Supremo Tribunal Federal negou ação movida pelo Congresso e autorizou a Petrobrás a continuar seu plano de desinvestimento com a venda de oito refinarias, que representam cerca de 50% da capacidade de refino do país, e outras subsidiárias”. (Trecho da reportagem do Brasil 247. Ver mais em: https://www.brasil247.com/brasil/boiada-passou-na-petrobras-stf-autoriza-governo-a-vender-refinarias-sem-aval-do-congresso)

Há um pano de fundo nesta decisão da Corte: atender ao mercado privatista, seja ele com o braço de poderosas multinacionais (isto é, comprometendo a soberania e o conteúdo nacional), sejam os grandes acionistas brasileiros (permitindo maior concentração de renda e riqueza nas mãos de pouquíssimos, enquanto a maior parte do povo brasileiro sofre – inclusive com a fome e o desemprego – por conta das altas dos combustíveis e do desmantelamento continuado da Petrobras).

A destruição da maior empresa do povo brasileiro tem a impressão digital do Supremo Tribunal Federal.

[7] Sim, o Controle de Constitucionalidade também é realizado no “silêncio” da Corte. Poderíamos supor uma constitucionalidade tácita o não-julgamento de certas peças de repercussão geral na Casa. Quando “descobrirem” que, ao exemplo, a Emenda Constitucional nº 95 é inconstitucional, já teremos milhões de brasileiros mortos por falta de atendimento em saúde, ou por serem massacrados pela “uberização” do trabalho (fruto também do congelamento orçamentário por 20 anos dos recursos do SUS, da Seguridade, do FUNDEB, além de outros).

Obs: é duro saber que há, desde 2016, inúmeras ações questionando a validade da EC-95, e que suas excelências jamais se despuseram em levar à sério essa grave questão. Ver: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=349227&ori=1.

[8] Na verdade, do ponto de vista jurídico, não fosse a mobilização de centenas de juristas e construção de teses e doutrinas do Prerrogativas, o Lula poderia estar preso até hoje.

Advinha quem seria o Presidente da República (re)eleito em 2022?

[9] Sabe qual é a diferença fundamental do humanismo emancipatório para o humanismo liberal? O primeiro é ação concreta de sujeitos que foram formados “na rua”, viajaram o País (não para praias paradisíacas, ou a visitar museus de mostras ostentadoras das elites coloniais) e sentiram na favela, ou nas ausências das políticas públicas do interior do Brasil, ou ainda nas aldeias e quilombos, as agruras por que passa o povo real da vida real. O segundo grupo soube da caridade através da Bíblia (especialmente, Provérbios, 19:17 que afirma um jogo de recompensas), ou por bailes beneficentes dos jogos de cena sociais. 

A formação do jurista-humanista faz toda diferença em sua defesa ideológica e concreta da Constituição Federal. O currículo universitário na formação do Direito é mero protocolo quando comparamos a sua experiência com a dor alheia realmente transportada para o pesos dos princípios e encontrada a única resposta correta para a validade das normas (aos moldes de Ronald Dworkin).





sexta-feira, 10 de março de 2023

Padilha: 'O tempo em que um presidente da República dizia que fuzilaria a oposição acabou'

 Exclusivo: ministro de Relações Institucionais fala sobre a relação com o Congresso e dos 60 primeiros dias do governo

"Tenho escutado dos parlamentares que eles passaram quatro anos sem pisar no Palácio do Planalto, sem articulação com o governo" - Ricardo Stuckert / Instituto Lula

FONTE: Brasil de Fato

Apagando incêndios desde o dia 8 de janeiro deste ano, quando o país sofreu uma tentativa de golpe de Estado, o ministro de Relações Institucionais Alexandre Padilha recebeu o Brasil de Fato em seu gabinete, ainda improvisado na sede da Caixa Econômica Federal, em São Paulo. O encontro aconteceu entre duas reuniões com futuros membros do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A volta do colegiado é uma das apostas de Padilha para trazer soluções para o país, afundado em uma crise política e econômica, após quatro anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A outra aposta é no diálogo. Conhecido como conciliador e bom de papo, o ministro pretende costurar as relações com a oposição para emplacar o projeto de Lula para o país.

"A nossa postura é de respeito com os partidos de oposição. O tempo em que um presidente dizia que ia fuzilar a oposição acabou. Eu acredito sinceramente que em alguns temas teremos votos de parlamentares de partidos de oposição", afirmou Padilha, que deixou evidente que não pretende estender a boa relação aos bolsonaristas e elencou as prioridades do primeiro semestre do governo.

"Eu sinto um clima de isolamento do chamado bolsonarismo raiz no Congresso, especialmente aqueles que apoiaram os atos de 8 de janeiro. Sobre o número da votação no painel, eu acredito que vai depender dos temas. Dentro daquilo que é central para o governo, que é a Reforma Tributária e o novo Marco Fiscal, temos uma grande possibilidade de aprovação com uma boa margem para o governo", celebrou o ministro.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Ministro, qual o balanço que o senhor faz desses 60 primeiros dias do governo? O que merece seu destaque?

Alexandre Padilha: Este governo já fica para a história por causa do golpe de Estado que estancamos nesse país no dia 8 de janeiro. Participei ativamente disso porque estava em Brasília no início das primeiras manifestações e ataques terroristas. Fui ao gabinete do ministro Flávio Dino, da Justiça, de onde conduzimos toda a ação em contato com o presidente Lula, o Advogado-Geral da União, com o Congresso Nacional, a Suprema Corte do país e governadores para uma ação conjunta.

Estancamos um golpe que estava orquestrado e o fato de termos feito isso foi muito importante para a política e as relações institucionais. Isso foi superado com uma reunião com 27 governadores de todos os partidos e entidades dos municípios que ocorreu no dia seguinte e uma série de ações em diversas esferas do poder e, mais importante, fizemos isso sem deixar nenhuma vítima fatal. Esse governo já ficará na história do nosso país. Este governo já está escrito na história do país.

Um dia em que terroristas invadiram a Suprema Corte do país, o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e eu posso dizer, porque estava lá na operação no momento em que invadiram os três prédios: havia centenas de ônibus a caminho de Brasília e pelas informações que obtivemos nas redes sociais, as pessoas estavam se referindo à invasão como a "festa da Selma". Eles planejaram sair à noite de Campinas, Ribeirão Preto e outras cidades de Minas Gerais para ir a Brasília. Se não tivéssemos feito uma intervenção federal cirúrgica naquele momento, talvez não pudéssemos estar aqui hoje. O presidente Lula, com sua liderança política e credibilidade internacional, tomou as ações necessárias de segurança pública para proteger o país.

Neste período, também, o Brasil se reposicionou no mundo e eu diria que voltou a disputar a Copa do Mundo da política internacional. Logo no primeiro dia de trabalho, em 2 de janeiro, o presidente Lula recebeu mais líderes internacionais do que Bolsonaro recebeu em seus quatro anos de governo. Desde então, o Brasil tem tido um papel muito importante na cúpula de líderes da América Latina e na visita aos Estados Unidos. Houve, também, uma visita do chanceler da Alemanha, principal economia europeia, e agora está indo para a China, no final de março. Em abril, no marco da revolução dos Cravos, haverá um importante evento que envolve a comunidade de língua portuguesa, o que demonstra que o Brasil se reposicionou e está disputando a liderança na política internacional.

Além disso, é importante destacar que a maioria da população voltou a ter voz no orçamento. Já durante a transição, fizemos uma mudança na Constituição para garantir recursos para programas como Minha Casa Minha Vida e Farmácia Popular, além de retomar os recursos para a saúde. Em apenas 60 dias de governo, já conseguimos relançar o Minha Casa Minha Vida e o presidente Lula já inaugurou novos projetos habitacionais. Além disso, estamos investindo mais de 20 bilhões em estradas este ano, que é mais do que Bolsonaro investiu em quatro anos no setor. Também retomamos a campanha de vacinação no país.

Outras conquistas incluem o aumento das bolsas de pesquisa da Capes para estudantes, algo que não acontecia desde 2015, o aumento do salário-mínimo e a decisão de aumentar o patamar de isenção no imposto de renda para quem ganha até R$ 2.640, o que não acontecia desde 2015.

E agora estamos em março. Na minha opinião, este é um mês em que as mulheres estão no centro da política com uma série de ações para proteção, inclusão, do combate à fome e redução das desigualdades de gênero. O governo parece que adotou o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, que é o combate à fome. Em março, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) foi recriado e um novo programa Bolsa Família foi lançado. Além disso, o programa de aquisição de alimentos será retomado e os recursos destinados à alimentação escolar serão aumentados. É possível dizer que, nestes 60 dias, superamos um golpe que estava orquestrado nesse país, voltamos a fazer parte da política internacional e trouxemos o povo para o centro da política novamente.

Percebo que a sociedade e parte da opinião pública está mais sensível ao momento atual do país e faz eco com o que o governo tem dito sobre pacificação das relações e busca por pontos comuns para o próximo ciclo. Você acredita que o novo Congresso também terá esse mesmo empenho e espírito?

Eu tenho certeza que sim, porque o Congresso sentiu a necessidade de se empenhar. O que aconteceu quando o Congresso Nacional e a Suprema Corte quando você passa pano para atitudes terroristas e antidemocráticas? Tenho absoluta certeza disso e acredito que aqueles que não defendem essa postura estão isolados no Congresso. Eles podem fazer discursos mais estridentes, ocupar a tribuna e tentar criar polêmica nas redes sociais, mas na hora do voto (no plenário) e da postura política, acredito que o Congresso entendeu a necessidade de retomar o ambiente político do país, esse clima está estabelecido.

Eu brinco que o Ministério das Relações Institucionais parece um pronto-socorro, tem uma fila enorme na frente. Lá, trabalhamos até 23h, 0h, 1h da manhã. Tenho escutado dos parlamentares que eles passaram quatro anos sem pisar no Palácio do Planalto, sem articulação com o governo. Eles falam que durante quatro anos nenhum governador teve uma reunião como a que tivemos no Palácio do Planalto com o governo federal. Eu mesmo tenho feito encontros com prefeitos em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais para discutir projetos como o Minha Casa, Minha Vida e a retomada de obras de moradia popular. Todos estão falando que o diálogo voltou, o que não acontecia antes. Acredito que no Congresso há condições para isolar qualquer atitude antidemocrática ou apoio ao bolsonarismo e criar um ambiente mais positivo para o país.

Até por força das alianças que foram feitas para que fosse possível a eleição do presidente Lula, o governo é muito amplo e tem diversas forças políticas ali. Nós vimos nesta semana um incidente de desencontro de intenções dentro do governo. O ministro de Minas e Energia tem sido acusado de estelionato eleitoral nesta história com a Petrobras na nomeação dos conselhos da empresa. O que você acha que vai acontecer? Pode de alguma forma atingir o governo? E a Petrobras, o que você acha que vai acontecer?

Primeiro, eu acho que precisa ficar muito claro isso. Os nomes dos conselheiros encaminhados pelo ministro de Minas e Energia da Petrobras foram definidos em comum acordo entre o ministro de Minas e Energia, o ministro da Casa Civil, que coordena o governo, e o presidente da Petrobras. Qualquer pessoa que está falando algo diferente está mentindo. Foi uma definição conjunta dos três, uma escolha de quem pode contribuir de forma equilibrada para os papéis que a Petrobras tem no Conselho. Acredito que a composição seja equilibrada, com conselheiros e conselheiras que podem ter visões diferentes e isso, às vezes, pode ser positivo, mas o que é concreto é que a decisão foi conjunta entre os ministros e o presidente da Petrobras.

Além disso, há uma posição firme do governo, sob liderança do presidente Lula, de cumprir aquilo que foi dito na campanha eleitoral. O presidente Lula quer pintar de verde e amarelo a política de preços da Petrobras, e isso foi dito na campanha. É inadmissível que a Petrobras, um país produtor de petróleo, estabelecer seu preço para o cidadão a partir apenas de parâmetros internacionais. Um país que produz petróleo tem margem para construir um preço que tem a ver com a economia do país e não precisa ficar atrelado ao que é praticado no mundo. O presidente Lula vai fazer isso. Eu tenho confiança de que o novo presidente da Petrobras vai apresentar uma proposta de definição de preço. Tenho certeza de que o ministro de Minas e Energia, que encaminhou os membros do conselho da Petrobras, e todos os conselheiros que representam o governo vão defender a posição do governo, porque eles estão lá representando uma construção feita pelo ministro da Casa Civil, o ministro de Minas e energia e o presidente da Petrobras.

Algum mal estar por ter um nome ligado ao Paulo Guedes?

Assessor de quem? Começam a fazer definições sobre a história das pessoas que não existem. Nenhuma. São conselheiros do governo e como conselheiros do governo irão cumprir a política defendida pelo governo. Essa política é definida pelo governo, que é coordenado pela Casa Civil, pelo Ministério da Fazenda, pelos outros ministérios envolvidos e pelo presidente da República. A Petrobras é a segunda empresa no mundo que mais distribui bônus e dividendos para seus acionistas. É algo escandaloso. Sobretudo quando a gente vê o preço (da gasolina) que é praticado para os cidadãos. Mas mais do que isso, a Petrobras dividiu em bônus para seus acionistas um valor quatro vezes maior do que foi investido no país, isso é inadmissível. A Petrobras, uma empresa pública brasileira e de capital aberto, tem que dar lucro e é importante que ela se fortaleça.

Ministro, o governo teve um começo atribulado, com fatores externos que influenciaram a política nacional, mas com o Congresso em recesso ainda. Agora, com a retomada dos trabalhos na Câmara e no Senado, como anda a relação com o governo? O senhor já tem um termômetro da relação com os parlamentares? É possível dimensionar quem vota com o governo e quem é oposição?

Primeiro, já estamos chegando ao final do primeiro mês do Congresso. Pode parecer para as pessoas que não aconteceu muita coisa, mas muita coisa já aconteceu ali. De fato, começamos bem, porque, infelizmente, já tivemos governos derrotados na eleição para a presidência da Câmara e do Senado. Mas conseguimos iniciar o ano do Congresso consolidando uma importante vitória nas duas casas, sobretudo no Senado, que teve um embate real com o bolsonarismo. E, inclusive, desmistificou um pouco essa imagem das redes sociais, porque, pelas redes sociais, o bolsonarismo já havia vencido. Então, foi uma vitória importante ali, uma vitória da política, da articulação política do governo. Além disso, já tivemos a aprovação de algumas medidas provisórias importantes, na linha do que o governo defendia. E agora, com a recomposição das comissões, começamos de fato o jogo. Já teve muita coisa nessa pré-temporada deste primeiro mês.

Eu acho que teremos a melhor relação possível, porque o presidente Lula é alguém que respeita o Congresso Nacional. Pode haver divergências pontuais sobre alguns temas, mas há uma relação de respeito. Isso faz toda a diferença.

Segundo, a nossa postura é de respeito com os partidos de oposição. O tempo em que um presidente dizia que ia fuzilar a oposição acabou. Eu acredito sinceramente que em alguns temas teremos votos de parlamentares de partidos de oposição. Por exemplo, quais são os dois principais temas econômicos que são as prioridades do governo neste primeiro semestre no Congresso Nacional? Um deles é a reforma tributária. Queremos reduzir impostos para os mais pobres, simplificar o imposto do empresário que quer gerar emprego e aumentar sua produção e aumentar os impostos dos multimilionários. Eu acho que essas são diretrizes que podemos discutir com parlamentares da oposição. A Reforma Tributária é a proposta que precisa do maior quórum de votação, ela precisa de Emenda Constitucional. Mas acredito que podemos construir um diálogo sobre esse tema com esses segmentos. O outro tema prioritário da economia é o chamado Marco Fiscal, que estabelece uma regra em lei que ultrapassa governos, para estabelecer parâmetros claros do tamanho do endividamento que o governo pode ter, evitando a irresponsabilidade fiscal. Essa proposta está sendo construída sob liderança do ministro da Fazenda (Fernando) Haddad.

Terceiro, eu sinto um clima de isolamento do chamado bolsonarismo raiz no Congresso, especialmente aqueles que apoiaram os atos de 8 de janeiro. Sobre o número da votação no painel, eu acredito que vai depender dos temas. Dentro daquilo que é central para o governo, que é a Reforma Tributária e o novo Marco Fiscal, temos uma grande possibilidade de aprovação com uma boa margem para o governo.

Padilha, você é um dos quadros importantes do PT de São Paulo, mas há um incômodo com a falta de renovação na última eleição. Dos 11 deputados federais eleitos, 10 são homens brancos. Na próxima eleição à Prefeitura da capital, o candidato será Guilherme Boulos, do PSOL. Como o partido pretende crescer no estado? Há uma preocupação com essa questão?

Primeiro, temos que lembrar que São Paulo não é apenas a capital. O PT vai crescer no estado de São Paulo e ampliar sua renovação, pode anotar. O PT elegeu, por exemplo, uma jovem negra de menos de 25 anos, Thainara Faria, como deputada estadual, que tem um papel muito importante em sua cidade, Araraquara. Na cidade de Ribeirão Preto, que é extremamente conservadora, o PT teve a vereadora mais jovem da história da cidade, que teve a maior votação para deputado estadual, a Duda Hidalgo. Acabou de tomar posse aqui na capital, uma nova vereadora, Luna Zarattini. Então, se pegarmos o estado de São Paulo, o PT é o partido que mais elegeu vereadores e vereadoras LGBT, jovens negros e negras, o que mostra um crescimento muito importante. Estou convencido de que vamos crescer ainda mais nas próximas eleições, renovando e ampliando a participação de novos quadros do partido, além de dar novas oportunidades para pessoas que tiveram experiências positivas no âmbito municipal e que agora podem ter oportunidades também no estado como um todo.

Em relação à capital de São Paulo, quero reafirmar que existe um compromisso do PT e do presidente Lula de que o nosso candidato será o Guilherme Boulos. A candidatura dele representa uma renovação para a esquerda. O PT não precisa estar sozinho na esquerda nem ser hegemônico na esquerda. O PT é o maior partido da América Latina e o principal partido de esquerda na história do nosso país, com a maior liderança popular do Brasil e quadros muito importantes, que continuarão na política por muitos anos. Porém, a renovação deve ser algo central para o PT o tempo todo, pois se queremos transformar o país, precisamos estar dispostos a nos renovar e dar espaço para novas lideranças e jovens.

Edição: Thalita Pires


quinta-feira, 9 de março de 2023

DIAMANTES E CORRUPÇÃO | Bolsonaro é aconselhado a ficar mais tempo nos EUA

 FONTE: DCM


Ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Foto: Reprodução

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está sendo aconselhado por aliados a permanecer por mais tempo nos Estados Unidos. Na última terça-feira (7), o senador Flávio Bolsonaro (PL) afirmou que o ex-chefe do Executivo retornaria ao Brasil na próxima quarta-feira (15), mas recuou pouco tempo depois.

Pressionado a se explicar sobre o escândalo das joias sauditas apreendidas pela Receita Federal, bolsonaristas acreditam que Bolsonaro precisa aguardar a poeira abaixar antes de voltar ao país.

O senador Ciro Nogueira (PP-PI) disse que o retorno do ex-mandatário deverá ficar para o final de abril, “em um momento mais tranquilo”.



Bolsonaro pediu pelo telefone a chefe da Receita liberação de joias para Michelle

 FONTE: DCM

Ex-presidente Jair Bolsonaro e Julio Cesar Vieira Gomes, ex-chefe da Receita Federal. (Foto: Reprodução)

O então chefe da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes, recebeu do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) o pedido da liberação das joias presenteadas pela Arábia Saudita e apreendidas pela alfândega no aeroporto de Guarulhos, São Paulo. O pedido teria sido realizado por Bolsonaro por telefone em dezembro do ano passado. As informações foram divulgadas pela Folha de S.Paulo.

A revelação da informação contradiz a versão apresentada pelo ex-capitão durante evento no final de semana nos Estados Unidos, quando tentou se desvincular do caso, dizendo não ter ficado sabendo dos presentes barrados na alfândega e negando tentativa de trazê-los de forma ilegal.

Há divergências apenas no que se diz respeito de quem partiu a iniciativa da ligação. Alguns relatos contam que assim que Julio Cesar tomou conhecimento da apreensão dos itens, entrou em contato com Bolsonaro. Nesta versão, Bolsonaro não teria conhecimento da existência das joias até a ligação do secretário da Receita. Outros relatos apontam que a ligação teria partido do próprio ex-presidente.

A partir do momento em que Bolsonaro teria tomado conhecimento dos itens, teria entrado em contato com seu ex-ajudante de ordens e homem de confiança, o coronel Mauro Cid,  para acertar com Julio Cesar os trâmites burocráticos para o desembaraço do material.

Procurados, Mauro Cid e Julio Cesar não quiseram se manifestar.

Os itens foram apreendidos pela Receita Federal em outubro de 2021, quando um então assessor do Ministério das Minas e Energia tentou passar pela alfândega do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, sem declarar as peças. O conjunto da marca suíça Chopard com colar, brincos, relógio e anel é avaliado em R$ 16,5 milhões.

Bolsonaro se manifestou sobre o assunto no último sábado (4), após evento nos Estados Unidos, e disse que não pediu nem recebeu qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita.

Nesta quarta-feira (8), o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) encaminhou representação à corte com pedido de apuração do caso das joias. O caso segue sendo investigado.



quarta-feira, 8 de março de 2023

DIAMANTES | Governo Bolsonaro excluiu joias em lista de "presentes" da ditadura Saudita

No mesmo dia em que assessor do ministro Bento Albuquerque tentou entrar com conjunto de joias, governo Bolsonaro inclui no acervo presidencial um manto, um lenço, um broche e uma escultura dados pelos árabes.

FONTE: Site Revista Fórum

FOTO: Presidência da República/Reprodução


No mesmo dia em que uma comitiva do Ministério de Minas e Energia tentou entrar no Brasil com um conjunto de joias no valor de R$ 16,5 milhões, o governo Jair Bolsonaro (PL) apresentou uma lista com quatro presentes do Reino da Arábia Saudita para serem incorporados ao acervo presidencial.

Segundo reportagem do jornal O Globo, no dia 26 de outubro de 2021, o governo incorporou à lista do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, vinculado diretamente ao Gabinete Pessoal do Presidente da República um manto, um lenço, um broche e uma escultura dados pela Arábia Saudita.

No entanto, o conjunto com colar, anel, relógio e um par brincos de diamantes, trazidos na mochila de um assessor do ministro Bento Albuquerque, não foi incluído no rol do acervo presidencial e acabou apreendido pela Receita Federal no aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo.

Lista de presentes

Segundo a Folha de S.Paulo, a Arábia Saudita deu presentes ao ex-presidente quatro vezes durante seu mandato, incluindo os estojos de joias que foram entregues ao ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, em outubro de 2021.

A primeira vez que o antigo ocupante do Palácio do Planalto foi agraciado pelo reino, em 11 de novembro de 2019, um estojo semelhante ao que é pivô do escândalo das joias, contendo relógio, abotoaduras, caneta, anel e uma espécie de rosário árabe, foi dado a ele e os itens foram catalogados na Presidência da República como de “acervo privado”.

Outra reportagem, do Estadão, revela que um segundo estojo com itens de luxo da marca suíça Chopard (relógio, abotoaduras, caneta, anel e uma espécie de rosário árabe) foi entregue pessoalmente ao ex-mandatário nacional, no Palácio do Alvorada.



terça-feira, 7 de março de 2023

A Síndrome de Estocolmo espreita o governo

 FONTE: Outras Palavras

Crescem os sinais de que o Planalto acomoda-se a pressões neoliberais e fisiológicas – que o aprisionam e chantateiam. Tendência precisa ser revertida rápido, ou apequenará Lula III e o deixará sem defesas diante de crise à vista


Foto: Ricardo Stuckert

O neoliberalismo é um tempo de crimes silenciosos. O Conselho de Administração da Petrobrás decidiu na quarta-feira (1º/3) que nada sobrará, para a empresa ou a reconstrução nacional, do gigantesco lucro obtido em 2022, graças à exploração do petróleo brasileiro. Foram R$ 188,3 bilhõesduas vezes mais que o alcançado no mesmo ano por Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil, somados. Mas a fortuna será, mais uma vez, desviada.

Assim como faziam sob Bolsonaro, os conselheiros – nomeados em sua maioria pelo ex-presidente – decidiram distribuir, aos rentistas que possuem ações da empresa (em sua maioria privados e estrangeiros), os ganhos relativos ao quarto trimestre. Serão R$ 37,8 bilhões. O engenheiro Ildo Sauer nota: o dinheiro seria suficiente para construir uma refinaria capaz de processar 1 milhão de barris de petróleo por dia, gerar milhares de empregos e tornar o Brasil, de novo, autossuficiente na produção de combustíveis.

Ao longo dos últimos doze meses, os acionistas-rentistas terão recebido R$ 215,8 bilhões. A soma permitiria multiplicar por vinte o orçamento do Minha Casa Minha em 2023; e por 21 o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia. Também equivale a 22 vezes todo investimento da própria Petrobrás ao longo do ano passado. Hoje, o Estado brasileiro oferece a cada três dias, aos especuladores que sugam a Petrobrás, tudo o que o ministro Sílvio Almeida poderá gastar em quatro anos para defender os Direitos Humanos e a Cidadania dos brasileiros.

II.

Detentor da maioria das ações com direito a voto na Petrobrás, o Estado brasileiro poderia reagir à rapina de três maneiras, sempre nos limites da lei. A primeira seria estabelecer sua vontade, legitimada pelas urnas. Bastaria, por exemplo, substituir os membros da diretoria e do Conselho de Administração que representam a União, e foram nomeados por Bolsonaro. É um ato natural e corriqueiro em qualquer empresa privada ou estatal do mundo, lembra o advogado Gilberto Bercovici, titular da cátedra de Direito Econômico da Faculdade de Direito da USP – e não está limitado pela “lei das estatais”.

Se não desejasse chegar a tanto, o governo poderia lançar mão de uma iniciativa política ao mesmo tempo criativa e constrangedora. Um conjunto de personalidades – parlamentares, sindicalistas, intelectuais, artistas, influenciadores – iria a Brasília para pedir ao Tribunal de Contas da União, em caráter liminar, que suste o desperdício do dinheiro de uma empresa pública. Foi o que fez, em janeiro – de forma solitária, mas com repercussão notável – o geólogo Guilherme Estrella, ex-diretor de Exploração da Petrobrás e reconhecido como o descobridor do Pré-Sal. Uma ação coletiva repercutiria junto à opinião pública e certamente colocaria em pauta um tema hoje oculto pela mídia.

Por fim, em caso de moderação ainda maior, o governo poderia resignar-se e assumir o prejuízo – cuidando, porém, de nomear para o próximo período (que começa em abril, na assembleia geral da empresa) um Conselho de Administração em sintonia com os novos tempos. Não é isso o que se desenha. Embora defensora de Lula, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) aponta que o Executivo está indicando, para compor o conselho, pessoas interessadas na privatização da Petrobrás – entre elas, bolsonaristas notórios. Ao que parece, o governo delegou a designação ao ministro das Minas e Energia, o ex-senador Guilherme Silveira, um dos “donos” do PSD.

Permitir que a Petrobrás continue influenciada por políticas privatistas é chicote para a empresa e veneno para o governo. Um quarto do mandato de Lula transcorrerá sob o Orçamento de devastação nacional aprovado por Bolsonaro. Também por isso, a vida da maioria dos brasileiros não melhorou e a esperança começou a regredir. As estatais e os bancos públicos podem ser um grande respiro – desde que orientados para novas políticas. Mas o que acontece se, na ausência de um programa de reconstrução nacional efetivo, eles são entregues aos partidos fisiológicos como moeda de troca para obter maiorias parlamentares fugazes?

III.

As respostas já estão aparecendo. O neoliberalismo e o fisiologismo são como uma quadrilha que age de forma combinada para manter o governo em cativeiro e exigir sempre mais. Na terça-feira (28/2), o ministro Fernando Haddad atendeu às pressões do mercado por um “ajuste fiscal” e restabeleceu parcialmente os impostos federais sobre combustíveis. Pensou que satisfaria os abutres. Não foi preciso esperar 24 horas para que a banda do Centrão que apoia o Planalto anunciasse que só aprovará a medida – considerada “impopular” – se obtiver “compensação”. Em outra frente, a maior parte dos deputados do partido União Brasil, que amealhou três ministérios no governo, aderiu ao pedido de convocação de uma CPI-fake, cujo objetivo é embaralhar as investigações sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro. Diante das pressões, o governo recua amedrontado. Na quinta-feira (2/3), já se falava em adiar ao máximo a votação da medida provisória que reonera os derivados de petróleo.

Em poucas semanas de governo, a estratégia dos conservadores para contenção do governo Lula já está clara. A mídia liberal dispara contra as ousadias. A parte interessante do pacote de Fernando Haddad sobre combustíveis – um imposto de exportação sobre o petróleo cru, que estimula a construção de refinarias no país – foi qualificada como medida abilolada” pela mídia. Em seguida, o Centrão recolhe os despojos. Troca o apoio às medidas do governo por concessões fisiológicas de cargos e verbas. Ao fazê-lo, fornece combustível para novas críticas da mídia e obriga o governo, enfraquecido, a pagar ainda mais pelos votos no Congresso. O jogo se repete ao infinito. Quanto mais gira a roda do pragmatismo, mais se esvaem as esperanças da população na democracia e se cria caldo de cultura para o fascismo.

IV.

Como reagir? Estabeleceu-se na prática, entre a esquerda, a noção de que, quando se está no governo, é preciso agir nos limites do jogo institucional. Questionar as instituições liberais seria desatino político. Favoreceria a ultradireita, em especial após a emergência de Bolsonaro.

Mas a disjuntiva entre curvar-se às instituições e atentar contra elas é falsa. Há uma alternativa a estas duas posturas. Implica, nas condições atuais, respeitar as regras da democracia liberal; exercendo, porém, pressão social permanente sobre o poder de Estado. Não é algo novo. Os movimentos sociais, que então renasciam, adotaram esta postura durante todo o período de ascenso das lutas populares que se estendeu entre o fim dos anos 1970 e 1988. Alcançaram, com isso, o fim da ditadura pós-1964 e a Constituição mais avançada da história do país. A pressão sobre as instituições voltou a ser exercida na resistência aos governos neoliberais, entre 1990 e 2002. Mas esmaeceu entre 2002 e 2016, sob Lula e Dilma, quando boa parte das antigas lideranças sociais instalou-se em postos no Parlamento e no Executivo.

Foi certamente por identificar este problema que o próprio Lula fez, antes e depois assumir novamente a presidência, discursos em que incentivava as críticas e a pressão sobre o governo. A inércia institucional é, porém, uma força persistente e pervasiva. Agora, será preciso um novo esforço para rompê-la.

V.

Crescem os sinais de que a relativa calmaria que caracteriza os inícios de governo está no fim. As más notícias vêm da economia. A insistência do Banco Central em manter taxas de juros elevadíssimas está produzindo efeitos desastrosos. Os investimentos do setor privado estão na lona. Ninguém se dá ao trabalho e aos riscos de produzir quando pode, em vez disso, multiplicar seu capital às custas do Tesouro – e a um ritmo de 8,5% ao ano acima da inflação (maior que o crescimento do PIB chinês…). Para piorar, a quebra das Americanas espalhou pânico nos circuitos de crédito e tornou ainda mais penosa a rolagem das dívidas das empresas. Se não houver reviravolta, explica o economista Paulo Nogueira Baptista Jr., a expectativa é de que, na melhor das hipóteses, o ano termine com crescimento zero. Uma recessão não está descartada e teria consequências políticas nefastas.

O Estado tem meios para agir – desde que supere a tendência a se acomodar aos limites institucionais e às chantagens do fisiologismo. Economistas como André Lara Resende e grandes conhecedores do Orçamento e das contas públicas, como a procuradora Élida Graziane, têm sugerido ao governo repensar as duas prioridades que está estabelecendo em sua pauta no Congresso. A “reforma” tributária em tramitação não avançará rumo à justiça fiscal, nem ampliará as receitas públicas. Por afetar interesses menores, é de difícil aprovação, tendendo a consumir capital político do Executivo. E o “novo arcabouço fiscal” em que trabalha o ministro Fernando Haddad é, por definição, uma lei que limita os gastos e a ação econômica do Estado – quando o necessário agora é expandi-los fortemente.

As crises têm, às vezes, o poder de despertar. Em 2008, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, respondeu ao derretimento dos mercados financeiros globais com um conjunto de estímulos à economia que se mostrou altamente eficaz. Ele deveria inspirar atitude semelhante agora, inclusive com correção dos erros da época. O crédito e os recursos do Estado poderiam ser direcionados não a financiar empresas privadas – mas a um grande programa de realização de objetivos nacionais. Por exemplo: universalizar o acesso à água e saneamento, despoluir os rios urbanos e áreas costeiras, iniciar a transição energética, multiplicar o transporte público, garantir a excelência do SUS e reconstruir a escola pública. Cada uma destas ações é capaz de gerar centenas de milhares de ocupações dignas, de todos os níveis; e de abrir, por tabela, um vastíssimo leque de oportunidades para investimento privado produtivo.

Resgatar o Brasil da mediocridade a que se acostumou é tarefa muito árdua. Ninguém melhor que Lula – com sua imensa capacidade de politização didática e comunicação popular – para liderar esta virada. Ela exigirá mobilizar o que a sociedade tem de melhor. Mas requer um governo liberto da Síndrome de Estocolmo.




Extrema direita levanta, anda e se rearticula para 2024. Por Moisés Mendes

Ex-presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Reprodução)


Alguns nomes de expressão do bolsonarismo, que atuavam no entorno do governo, sem mandatos e sem crachá de político, recolheram armas desde o 8 de janeiro. Mas só para efeito de exposição pública.

Militantes e operadores de ponta da extrema direita, com dinheiro e poder na estrutura fascista, recuaram estrategicamente.

Uns poucos chegaram a erguer bandeira branca e pedir trégua sem constrangimentos. Houve até quem mandasse flores virtuais para Lula.

Mas a máquina mais agressiva do bolsonarismo, que deu shows na posse de Lula e no 8 de janeiro, pode não ter sido desmontada. Está apenas inativa para grandes espetáculos.

É um recuo natural em consequência da imprevisibilidade dos desdobramentos das ações de Alexandre de Moraes para conter manés que viraram patriotas e patriotas que viraram terroristas.

As esquerdas não precisam de um setor formalmente organizado de inteligência para saber que o fascismo age atrásdo palco e reagrupa tropas que se dispersaram um pouco em Brasília e nas grandes capitais.

E não precisa de arapongas para obter informações sobre o ativismo virtual e real do bolsonarismo na vida cotidiana das pequenas e médias cidades.

 

Não se trata de supor o óbvio, que a extrema direita continua organizada e hegemônica no Brasil profundo da bandidagem, do latifúndio predador e da grilagem.

Nem no Brasil do agro pop ou dos vinhos produzidos por trabalho escravo em redutos tomados pelos maus modos do capitalismo escravocrata.

Não busquem fascismo organizado onde ele não se desorganiza. Procurem em ambientes em que o ativismo dessa turma pode parecer difícil no momento.

Quem tem contato mínimo com o Brasil das paróquias sabe que o bolsonarismo continua ostensivo, com laços de convivência ativos e até revitalizados.

O que a agência MAP captou em fevereiro, em análise de perfis de direita e esquerda nas redes sociais, é a realidade observada com método.

A MAP mostra que as redes sociais são a prova da resiliência do bolsonarismo, apesar das adversidades. E, no caminho inverso, revela acomodação e desmobilização das esquerdas desde as eleições.

Os perfis considerados de direita tiveram em fevereiro 30,7% dos engajamentos (interações com os espaços) do total das redes e 87% deles se apresentaram como bolsonaristas. Bolsonaro ficou com 41,9% de aprovação.

Os perfis assumidamente de esquerda tiveram 13% de participação no total, e Lula teve aprovação em 54% dos comentários. Lula tem boa aprovação, mas com redução de engajamento das esquerdas nas redes.

É como se, passada a eleição e com o desmonte dos acampamentos e a prisão de terroristas, as esquerdas tivessem ido tirar uma sesta. Enquanto a direita atordoada se mantém acordada.

Esses dados podem se alterar com as sequelas das notícias sobre as joias das arábias de Michelle (que está bem nas redes sociais) e o que ainda deve aparecer?

Não parece ser esse o tipo de informação que abale o bolsonarismo. A pesquisa MAP indica mais do que resistência. É a reversão de humores, depois das invertidas de janeiro.

A quem pergunta por mais indícios do reagrupamento da direita, o melhor conselho é o da política do século 20: vá a campo conferir ou converse mais com o Brasil real.

A direita pode estar com maior ânimo para daqui a pouco fazer movimentos mais fortes na montagem de um cenário que se avizinha, o da campanha eleitoral para as eleições municipais.

O Brasil interiorano já está com cabeça na eleição de 2024. A política vai retomar a fervura, quando teremos uma ideia do tamanho do bolsonarismo após o abalo da derrota do ano passado e do fracasso do golpe.

Qual é o nível de fidelidade bolsonarista dentro da direita em cidades que talvez não tenham tempo nem vontade de encontrar soluções fora do que existe desde 2018?

O interior bolsonarista levanta-se e anda e aguarda o desfecho da possível inelegibilidade de Bolsonaro para saber se ele e/ou Michelle continuarão vivos, considerando-se o que ainda pode aparecer nas caixas de joias das arábias.

A extrema direita vive e pode, mesmo que redimensionada e reformatada, ter forças para caminhar sem Bolsonaro.

FONTE: DCM, Blog do Moisés Mendes