terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

FUP apoia reoneração dos combustíveis, mas pressiona por nova política de preços

 

Durante a campanha, Lula prometeu rever o PPI e "abrasileirar" os preços dos combustíveis
FONTE: Rede Brasil Atual
FOTO: Ricardo Stuckert

São Paulo – A Federação Única dos Petroleiros (FUP) afirmou nesta segunda-feira (27) que apoia a decisão do governo federal de restabelecer a cobrança de impostos sobre os combustíveis. A categoria também se manifestou positivamente sobre as alíquotas diferenciadas sobre a gasolina e o etanol. Mas reafirmou que a “raiz do problema” não está na tributação, mas na “equivocada” política de preços que a Petrobras vem praticando, desde o golpe do impeachment.

Adotada desde outubro de 2016, a política de Preço de Paridade de Importação (PPI) calcula em dólar os custos de produção dos combustíveis no Brasil. Além de acompanhar a variação do petróleo no mercado internacional, a Petrobras repassa ao consumir custos com frete e taxas de importação que são inexistentes.

“É crucial a necessidade de reformulação do PPI, conforme promessa de campanha do
presidente Lula, e como tem defendido a FUP”, afirmou o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar.

Em nota, a entidade afirma que sempre foi contrária à política de desoneração que o governo Bolsonaro passou a adotar a partir do ano passado, com vistas à disputa eleitoral. Os petroleiros entendem que a redução dos preços dos combustíveis no país passa “necessariamente” pelo fim do PPI. Bacelar lembra que o grupo de trabalho de Minas e Energia do governo de transição – do qual participou – recomendou a manutenção da desoneração dos combustíveis, até que o PPI fosse revisto.

“Não faz sentido algum que o Brasil, autossuficiente na produção de petróleo, com dois
terços dos custos de extração em reais, e 85% dos combustíveis produzidos no país, adote
o PPI, que usa vetores para formação de preços que não condizem com a realidade
brasileira de baixíssimos custos de extração de óleo”, acrescentou.

Herança eleitoreira

Nesse sentido, a FUP faz coro com a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), que se posicionou contra a reoneração dos combustíveis, antes de estabelecer uma nova política de preços para a Petrobras. Ela indicou que isso deve ocorrer a partir de abril, quando serão efetivadas trocas no Conselho de Administração da estatal.

Bolsonaro adotou a desoneração sobre os combustíveis em maio do ano passado, com validade até 31 de dezembro. No início do ano, o novo governo decidiu prorrogar por mais dois meses, através de uma Medida Provisória, que vence nesta terça-feira (28).

Porém hoje o Ministério da Fazenda confirmou a volta dos impostos. Além disso, informou que a alíquota da gasolina subirá mais que a do etanol, como forma de desestimular o consumo de combustíveis fósseis, mais poluentes.

Desse modo, o formato do aumento das alíquotas está sendo discutido entre o secretário-executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, e a diretoria da Petrobras. A volta dos impostos vai garantir R$ 28,88 bilhões em arrecadação neste ano.

Enquanto o consumidor paga caro para encher o tanque, o PPI abastece os acionistas da Petrobras com lucros exorbitantes nos últimos anos. Além disso, a alta dos preços também garante a participação de empresas importadoras no mercado brasileiro de combustíveis.

Durante a campanha, Lula disse, em diversas ocasiões, que trabalharia para “abrasileirar” os preços dos combustíveis no Brasil. Por outro lado, o novo presidente da Petrobras garantiu recentemente que continuariam atrelados “de alguma forma” às variações do mercado internacional. Ainda assim, é possível reduzir os preços considerando em real os custos de produção e acabando com as taxas de frete e importação.

domingo, 26 de fevereiro de 2023

700 mil mortos, nenhum condenado: Brasil completa 3 anos do primeiro caso de covid sem punições

 

Apesar das diversas evidências apresentadas pela CPI, até o momento nenhum dos 81 indiciados foi condenado - Foto: Guilherme Santos/Sul21

FONTE: Brasil de Fato


Há exatos três anos, em 26 de fevereiro de 2020, o Brasil registrava seu primeiro caso confirmado de covid-19. O paciente era um empresário de 61 anos que havia estado na Itália entre 9 e 20 de fevereiro daquele ano. Ele viajou para a região de Lombardia, ao norte do país, e retornou ao Brasil no dia 21 de fevereiro. No dia 23, o empresário apresentou os primeiros sintomas de febre, tosse, dor de garganta e coriza. Ele foi monitorado pelas autoridades sanitárias até que o diagnóstico fosse confirmado.

Desde então, o país enfrentou uma crise sanitária sem precedentes, que já tirou a vida de quase 700 mil brasileiros. Além do sofrimento das famílias das vítimas, o Brasil também penou com as consequências econômicas e sociais da pandemia. Nesse contexto, foi criada a CPI da Covid no Senado Federal, com o objetivo de investigar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia. Entre os indiciados estão ministros, ex-ministros, autoridades sanitárias e empresários que tiveram papel importante nas decisões tomadas pelo governo federal no combate à pandemia.

No entanto, apesar das diversas evidências apresentadas pela CPI, até o momento nenhum dos 81 indiciados foi condenado pelas políticas negacionistas e antivacina do governo de Jair Bolsonaro e aliados. Alguns dos depoimentos na CPI revelaram que o governo federal se recusou a adquirir vacinas em tempo hábil, além de ter propagado informações falsas sobre tratamentos ineficazes e minimizado a gravidade da pandemia.

:: Pode ser diferente: MST aposta em soja sem transgênicos como alternativa ao agronegócio ::

Bolsonaro, por exemplo, foi indiciado pelos seguintes crimes: prevaricação, charlatanismo, epidemia com resultado morte, infração a medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de verba pública, incitação ao crime, falsificação de documentos particulares, crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo) e crimes contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos).

Entre os principais temas abordados pela comissão, estão a falta de planejamento e organização na compra e distribuição de vacinas. A CPI investigou a demora do governo federal em adquirir imunizantes, além de possíveis irregularidades em contratos e acordos firmados pelo Ministério da Saúde. A promoção de tratamentos ineficazes e sem comprovação científica: a comissão investigou a atuação do governo federal na promoção de medicamentos como a cloroquina e a ivermectina, que não têm eficácia comprovada contra a Covid-19, além de possíveis irregularidades na distribuição desses medicamentos pelo país.

Além desses temas, a CPI também investigou a conduta do governo federal em relação ao isolamento social, uso de máscaras, à falta de oxigênio em hospitais, demora na abertura de leitos e falta de transparência na divulgação de dados sobre a pandemia. Ao longo de seus trabalhos, a CPI ouviu diversas autoridades e especialistas, além de representantes do governo federal, e apresentou um relatório final com diversas recomendações e denúncias.

Escândalo da Covaxin também não teve punidos

O escândalo da Covaxin também foi uma das principais investigações realizadas pela CPI da Covid-19. O caso envolveu suspeitas de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin pelo governo federal. A denúncia veio à tona em junho de 2021, quando o servidor do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, afirmou em depoimento à CPI que teria sofrido pressão atípica para acelerar a importação da vacina.

A compra da Covaxin pelo governo federal foi realizada por meio de um contrato intermediado pela empresa brasileira Precisa Medicamentos, que teria apresentado valores superfaturados para a aquisição das doses. Além disso, a negociação com a Bharat Biotech, fabricante da vacina, teria sido marcada por suspeitas de irregularidades e de favorecimento a empresas ligadas a parlamentares.

O escândalo levou à demissão do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e à abertura de uma série de investigações por parte dos órgãos de controle. A CPI da Covid-19 realizou diversas oitivas com envolvidos no caso, e apresentou um relatório final com recomendações de investigação e punição aos responsáveis pelas possíveis irregularidades na compra da Covaxin. Mas até o momento, ninguém foi condenado.

Indiciados pela CPI não têm condenação

A CPI da Covid investigou diversas autoridades e empresas que tiveram envolvimento nas políticas adotadas pelo governo federal durante a pandemia. A lista inclui nomes como Pazuello e Marcelo Queiroga, ex-ministros da Saúde, Carlos Wizard, empresário investigado por suposta participação em um "gabinete paralelo" de aconselhamento do presidente Jair Bolsonaro, e a farmacêutica Pfizer, que teve negociações para a venda de vacinas interrompidas pelo governo federal. Os indiciados respondem por uma série de crimes, desde corrupção até crimes contra a saúde pública

Relembre alguns deles:

Eduardo Pazuello: ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Pazuello é investigado por negligência na condução da pandemia, incluindo atraso na compra de vacinas e na distribuição de oxigênio em Manaus.

Carlos Wizard: empresário e ex-conselheiro do Ministério da Saúde, Wizard é investigado por suposta participação em um suposto “gabinete paralelo” de aconselhamento ao presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia.

Nise Yamaguchi: médica e apoiadora de Bolsonaro, Yamaguchi é investigada por sua participação no aconselhamento ao presidente em relação ao uso de medicamentos sem comprovação científica no tratamento da Covid-19.

Mayra Pinheiro: secretária do Ministério da Saúde, conhecida como “Capitã Cloroquina”, é investigada por sua participação no aconselhamento do governo federal em relação ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada.

Marcelo Queiroga: ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Queiroga é investigado por sua atuação na gestão da pandemia, incluindo a falta de transparência na divulgação de dados e atraso na aquisição de vacinas.

Fábio Wajngarten: ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro, Wajngarten é investigado por suposta participação em irregularidades na aquisição de vacinas e pela falta de campanhas publicitárias de conscientização sobre a pandemia.

Luciano Hang: empresário e apoiador de Bolsonaro, Hang é investigado por suposta participação no “gabinete paralelo” de aconselhamento ao presidente em relação à pandemia.

Filipe Martins: assessor internacional do presidente Bolsonaro, Martins é investigado por sua participação no aconselhamento ao presidente em relação à pandemia.

Arthur Weintraub: ex-assessor especial da Presidência da República, Weintraub é investigado por sua participação no aconselhamento ao presidente em relação à pandemia e por sua defesa do chamado “tratamento precoce”.

Élcio Franco: ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, Franco é investigado por suposta negligência na gestão da pandemia, incluindo atraso na compra de vacinas e a falta de oxigênio em Manaus.

Edição: Rodrigo Durão Coelho


"É preciso acabar com preconceito contra MST", diz ministro da Agricultura na Festa da Colheita

 

Carlos Fávaro (Agricultura), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) e Gleisi Hoffmann, presidenta do PT, em evento do MST - Divulgação/MST

FONTE: Brasil de Fato

É preciso acabar com o preconceito contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). É o que afirmou o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, durante a Festa da Colheita realizada neste sábado (25) no acampamento Fidel Castro do MST, em Centenário do Sul, no Norte do Paraná.

O evento reuniu cerca de 3 mil pessoas para celebrar a primeira safra de soja não transgênica da região e contou com a presença da presidenta do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann, e dos ministros Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Familiar) e Carlos Fávaro (Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Durante seu discurso, o ministro da Agricultura destacou a importância de se valorizar a agricultura familiar e de se apoiar as iniciativas dos movimentos sociais do campo, em especial do MST.

"Eu sempre digo que não existe duas agriculturas. Todos os homens e mulheres que tem vocação devem ter o direito de ter um pedaço de terra, independente do tamanho da propriedade. É preciso cumprir um papel importante: acabar com o preconceito existe neste país contra o MST. O MST é um movimento legítimo de sonho pela terra", disse Fávaro.

"Eu cheguei ao meu município por um assentamento de reforma agrária. Passei pelos mesmo dissabores, com a ausência do poder público, com dificuldade para cumprir minha vocação. Ver esse movimento tecnificado, cooperativista, que a agroindústria acontece, que gera renda e dignidade pra homens e mulheres, é simplesmente fascinante. Eu serei sempre um grande defensor de vocês", acrescentou o ministro.

Os números reafirmam a fala de Fávaro. De acordo com Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), o MST é considerado o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, e segue nessa posição há mais de 10 anos. Segundo Martielo Webery, do setor de comercialização da Cootap, as famílias camponesas estimam colher, na safra 2021/2022, mais de 15,5 mil toneladas, cerca de 310 mil sacas de 50 kg do produto, em aproximadamente 3.196,23 hectares.




quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Jeferson Miola: A farsa judicial contra Cristina Kirchner

 

A ex-presidente e atual vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner, também presidente constitucional do Senado da República de La Argentina (@CFKArgentina). Foto: Bernardino Avila/Página 12


O jornal argentino página 12 denunciou que a sentença de morte política eterna de CFK foi decidida em um encontro de estilo mafioso que reuniu juízes, empresários, magnatas de mídia, macristas e bandidos do gênero na Patagônia, num lugar chamado Lago Escondido


A farsa judicial contra Cristina Kirchner

Por Jeferson Miola, em seu blog

A ex-presidente e atual vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner [CFK], também presidente constitucional do Senado da República de La Argentina, é vítima da mesma estratégia de perseguição judicial fascista que Lula foi vítima no Brasil.

A execução do plano fascista pela organização judicial mafiosa argentina seguiu o mesmo script da sua organização homóloga no Brasil, a gangue da Lava Jato.

A mídia hegemônica do país rioplatense, até o último fio de cabelo comprometida com o golpismo e o extremismo de direita – como o Grupo Clarín –, toca o bumbo com a sentença contra Cristina, que representa um duro golpe à democracia do país.

Os canalhas do judiciário e do ministério público [la fiscalía] argentinos foram, porém, ainda mais inventivos que seus homólogos brasileiros.

Eles condenaram CFK a “apenas” seis anos de prisão – metade, portanto, do tempo que esta própria Inquisição Argentina anunciava, de 12 anos de enjaulamento de CFK na masmorra.

Mas, em contrapartida, se abrandaram a pena de privação de liberdade de CFK, os inovadores juízes argentinos a condenaram à morte política eterna.

No seu veredito, o Tribunal Oral nº 02, o equivalente do inquisitorial TRF4 da Lava Jato, sentenciou que CFK não poderá exercer cargos públicos por toda eternidade!

inabilitação política eterna, até onde minha ignorância histórica alcança, pode não ser algo genuíno na história mundial, mas certamente é um procedimento típico de regimes totalitários e fascistas.

inabilitação política eterna de CFK é sintoma da luta crucial que está em andamento no mundo inteiro, não só na Argentina, no Brasil e em outros países, mas que é a luta de sobrevivência da democracia ante o avanço da ameaça fascista.

A região das Américas é a única, no mundo inteiro, em que as esquerdas e o campo progressista estão polarizando com a extrema-direita fascista e, por enquanto, estão conseguindo derrotá-la.

Na Europa, entretanto, é a direita tradicional que polariza com o fascismo. Lá, a esquerda é um ator meramente coadjuvante.

Em grande medida, este fenômeno deriva do preço que a socialdemocracia européia paga pelo descrédito causado com a adesão e submissão ideológica ao ideário neoliberal.

CFK é tão vítima do “lavajatismo internacional” quanto Lula foi em 2018. A sincronia impressiona.

Cristina muito provavelmente será escolhida candidata presidencial da Frente de Todos para a sucessão de Alberto Fernández.

E, como conhecemos com a leitura do Manual de Lawfare contra Líderes Populares, que acabo de criar enquanto escrevo este artigo, a candidatura da Cristina será impugnada. Aliás, como foi impugnado o registro da candidatura do Lula em 2018.

Cristina, porém, teve a seu favor uma espécie de Vaza Jato antecipada.

É um caso de revelação da farsa e do teatro farsesco em tempo real, enquanto acontecia. E o povo argentino, além disso, se manifesta mais ruidosamente que o povo brasileiro.

O jornal argentino página12 denunciou que a sentença de morte política eterna de CFK foi decidida em um encontro de estilo mafioso que reuniu juízes, empresários, magnatas de mídia, macristas e bandidos do gênero em um lugar da Patagônia sugestivamente chamado de Lago Escondido. Um encontro auspiciado e financiado por setores nitidamente anti-CFK.

Sim, o nome do lugar onde bandidos argentinos do estilo Sergio Moro e Deltan Dallagnol sentenciaram a morte política de CFK se chama, ironicamente, Lago Escondido. É o subterrâneo fascista.




quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Quem controla o orçamento secreto?

 Em 2022, seis partidos concentram 81% das emendas do relator – todos aliados de Bolsonaro. Arthur Lira foi quem mais indicou repasses. Usuários externos, aqueles “apadrinhados” por parlamentares, abocanharam 31,2% dos recursos

OUTRASMÍDIAS

Por 


No Inesc

O orçamento secreto movimentou entre 2020 e outubro de 2022 R$ 45 bilhões de empenhos e R$ 28 bilhões de pagamentos, considerando compromissos assumidos e pagos em cada ano somados aos pagamentos de valores empenhados desde 2020, os chamados “restos a pagar pagos”.

Tabela 1: Valores do orçamento secreto (valores correntes)


Fonte: Siga Brasil/Senado  (data da extração: 24 de outubro de 2022).
Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.

Para 2023 estão previstos no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA 2023) mais R$ 19 bilhões. Isto significa, por exemplo, que a cada R$ 100 reais de recursos separados para despesas não obrigatórias – como o combate ao desmatamento, ao abuso e violência sexual contra crianças ou para saneamento urbano, entre tantas outras políticas – pelo menos R$ 15 serão distribuídos seguindo a vontade de um pequeno grupo de deputados e senadores com base em critérios políticos e partidários nada transparentes.

A apuração dos valores executados pelo orçamento secreto, incluindo os pagamentos dos restos a pagar pagos, só é possível porque os dados estão consolidados no portal Siga Brasil/Senado com uma marcação denominada RP9 (Resultado Primário 9), uma forma de classificação da despesa pública utilizada para separar a execução das despesas que tiveram como origem valores indicados pelo parlamentar relator do orçamento de outros gastos que também impactam no chamado Resultado Primário[1].

As emendas de relator estão concentradas na função saúde, que representou 57,4% dos R$ 28,79 bilhões já pagos; seguido da função urbanismo, com 11,53%; da assistência social, com 5%, e da educação com 4,68% (Siga/Senado).

Ainda que gastos mais elevados com saúde sejam de inegável urgência e relevância, os critérios políticos de destinação das emendas de relator representam um desvio inconstitucional e sem precedentes dos critérios estabelecidos para repartição dos recursos públicos destinados a esta política. Desvio semelhante ocorre com os recursos destinados à assistência social e educação. Como já alertou o Tribunal de Contas da União (TCU), estas políticas públicas se sujeitam a um regime jurídico-constitucional que exige critérios objetivos de escolha dos destinatários e repasse de recursos do orçamento da União. Assim, as emendas RP9 não são compatíveis com os princípios, diretrizes e objetivos constitucionais que norteiam o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (Suas) (TC 008.731/2022-5).

Não menos grave é a instrumentalização das demais políticas para a realização de pagamentos a prefeituras, bem como a pessoas jurídicas privadas que resultam no favorecimento de iniciativas ligadas a grupos políticos e partidários.

Exemplo sintomático é a execução da ação ligada ao Ministério da Cidadania, voltada ao desenvolvimento de atividades e apoio a projetos e eventos de esporte, educação, lazer e inclusão social, que deveria atender a todo o país. Esta ação tem sido utilizada para viabilizar a execução de emendas de relator que se concentram em poucos beneficiários e lugares. É o caso da ONG denominada Instituto Carioca de Atividades (ICA), que acumula em 2022 R$ 20 milhões empenhados e R$ 12 milhões pagos. De 2020 a 2022 a mesma ONG recebeu R$ 98 milhões em emendas, principalmente emendas de relator. O cruzamento de dados que apresentamos a seguir permitiu identificar quem indicou os recursos executados em benefício da ONG, são eles, Hugo Leal (PSD), Daniel Silveira (PTB) e Nicodemos de Carvalho Mota, este último sendo ele próprio o diretor administrativo do Instituto Carioca de Atividades, segundo página do Linkedin.

Escolhas metodológicas para o cruzamento de bases de dados

Embora classificado com o marcador RP9, o orçamento continua secreto, porque não existe hoje uma base pública de informação que relacione os valores indicados pelos deputados, senadores e usuários externos com os pagamentos efetivamente realizados. Ou seja, não é possível saber, de maneira oficial, quem indicou os valores pagos pelo Executivo federal.

A partir de 2021, por decisão do Supremo Tribunal Federal  (STF), começaram a ser publicadas no site da Comissão Mista de Orçamento (CMO) listas com os nomes dos parlamentares e suas respectivas indicações  de valores e beneficiários. Em 2022, já foram publicadas 56 listas com o nome de quem indica (deputado, senador e usuário externo, “qualquer pessoa” pode indicar beneficiários), o favorecido indicado (nome e CNPJ), a partir de qual órgão será executada a despesa, e o valor indicado, entre outras informações. Mas estas listas são publicadas uma a uma, em planilhas de Excel, e sequer trazem os partidos dos quais os deputados e senadores fazem parte.

Com o propósito de demonstrar o caráter político da falta de transparência do Executivo e Legislativo, bem como do uso do recurso público, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e o Observatório do Clima elaboraram um levantamento inédito, revelando o que é possível hoje saber sobre a execução deste orçamento entre janeiro e outubro de 2022.

O cruzamento de dados teve como objetivo juntar duas bases diferentes: a lista consolidada de indicações de emendas publicada pela Comissão Mista de Orçamento (Lista CMO) e a base de dados da execução das emendas (RP9) disponibilizada na plataforma Siga Brasil do Senado federal. Os dados foram cruzados a partir dos CNPJs indicados (CMO) e beneficiados (Siga).

Acesse a planilha com as bases e o cruzamento de dados

O levantamento seguiu os seguintes passos:

  • Foram reunidas todas as 56 listas publicadas pela CMO em uma só planilha, e foram acrescidos manualmente os partidos dos deputados e senadores que fizeram indicações de recursos para o ano de 2022.
  • Foi extraído do Portal Siga Brasil a execução das emendas RP9, com o filtro de CNPJs beneficiados por cada pagamento, incluindo os valores empenhados e pagos entre janeiro e outubro de 2022. Desta forma, não foram considerados os valores pagos referentes a restos a pagar pagos.
  • Foi feito o cruzamento de dados utilizando as duas bases a partir do CNPJ. Desta forma, foram correlacionadas as indicações para cada CNPJ com a respectiva execução orçamentária do RP9 para este mesmo CNPJ. O cruzamento utilizou a linguagem de programação (python).

Não foram considerados os valores relativos a restos a pagar pagos em 2022 (R$ 4,3 bilhões) que resultaram de indicações realizadas em anos anteriores, conforme valores apresentados na tabela 2.

No cruzamento que resulta, assim, da junção de duas bases, foram identificadas perda de dados/valores: i) de R$ 1,1 bilhões, em relação ao que foi indicado na lista da CMO; ii) de R$ 572 milhões de empenhos e R$ 129 milhões de pagamentos em relação aos valores da base de execução utilizada (Siga Brasil). As perdas de valores em função do cruzamento são registradas na tabela 2.

Tabela 2: Valores nas bases originais (CMO e Siga), valores capturados pelo cruzamento de dados e perdas de valores (dados de 2022)

Fonte: Siga Brasil/Senado  (data da extração: 24 de outubro de 2022).
Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.


Para 2023 estão previstos no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA 2023) mais R$ 19 bilhões. Isto significa, por exemplo, que a cada R$ 100 reais de recursos separados para despesas não obrigatórias – como o combate ao desmatamento, ao abuso e violência sexual contra crianças ou para saneamento urbano, entre tantas outras políticas – pelo menos R$ 15 serão distribuídos seguindo a vontade de um pequeno grupo de deputados e senadores com base em critérios políticos e partidários nada transparentes.

A apuração dos valores executados pelo orçamento secreto, incluindo os pagamentos dos restos a pagar pagos, só é possível porque os dados estão consolidados no portal Siga Brasil/Senado com uma marcação denominada RP9 (Resultado Primário 9), uma forma de classificação da despesa pública utilizada para separar a execução das despesas que tiveram como origem valores indicados pelo parlamentar relator do orçamento de outros gastos que também impactam no chamado Resultado Primário[1].

As emendas de relator estão concentradas na função saúde, que representou 57,4% dos R$ 28,79 bilhões já pagos; seguido da função urbanismo, com 11,53%; da assistência social, com 5%, e da educação com 4,68% (Siga/Senado).

Ainda que gastos mais elevados com saúde sejam de inegável urgência e relevância, os critérios políticos de destinação das emendas de relator representam um desvio inconstitucional e sem precedentes dos critérios estabelecidos para repartição dos recursos públicos destinados a esta política. Desvio semelhante ocorre com os recursos destinados à assistência social e educação. Como já alertou o Tribunal de Contas da União (TCU), estas políticas públicas se sujeitam a um regime jurídico-constitucional que exige critérios objetivos de escolha dos destinatários e repasse de recursos do orçamento da União. Assim, as emendas RP9 não são compatíveis com os princípios, diretrizes e objetivos constitucionais que norteiam o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (Suas) (TC 008.731/2022-5).

Não menos grave é a instrumentalização das demais políticas para a realização de pagamentos a prefeituras, bem como a pessoas jurídicas privadas que resultam no favorecimento de iniciativas ligadas a grupos políticos e partidários.

Exemplo sintomático é a execução da ação ligada ao Ministério da Cidadania, voltada ao desenvolvimento de atividades e apoio a projetos e eventos de esporte, educação, lazer e inclusão social, que deveria atender a todo o país. Esta ação tem sido utilizada para viabilizar a execução de emendas de relator que se concentram em poucos beneficiários e lugares. É o caso da ONG denominada Instituto Carioca de Atividades (ICA), que acumula em 2022 R$ 20 milhões empenhados e R$ 12 milhões pagos. De 2020 a 2022 a mesma ONG recebeu R$ 98 milhões em emendas, principalmente emendas de relator. O cruzamento de dados que apresentamos a seguir permitiu identificar quem indicou os recursos executados em benefício da ONG, são eles, Hugo Leal (PSD), Daniel Silveira (PTB) e Nicodemos de Carvalho Mota, este último sendo ele próprio o diretor administrativo do Instituto Carioca de Atividades, segundo página do Linkedin.

Escolhas metodológicas para o cruzamento de bases de dados

Embora classificado com o marcador RP9, o orçamento continua secreto, porque não existe hoje uma base pública de informação que relacione os valores indicados pelos deputados, senadores e usuários externos com os pagamentos efetivamente realizados. Ou seja, não é possível saber, de maneira oficial, quem indicou os valores pagos pelo Executivo federal.

A partir de 2021, por decisão do Supremo Tribunal Federal  (STF), começaram a ser publicadas no site da Comissão Mista de Orçamento (CMO) listas com os nomes dos parlamentares e suas respectivas indicações  de valores e beneficiários. Em 2022, já foram publicadas 56 listas com o nome de quem indica (deputado, senador e usuário externo, “qualquer pessoa” pode indicar beneficiários), o favorecido indicado (nome e CNPJ), a partir de qual órgão será executada a despesa, e o valor indicado, entre outras informações. Mas estas listas são publicadas uma a uma, em planilhas de Excel, e sequer trazem os partidos dos quais os deputados e senadores fazem parte.

Com o propósito de demonstrar o caráter político da falta de transparência do Executivo e Legislativo, bem como do uso do recurso público, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e o Observatório do Clima elaboraram um levantamento inédito, revelando o que é possível hoje saber sobre a execução deste orçamento entre janeiro e outubro de 2022.

O cruzamento de dados teve como objetivo juntar duas bases diferentes: a lista consolidada de indicações de emendas publicada pela Comissão Mista de Orçamento (Lista CMO) e a base de dados da execução das emendas (RP9) disponibilizada na plataforma Siga Brasil do Senado federal. Os dados foram cruzados a partir dos CNPJs indicados (CMO) e beneficiados (Siga).

Acesse a planilha com as bases e o cruzamento de dados

O levantamento seguiu os seguintes passos:

  • Foram reunidas todas as 56 listas publicadas pela CMO em uma só planilha, e foram acrescidos manualmente os partidos dos deputados e senadores que fizeram indicações de recursos para o ano de 2022.
  • Foi extraído do Portal Siga Brasil a execução das emendas RP9, com o filtro de CNPJs beneficiados por cada pagamento, incluindo os valores empenhados e pagos entre janeiro e outubro de 2022. Desta forma, não foram considerados os valores pagos referentes a restos a pagar pagos.
  • Foi feito o cruzamento de dados utilizando as duas bases a partir do CNPJ. Desta forma, foram correlacionadas as indicações para cada CNPJ com a respectiva execução orçamentária do RP9 para este mesmo CNPJ. O cruzamento utilizou a linguagem de programação (python).

Não foram considerados os valores relativos a restos a pagar pagos em 2022 (R$ 4,3 bilhões) que resultaram de indicações realizadas em anos anteriores, conforme valores apresentados na tabela 2.

No cruzamento que resulta, assim, da junção de duas bases, foram identificadas perda de dados/valores: i) de R$ 1,1 bilhões, em relação ao que foi indicado na lista da CMO; ii) de R$ 572 milhões de empenhos e R$ 129 milhões de pagamentos em relação aos valores da base de execução utilizada (Siga Brasil). As perdas de valores em função do cruzamento são registradas na tabela 2.

Tabela 2: Valores nas bases originais (CMO e Siga), valores capturados pelo cruzamento de dados e perdas de valores (dados de 2022)

Fonte: Siga (extração de dados 24 de outubro de 2022), lista CMO e cruzamento de dados.
Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.

A checagem de dados demonstrou que a perda de valores pode ser atribuída, principalmente, ao desencontro de CNPJs entre as duas bases; ou seja, não execução de valores indicados (perda de R$ 1,1 bilhão) ou execução de valores para CNPJs sem correspondente na lista de indicações (perda de R$ 572 milhões em valores empenhados e R$ 189 milhões em valores pagos).

Em relação às perdas de valores empenhados e pagos cabe citar um exemplo. Em 2022 foi feito empenho de R$ 77,35 milhões e pagamento no valor de R$ 15,36 milhões para a empresa Construmaster Construção e Locação de Máquinas LTDA (CNPJ: 12463759000190), localizada no Maranhão, para realização de serviços de pavimentação de rodovias. Esta execução (que pode ser localizada na planilha de dados, na aba “base SIGA”) não foi capturada pelo cruzamento, uma vez que o CNPJ não possui correspondente na lista da CMO, ou seja, não aparece nenhuma indicação para este beneficiário/CNPJ.

O cruzamento demonstrou grande ocorrência de casos em que mais de uma pessoa/deputado/senador de mais de um partido indica um mesmo CNPJ como beneficiário, situação que predomina na execução de recursos da saúde. Nestes casos, os valores da execução por CNPJ beneficiário só podem ser individualizados a partir da atribuição manual de valores entre parlamentares e usuários externos que realizaram a indicação.

Diante disto, que só reforça o caráter secreto do orçamento, optou-se por um tratamento manual da base a fim de atribuir, quando possível, os valores pagos às respectivas indicações, de forma individualizada. Para tanto foram adotados como critérios:

  • Distribuição dos valores pagos entre as indicações nos casos em que a somatória dos valores indicados é igual ou muito próxima ao valor pago e/ou quando a somatória dos valores pagos é superior aos valores indicados;
  • Não distribuição da execução entre indicações quando os valores pagos são inferiores aos valores indicados; onde não há correspondência de valor que permita correlacionar o pagamento a uma ou mais indicações; ou onde um valor pago é igual a um mesmo valor indicado por mais de um parlamentar e/ou usuário externo;
  • Atribuição preferencial de valores de execução a deputados e senadores em detrimento de indicações de usuários externos.

Desta forma, a Coluna D do cruzamento atribui linha a linha os pagamentos efetivamente realizados às respectivas indicações de parlamentares e usuários externos, quando possível. Isto significa que em muitos casos não foi possível atribuir valores, o que resultou na não atribuição de execução no valor de R$ 957 milhões.

O objetivo do presente levantamento foi o de demonstrar o caráter político da falta de transparência das emendas de relator e, também, estimular as pessoas a se apropriarem desta base de dados que, apesar de limitada no tempo, dado que abarca somente recursos pagos de janeiro a 24 de outubro de 2022, é notadamente reveladora do controle do orçamento público por partidos e pessoas.

Os resultados do cruzamento de dados:

No cruzamento foi possível atribuir individualmente emendas pagas no valor de R$ 5,88 bilhões (Coluna D). Como os valores pagos no cruzamento somaram R$ 6,8 bilhões (Coluna C), registra-se que não foi possível atribuir individualmente o valor de R$ 1 bilhão.

Dos R$ 5,88 bilhões de valores atribuídos tem-se que:

  • Seis partidos (PP, PL, PSD, MDB, UNIÃO E REPUBLICANOS) concentram 81% do total executado por indicação de partidos.
  • Usuários externos controlam sozinhos 31,3% dos recursos pagos.

O cruzamento de dados mostrou que a possibilidade de usuários externos realizar indicações de emendas, fato já amplamente noticiado pela imprensa, tem sido intensamente utilizada para mascarar a execução de elevados valores, o que seria factível caso não houvessem padrinhos – partidos e parlamentares – por trás de tais indicações.  Vale notar que consta no presente levantamento as execuções atribuídas, por exemplo, a Roberto Rodrigues uma das pessoas presas na operação quebra ossos.

Tabela 3: Síntese das indicações e execuções por partido (valores indicados e pagos de janeiro a outubro de 2022)

Fonte: Siga (extração de dados 24 de outubro de 2022), lista CMO e cruzamento de dados.
Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.


Os maiores executores do orçamento secreto

A planilha que resultou do cruzamento de dados das listas da CMO com os dados orçamentários do Siga também permite a identificação de quais deputados, senadores e usuários externos tiveram os CNPJs por eles indicados beneficiados pela execução orçamentária.

No topo da lista da execução do orçamento secreto aparece o deputado Arthur Lira (PP/AL) que indicou R$ 134,52 milhões em emendas para CNPJs que tiveram uma execução de R$ 127,2 milhões.

Em segundo e quarto lugar na lista de quem mais executa o orçamento secreto estão dois usuários externos cujos nomes já foram identificados pela imprensa por terem indicados valores elevados, sem que se soubesse, contudo, quais os montantes pagos associados às indicações. São eles: Carlos Guilherme Pereira Junior e Dener Bolonha.

Tabela 4 – Os maiores executores do orçamento secreto

Fonte: Siga (extração de dados 24 de outubro de 2022), lista CMO e cruzamento de dados.
Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.

Os dados aqui revelados foram produzidos ao longo de três semanas de trabalho, exigiram a utilização de linguagem de programação e um extenso trabalho manual (Coluna D) de atribuição de valores executados às indicações, demonstrando o caráter político e inaceitável da falta de transparência e do destino de uma parcela cada vez maior do orçamento público federal sem o amparo legal.


[1] Além do chamado RP 9 existem as despesas primárias obrigatórias (RP1), as despesas primárias discricionárias (RP2), as despesas financeiras (RP0) e outras formas de emenda parlamentar: emendas individuais (RP6), emendas de bancada (RP7) e emendas de comissão (RP8).