terça-feira, 29 de maio de 2018

ANTROPOLOGIA FORENSE - Uma luta contra o desaparecimento

na Revista Pesquisa Fapesp

Pesquisadores de várias especialidades compõem grupo que busca identificar desaparecidos da ditadura a partir de restos mortais da vala clandestina de Perus.

 Edição 250 dez. 2016

Armazenadas em 1.047 caixas em salas climatizadas...
Armazenadas em 1.047 caixas em salas climatizadas…Imagem: LÉO RAMOS
“Onde estão os nossos desaparecidos?” Diante da pergunta afixada na parede, cercada pelos retratos de 42 homens e mulheres desaparecidos na época da ditadura militar, uma equipe que inclui arqueólogos, médicos legistas, odontolegistas, geneticistas e bioantropólogos trabalha organizando, analisando e registrando ossadas em um processo que envolve desde ciência e tecnologia à atenção aos princípios de direitos humanos. “O grande diferencial do trabalho é o foco na equipe multidisciplinar”, declara o médico-legista Samuel Ferreira, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça e Cidadania (MJC) e coordenador científico do Grupo de Trabalho Perus (GTP). Nessa casa do bairro paulistano Vila Mariana, mantida pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), funciona o GTP, que pretende identificar rostos do trágico mural no conteúdo das 1.047 caixas que abrigam os ossos retirados em 1990 da vala clandestina do cemitério Dom Bosco, em Perus, zona norte de São Paulo. Nesse processo também se pretende contribuir para sedimentar a área da antropologia forense no Brasil.
Fundado em 1971, o cemitério Dom Bosco teve em 1975 uma série de exumações. “Isso normalmente é feito quando há necessidade de espaço, mas na época uma parte substancial do cemitério ainda estava vazia”, conta a arqueóloga Márcia Hattori, coordenadora da parte ante mortem do trabalho, ressaltando o caráter suspeito do procedimento. A vala clandestina criada à época foi reaberta em 1990, em grande parte por pressão de familiares de desaparecidos, que sabiam que ali haviam sido enterradas pessoas como desconhecidos. As ossadas foram então transferidas para a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob a responsabilidade do médico-legista Badan Palhares, onde nos primeiros anos se chegou a duas identificações por meio de um método que sobrepõe uma fotografia ao crânio, com base em algumas medidas-padrão. Mas, em meio a disputas sobre financiamento, o trabalho foi interrompido e o abandono acabou sepultando as análises já realizadas.
“A abordagem de agora, científica, é diferente da que veio antes”, ressalta Carla Borges, coordenadora de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC). Segundo ela, aconteceram iniciativas pontuais em diferentes gestões, com apenas um esforço constante: o das famílias dos desaparecidos, que nunca deixaram de cobrar respostas. Ela ressalta que o Estado (e não gestores individuais, como determinado prefeito ou presidente no exercício do mandato) tem a responsabilidade de procurar qualquer pessoa desaparecida naquela época. “Nunca estivemos tão perto de virar essa página”, afirma, argumentando pela continuidade do esforço.
Foco
O universo de busca é amplo, mas há candidatos mais prováveis cuja identificação já seria um sucesso. “Temos indicação de que os corpos de Dimas Antônio Casemiro, Francisco José de Oliveira e Grenaldo Jesus da Silva entraram em Perus”, diz Márcia. Os registros não ajudam. “As ruas do cemitério mudaram de nome nos anos 1970, o mapa das sepulturas é um quadriculado feito à mão e, quando há registro de exumação, não se sabe para onde foi transferido.” Ela e sua equipe recolheram informações de uma série de fontes para elaborar a lista de procurados. “Olhamos de maneira sistemática para os casos de ‘desconhecidos’ de toda a década de 1970 com o objetivo de mapear o caminho da morte na cidade de São Paulo durante o período e compreender a política de desaparecimento.”
....as ossadas são lavadas sob a coordenação de Ana Tauhyl
…as ossadas são lavadas sob a coordenação de Ana TauhylImagem: LÉO RAMOS
No processo de pesquisa, a equipe encontrou fotografias fornecidas pelas famílias quando a vala de Perus foi aberta, na tentativa de contribuir para a identificação: eram documentos preciosos, em um período anterior à fotografia digital. “A investigação dos crimes de ocultação acabou aprofundando o desaparecimento”, lamenta Márcia, que devolveu cópias das imagens às famílias. O GTP iniciou um trabalho que, além de forense, envolve atenção à dor de quem nunca soube o que aconteceu com pessoas queridas. Realizar o trabalho fora do IML de São Paulo, um local no passado associado à ditadura, faz parte disso. Pelo mesmo motivo o projeto contou com a colaboração das Equipes Argentina e Peruana de Antropologia Forense (EAAF e Epaf), que se formaram logo em seguida aos períodos de ditadura nos respectivos países. Os dados que a equipe ante mortem levantou formam um catálogo do que deve ser procurado nas análises das ossadas: características físicas ou acontecimentos que ficam gravados nos ossos, como fraturas ou perfuração por arma de fogo. “Procuramos materializar o morto que foi desaparecido”, esclarece.
O projeto envolve um tripé institucional: a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) do MJC, de que faz parte a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo (SMDHC) e a Unifesp. Neste momento, sua continuidade é incerta, devido à mudança de gestão na prefeitura paulistana e no governo federal. Na Unifesp, a reitora Soraya Smaili foi votada em novembro para permanecer no cargo e já se manifestou favoravelmente ao prosseguimento das atividades.
Em uma audiência pública no dia 28 de novembro, a secretária especial de Direitos Humanos do governo federal, Flávia Piovesan, afirmou o empenho da SEDH em garantir a continuidade do trabalho. “Me sensibilizou muito o compromisso com um trabalho tão necessário”, declarou, depois de ter conhecido o funcionamento do GTP. A contratação permanente dos profissionais ainda é um problema, já que vem sendo feita com recursos da SEDH por meio de uma cooperação internacional. Os contratos têm duração de um ano e é incerto o que acontecerá a partir de janeiro de 2017, quando vence a maior parte. A secretária disse estar buscando alternativas que garantam uma equipe permanente, essencial para manter a padronização do trabalho, em adição aos peritos oficiais que devem continuar o revezamento e a integrantes da Epaf. Há recursos garantidos para o próximo ano, mas insuficientes para o que precisa ser feito, de acordo com a reitora da Unifesp.
Desde 2014, quando as caixas contendo as ossadas foram transferidas para a casa batizada como Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), o grupo recomeçou o trabalho do início e já examinou 580 delas. “Precisamos de mais um ano, pelo menos, para conseguir analisar tudo”, conta a arqueóloga Ana Tauhyl, responsável pela abertura das caixas e limpeza dos ossos.
Arqueologia recente
O trabalho envolve um rigor bem diferente de quando as ossadas foram retiradas da vala por coveiros, sem atenção em manter a unidade de cada esqueleto. Ainda úmidos da terra, os ossos foram postos em sacos plásticos e logo começaram a ser degradados por mofo. E não foi o pior: os sacos, com cadeiras jogadas por cima, passaram até por uma inundação na Unicamp em consequência de uma torneira deixada aberta.
Os ossos são dispostos para secagem...
Os ossos são dispostos para secagem e em seguida analisados por Aline Oliveira e Marina GratãoImagem: LÉO RAMOS
O processo segue um protocolo elaborado pela Epaf e validado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha e pelo Comitê Científico do projeto, seguindo parâmetros nacionais e internacionais. Cada caixa é aberta por um integrante da equipe, que dispõe os ossos para serem fotografados e descritos por Ana em formulários. Além dos ossos, as caixas abrigam ainda pistas das etapas anteriores. Sacos de plástico azul com marcação do Serviço Funerário do Município de São Paulo algumas vezes aparecem esfacelados, sinal de que já estavam dentro da vala, e outras vezes estão íntegros, por serem posteriores. Outros sacos – de plástico, pano ou TNT – datam do trabalho na Unicamp, onde sempre que possível foram presos aos crânios discos de metal com o número de identificação gravado. Muitos dos ossos ainda estão recobertos de terra. Apesar de factual, o registro fotográfico não deixa de lado um cuidado que beira o artístico na disposição dos ossos e embalagens. Tudo em meio à poeira e ao cheiro de tinta da obra em andamento na casa, cujas instalações não estão finalizadas.
Depois de lavados e secos, os esqueletos são dispostos em mesas na posição dita anatômica, com ossos alinhados conforme a sua organização no corpo. Medições feitas dessa maneira permitem estimar um perfil biológico, que inclui estatura, faixa etária, sexo e outras características identificadoras, se comparadas com as informações ante mortem sobre os potenciais candidatos a identificação.
O ideal seria que esse processo permitisse afunilar a busca, mas o conjunto dos desaparecidos políticos procurados coincide com o perfil de boa parte dos enterrados na vala analisados até o momento: homens entre 20 e 40 anos de idade. Por isso, cerca de 70% das ossadas não podem ser descartadas. Diante do volume de trabalho pela frente, é preciso aliar rigor e pressa. “É um trabalho atrasado por si só, já se passaram 40 anos de espera”, diz a arqueóloga Patricia Fischer, responsável pelo laboratório e coordenadora do trabalho post mortem. Ela também avalia que 25% das caixas contenham mais de um indivíduo. Quando aparecem ossos suplementares, é preciso decidir qual não se encaixa no esqueleto sob análise – por cor, tamanho ou outras características morfológicas. Quando é possível estimar o perfil biológico, os dados são registrados em uma ficha identificada como “indivíduo B” e os ossos, guardados em sacos separados. Com isso, até 701 indivíduos podem estar representados nas 580 caixas já abertas.
Em uma tarde de trabalho em novembro, a bioantropóloga Mariana Inglez documentava uma série de fraturas feitas por volta do momento da morte em todo o lado esquerdo de um homem: na cabeça, em várias costelas, no braço. A pesquisadora mostra uma fratura tipo “borboleta” no úmero, o osso do braço, uma indicação de impacto. “Ele foi atingido por algo bem grande”, afirma, concordando com a possibilidade de atropelamento, enquanto segura um crânio e desenha as fraturas em um esquema à sua frente. Ela aponta uma pequena irregularidade no lado esquerdo da mandíbula, onde ela se encaixa no crânio. “Talvez ele sentisse dor nessa articulação”, supõe, anotando como possível característica para auxiliar na identificação.
Na mesa ao lado o odontolegista Marcos Paulo Machado, do IML do Rio de Janeiro, analisa a dentição de outro esqueleto. “É um caso incomum na vala”, conta ele, “por ser mulher, muito jovem e com acesso a tratamento dentário”. Ele mostra restaurações de amálgama e também a raiz incompleta do terceiro molar, que indica uma idade de menos de 21 anos. Ele faz parte do grupo de peritos de vários estados do país que se revezam para contribuir ao andamento do trabalho.
Em outra mesa a arqueóloga espanhola Candela Martínez consulta as colegas Marina Gratão e Aline Oliveira sobre duas vértebras fundidas, com uma fratura ocorrida próximo à morte. O desafio era descrever, sem interpretar em excesso, fraturas feitas em vários momentos da vida nas costelas, em vértebras, em um braço. Esta última se consolidou sem atendimento médico, deixando uma irregularidade no osso. “Ele sofreu muita violência em vida, agressões domésticas não bastariam para explicar”, diz Candela sobre o homem que parece ter morrido entre os 30 e os 47 anos de idade, uma estimativa com base em índices de maturidade e desgaste de partes específicas do esqueleto. Poderia ser um morador de rua ou alguém com um trabalho muito pesado, concluem. “Ele certamente tinha dificuldades de locomoção”, avalia Marina, mais uma característica que pode ajudar na identificação.
Ossos alinhados em posição anatômica permitem registrar particularidades e danos sofridos
Ossos alinhados em posição anatômica permitem registrar particularidades e danos sofridosImagem: LÉO RAMOS
Embora o GTP esteja concentrado em vítimas da ditadura, as consequências do trabalho podem ser muito maiores. Marina conta que logo no início dos trabalhos surgiu o esqueleto de uma idosa com o crânio despedaçado. Ao juntar as peças, foi possível enxergar a causa da morte: um tiro na cabeça. Não há idosas no mural, mas o achado reforçou a necessidade de estudar todos os esqueletos. Também há indícios de que ali tenham sido sepultadas vítimas de um surto de meningite abafado pelo governo entre 1972 e 1974. Sobretudo crianças, nesse caso. “Que essas pessoas tenham ou não sofrido tortura em uma prisão, elas podem ser vistas como vítimas de violência pelo Estado – no mínimo por omissão de assistência”, diz Patricia.
O Caaf pretende se estabelecer como um centro de pesquisa que possa efetuar convênios com órgãos públicos ou instituições da sociedade civil na investigação de casos de violência. O banco de dados resultante do GTP pode possibilitar a busca de qualquer pessoa desaparecida nos anos 1970, mesmo que sem ligações políticas. Outro projeto do centro, iniciado este ano sob coordenação do médico patologista Rimarcs Gomes Ferreira, da Unifesp, envolve um caso mais recente: os assassinatos ocorridos em maio de 2006 na Baixada Santista, por ocasião dos conflitos entre a polícia e o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Genética
Um dos próximos passos do GTP, essencial para a identificação dos desaparecidos, é recorrer ao DNA. Samuel Ferreira coleta pessoalmente amostras de sangue de familiares para comparação com o material genético a ser extraído dos restos mortais. “Vamos aonde os familiares preferirem”, explica ele, que já amostrou 31 famílias residentes em 16 cidades de vários estados. Uma vez reunidas as amostras dos familiares e das ossadas, elas serão enviadas a um laboratório em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, especializado na análise de restos mortais degradados e relacionados a situações de violação de direitos humanos. “O Brasil teria condições técnicas de fazer esse trabalho, mas não análises em larga escala na velocidade que o projeto demanda”, explica. A extração do DNA dos ossos não será fácil, segundo ele, devido ao mau estado de conservação, e deve começar ainda este ano.
Documentação sempre acompanha o material já estudado, até que volte para a respectiva caixa
Documentação sempre acompanha o material já estudado, até que volte para a respectiva caixaImagem: léo ramos
A Unifesp pretende aproveitar o ensejo para investir na formação em antropologia forense, a começar por um curso de especialização planejado para ter início em 2017. No Brasil, a formação em bioantropologia depende da iniciativa de cada profissional. A união entre direitos humanos e ciência é um legado que o GTP pretende deixar ao país.
“O procedimento científico que está sendo seguido nos dá segurança, alento”, afirma Amparo Araújo, que perdeu o marido e o irmão durante a ditadura. O corpo do marido, sem o crânio, foi encontrado no cemitério de Perus. Ela tem esperança de identificar o irmão entre as ossadas da vala, e para isso já teve seu sangue retirado algumas vezes, desde a fase da Unicamp. Com a falta de continuidade, porém, as primeiras amostras se perderam. “Nunca explicavam para que aquilo serviria, o que estava acontecendo”, lembra, em contraste com a transparência que destaca no processo atual.
Recentemente, Amparo viu um homem na rua e por uma fração de segundo achou que fosse o irmão. “Mas não podia ser, se passaram 45 anos e ele teria 70 anos, seria diferente do que me lembro.” Ela define o desaparecimento como uma morte que não se conclui. “Não vamos abrir mão da presença da universidade”, afirma, em nome do Comitê de Acompanhamento, formado por familiares.


O que são os direitos humanos?

no site ONUBR

Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição.


Na imagem, a sala principal do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Crédito: ONU/Jean-Marc Ferré

Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação.
Direito Internacional dos Direitos Humanos estabelece as obrigações dos governos de agirem de determinadas maneiras ou de se absterem de certos atos, a fim de promover e proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos.

Estudantes da Escola Secundária Butkhak em Cabul, no Afeganistão, participam da Semana de Ação Global, uma campanha internacional que defende uma educação gratuita e de qualidade para todas e todos. Foto: ONU/Fardin Waezi
Estudantes da Escola Secundária Butkhak em Cabul, no Afeganistão, participam da Semana de Ação Global, uma campanha internacional que defende uma educação gratuita e de qualidade para todas e todos. Foto: ONU/Fardin Waezi


Desde o estabelecimento das Nações Unidas, em 1945 – em meio ao forte lembrete sobre os horrores da Segunda Guerra Mundial –, um de seus objetivos fundamentais tem sido promover e encorajar o respeito aos direitos humanos para todos, conforme estipulado na Carta das Nações Unidas:
“Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, … a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações…”
Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948

Contexto e definição dos direitos humanos

Os direitos humanos são comumente compreendidos como aqueles direitos inerentes ao ser humano. O conceito de Direitos Humanos reconhece que cada ser humano pode desfrutar de seus direitos humanos sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outro tipo, origem social ou nacional ou condição de nascimento ou riqueza.
Os direitos humanos são garantidos legalmente pela lei de direitos humanos, protegendo indivíduos e grupos contra ações que interferem nas liberdades fundamentais e na dignidade humana.
Estão expressos em tratados, no direito internacional consuetudinário, conjuntos de princípios e outras modalidades do Direito. A legislação de direitos humanos obriga os Estados a agir de uma determinada maneira e proíbe os Estados de se envolverem em atividades específicas. No entanto, a legislação não estabelece os direitos humanos. Os direitos humanos são direitos inerentes a cada pessoa simplesmente por ela ser um humano.
Tratados e outras modalidades do Direito costumam servir para proteger formalmente os direitos de indivíduos ou grupos contra ações ou abandono dos governos, que interferem no desfrute de seus direitos humanos.
Algumas das características mais importantes dos direitos humanos são:
  • Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa;
  • Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas;
  • Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido processo legal;
  • Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros;
  • Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de cada pessoa.
(Na imagem de capa dessa página, a sala principal do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Crédito: ONU/Jean-Marc Ferré)

Retomada das análises das ossadas de Perus atende reivindicação antiga dos familiares das vítimas da Ditadura brasileira

na Secretaria de Direitos Humanos

Estamos estudando sobre a Ditadura Militar Brasileira (1964-1985) e um dos primeiros textos que encontramos sobre a repressão e mortos e desaparecidos foi este abaixo. Interessante para quem estuda e pesquisa esse período tão violento da história recente do Brasil.

No ato público que será realizado hoje, às 14 horas, na Assembleia Legislativa de São Paulo, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), juntamente com a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) anunciarão a retomada dos trabalhos de identificação das ossadas dos Restos Mortais de Perus, local em que foi descoberta uma vala clandestina, em 1990, onde eram enterrados alguns dos presos e desaparecidos políticos da ditadura civil-militar brasileira, vítimas de grupos de extermínio e pessoas enterradas como “indigentes”.

Retirada das ossadas de Perus
 
A iniciativa de retomar o processo de identificação foi um esforço conjunto da Secretaria de Direitos Humanos, por meio da CEMDP, em parceria com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo, da Ministra da Secretaria Especial de Política para Mulheres, Eleonora Menicucci e da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva.  A Comissão Nacional da Verdade e a Comissão da Anistia também apoiaram o processo de identificação das ossadas de Perus. 

A retomada do processo de identificação é uma reivindicação antiga dos familiares das vítimas e remonta um processo longo de espera por reparação, Verdade, Memória e Justiça. A pratica do desaparecimento forçado foi largamente utilizada pelo Estado durante a ditadura militar e ainda hoje é uma pratica comum. Buscar a identificação dos restos mortais de Perus também é combater essa prática.  

Os trabalhos que serão anunciados hoje estão em curso há um pouco mais de tempo. Em julho foi contratada, pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, uma equipe formada por 10 arqueólogos, um historiador e dois fotógrafos.  Desde então, as atividades de sistematização de informações para a pesquisa "Ante mortem", que constituirá um banco de dados para ser usado posteriormente na comparação com as ossadas que serão examinadas, estão sendo feitos. O objetivo dessa fase inicial é levantar características sobre os desaparecidos políticos e retomar o diálogo com os familiares. 

“A pesquisa Antemortem é mais que a identificação de um perfil biológico, ou as características físicas das pessoas. Ela é também uma documentação que é produzida, que vai contra toda uma política de desaparecimento. Quando a gente produz uma documentação sobre alguém que tentaram desaparecer, a gente tá materializando de novo a existência dessa pessoa”, defende a coordenadora da equipe de antropólogos forenses, Márcia Hattori.   

A partir dessas informações, a equipe chegou a 41 nomes de desaparecidos possivelmente inumados na vala clandestina do Cemitério de Perus. 

Após os exames antropológicos, o material genético coletado será encaminhado a laboratórios especializados para a elaboração de perfil genético das ossadas. Estima-se que as etapas de lavagem, secagem, catalogação, triagem e análise genética sejam conduzidas ao longo do próximo ano. Na primeira fase do trabalho de retomada da identificação das ossadas, serão investidos R$ 2,4 milhões. Este investimento é destinado à contração dos peritos e do aluguel do espaço que será utilizado para os exames dos restos encontrados no Cemitério.

Equipe
Além da equipe contratada, o trabalho hercúleo de examinar 1.049 ossadas, contará com a colaboração de profissionais da Polícia Federal, do Ministério da Justiça e da Associação Brasileira de Antropologia Forense (ABRAF), que auxiliarão no processo de identificação. O convênio firmado entre a SDH/PR, através da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo e a Universidade Federal de São Paulo também permitirá a participação de profissionais da UNIFESP no processo de identificação das ossadas, desde 2002 depositadas no Ossário Geral do Cemitério Araçá. 

A Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF) e a Equipe Peruana de Antropologia Forense (EPAF), representadas, respectivamente, por Luis Fondebrider e José Pablo Baraybar, também prestarão assessoria técnica à equipe.

Histórico Perus
Em 1990, no dia 4 de setembro, foi aberta a vala de Perus, localizada no cemitério Dom Bosco, na periferia da cidade de São Paulo. Lá foram encontradas 1.049 ossadas de indigentes, presos políticos e vítimas dos esquadrões da morte. 

Em junho de 1979, Iara Xavier Pereira, irmã de Iuri e Alex de Paula Xavier Pereira relatou aos familiares de mortos e desaparecidos políticos reunidos no III Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia, no Rio de Janeiro, a descoberta dos restos mortais dos seus irmãos em valas do Cemitério de Perus. A sua família havia encontrado nos livros do Cemitério de Perus, o registro de Alex com o nome falso utilizado por ele durante a clandestinidade, João Maria de Freitas. 

Descoberta da vala clandestina de Perus em 1990
Essa descoberta despertou os familiares para a utilização de identidade falsa para o sepultamento de militantes políticos assassinados. Ainda no mês de junho, alguns familiares foram ao cemitério de Perus e localizaram outros militantes mortos e enterrados sob identidade falsa como Gelson Reicher, enterrado com o nome de Emiliano Sessa, e Luís Eurico Tejera Lisbôa, enterrado como Nelson Bueno. Esses novos dados levaram outros familiares a iniciarem suas buscas em cemitérios a partir dos nomes falsos utilizados por seus parentes na clandestinidade.

Em 1990, o repórter Caco Barcellos, investigando a violência policial através de laudos necroscópicos do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo, redescobre a vala clandestina e tal acontecimento alcança grande repercussão na imprensa. Em seguida, os familiares dos mortos e desaparecidos políticos obtêm o apoio da prefeita Luiza Erundina, que criou a Comissão Especial de Investigação das Ossadas de Perus. 

Algumas das ossadas foram levadas para o Departamento de Medicina Legal da UNICAMP e em 1992 foram identificados dois presos políticos cujos restos mortais estavam na vala clandestina: Dênis Antônio Casemiro, considerado desaparecido, e Frederico Eduardo Mayr.

Desde então o processo de identificação ficou paralisado, sendo retomado apenas agora em 2014.

Sobre o cemitério
O cemitério Dom Bosco foi construído pela prefeitura de São Paulo, em 1971, na gestão de Paulo Maluf e, no início, recebia cadáveres de pessoas não identificadas, indigentes e vítimas da repressão política. Fazia parte de seu projeto original a implantação de um crematório, o que causou estranheza e suspeitas até da empreiteira chamada a construí-lo. Este projeto de cremação dos cadáveres de indigentes, do qual só se tem notícia através da memória dos sepultadores, foi abandonado em 1976. As ossadas exumadas em 1975 foram amontoadas no velório do cemitério e, em 1976, enterradas numa vala clandestina.
 
 
 
Texto produzido pela Assessoria de Comunicação da CEMDP. O histórico sobre Perus foi realizado com informações do site www.desaparecidospoliticos.org.br

terça-feira, 22 de maio de 2018

Nicolás Maduro é reeleito para segundo mandato como presidente da Venezuela

na Rede Brasil Atual

O Conselho Nacional Eleitoral declarou vitória de Maduro por volta das 23h20 do domingo; comparecimento deve chegar a 48% ao final da apuração. Presidente afirmou que vai auditar todas as urnas e investigar denúncias de fraude


Maduro reeleito
Maduro faz primeiro discurso como presidente reeleito da Venezuela e chama à unidade das forças políticas em torno de um projeto para recuperar o país

Opera Mundi – O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), venceu as eleições presidenciais realizadas neste domingo (20) no país, anunciou a presidente do CNE (Conselho Nacional Eleitoral), Tibisay Lucena. Com a vitória, Maduro irá para seu segundo mandato como presidente da Venezuela, após assumir o cargo em 2012, quando o então presidente Hugo Chávez faleceu.
Segundo a oficial, que anunciou os números , A tendência já era irreversível quando a oficial anunciou os números, por volta das 23h20 de Brasília, momento em que Maduro tinha 67,7% dos votos (5.823.728 do total). O candidato da oposição, Henri Falcón, somava 21,2% (1.820.552 votos); Javier Bertucci, 10,75% (925.042); e Reinaldo Quijada, 0,4% (34.614). Tinham sido apuradas 92,6% das urnas e, segundo o CNE, 46,01% dos venezuelanos compareceram às urnas neste domingo – a projeção é que o resultado final mostre 48% de comparecimento.
Unidade
Em discurso logo após a declaração de sua vitória, Maduro falou a apoiadores em frente ao Palácio de Miraflores, em Caracas. "Estamos obtendo um recorde histórico, nunca antes um candidato havia ganhado com 68% dos votos populares [na Venezuela], e nunca antes havia conseguido 47 pontos de diferença em relação ao segundo candidato", disse Maduro.
"Esta é a vitória número 22 em 19 anos [de chavismo], conquistada com base no esforço, no trabalho consciente, junto a um poderoso movimento, de um povo unido, de um povo lutador", disse Maduro, que dedicou a vitória ao ex-presidente Hugo Chávez. "Vocês confiaram em mim, e eu vou responder a essa confiança amorosa."
O agora presidente reeleito chamou os candidatos derrotados para conversar sobre o futuro do país. Maduro também anunciou que vai pedir a Lucena, ainda nesta segunda (21), a auditoria de 100% das urnas e a apuração de todas as denúncias de fraude durante o pleito. A lei eleitoral exige que apenas 54% das urnas sejam auditadas.
Presidente reeleito
Maduro construiu sua campanha em uma proposta de "revolução econômica", prometendo reestruturar as contas do país e aprofundar as bases do chavismo. O presidente garante que irá combater o dólar paralelo, colocar à venda uma nova moeda virtual, o Petro, e consolidar o corte de três zeros da moeda nacional, o Bolívar.
Ex-sindicalista e militante da Liga Socialista da Venezuela, Maduro foi duas vezes deputado da Assembleia Nacional, Ministro das Relações Exteriores e vice-presidente da república até a morte de Hugo Chávez, em 2012, quando assumiu a presidência.
As eleições presidenciais de domingo marcaram o quarto pleito em menos de um ano na Venezuela, que já votou para a Assembleia Nacional Constituinte, governadores e prefeitos. Em 19 anos de governo chavista, essa foi a 24ª eleição no país.
Oposição
Antes mesmo de os resultados oficiais serem divulgados, Henri Falcón, que ficou na segunda posição, disse que não iria reconhecer o pleito. "Desconhecemos este processo eleitoral e o qualificamos como ilegítimo (...) Poderia haver eleições em outubro e estaríamos dispostos a participar, sem vantagens e sem chantagem. É assim que se constrói uma alternativa para responder aos venezuelanos que hoje padecem de fome e enfermidades", disse, no Twitter.

PAÍS DEMOCRÁTICO - Na Venezuela, mais de 200 observadores internacionais acompanham eleição

na Rede Brasil Atual

Entre os que garantem lisura de todo o processo, o ex-presidente do governo espanhol Rodríguez Zapatero, afirma que o direito ao voto deve ser respeitado

por Fania Rodrigues, do Brasil de Fato

Eleições Venezuela
Mais de 200 observadores, de 60 países, acompanham as eleições deste domingo para presidente da Venezuela

Brasil de Fato – O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela convidou mais de 200 observadores internacionais para acompanhar as eleições venezuelanas que ocorrem neste domingo (20). Entre os convidados estão figuras conhecidas como o ex-chefe do governo da Espanha José Luis Rodríguez Zapatero. Ele faz parte de uma delegação de autoridades europeias integrada também pelo ex-ministro de Relações Exteriores do Chipre, Marcos Cipriani, e o ex-presidente do Senado da França, Jean-Pierre Bel, que foi representante da Presidência da França para a América Latina durante o governo de François Hollande.
Zapatero defendeu o direito dos venezuelanos de votar. “Há setores da oposição que não vão votar, os respeito profundamente. Mas agora vai falar o povo da Venezuela. É bom que os cidadãos se expressem [nas urnas]. Isso trará, sem dúvida, novas possibilidades para esse país”, afirmou o ex-presidente, em entrevista coletiva logo depois de um reunião com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, na sexta-feira (18).
O político, que foi um dos mediadores do diálogo de paz entre o governo da Venezuela e os partidos de oposição, entre dezembro de 2017 e março deste ano, falou sobre uma possível retomada dos diálogos. “Falamos com o presidente (Maduro) sobre a possibilidade de abrir uma nova etapa do diálogo depois das eleições de domingo. Não detalhamos o lugar nem quem vai participar. Em minha opinião, a participação deve ser aberta”, disse Zapatero.
Além disso, o ex-mandatário espanhol também falou sobre “a necessidade de um diálogo mais fluído” entre o governo venezuelano e a União Europeia. “Depois do dia 21 de maio, esperamos que comece uma etapa de aproximação, na qual prevaleça o diálogo em vez das sanções”, afirmou o ex presidente espanhol.
Ele disse ainda que não há explicação para a posição radical da União Europeia em relação à Venezuela. “Uma pergunta que já fiz várias vezes é: por que a Europa dialoga com o Irã, por que é partidária do diálogo, e se comporta assim com a Venezuela?”, questionou Zapatero.
Sistema venezuelano
O juiz de direito brasileiro Dalmir Franklin de Oliveira é um dos 200 convidados do CNE venezuelano. Ele foi juiz eleitoral no município brasileiro de Passo Fundo (RS) e faz uma comparação entre os sistemas eleitorias venezuelano e o brasileiro: "O sistema venezuelano nos pareceu bastante confiável. Inclusive é até mais detalhado que o nosso, em termos de certificação e das próprias auditorias que eles relatam. Parece ser muito confiável".
A deputada espanhola Alesandra Fernandez também está acompanhando as eleições e disse que a realidade com que se deparou esta semana na Venezuela é bem diferente daquela transmitida pelos meios de comunicação do seu país.
"Existe uma diferença muito grande entre aquilo que se transmite pelos meios de comunicação e a realidade que observamos aqui, principalmente ao visitar os colégios eleitorais. O processo tem garantias que vão desde a utilização das impressões digitais [dos eleitores], até a validação dos resultados. Vemos muitas garantias, inclusive algumas que não vemos nem sequer no Estado espanhol", avaliou a deputada.


O jornalista italiano Luca disse que o sistema eletrônico da Venezuela é sofisticado e serve de exemplo a outros países. "Esse é um processo eleitoral muito importante para a Venezuela e para a América Latina. O povo aqui manda uma mensagem ao mundo e também ao meu país. Na Itália, ainda votamos com cédula de papel, não temos sistema eletrônico. O sistema venezuelano é muito interessante, porque não há fraude, não há possibilidade de mudar, manipular o nome dos candidatos. É um sistema que pode ser exportado para o mundo inteiro", opinou.

Venezuela, eleições e sabotagem

no Outras Palavras

Membro da oposição linha-dura, apoiada por Washington. Podendo chegar ao governo, grupos boicotam eleições e pedem intervenção militar — interna ou externa. Para converter a Venezuela numa Líbia, na América do Sul?

Em meio à crise, oposição poderia até ganhar a Presidência neste domingo. Mas o plano dos EUA, e de seus aliados locais, pode ser inviabilizar o país — onde estão as maiores reservas de petróleo do planeta
Por Alexander Main, em Nacla | Tradução: Inês Castilho
Costumava ser censurável apelar abertamente para golpes militares e intervenção dos EUA na América Latina. Não mais. Ao menos quando se trata da Venezuela, um país onde – de acordo com a narrativadominante na mídia – um ditador brutal  está deixando a população faminta e aniquilando qualquer oposição.
Em agosto passado, o president Trump casualmente mencionou uma “opção militar” para a Venezuela em seu campo de golfe em Nova Jersey, provocando um alvoroço na América Latina, mas nem um pio em Washington. Paralelamente, Rex Tillerson, então Secretário de Estado, manifestou-se favoravelmente  a uma possível deposição militar do presidente venezuelano Nicolás Maduro.
Recentemente, artigos de opinião sugerindo que um golpe um uma intervenção militar estrangeira na Venezuela pode ser uma boa coisa pontilharam o terreno da mídia: do Washington Post ao Project Syndicate  ao The New York Times. Ocasionalmente um especialista argumenta que um golpe de Estado poderia ter consequências indesejáveis, por exemplo se o regime do golpe decidisse aprofundaras relações com Rússia e China.
Raramente alguém aponta que esse debate é insano, em especial com relação a um país onde as eleições ocorrem frequentemente e são, com poucas exceções, consideradas competitivas e transparentes. No domingo, 20 de maio, Maduro será candidato à reeleição. Pesquisas sugerem que, se o comparecimento for alto, ele poderá ser retirado do posto.
O fato de que golpe, não eleições, são o tema quente é um triste reflexo do rumo distorcido que a discussão mainstream sobre a Venezuela tomou. Durante vários anos, a maior parte das análises e reportagens sobre a nação, rica em petróleo mas conturbada economicamente, tem apresentado uma representação em preto e branco, sensacionalista, de uma situação interna complexa e cheia de nuances. Além disso, tem havido pouca discussão séria sobre as políticas dos governo Trump em relação à Venezuela, mesmo quando estas causam mais danos à economia do país, agravando a carência de alimentos e remédios que salvam vidas, e minando a paz e a democracia.
Lados radicalizados

Não nos esqueçamos, Maduro – frequentemente descrito por especialistas e políticos dos EUA como um ditador – foi eleito democraticamente em eleições relâmpago realizadas um mês após a morte de seu predecessor, Hugo Chávez, no início de 2013. Como o período presidencial na Venezuela é de seis anos, seu mandato constitucional atual terminará no início de 2019.
Desde o início, alguns setores da oposição venezuelana rejeitaram a legitimidade de Maduro e exigiram sua saída imediata do governo. Em 2014 e novamente em 2017, endossaram movimentos de protesto explicitamente voltados a gerar grandes tumultos em áreas urbanas chave, para tentar forçar a queda do governo — por exemplo, exacerbando a pressão popular ou pela intervenção militar interna ou externa.
Embora muitos desses protestos fossem pacíficos, alguns tornaram-se violentos e resultaram em dezenas de mortes, algumas atribuíveis a forças de segurança do Estado e outras a membros do movimento de protesto, de acordo com relatórios confiáveis e provas documentais. Centenas de manifestantes foram detidos e algumas figuras da oposição, incluindo o ex-prefeito de Chacao, Leopoldo López, foram condenados à prisão por supostamente incitar á violência. López atualmente está em prisão domiciliar, depois de cumprir três anos de pena.
Apoiadores da oposição acreditam que os direitos processuais de López e outros envolvidos com os protestos foram violados, e certamente há motivos para esse argumento. Entretanto, alguns adeptos do governo acreditam que esses indivíduos mereceram penas mais pesadas pela tentativa de usurpar o poder popular por meio da desestabilização e da violência, de uma forma que lembra a preparação para o golpe militar de curta duração em 2002 contra Chávez — em que López e outros líderes da oposição estavam envolvidos.
No final de 2015, a oposição da Venezuela conquistou uma grande maioria de cadeiras nas eleições para a Assembleia Nacional. Mas o Executivo e Legislativo do país ficaram logo em desacordo sobre supostos casos de fraude eleitoral que levaram a Suprema Corte da Venezuela, um órgão amplamente visto como leal ao governo, a desqualificar três legisladores da oposição. A remoção desses legisladores significou a perda da maioria de dois terços da aliança de oposição, que lhe dava amplos poderes para intervir no nível executivo.
A oposição gritou e recusou-se a cumprir a decisão do tribunal. Em resposta, a corte recusou-se a reconhecer a legitimidade do parlamento. As instituições da Venezuela deixaram de interagir de acordo com o manual constitucional e os dois lados adotaram táticas cada vez mais radicais para tentar obter superioridade.
Líderes da oposição apoiaram uma nova série de protestos, que foram ficando cada vez mais violentos, paralisando vias públicas em Caracas e outras cidades durante vários dias, a cada vez. Grupos de manifestantes confrontaram-se frequentemente com as forças de segurança e dezenas de pessoas foram mortas, incluindo manifestantes, agentes de segurança do Estado e transeuntes.
O governo Maduro respondeu ao crescente caos nas ruas chamando eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte que iria desenhar uma nova Constituição e, de acordo com Maduro, trazer “ordem, justiça, paz” à Venezuela.
A oposição, denunciando a iniciativa como uma manobra destinada a mudar a Assembleia Nacional, boicotou as eleições. Desse modo, o novo órgão é quase inteiramente pró-governo e os EUA e governos aliados recusam-se a reconhecê-lo. Em seguida às eleições para a Assembleia Constituinte, o movimento de protesto desentendeu-se e a oposição tornou-se mais dividida, com radicais chamando outro boicote  eleições seguintes, regionais e municipais. Como resultado desse e de outros fatores, os eleitores da oposição fracassaram na mobilização e o governo venceu a maioria das disputas, tanto regionais quanto municipais, no final de 2017.
A economia
O pano de fundo da prolongada crise política da Venezuela foi, é claro, o atoleiro econômico do país, que se agrava cada vez mais. Embora a queda dos preços do petróleo tenha certamente desempenhado um papel, Maduro sem dúvida tem parte da responsabilidade pela profunda depressão e hiperinflação que levou centenas de milhares de venezuelanos a emigrar e causaram sua queda nas pesquisas.
Enquanto muitos ideólogos culpam o “socialismo” pelos problemas econômicos do país, a maioria dos economistas aponta uma série de erros políticos que têm pouco ou nada a ver com socialismo.  Mais devastador tem sido o disfuncional sistema de taxa de câmbio, que levou a uma espiral de “inflação-depreciação” cada vez pior no decorrer dos últimos quatro anos, e agora à hiperinflação. A gasolina quase gratuita e um controle de preços que não funcionou também contribuíram para a crise. As sanções financeiras do governo Trump – mais do que todos os esforços de desestabilização anteriores, que foram significativos – tornaram praticamente impossível para o governo sair da confusão sem ajuda externa.
Como se essa situação profundamente agônica não fosse suficiente, a mídia publicou com frequência relatos exagerados sobre as condições na Venezuela, apontando por exemplo fome generalizada. Para ser claro, a escalada de preço dos alimentos aumentou a subnutrição no país, mas isso é bem distante de uma fome em larga escala.
Mais importante, tem havido escassas reportagens na mídia dos EUA sobre os danos econômicos adicionais provocados pelas sanções financeiras do governo Trump, anunciadas em agosto do ano passado (logo depois da declaração sobre uma “opção militar” para a Venezuela).
Como meu colega Mark Weisbrot explicou, o embargo unilateral e ilegal – que exclui a Venezuela da maioria dos mercados financeiros – tem tido duas consequências principais, ambas implicando aumento das dificuldades econômicas para o povo venezuelano. Primeiro, porque causa uma escassez ainda maior de bens essenciais, incluindo alimentos e remédios. Segundo, porque torna a recuperação da economia quase impossível, uma vez que o governo não pode tomar empréstimos ou reestruturar sua dívida externa, e em alguns casos até mesmo realizar transações normais de importação, inclusive para medicamentos.
Além de fomentar maior devastação econômica na Venezuela, Trump e sua corte de conselheiros sobre a Venezuela, incluindo o senador republicano Marco Rubio, têm apoiado opositores de linha dura em seus esforços para impedir tentativas de diálogo e minar as eleições, mesmo quando estas oferecem a possibilidade de uma transição política pacífica.
No caso em questão: as eleições presidenciais deste domingo. O líder da oposição Henri Falcón – um ex-governador e organizador de campanha para o candidato da oposição nas eleições presidenciais de 2013, Henrique Capriles – concorre como candidato independente contra Maduro e outros três candidatos. Vários grandes partidos de oposição estão boicotando as eleições, entre outras razões porque fazem objeção à data próxima do pleito, que segundo eles não lhes dá tempo suficiente para organizar uma campanha forte. Contudo, a autoridade eleitoral concordou com o adiamento por um mês da data inicial. Dois partidos de oposição, Primeiro Justiça e Vontade Popular, também não conseguiram registrar candidatos porque, alega-se, não alcançaram os requisitos formais para fazê-lo.
Contudo, pesquisas eleitorais realizadas pelo Datanalysis, instituto mais frequentemente citado na Venezuela, indicam que Falcón pode vencer, se houver um grande comparecimento às urnas. Antes de confirmar sua candidatura, Falcón obteve fortes garantias junto à autoridade eleitoral do país, garantindo transparência, acessibilidade eleitoral e votação secreta, como houve em todas as contestadas eleições anteriores, desde que Chávez assumiu o poder em 1999.
Mas o governo Trump, depois de ameaçar Falcón com sanções financeiras individuais se não desistisse de sua candidatura, apoiou a o boicote eleitoral promovido por setores mais linha dura da oposição.  Eles veem o candidato, que era aliado de Chávez até 2010, como alguém que, se eleito, estaria disposto a entrar em acordo com os chavistas. O governo dos EUA ameaçou até mesmo aumentar sanções contra o petróleo venezuelano, se as eleições forem realizadas. Fontes indicam que quando ambos, Falcón e o governo venezuelano, solicitaram que a ONU enviasse uma equipe observadora internacional para monitorar as eleições, funcionários dos EUA intervieram para garantir que esse esforço de monitoramento não acontecesse.
Com o governo norte-americano e a oposição da Venezuela fazendo todo o possível para reforçar a campanha dos linhas-duras pelo boicote, há uma grande possibilidade de que seja baixo o comparecimento às urnas no campo da oposição, e que Maduro vença as eleições por uma larga margem. Pode-se esperar que o governo Trump faça a imediata denúncia de um processo “fraudulento” e “ilegítimo”, tomando atitudes que tornarão a vida dos venezuelanos comuns ainda mais difícil.
Mudança de regime: uma política norte-americana permanente

Vale notar que a política de Trump para a Venezuela é principalmente uma continuação da política de Obama para o país, embora o embargo financeiro e apelo a um golpe militar sejam particularmente ultrajantes e desprezem o direito internacional e as normas das nações civilizadas. As sanções de Trump aumentam o regime de sanções de Obama que identificam a Venezuela como uma “ameaça extraordinária à segurança nacional”.  Quando Obama começou o processo de normalização de relações com Cuba, ele começou a mirar os bens de vários altos funcionários e indivíduos associados com o governo Maduro.
Sob Obama, o governo dos EUA continuou, como na era-Bush, a financiar organizações políticas de oposição na Venezuela, e mais uma vez fez lobby junto a governos regionais para censurar a o país em organizações multilaterais, como na Organização dos Estados Americanos (OEA). Washington também recusou-se a aceitar um embaixador venezuelano em Washington – embora convidasse um cubano – e alinhou-se a membros linha-dura da oposição quando recusou-se a reconhecer a vitória eleitoral de Maduro em abril de 2013.
Essencialmente, o governo de Obama – como o de Bush, que esteve envolvido no golpe de vida curta em 2002 contra Hugo Chávez – tinha uma política de promover uma “mudança de regime” na Venezuela. Com Trump, aquela política tomou uma direção mais agressiva, aberta e perigosa.
Infelizmente não tem havido praticamente nenhuma crítica aos esforços do governos dos EUA para derrubar o governo venezuelano na grande mídia. No Congresso dos EUA, onde um grande número de legisladores agora se opõem ao embargo contra Cuba, por exemplo, há pouco clamor, com a importante exceção do um pequeno grupo de democratas progressistas que se opuseram às sanções contra a Venezuela, sob Obama e Trump. A maior parte do establishment político e da mídia parece acreditar que Trump tem a agenda política certa para a Venezuela, com vários liberais justificando as duras medidas com casos de corrupção, violação de direitos humanos e outros crimes que supostamente envolvem funcionários venezuelanos.
Entretanto, nenhuma dessas críticas pede sanções econômicas contra países latino-americanos com registro de muito mais violência e repressão. Contra Honduras, por exemplo, onde os militares recentemente reprimiram violentamente manifestações pacíficas após eleições fraudulentas, que o governo dos EUA reconheceu. Ou contra a Colômbia  e o México, onde nos últimos meses dezenas de candidatos políticos e líderes sociais foram assassinados com impunidade.
A Venezuela é tratada de modo diferente pelos EUA por razões óbvias: tem um governo que busca ser independente de Washington e se encontra sobre reservas de centenas de bilhões de barris petróleo, que – quando a economia da Venezuela finalmente se recuperar – irão possibilitar ao governo ter influência regional de longo alcance.
De fato, isso é exatamente o que aconteceu durante o governo Chávez. Aumentou a popularidade da Venezuela na América Central e no Caribe graças em grande parte à generosa iniciativa Petrocaribe do governo, que trouxe benefícios econômicos tangíveis a muitos países da região. Ela teve também influência na construção de instituições regionais tais como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac) e a União das Nações Sul Americanas (Unasur), que eram muito mais independentes dos EUA do que a Organização dos Estados Americanos, localizada em Washington.
A despeito de como cada um se sinta, em relação ao atual governo da Venezuela, é tempo de se dar conta de que a política dos EUA com relação a esse pais está tornando as coisas piores. Está gerando maior sofrimento econômico, instabilidade e polarização política e minando as chances de alcançar uma solução pacífica para a crise política do país.
Os comentários sobre golpe e intervenção militar na Venezuela, ou em qualquer outro lugar da América Latina, precisam retornar a seu prévio status de tabu, particularmente por causa da receptividade a ideias absurdas da atual liderança dos EUA. Em vez disso, é hora de esfriar as cabeças em todo o espectro político para trabalhar juntos por uma mudança na direção política em relação à Venezuela. Primeiro, os cidadãos dos EUA que se importam com os Estados Unidos devem organizar-se para forçar Trump a levantar o embargo financeiro; depois, é preciso encorajar os esforços para construir confiança e diálogo entre os setores políticos, ao mesmo tempo em que marginalizamos linhas-duras que se opõem a qualquer forma de acordo.