quinta-feira, 30 de julho de 2015

São anunciados os vencedores do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade

no portal do IFHAN

É uma satisfação imensa ter participado do Projeto (Re) Vivendo Êxodos em 2012, quando participamos de uma aula em uma fazenda próximo à cidade de Corumbiara-GO.

O projeto (RE) Vivendo Êxodos, que tem a figura ímpar do grande mestre Prof. Luis Guilherme à frente é merecedor desse maravilhoso prêmio.

Mas o prêmio vai também para a Escola Pública, para a Educação Pública, como falei ao Luis no dia de ontem, o Projeto é um grande e importante exemplo do compromisso que uma leva enorme de professores e professoras têm pela Escola Pública e por nosso povo e sua cultura.

Parabéns Luis!!!
(Prof. Gilbert)

Reunião da Comissão Nacional de Avaliação do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade. Foto Acervo Iphan
Este ano, com aumento no número de premiados, o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, contemplou as oito ações em duas categorias: 
Categoria I - Iniciativas de excelência em técnicas de preservação e salvaguarda do Patrimônio Cultural: visa valorizar e promover iniciativas de excelência em preservação e salvaguarda, envolvendo identificação, reconhecimento e salvaguarda; pesquisas; projetos, obras e medidas de conservação e restauro: 
1.    Documentário Remeiros do São Francisco (MG)
2.    Ilé Omiojúàrò: Patrimônio Cultural (RJ)
3.    Preservação da Tradição e da Cultura do Centro Oeste Goiano através da trilogia de Bariani Ortêncio (GO)
4.    Levantamento das casas enxaimel de Blumenau (SC)
Categoria II - Iniciativas de excelência em promoção e gestão compartilhada do Patrimônio Cultural: visa valorizar e promover iniciativas referenciais que demonstrem o compromisso e a responsabilidade compartilhada para com a preservação do patrimônio cultural brasileiro, envolvendo todos os campos da preservação e oriundas do setor público, do setor privado e das comunidades:
1.    Grupo Uirapuru - Orquestra de Barro (CE)
2.    Re(vi)vendo Êxodos (DF)
3.    Do Buraco ao Mundo: Segredos, rituais e patrimônio de um quilombo-indígena (PE) 
4.    Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros (GO)
O anúncio ocorreu nesta quarta-feira, 29 de julho. Durante dois dias, a Comissão Nacional de Avaliação se reuniu na Sede do Iphan em Brasília, onde avaliou 57 projetos, selecionados primeiramente nas comissões estaduais. Cada uma das ações teve o parecer de dois jurados, como forma de contrapor visões e estimular um debate sobre a relevância de cada iniciativa para a gestão compartilhada, proteção, preservação ou salvaguarda do patrimônio cultural brasileira. 
Os documentos com a ata da reunião e o resultado final da 28ª Edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade já estão disponíveis no site do Iphan.
O presidente da Comissão Nacional, Luiz Phillipe Torelly, observa que o Prêmio Rodrigo é “o Brasil que não se vê na TV”. Nesta fala, ressalta que a premiação, que já ocorre há 28 anos, mostra a diversidade das expressões brasileiras e o empoderamento da sociedade na atribuição de valor ao seu patrimônio. 
A jurada Mônica Noleto, representante da Unesco, disse que participar da premiação “foi uma experiência rica. Fiquei impressionada com a qualidade e diversidade dos projetos. Foi uma ótima oportunidade para conhecer melhor a diversidade cultural do país”. 
Já Briane Bicca, que participa da premiação há alguns anos, relata que cada vez mais a premiação caminha para uma política cultural democrática, com notável apropriação da sociedade civil do conceito ampliado de patrimônio.
Cada um dos vencedores receberá o valor de R$ 30 mil, além de certificado e placa de premiação. O valor é uma forma de reconhecer as iniciativas que fazem o patrimônio ter sustentabilidade não só na esfera institucional, mas, sobretudo, nas esferas da vida, na qual se dá a prática social. 
A cerimônia de premiação ocorre no dia 27 de outubro, em Brasília, no Clube do Choro. Os representantes de cada ação, além de serem homenageados, participarão das mesas redondas para debater as temáticas dos projetos apresentados, além de temas como política cultural, gestão e outros. 


Mais informações para imprensa:
Assessoria de Comunicação Iphan 

comunicacao@iphan.gov.br
Adélia Soares - adelia.soares@iphan.gov.br
Gabriela Sobral Feitosa gabriela.feitosa@iphan.gov.br 
(61) 2024-5461 / 2024-5463/ 2024-5459 
(61) 8356-5857

Em ato de racismo, indígenas são expulsos de ônibus de viagem

no Portal da Revista Fórum
Por conta do preconceito de uma mulher que não queria viajar ao lado dos indígenas, quatro Kayapós que saíam do Encontro de Culturas Tradicionais na Chapada dos Veadeiros foram obrigados a descer do ônibus que os levaria de volta para Palmas (TO) e acabaram largados no meio da rodovia; organização do evento estuda processar a passageira e a companhia responsável
Por Ivan Longo
Indígenas da tribo Kayapó, que vivem em Tucumã, no interior do Pará, foram alvo de um episódio de racismo e preconceito no início desta semana. Desde o último dia 17,  eles estavam em Goiás participando do 15º Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros e voltariam para a sua aldeia no último domingo (26), mas tiveram que adiar a viagem por conta da discriminação.
Com as passagens compradas, 18 indígenas embarcariam em Brasília, em um ônibus que faria o trecho até Palmas (TO), o ideal para que chegassem a Tucumã. Do total, 14 deles se instalaram na parte superior do ônibus e outros quatro ficaram na parte de baixo. De acordo com Isaac Kayapó, líder da tribo, uma mulher que estava em uma poltrona da parte inferior do veículo se incomodou com a presença deles. “Nós que pagamos! Ou vocês descem ou eu chamo a polícia”, teria dito a passageira.
Isaac conta que, apesar da indignação pelo preconceito que estavam sofrendo, os índios optaram por não dar importância à discussão e, acuados, os quatro desceram do ônibus e foram largados no meio da rodovia. “Ela disse um monte de coisa horríveis, mas não queríamos brigar”, disse.
O motorista interveio e perguntou se as partes queriam que ele chamasse a polícia. Mesmo com os indígenas cedendo ao preconceito da passageira, no entanto, o condutor simplesmente deu a partida e seguiu viagem sem prestar qualquer tipo de assistência.
Os quatro indígenas expulsos foram acolhidos por uma van da organização do Encontro e voltaram em um ônibus no dia seguinte, com novas passagens compradas. A coordenação do  evento estuda agora acionar o Ministério Público e entrar com um processo contra a passageira e a empresa de ônibus por discriminação.
“É um preconceito que se vincula a um desconhecimento sobre esses indígenas e se vincula também a um momento que estamos vivendo de muito radicalismo dentro da sociedade e essas pessoas às vezes saem do armário. Elas não falavam, e hoje elas acham que podem falar e exercitar seu racismo cotidianamente”, observou Tiago Garcia, assessor da secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que é uma das organizadoras do Encontro. “Ela cometeu um crime e merece ser punida por isso”, completou.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Unesp investiga pichações racistas em banheiros do campus de Bauru

na Rede Brasil Atual
Professor agredido diz que reforçará ações pedagógicas para evitar novos crimes no futuro e que fará boletim de ocorrência, cobrando a identificação dos responsáveis
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Pichações já apagadas atacavam mulheres negras, os coletivos de jovens afrodescendentes da instituição e professor negro

São Paulo – A Universidade Estadual Paulista (Unesp) já iniciou as investigações para identificar os responsáveis pelas pichações racistas feitas em banheiros do Departamento de Comunicação Social no campus de Bauru (a 330 quilômetros de São Paulo). Os criminosos estarão sujeitos ao Regimento Geral da Unesp e podem sofrer desde advertências até o desligamento da instituição.
Com teor extremamente agressivo, as pichações atacavam mulheres negras, os coletivos de jovens afrodescentes da instituição e o professor do curso de Jornalismo e militante do movimento negro Juarez Tadeu de Paula Xavier, de 55 anos: "Unesp cheia de macacos fedidos", "Negras fedem" e "Juarez macaco" eram algumas das frases escritas. Após o registro fotográfico para o processo, os dizeres foram apagados. Em solidariedade, alunos penduraram nos banheiros cartazes contra racismo e em apoio ao movimento negro.
“Os banheiros sempre serão uma porta para esses comportamentos. É comum ter visto com certa frequência ofensas contra mulheres e grupos homoafetivos. Mas de uma forma tão orquestrada assim é a primeira vez que eu vejo”, lamentou o professor Juarez à TV Unesp.
TV UNESP/DIVULGAÇÃOprofessor juarez.jpg
'(Pichações) de uma forma tão orquestrada é a primeira vez que vejo', diz Juarez Xavier, professor agredido
“Internamente, vamos abrir uma comissão processante que vai ter por objetivo apurar o que aconteceu e criar mecanismos para coibir essa prática no futuro. Externamente, vamos fazer aquilo que temos recomendado: vamos abrir um boletim de ocorrência, fazer denúncia de racismo e pedir para que haja acompanhamento por parte da Polícia Civil nas investigações possíveis. Não é só punitivo. Tem uma dimensão didática e pedagógica para evitar isso no futuro”, completou o professor.
Em nota, a Unesp disse que repudia as pichações racistas. “Trata-se de um ato contra o Estado democrático de Direito, a população afrodescendente e a política de inclusão adotada pela Unesp”, diz o texto. O processo de investigação inclui o levantamento de informações, a obtenção de nomes, datas e horários que possam resultar em provas da responsabilidade do crime.
“A gente sabia que essas manifestações racistas iam aparecer. A tendência é que elas apareçam cada vez mais, na medida que estamos ocupando cada vez mais esse espaço universitário, que não foi criado para nós”, afirmou o estudante da universidade e militante do movimento negro Pedro Borges à TV Unesp. “A gente sabe que isso acontece diariamente de outras formas: acontece no trânsito, nos escritórios, no dia a dia do Brasil. Quando vem à tona, a gente já estava esperando”, afirmou o também estudante e militante do movimento negro Solon Neto.
TV UNESP/REPRODUÇÃO
Contra o racismo
Em solidariedade, alunos penduraram nos banheiros cartazes contra racismo
Dezenas de alunos e amigos manifestaram apoio público ao professor em sua página no Facebook. “Indignado! Esse é o sentimento que me toma. Já faz 10 anos que me formei no curso de Jornalismo e o professor Juarez Xavier foi um dos docentes mais fantásticos e humanos de todo os quatro anos de curso”, diz o ex-aluno Lincoln Tavares de Melo. “Esse é o meu professor... um dos melhores que já tive!! Orgulho de ter sido sua aluna”, publicou a internauta Cibelli Marthos. “É difícil, pra mim, acreditar que coisas assim ainda acontecem. Força, Juarez Xavier. Que vergonha, Unesp Bauru”, postou Fernanda Barban.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Globo 1989-2015: 26 anos de campanhas sujas contra Lula

na Carta Maior

Um promotor com folha de serviços judiciais que destacam 245 advertências por desempenho negligente protocolou uma acusação contra Lula em tempo recorde

Dario Pignotti
reprodução
Brasília - Pastas vazias. Em dezembro de 1989, as intenções de voto do candidato Luiz Inácio Lula da Silva cresciam em ritmo constante, enquanto o favorito Fernando Collor de Melo ficava estacionado, e para que esse quadro se revertesse e Collor pudesse finalmente ser eleito presidente, seria necessária uma importante ajuda da Rede Globo de Televisão. Era preciso desconstruir a imagem de Lula, ou melhor, a sua legitimidade, através de notícias negativas e da famosa montagem no debate final, em um estúdio de televisão, quando Collor chegou com uma volumosa pasta, na que assegurava conter provas irrefutáveis dos ilícitos cometidos por seu rival. Vinte anos depois, um ex-diretor da Globo, José Bonifacio Sobrino, o Boni, admitiu ter planejado o espetáculo de Collor posando como justiceiro, diante das câmeras, com um portfólio cheio de papéis em branco.
 
Estudos posteriores demonstraram que essa fraude eletrônica, complementada pela reedição igualmente tendenciosa dos melhores momentos do debate entre os candidatos, reverteu a curva de aprovação ascendente de Lula. Três dias depois, no dia 17 de dezembro de 1989, o petista sofreria sua primeira derrota presidencial contra a Globo, a única força política que sobreviveu impune aos 21 anos de ditadura, que obstruiu a transição democrática (censurando as mobilizações massivas por eleições diretas), e vem prolongando seu status de partido hegemônico até hoje.
 
Há duas semanas, um fiscal substituto, com currículo acadêmico mediano e uma folha de serviços judiciais na que se destacam 245 advertências por desempenho negligente e/ou demorado, protocolou uma acusação contra o ex-presidente e líder histórico do PT em tempo recorde, segundo ele, porque suspeitava do delito de “tráfico de influências internacional”.
 
O funcionário suplente, conhecido na comarca judicial de Brasília (integrada por vários procuradores e juízes anti-lulistas) por sua velocidade de tartaruga, iniciou o procedimento investigativo atropelando o prazo previsto pela promotora titular, que expirava em setembro.
 
Fez isso baseado nos artigos publicados pelo grupo Globo, nos que se associavam as viagens de Lula ao exterior, entre 2011 e 2014 com supostas manobras dolosas a favor da construtora Odebrecht – que atua em vários países e se beneficia há décadas das gestões de governantes civis e militares.
 
Em artigo ilustrado com a imagem de Lula com um gesto intrigante, a revista Época, das Organizações Globo, o define como um “operador” das empresas construtoras, e associa, sem nexo documental nem testemunhal, sua agenda internacional com o tráfico de influências.
 
O semanário global mostra mensagens de fax que confirmam as viagens, o que é redundante, porque os eventos no qual participou foram públicos, e se insinua que o grosso desses encontros não se realizaram com a participação da Odebrecht. Para completar a desinformação, a nota evita explicar devidamente que várias dessas viagens internacionais foram para receber prêmios e títulos de doutorados honoris causa, na Espanha, Estados Unidos e México, ou para manter reuniões com ex-presidentes, como as duas que teve com Bill Clinton.
 
Quem leu os quase 20 mil caracteres da reportagem principal, publicada no dia 30 de abril – a que foi citada pelo promotor para fundamentar suas suspeitas – chegará à conclusão de que contém tantos indícios contra Lula como os que guardavam as pastas em branco que levaram Collor à presidência em 1989, com cumplicidade da mesma Globo.
 
O vazio informativo da Globo nessa e em outras matérias similares, se transformou em escândalo mundial em questão de horas: agências internacionais e cadeias televisivas do mundo inteiro replicaram a notícia de que Lula estaria envolvido numa trama suspeita. A bola de neve se tornou gigante com o passar das semanas, e aquela notícia oca conseguiu inspirar análises mal-intencionados, especialmente da imprensa anglo-saxônica, e mais ainda dos meios financeiros como o Financial Times, que escreveu na semana passada um editorial sobre o “filme de terror” de um Brasil que se afunda na corrupção, e que só se salvaria com um plano de ajuste exemplar. Seria, por acaso, um plano como o imposto à Grécia? Possivelmente sim.
 
Aliás, as teses extremamente neoliberais do Financial Times costumam ser tomadas como próprias pela Globo, para o que imagina ser um futuro próximo pós-Lula e pós-Dilma Rousseff – também a querem fora do Planalto, apesar das políticas ortodoxas de seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, um ex-funcionário do FMI e do banco privado Bradesco.
 
A urgência do grupo midiático mais concentrado da América Latina em virar a página da era “lulopetista” foi bem resumido na semana passada, num artigo de opinião cujo título – “Sem tempo” – não deixa lugar a dúvidas, trazendo argumentos a favor de uma saída antecipada de Dilma e a continuidade do ortodoxo ministro Levy numa gestão de transição, após um hipotético golpe institucional.
 
Como os nazistas
 
Poucos jornalistas conhecem a lógica política da Globo como Tereza Cruvinel, que trabalhou durante mais de uma década como colunista política para os meios da empresa, antes de seguir sua carreira em outros veículos. Cruvinel assegura que o plano editorial para acabar com o capital simbólico e político de Lula tem um capítulo crucial com sua chegada ao poder, em 2003.
 
"O enredo que vem sendo rabiscado desde 2003 agora começa a tomar forma. No epílogo desejado por seus autores, o ex-presidente Lula sai da História, do lugar assegurado por sua trajetória e por oito anos de governo que mudaram o Brasil, tomba como réu em um processo desonroso, torna-se inelegível e o povo brasileiro não repete a ousadia de colocar na Presidência alguém saído de onde ele saiu: da pobreza, do Nordeste, da classe operária, do compromisso com os mais pobres e com um Brasil de todos", analisa Cruvinel.
 
De sua parte, Lula respondeu aos ataques nesta sexta-feira (24/7): “tenho a impressão de que o que vemos na televisão se parece com o que os nazistas faziam, criminalizando o povo judeu, ou o que os romanos faziam, criminalizando os cristãos. Estou cansado de ver esse tipo de criminalização contra as esquerdas”.
 
Em encontro com sindicalistas da região industrial de São Paulo, o ex-presidente reforçou sua indignação enaltecendo a honestidade de Dilma, caluniada diariamente com insinuações sem provas. Vestido com o velho macacão de militante, o ex-presidente viaja pelo Brasil denunciando a tentativa de golpe branco contra Dilma, reivindicando a política econômica distribucionista dos governos petistas, assim como da continuidade da política externa voltada à América Latina.
 
Apesar das campanhas negativas contra si, Lula mantém uma agenda de encontros internacionais que, nos últimos meses, incluiu eventos com os presidentes Evo Morales e Cristina Fernández, o secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, e o presidente do Parlamento venezuelano Diosdado Cabello, encontro que ocorreu pouco antes da missão de senadores opositores brasileiros, que viajaram à Venezuela para se encontrar com os referentes golpistas.
 
Lula é o único sobrevivente da troica sul-americana formada por ele, Néstor Kirchner e Hugo Chávez – a que, em 2005, acabou com o projeto de “anexação” da ALCA, na cara de George Walker Bush, que foi àquela Cúpula das Américas de Mar del Plata com a certeza de que ninguém se atreveria. Tinha como aliado o corpulento presidente mexicano Vicente Fox, que mostrou ser um anão político de incapacidade diplomática singular.
 
O eventual retorno do líder petista nas eleições de 2018 é uma hipótese contra a qual a família Marinho, dona da Rede Globo, trabalha determinada, junto com seus sócios políticos locais. Esse bloco contrário ao regresso de Lula conta, possivelmente, com o aval dos grupos de interesse estrangeiros, “provavelmente norte-americanos”, comprometidos com a restauração de um projeto de livre mercado hemisférico, comentou a este diário o chefe do bloco de deputados do PT, Sibá Machado.
 
Tradução: Victor Farinelli

Da guerra ao comércio de maconha

na Carta Capital

Colorado, nos EUA, é uma prova das vantagens da legalização da erva
Vlademir Alexandre/ Estadão Conteúdo
guerra-comércio
O Colorado arrecadou 27 milhões de dólares em sete meses
O debate sobre a liberação da maconhaganhou uma nova perspectiva. O cultivo legal da erva, revelam os dados mais recentes do estado do Colorado, o primeiro a autorizar o uso recreativo nos Estados Unidos, pode tornar-se uma nova e interessante fonte de receita, empregos e impostos. Segundo a organização Drug Policy Alliance, de janeiro a julho do ano passado, a cadeia produtiva da cannabisgerou mais de 10 mil postos de trabalho e recheou os cofres públicos estaduais com 27 milhões de dólares em tributos. Estima-se que o comércio da droga em todo o país, apesar de não existir uma permissão federal para o plantio e o consumo, tenha movimentado 2,7 bilhões de dólares em 2014.
Os dados levam a uma pergunta: não seria mais inteligente legalizar e controlar o comércio do que deixá-lo sob o domínio dos narcotraficantes? Ao menos 5% da população mundial, calcula a Organização das Nações Unidas, recorre ao submundo para conseguir drogas. A maconha seria a terceira substância psicoativa mais consumida do planeta, com 117 milhões de usuários. Detalhe: é a única ilegal entre as três primeiras colocadas. As outras são o álcool e o tabaco.
O potencial econômico da maconha não está limitado ao seu efeito químico sobre o corpo. As aplicações são variadas, a depender da composição de cada espécie. Estudos indicam que uma variedade rica em canabinoides, uma das substâncias naturais da planta, apresenta relevantes resultados medicinais. Outros tipos, com baixos níveis consideráveis de canabinoides ou THC (a substância psicoativa), têm aplicação na indústria têxtil e de alimentos. Tênis e óleos estão entre os produtos possíveis.
No outro extremo emergem os gastos com a repressão aos entorpecentes. Nos últimos 20 anos, a chamada guerra às drogas consumiu mais de 1 trilhão de dólares somente nos Estados Unidos, sem maiores efeitos sobre o consumo. Não estão contabilizados os custos do aumento da população carcerária e os efeitos da violência sobre o sistema de saúde. O fim da repressão, calcula o Instituto Cato, levaria a uma economia de 41 bilhões de dólares anuais apenas nos EUA.
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No Uruguai, há 2,6 mil " fazendeiros" . Créditos: Theo Stroomer/ Getty Images /AFP
Os benefícios ao Brasil com a legalização ou a regulação seriam igualmente substanciais. A começar pela economia na repressão. Atualmente, 27% dos presos no País respondem pelo crime de tráfico. Sancionada em 2006, a Lei de Drogas produziu um efeito contrário ao desejado. Desde a sua entrada em vigor, o número de detentos por comércio ilegal saltou de 31 mil para 164 mil, aumento de 520%. O motivo, aponta a Secretaria Nacional de Drogas, está na distinção entre usuário e traficante.
Ao contrário de outros países, o critério adotado pelo Brasil é subjetivo e leva em conta a quantidade de droga apreendida, o local, as circunstâncias sociais e pessoais do detido e seus antecedentes criminais. Isso cria situações como a condenação a quatro anos e dois meses de detenção por tráfico de drogas de um suspeito que carregava 1 grama e meio de maconha. O fato ocorreu em São Paulo neste ano. 
Um estudo do International Drug Policy Consortium mostra que, se o critério espanhol, para citar um caso, fosse aplicado no Brasil, 69% dos presos por tráfico de maconha estariam livres. Se a base fosse a legislação norte-americana, o porcentual cairia para 34%. Quando se cruzam as informações do Departamento Nacional Penitenciário com os investimentos em segurança pública, chega-se a um valor aproximado dos gastos anuais com esse tipo de detenção: 1,3 bilhão de reais. Em São Paulo, estado responsável por 35% da população carcerária brasileira, os custos em 2011 chegaram a 885 milhões de reais. Se a Lei de Drogas fosse corretamente aplicada, o governo paulista pouparia 270 milhões anualmente.
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Fonte: DEPEN
“Esta não é uma guerra contra drogas, contra coisas. Como qualquer outra, é contra seres humanos”, afirma Maria Lucia Karam, juíza aposentada e presidente da Associação de Agentes da Lei contra a Proibição. Karam e diversos cientistas, políticos, policiais e representantes de movimentos sociais participaram recentemente de um seminário organizado pela Fiocruz para discutir o tema. Todos foram unânimes: a legalização só traria benefícios sociais e econômicos. “O alto lucro deve-se à ilegalidade de seu comércio e produção, que, além de não resultar em impostos, enriquece facções criminosas e corrompe agentes públicos”, afirma a economista Taciana Santos. A legalização, acredita, diminuiria a violência e aumentaria a arrecadação de impostos, mas não geraria tantos empregos. “A cadeia de comércio e distribuição existe, assuma o governo ou não.”
De olho nesse mercado de potencial bilionário, 26 países descriminalizaram o uso da maconha nos últimos anos, além dos estados americanos que o legalizaram e do Uruguai que o regulou. Recentemente, o Chile autorizou o plantio em pequenas quantidades. Na contramão dessa tendência, o Brasil figura ao lado de países islâmicos e asiáticos, que resumem sua política à pura e simples repressão, alguns até com a pena de morte para traficantes.
Ainda assim, pequenos avanços acontecem. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou, após forte pressão de uma parcela da sociedade, a importação de canabidiol para fins medicinais. Atualmente, 809 pacientes importam legalmente o extrato para tratamento médico. Cada frasco custa 75 dólares e auxilia no tratamento de gente como Sofia, de 6 anos. “Ela sofre de epilepsia grave, por isso toma uma dosagem relativamente alta para controlar suas crises de convulsão. Eu preciso de dez vidros por mês para tratá-la, são mais de 2,2 mil reais ”, conta a advogada Margarete de Brito, mãe de Sofia. “São preços só para a classe média e alta.” 
Distribuição-de-crimesA demora em legalizar a cannabis afeta ainda as pesquisas científicas nacionais. “A maconha será uma das drogas mais importantes do mundo para o tratamento de doenças, em substituição a substâncias lícitas e medicamentos. Com a criminalização no Brasil, as pesquisas ficam comprometidas e largamos atrasado nessa revolução científica”, afirma Sidarta Ribeiro, neurocientista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.  
Enquanto negligenciamos as possibilidades científicas, o Uruguai está atento a esse potencial. Segundo Julio Calzada, ex-secretário-geral da Junta Nacional de Drogas e um dos idealizadores da regulação do comércio, o país pretende se tornar um polo de pesquisa. “Existem condições e propostas de empresas e laboratórios químicos e farmacêuticos interessados em investir.” Atualmente existem 2,6 mil “fazendeiros” registrados no país vizinho. Até o fim do ano, 240 farmácias estarão aptas a vender maconha. 
Uma proposta semelhante à uruguaia tramita no Congresso Nacional. O projeto do deputado Jean Wyllys, do PSOL-RJ, cria regras para o plantio, comércio e consumo. Os lucros obtidos com a regulação, propõe o parlamentar, financiariam políticas públicas para o tratamento de dependentes químicos e bolsas de pesquisas científicas sobre aplicações medicinais do produto. “Hoje se adquirem drogas em praticamente qualquer esquina, ou seja, na prática o comércio já é liberado”, avalia Wyllys. “A diferença é que esse dinheiro, em vez de beneficiar o Estado, vai para os bolsos de máfias e corrompe funcionários públicos.”

segunda-feira, 27 de julho de 2015

'Não vai haver golpe nem impeachment'

na Carta Maior

Realmente estou tranquilo', diz o jurista Dalmo Dallari, um dos artífices da Constituição.

Isaías Dalle - Portal CUT
Roberto Parizotti

“Aqui eu moro na roça”, diz Dalmo Dallari, ao nos receber em sua casa com jeito de morada no campo, encravada num bairro totalmente urbano na capital de São Paulo. Árvores frutíferas, pássaros, gatos e um lago artificial compõem o cenário bucólico, vez ou outra contrastado com o barulho dos jatos que passam a baixa altitude.
 
Não bastasse seu ar sereno, ele faz questão de afirmar: “Eu estou absolutamente tranquilo quanto à manutenção da ordem brasileira”. O jurista e professor, que entre 1986 e 1988 percorreu o Brasil articulando a participação popular na feitura da Constituição, continua com os pés e os olhos nas ruas e diz que Dilma seguirá em seu mandato até o final.
 
Sua segurança é tanta que sugere retirar a palavra impeachment da pauta.
 
Saiba o porquê lendo os principais trechos da entrevista:
 
Professor, como o senhor tem visto a conjuntura política: sequências como o comportamento do presidente da Câmara e essa mensagem constante na imprensa sobre a tese do impeachment, da derrubada iminente da presidenta? Qual sua avaliação? O sr. vê possibilidade de ruptura, de quebra do Estado de Direito?
 
Nesse ponto eu estou tranquilo. Não vejo possibilidade de ruptura, de quebra da ordem constitucional, entre outras coisas porque os que hoje atuam mais fortemente na política brasileira não têm o mínimo respeito pela Constituição. Então, para eles, ter ou não a Constituição, mudar as regras, isso não tem a mínima importância. Eles fazem pequenos ajustes, só para dar uma aparência de constitucionalidade, de legalidade, mas, esse é o ponto essencial, os que hoje fazem o jogo político, que dele tiram vantagem, não têm necessidade de suspensão da Constituição.
 
Esse é um paradoxo, uma contradição, mas ao mesmo tempo, um ponto tranquilizador. Como eles não respeitam a Constituição, eles não têm interesse em revogar a Constituição. Revogá-la daria muito trabalho, é muito arriscado, poderia gerar reações violentas, então não interessa.
 
A minha conclusão é que não existe risco porque não há interesse. Não há uma só força, uma corrente, interessada na suspensão da ordem constitucional formal. Eles na verdade desrespeitam, e o Eduardo Cunha é um exemplo evidente disso, como dias atrás, repetindo votações, isso é absolutamente inconstitucional.
 
É como tenho escrito no único espaço que me restou na imprensa, que é a versão eletrônica do JB, nós não temos parlamentares, temos “paralamentares”. E tanto a Câmara quanto o Senado têm dado demonstrações disso: são absolutamente lamentáveis. Não há nenhuma grande liderança, não há nenhum partido coeso, com posições definidas, e com fidelidade à programação partidária. Isso realmente desapareceu.
 
Mas esse é o grande paradoxo: isso tira o risco de um golpe. Porque ninguém tem interesse no golpe.
 
O sr. falava de desrespeito sistemático à Constituição. Para o sr. que foi um especialista e um militante que atuou intensamente na elaboração da atual Constituição, como se sente ao ver esse desrespeito ?
 
Na verdade é profundamente lamentável. De qualquer maneira eu fico feliz de que a Constituição continue em vigor, com conteúdo absolutamente humanista, democrático, e isso é uma conquista do povo brasileiro. Então é muito importante que ela seja preservada. Eu quero lembrar que participei efetivamente da Constituição, discursei em plenário, mas como um constituinte cidadão. Sem mandato. Porque eu fui convidado para participar formalmente, mas para isso eu teria de ter filiação partidária, e eu não queria. Não fui e não sou filiado a partido algum existente no Brasil. Isso para mim é fundamental, pois eu sou um jurista e um professor, então é muito importante a minha independência e autonomia, e quero que meus alunos acreditem nisso. Eu estou falando por convicção, meus valores têm como base a dignidade da pessoa humana. Em termos didáticos, em termos de ação política, os grandes valores são a Justiça e o Direito. É isso que me direciona. Quando faço análise, avaliação do comportamento do político, eu parto desses pressupostos: o quanto eles estão coerentes com a Justiça e o Direito.
 
Agora o sr. vê uma situação melhor ou pior que em outros momentos do período pós-redemocratização?
 
Nós já tivemos momentos muito ruins, muito negativos, por causa justamente desses desvios partidários, desses desvios políticos. Pode ser que hoje isso tenha adquirido uma visibilidade maior. Acho que há inclusive uma grande responsabilidade da imprensa. A imprensa valoriza demais os pormenores de corrupção e de desvio. Há uma evidente obsessão anti-Lula, anti-PT, que contribui bastante para esse desvirtuamento.  Quando a imprensa percebe ou suspeita que alguma acusação pode atingir o Lula, isso vira manchete. Isso está inclusive na base da supervalorização, excessiva valorização, da delação premiada. A delação premiada acabou tornando delinquentes, criminosos confessos, em grandes personagens. Porque eles fazem delações que poderão atingir o Lula, o PT, as esquerdas.
 
A delação, em tese, o sr. vê como um instrumento legítimo, mas supervalorizado neste momento, ou não, a deleção não é um bom instrumento?
 
A delação, da maneira como foi constituída, é mais negativa que positiva. Ela, de certo modo, é a aplicação de uma criação italiana. Quando a Itália estava num momento difícil, combatendo a Máfia, foi criada a figura do arrependido. Era o mafioso que, sendo preso, aceitava fazer denúncias para ser beneficiado no processo, às vezes até perdoado.  Isso fez surgir a figura do delator premiado, que na verdade não é um arrependido, é alguém que está negociando para sair melhor de uma acusação ou de um processo. Mas é altamente duvidosa a espontaneidade desse indivíduo, pois o delator ou está sofrendo ameaça ou está sofrendo uma oferta muito conveniente para ele. Então, isso também é uma forma de coação. Não há coação física, mas há coação psicológica. Por essa razão, tenho sérias restrições à delação premiada.
 
Lembro que há outros países que passaram por momentos de maior investigação. O que acontece que nós estamos colocando isso na linha de frente, há uma teatralização, estamos explorando o espetáculo. Existe, sim, uma consequência econômica, pois muitos investimentos eram feitos graças ao recebimento de dinheiro público, ou de instituições como a Petrobrás. Esses investimentos deixaram de ser feitos, mas as empresas continuam existindo. Eu tenho amizade e conhecimento com muitos empresários, e não conheço nenhum caso em que um deles tenha ficado pobre. Na verdade há uma choradeira porque houve redução de ganho. Mas isso está longe de significar que essa classe socialmente privilegiada está em dificuldades. Por isso não acredito no risco de graves e gravíssimas consequências econômicas. Há sim, um período de diminuição dos investimentos, inclusive porque eles têm recebido menos dinheiro público. Mas eles têm interesse na manutenção dos negócios. Então, haverá uma diminuição do ritmo, mas depois de um tempo deve se ajustar e passar, não tenho dúvida nenhuma.
 
Delação premiada nos remete de pronto à Operação Lava Jato. Economistas e mesmo dirigentes sindicais relatam que há setores de atividade que estão desacelerando, em virtude das investigações.  O sr. acredita que um processo como esse de investigação possa conviver com o funcionamento normal da economia? Já houve algum processo semelhante, em outro país, que não tenha paralisado a economia?
 
Lembro que há outros países que passaram por momentos de maior investigação. O que acontece que nós estamos colocando isso na linha de frente, há uma teatralização, estamos explorando o espetáculo. Existe, sim, uma consequência econômica, pois muitos investimentos eram feitos graças ao recebimento de dinheiro público, ou de instituições como a Petrobrás. Esses investimentos deixaram de ser feitos, mas as empresas continuam existindo. Eu tenho amizade e conhecimento com muitos empresários, e não conheço nenhum caso em que um deles tenha ficado pobre. Na verdade há uma choradeira porque houve redução de ganho. Mas isso está longe de significar que essa classe socialmente privilegiada está em dificuldades. Por isso não acredito no risco de graves e gravíssimas consequências econômicas. Há sim, um período de diminuição dos investimentos, inclusive porque eles têm recebido menos dinheiro público. Mas eles têm interesse na manutenção dos negócios. Então, haverá uma diminuição do ritmo, mas depois de um tempo deve se ajustar e passar, não tenho dúvida nenhuma.
 
 
No início de nossa conversa, o senhor dizia que não vê risco de uma ruptura institucional. Eu gostaria de perguntar sobre aquela modalidade de golpe conhecida como golpe paraguaio, em referência à derrubada do presidente Fernando Lugo. Derruba-se um mandatário, sem necessariamente ter provas.  O sr. acredita nessa possibilidade aqui no Brasil?
 
Eu não vejo essa possibilidade pois nenhum partido, seja de direita ou de esquerda, situacionista ou oposicionista, nenhum deles tem unidade. Todos estão bastante divididos. Os partidos estão muito fracos. Então não existe a possibilidade de formação de uma força política coesa, uniforme, que tomasse uma posição desse tipo, a de destituir a presidente. Eu não vejo nenhuma possibilidade de isso ocorrer no Brasil. Realmente, estou tranquilo.
 
Muitos estão preocupados com a manifestação anti-Dilma convocada para o próximo dia 16 de agosto. O sr. acredita que esse tipo de manifestação possa crescer e frutificar?
 
Eu acredito que não. O que aconteceu em 2013 acabou nos revelando o verdadeiro alcance dessas mobilizações. Elas são momentâneas, e todas, sem exceção, recebem infiltrações, não têm uma unidade, e por isso elas não têm grande força. Sempre existem o falso protestador e o falso manifestante. Aqueles que apenas querem tirar algum proveito ou aquele que só quer participar do espetáculo. Em 2013, ficou no subterrâneo, ninguém revelou quem financiava os grandes grupos manifestantes. Grupos que se mobilizavam, viajavam de outras cidades para São Paulo, e não vinham a pé, e todos bem vestidos e bem alimentados. É porque eram pagos, em grande parte. Então, elas não têm autenticidade, elas são só uma aparência, um espetáculo. E o que se está anunciando agora é só a repetição do espetáculo. Não passará disso. Por isso, eu estou absolutamente tranquilo quanto à manutenção da ordem brasileira.
 
Alguma ideia sobre quem seriam os financiadores?
 
Evidentemente só pode financiar quem tem dinheiro. São empresários, setores econômicos envolvidos nisso. São setores que têm interesse nesse clima de temor para obter maior proveito. Então, redução da tributação. Isso já tem sido referido muito ostensivamente, descaradamente: eles serão a favor do governo se os impostos diminuírem. Então, qual a verdadeira intenção, o verdadeiro interesse? O interesse não é do povo, é dos empresários.
 
Voltando um pouco. O sr. falava, no início, que vivemos um momento de sistemático desrespeito à Constituição. Como saímos desse estado de esgarçamento e voltamos – se é que já estivemos um dia – a um momento de respeito,  implementação e desenvolvimento da Constituição?
 
Não há dúvida alguma que a Constituição de 88 foi responsável pela correção de muitas injustiças sociais no Brasil. No caso do Nordeste, por exemplo, a prática do coronelismo perdeu muita força. Ainda existem casos, como o do Collor e do Renan Calheiros, mas com muito menos força que antes. Eu viajo o Brasil inteiro e sei que houve muitas melhorias, e isso em grande parte graças à Constituição de 88. Há um longo caminho ainda a ser percorrido. O que é necessário é reacender, é redespertar a consciência do povo.  Eu falo isso porque fui uma espécie de caixeiro viajante da Constituinte, percorri o País apresentando propostas, debatendo, e recebendo contribuições. Grupos pequenos, de lugares distantes dos grandes centros, elaboravam ideias e encaminhavam para a Constituinte. Houve sim uma grande participação popular. O que temos é que reacordar a consciência do povo.
 
E como podemos fazer isso?
 
É falando, escrevendo, pregando. Insistindo nesse ponto: deixar as intrigas, as diferenças, parar de falar que estamos correndo risco de golpe – isso só alimenta o temor, a espetacularização. O que temos é, por meio de todos os instrumentos possíveis, na imprensa, na escola, nas reuniões, onde for possível, dar o grito de alerta: “Acorda povo”. É dizer que esses corruptos, esses que estão nas manchetes fazendo papel de moralistas, e que todos sabem que são corruptos, todos eles foram eleitos pelo povo. E o povo elege e reelege. Há casos mais do que conhecidos. Apenas para ficar num exemplo, eu citaria Paulo Maluf em São Paulo. Paulo Maluf é notoriamente corrupto, confessadamente corrupto, e é um homem que levanta um milhão de votos com facilidade. Então, onde estão esses eleitores? Por isso eu tenho usado a expressão eleitor ficha limpa. Então, o grande tema que deveria estar sendo debatido pela imprensa, pelos movimentos sociais, é a conscientização do povo.
 
No seio dos movimentos sociais, existe uma preocupação que se houver desmobilização, pode vir o golpe. Mas o sr. diz que falar em golpe é alimentar o temor. O sr. sugere que se tire esse tema da pauta?
 
Exatamente. Retirar o tema da pauta. Assim, por exemplo, nunca mencionar a palavra impeachment. Porque isso é uma farsa. Não existe nenhuma possibilidade legal, jurídica e constitucional de impeachment da Dilma. De vez em quando volta, alguém fala nisso, o Aécio Neves fala, e o tema volta. E isso é uma farsa. Não há a mínima possibilidade. Então, não se mencione mais isso. Porque isso serve para alimentar o temor dos mal informados. Então, eu penso isso, a pauta tem de ser repensada. Não se deve dar espaço para essa onda de temor. Hoje mesmo pensei nisso, ao ver uma manchete de jornal mencionando o Lula. O jornalista, o editorialista desse veículo deve ser muito ignorante. Porque esqueceu um velho brocado que diz “fale bem mas fale de mim”. Então, sempre que falarem do Lula, ele estará na linha de frente. Do ponto de vista estratégico deles, é uma burrice monumental.
 
Ao final do ano passado, acreditava-se na possibilidade de uma reforma do sistema político por intermédio de uma assembleia constituinte. O sr. ainda acha isso possível, apesar dos recentes acontecimentos?
 
Primeiro, eu acho que precisamos sim de uma reforma do sistema político. Precisamos repensar o financiamento dos partidos, rediscutir o sistema representativo. Mas não há nenhuma necessidade, assim como não há possibilidade, de convocar uma constituinte para isso. Tudo deve ser feito a partir da Constituição, pois ela mesma dá os caminhos, apontando possibilidade de mudança na legislação. A Constituição prevê a elaboração de emendas pela população, o povo como legislador. Isso já existe, mas só acontece com mobilização popular. Isso é até um caminho para a ação política.