quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Economista apoia greves e afirma que há meios para indústria sair da crise

por Maurício Thuswohl, no Portal Inova* no Rede Brasil Atual
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Jefferson considera o Inovar-Auto um bom programa: "Ele associa os incentivos tributários à inovação e tecnologia"

São Bernardo do Campo – Secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, Jefferson da Conceição é um profundo conhecedor dos altos e baixos da indústria no ABC paulista. Com trajetória ligada ao Sindicato dos Metalúrgicos e à Central Única dos Trabalhadores (CUT), onde atuou como economista do Dieese por mais de duas décadas, ele é também autor de livros como Quando o Apito da Fábrica Silencia, entre outros, que analisam a economia regional e nacional. Do alto de sua experiência, Jefferson diz que existem meios para tirar a indústria automobilística da atual crise e defende as greves e mobilizações dos trabalhadores do setor. Ele faz sugestões para melhorar a implementação do Programa Inovar-Auto e fala sobre ações que o poder público local promove para incentivar a inovação e a competitividade. Leia a seguir a entrevista, publicada no Portal Inova.
Após a queda de produção em 2014 e um início de ano com demissões e greves, a indústria automobilística brasileira tem meios de sair da crise? Em sua opinião, o que precisa ser feito?
Evidentemente que há meios de sair da crise. A crise não será a primeira nem a última do setor. Em diversos momentos da história de nosso país tivemos situações semelhantes: no início da década de 1960, nos anos 1980, nos anos 1990, no início dos anos 2000. Além das políticas econômicas que impactam o setor em cada momento, cabe destacar ainda, como fatores causais, o cenário internacional, que pode ser mais favorável ou menos, como agora. De resto, o ciclo é característico das economias capitalistas. Depois de uma forte expansão do consumo, produção e investimentos como a que ocorreu após 2004, é natural que haja uma fase de refluxo e acomodação das empresas, para que as margens de rentabilidade dos negócios e a capacidade de pagamento dos consumidores possam ser restabelecidas.

Mas, é claro também que é possível agir e tomar medidas anticíclicas com vistas a retomar mais rapidamente a atividade econômica do setor automotivo. Entre outras medidas, cabe discutir, a meu ver, o aprofundamento e conclusão do Inovar-Auto; novos incentivos ao consumo interno (financiamento e tributos) e às exportações; implementar o Modermaq, elaborado na primeira gestão do governo Dilma, e também o Programa de Renovação e Reciclagem da Frota, tanto para caminhões como para os veículos de passeio. E, diante de situações mais agudas de demissões, é perfeitamente defensável a adoção das políticas de proteção ao emprego, como vêm sendo propostas pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC neste momento.

As medidas previstas no Programa Inovar-Auto do governo federal já se refletiram na cadeia produtiva do ABC paulista? É possível torná-las mais efetivas? Como?

De fato, as medidas do Inovar-Auto foram parcialmente implementadas. Portanto, o impacto do Programa também foi parcial no Brasil e no ABC paulista. Quero realçar, no entanto, que o Inovar-Auto é um bom programa. Ele associa, pela primeira vez, os incentivos tributários à inovação e tecnologia. Isto é muito positivo porque é uma política estruturante e não apenas de natureza conjuntural. Mas há de se reconhecer que houve uma relativa demora na conclusão desta política industrial, na divulgação de portarias que deveriam detalhar o Programa concretamente. A própria rastreabilidade é um desses itens que sofreu grande demora. As empresas retardaram tomadas de decisões, para esperar o detalhamento do programa. Mencione-se também a não implementação do Inovar-Peças, que ajudaria a fomentar os segmentos nacionais que compõem a base da pirâmide automotiva, formada, entre outros, por siderurgias, forjarias, fundições, usinagens, ferramentarias, produtores de máquinas e equipamentos, pequenas peças e componentes. Desta forma, o impacto positivo do Inovar-Auto foi parcial. Precisamos que todas as regras do jogo estejam bem claras para todos os agentes econômicos.

O desânimo do empresariado industrial nacional, registrado em algumas pesquisas feitas desde meados do ano passado, tem cura? Alinhar empresários, poder público e trabalhadores em um mesmo rumo político pelo desenvolvimento do país é uma utopia?
A “cura” a qual você se refere já é conhecida há tempo. Quando o consumo, a produção e a lucratividade são retomados, a cura acontece naturalmente e as críticas diminuem. Quando o oposto ocorre, como agora, as críticas e o desânimo aumentam. Portanto, podemos concluir que se constata um ciclo também em relação às expectativas, que ora são otimistas, ora pessimistas. É nítido que hoje não estamos no ponto mais alto do ciclo. Estamos em fase de dificuldades e em alguns casos até de retração. Por conseguinte, o mau humor predomina. Ao primeiro sinal de inversão da curva de expectativas, o humor modificará.

Poder público, empresários e trabalhadores podem, e devem, buscar pontos comuns de entendimento a partir dos quais se construa uma política de desenvolvimento. Isto não é utopia. Em vários momentos isto aconteceu no Brasil. Exemplo disso foram as Câmaras Setoriais do inicio dos anos 1990, com destaque para a Câmara Setorial Automotiva, que tinha natureza tripartite, encarou problemas emergenciais e estruturais – como a baixa produção da época e a concorrência com os importados – e estabeleceu metas de produção e emprego. Depois da Câmara, e em um período mais recente, tivemos momentos importantes de aproximação entre estes três agentes (poder público, empresários e representações sindicais) como a própria negociação do Inovar-Auto e o Arranjo Produtivo Local (APL) de Ferramentaria no ABC paulista.

De que maneira o poder público (prefeituras) pode contribuir para incentivar mais decisivamente a busca por inovação e competitividade da indústria no ABC paulista? O que tem sido feito até aqui?
A atuação da política municipal e regional é mais limitada do que a ação do Estado e do País. Instrumentos como a taxa de juros, a taxa de câmbio e as tarifas de importação, entre outros, não são controlados e determinados em âmbito destas esferas de governo. Reconhecer isto não significa dizer que o poder público local não pode fazer nada. É possível sim ter políticas ativas municipais e regionais e ter resultado efetivos. No caso de São Bernardo, nas duas Gestões do prefeito Luiz Marinho (de 2009 até agora), adotamos políticas ativas em prol da competitividade da indústria do município e da região. Em 2009, em plena crise, ajudamos a realizar, juntamente com o sindicato, o seminário 'ABC do Diálogo e do Desenvolvimento', que teve um importante papel em chamar a atenção para o problema da crise naquele momento e para a construção de políticas que ajudaram no encontro de soluções concretas. Posteriormente, incentivamos a constituição, funcionamento e crescimento de onze APLs, que vêm discutindo agendas setoriais de desenvolvimento. São os casos, por exemplo, dos APLs de Ferramentaria, Têxtil e Confecções, Móveis, Gráficos, Defesa, Panificação, Químicos, Economia Criativa, entre outros. Nestes APLs, participam gestão pública, empresários, sindicatos, universidades, Senai, Sebrae, Senac, bancos, entre outros agentes e instituições. Neles, discutimos itens como qualificação profissional, compras conjuntas, busca de novos mercados, diversificação da produção, parcerias nacionais e internacionais, pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

Temos também realizado uma série de ações que buscam chamar a atenção das empresas para as oportunidades nas áreas de Defesa e de Petróleo e Gás. Nossa tese é de que é possível ampliar e constituir novas linhas de produção em grande parte das empresas já instaladas na região, com vistas a atender a estes novos mercados, sem deixar de atender também ao cliente automotivo.

Outra ação muito forte que temos realizado é promover um papel de aproximação entre as indústrias e as universidades. Exemplo disso é a Missão que a Gestão Municipal de São Bernardo realizou à Suécia, em setembro de 2014, na qual participaram gestores públicos, empresários, reitores de universidades e sindicalistas. Além das parcerias entre universidades suecas e do ABC, dessa missão nasceu uma rodada de relacionamentos entre empresas brasileiras e suecas, que ocorrerá, em abril deste ano, na Feira Internacional de Defesa e Segurança chamada LAAD.

Qual sua opinião sobre o desenvolvimento da cadeia produtiva aeroespacial no ABC e no Brasil em geral? Podemos imaginar o ABC paulista, no futuro, sem a indústria automotiva como locomotiva de sua economia?
Não se trata de contrapor uma coisa à outra. Não se trata de deixar de produzir para o setor automotivo e passar a compor a cadeia de produção aeroespacial. Nossa tese central é, isto sim, que a indústria do ABC tem um perfil histórico, desde os anos 1950, centrado na cadeia automotiva, mas, neste momento, seu esforço deve ser o da diversificação de mercados. O desafio para os próximos anos é fazer com que nossas fábricas, equipamentos, gerências e mão de obra direta e indireta tenham capacidade de produzir também outros itens, além dos já produzidos e que queremos continuar produzindo. A ideia é, por exemplo, o seguinte: se eu tenho duas linhas de produtos focadas no setor automotivo, eu talvez possa ter uma terceira na área de defesa e aeroespacial. Ou seja, não se trata de fugir do que já temos hoje como trajetória e tradição. Trata-se de dar maior musculatura à nossa estrutura industrial de forma que ela possa atender outros mercados, além do próprio segmento automotivo.

Esse processo se coaduna perfeitamente com as necessidades do próprio segmento de defesa e aeroespacial. Estes são setores que, por suas características e grande dependência das compras governamentais, passam no Brasil por grandes e constantes oscilações orçamentárias. Se a empresa depender exclusivamente da área da defesa ou aeroespacial, ela pode ter grandes problemas. Por conseguinte, a combinação com o mercado automotivo também interessa ao setor de defesa e aeroespacial. Desta maneira, o futuro investimento em São Bernardo de uma fábrica de aeroestruturas relacionada ao projeto da aeronave supersônica Gripen, anunciado no pacote de contrapartidas (offset) negociadas entre a Aeronáutica e a Saab, foi um grande passo para o futuro da indústria do ABC paulista.

A redução de impostos e os projetos inovadores eram dois pilares do Plano Brasil Maior. A redução foi insuficiente para estimular a indústria automobilística? E os projetos inovadores do setor, saíram do papel?
A redução de impostos, para incrementar a competitividade da indústria automobilística e outros setores, precisa ser discutida sim. Mas esta discussão não é tão fácil e simples, porque as demandas de investimentos do Estado em áreas como infraestrutura e no campo social são muito grandes também. Estas demandas de investimentos estatais, note-se, são feitas pelos diferentes setores da sociedade, inclusive e principalmente os empresários. Isto nos remete a duas grandes discussões. A primeira é a necessidade de o Brasil enfrentar uma Reforma Tributária que, entre outros aspectos, desonere os investimentos e a atividade produtiva, mas tribute também as grandes rendas e fortunas. Não é um debate fácil, mas é um debate que o país precisa fazer. A segunda grande discussão é associar as desonerações tributárias setoriais à exigência de contrapartidas e cumprimento de metas pelas empresas. Como falei anteriormente, creio que este é um dos principais méritos do Inovar-Auto, que é o de condicionar a redução tributária à inovação tecnológica.

* Colaborou Michelly Cyrillo


VIDRAÇA - Bolsonaro diz não saber se recebeu dinheiro de Youssef

por Helena Sthephanowitiz no Rede Brasil Atual
Às vésperas de o procurador-geral da República revelar lista de parlamentares envolvidos com o doleiro Alberto Youssef, deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) declara que não sabe se ele recebeu dinheiro sujo.
Jair Bolsonaro
Bolsonaro é defensor de financiamento privado de campanhas

por José Gilbert Arruda Martins

Na política, recordar é viver.

Esse não foi, como se diz lá no Nordeste "O cabra macho" que subiu em palanque, de arma no "gogó" para pedir o imptman da presidenta Dilma Roussef?

Pois é, "o mundo dá muitas voltas", ou, a política dá muitas voltas.

Quem deve estar vibrando nessa cinzenta manhã de quinta-feira pós carnaval com essa boa notícia são os meus amigos e amigas dos grupos LGBTs.

Chegou a hora.

As investigações precisão continuar. Tem muita coisa para se revelado, tem muita gente da década de 90 que pode estar envolvida até o pescoço.

VIDRAÇA

Bolsonaro diz não saber se recebeu dinheiro de Youssef

Às vésperas de o procurador-geral da República revelar lista de parlamentares envolvidos com o doleiro Alberto Youssef, deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) declara que não sabe se ele recebeu dinheiro sujo
“O Alberto Youssef já disse que no meu partido (PP) só sobrariam dois que não receberam. Eu não sei quem são os dois, mas, se eu recebi algum dinheiro, o partido não levou meu voto para o Executivo”, diz Bolsonaro à coluna Poder Online, do Portal IG. Deputado dizer que não sabe o que os outros fizeram pode ser verdade, afinal quem participa de esquemas mantém segredo entre os participantes. Agora, dizer que não sabe se ele próprio fez uso do dinheiro que ele mesmo tem falado que é de corrupção, já é um pouco demais.
A declaração de Bolsonaro mostra que, para financiar campanhas e se eleger, o deputado conviveu bem melhor do que se imaginava com o dinheiro da corrupção. Na melhor das hipóteses, fechando os olhos para a real origem do dinheiro que financiava suas campanhas.
Desde 1993, Bolsonaro é filiado ao PP (a sigla já mudou de nome algumas vezes), com um intervalo entre 2003 e 2005, quando integrou o PTB de Roberto Jefferson, e de uma brevíssima passagem pelo PFL, retornando ao PP ainda em 2005.
Durante todo esse tempo, Bolsonaro conviveu muito bem com Paulo Maluf, José Janene, entre outros nomes de seu partido envolvidos em escândalos. Só se manifesta contra a corrupção, ou a suspeita de, quando atinge seus adversários políticos.
Sua dissidência dentro do PP se limita a atacar o governo petista em discursos e os partidos de esquerda cujos parlamentares são engajados em causas dos direitos humanos e das minorias. Mas não se vê Bolsonaro atacando casos suspeitos de aliados que o ajudaram a se eleger deputado pela sétima vez. Também sempre ficou na zona de conforto de manter-se no PP durante todo o tempo em que este partido participou de governos que ele criticava. Curioso que em 2003 ele migrou para o PTB quando este partido já compunha a base governista e estava em crescimento recebendo muitos adesistas fisiológicos que não queriam ficar na oposição.
Esse benefício de se aproveitar de uma estrutura partidária incoerente com seu discurso se estendeu a quatro parentes. Sua ex-mulher já foi vereadora no Rio de Janeiro, quando ainda eram casados. Seus filhos, Flávio Bolsonaro e Carlos Bolsonaro, são deputado estadual e vereador no Rio de Janeiro, ambos pelo PP. Outro filho residente em São Paulo, Eduardo Bolsonaro – aquele que apareceu com uma pistola na cintura sobre um caminhão de som em manifestação pedindo golpe militar, em novembro –, se elegeu deputado federal, este pelo PSC.
Só agora Jair Bolsonaro diz defender que seu partido expulse os envolvidos na Lava jato. Isso quando lideranças de seu partido se perguntam se o próprio partido sobreviverá. Parece mais o que se chama “jogar para a plateia”, além de instinto de sobrevivência política para salvar a própria pele.
Em seu blog, em 2012, Bolsonaro também defendeu o financiamento privado de campanhas, a raiz da corrupção. Alega que “quanto menos o governo gastar com o financiamento público, melhor ficará junto à opinião pública”, como se o povo não pudesse mudar de opinião quando esclarecido através de um debate amplo. Diz que o caixa 2 continuaria existindo (um argumento estúpido, como se leis não pudessem ser feitas porque alguém não iria cumpri-la), mas se esquece de dizer que a corrupção também continuará correndo solta enquanto empreiteiras, bancos, planos de saúde, fabricantes de armas, empresas de comunicação patrocinarem bancadas corruptíveis no Congresso.
Vamos aguardar agora o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajudar o deputado Jair Bolsonaro a descobrir o que ele próprio fez na eleição passada.

Denunciado.

O mais recente arroubo autoritário de Bolsonaro, para quem não lembra, levou a vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, a denunciá-lo por incitar publicamente a prática de crime de estupro. A denúncia foi protocolada em 15 de dezembro, no Supremo Tribunal Federal (STF), e será analisada pelo ministro Luiz Fux.

Em entrevista ao jornal gaúcho Zero Hora, ao ser questionado sobre a declaração de que não iria estuprar a deputada federal Maria do Rosário porque ela não mereceria, ele reiterou a afirmação. De acordo com Ela Wiecko, “ao dizer que não estupraria a deputada porque ela não 'merece', o denunciado instigou, com suas palavras, que um homem pode estuprar uma mulher que escolha e que ele entenda ser merecedora do estupro”

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

POR TRÁS DOS RADICALISMOS - Xenofobia ou pobrefobia?

no Le Monde Diplomatique Brasil
A mobilização contra a violência não será fértil se ignorarmos o terreno que a alimentou. Provocada pelas intervenções externas no Oriente Médio, a radicalização dos jovens jihadistas efetua-se também dentro de uma Europa que afasta o espírito das Luzes e deixar prosperar preconceitos e discriminações




por Benoît Bréville
No dia seguinte aos assassinatos perpetrados no Charlie Hebdo e na loja Hyper Cacher, alunos se recusaram a observar o minuto de silêncio em homenagem às vítimas. Um dos argumentos elencados pelos recalcitrantes tinha a ver com o “dois pesos, duas medidas” da liberdade de expressão na França: por que se fala tanto dessa chacina enquanto as pessoas morrem em silêncio no Oriente Médio? Por que a Charlie Hebdo poderia ofender uma figura sagrada do islã, quando Dieudonné se vê proibido de criticar os judeus? A questão foi considerada tão crucial que Najat Vallaud-Belkacem, ministra da Educação Nacional, anunciou, em 15 de janeiro de 2015, a necessidade de formar os educadores para responder a ela.
E não resta dúvida de que a formação proposta retomará o argumento desenvolvido pelos principais meios de comunicação e partidos políticos desde o início do caso das caricaturas: existe uma diferença de natureza entre desenhos blasfemos, que ultrajam uma divindade, e propósitos antissemitas constitutivos de um delito, porque contêm um atentado à dignidade das pessoas. É igualmente provável que a explicação não vá calar todos os rebeldes, porque o caso de Dieudonné e das caricaturas mascara um problema mais profundo: a impunidade quase total com a qual intelectuais como Alain Finkielkraut, Eric Zemmour, Philippe Tesson, mas também jornais como Le PointL’ExpressValeurs Actuelles ou ainda Le Figaro, exibem sua rejeição ao islã, ora descrito como uma crença retrógrada, ora como uma “ameaça à identidade de nosso país” – segundo as palavras de uma pesquisa encomendada pelo site Atlantico.fr. “A popularidade de Dieudonné se deve ao fato de que, para ele, se por um lado podemos tratar impunemente ou quase os negros, os árabes, os muçulmanos, em uma palavra, os ‘subalternos’, de outro é quase impossível [...] tocar num só fio de cabelo dos judeus ou tocar em Israel sem ser imediatamente tachado de antissemitismo”,1 estima o etnólogo Jean-Loup Amselle.
Esse funcionamento da liberdade de expressão é interpretado de diversas maneiras. Alguns o justificam pelo genocídio judeu e pelo antissemitismo secular da sociedade francesa, que obrigariam a ficar constantemente em guarda. Para outros, ele reflete uma islamofobia profundamente ancorada nas mentalidades, herdada do período colonial, que torna toleráveis aos olhos de todos os propósitos hostis aos muçulmanos. Quanto a eles, os adeptos das teorias da conspiração veem nesse desequilíbrio o sinal do pretendido domínio dos judeus sobre os meios de comunicação e os órgãos de poder: alimentando o ódio ao islã, o “lobby judeu” legitimaria as intervenções ocidentais no mundo árabe para, ao final, favorecer os propósitos de Israel ou de Washington. Esse tipo de discurso, produzido e retomado pelos sites de Alain Soral e de Thierry Meyssan, encontra um sucesso crescente. Ele se aproveita, para se instalar nas mentes, do vazio teórico e político deixado pelo refluxo das formações progressistas.
Essas interpretações, por mais diferentes que sejam, repousam sobre uma mesma abordagem etnocultural, que define os grupos sociais segundo suas origens ou suas religiões (os “judeus”, os “muçulmanos”, os “árabes”...). Mas o “dois pesos, duas medidas” observado em matéria de discursos estigmatizantes se presta a uma leitura totalmente diferente, essencialmente social. Os judeus se instalaram na França há muito tempo, desde os primeiros séculos da era cristã. Muitos se estabeleceram entre o fim do século XIX e o início da Segunda Guerra Mundial, fugindo dos pogroms e da ascensão do nazismo na Europa central e oriental. Depois, uma nova onda, decorrente da descolonização do norte da África, se produziu após 1945. Operários, artistas ou pequenos comerciantes, os judeus vindos do entreguerras viviam com frequência em bairros pobres e em más condições, onde se defrontavam com o racismo de seus vizinhos franceses. Como muitos refugiados políticos, eles dispunham por vezes de um capital cultural superior à média de seu país de origem (um traço igualmente observado entre os refugiados afegãos, sírios e africanos). Ao longo de décadas, certos descendentes ascenderam na sociedade, a ponto de ocupar hoje postos de poder, sobretudo nos meios jornalístico, político e universitário – ou seja, aqueles que produzem, orientam e controlam os discursos públicos.
Já os imigrantes de cultura muçulmana chegaram à França após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo a partir dos anos 1960, vindos do Magreb e depois da África subsaariana, por vezes recrutados pela indústria em função de critérios físicos. Seus filhos e netos se criaram numa sociedade em crise, atingida pelo desemprego e pela precariedade crescente das quais eles são as principais vítimas e que diminuem suas chances de ascensão social. Ainda que alguns se elevem à classe média, e mesmo a níveis superiores, eles permanecem pouco representados nas esferas mais altas.2Frequentemente atacados pelos meios de comunicação e pelos líderes políticos, os estrangeiros e os franceses muçulmanos têm poucas armas para se defender na arena pública, o que permite que o discurso xenófobo funcione com força total. Não é, aliás, um acaso que os roms, grupo mais desprovido de recursos para se opor aos discursos estigmatizantes, sejam alvo de ataques ainda mais rudes, desde Jean-Marie Le Pen, que julga que a presença deles “cheira mal e dá coceira”, até Manuel Valls, segundo o qual “osroms não podem se inserir na França, em sua maioria” e têm, portanto, “vocação para voltar para casa”.

A condição social
A situação atual dos judeus e dos muçulmanos faz eco, em alguns aspectos, à dos imigrantes russos e armênios no entreguerras. Os russos emigraram para a França após as revoluções de 1905 e, sobretudo, de 1917; seu número se elevava a 72 mil em 1931. A maior parte trabalhava na indústria automobilística ou como motoristas de táxi e pertencia às categorias populares. Mas o grupo contava igualmente com uma elite, com frequência oriunda da nobreza ou da burguesia: pintores, jornalistas, editores, escritores tão bem inseridos no meio cultural parisiense que impulsionaram uma “moda russa” nos anos 1920. O conjunto do grupo desfrutou esse sucesso, beneficiando-se de um “tratamento de favor”3 que o colocou ao abrigo das estigmatizações que atingiram outros imigrantes.
Os armênios, por exemplo. Chegados à França após o genocídio de 1915, eles ocuparam quase exclusivamente postos não qualificados. Ainda que pouco numerosos (17 mil em 1931), foram imediatamente julgados “inassimiláveis”. “Se os russos estão longe do povo francês sob vários aspectos, eles têm em geral um nível cultural que permite contatos. Com os armênios, mesmo esse contato é difícil”,4 considerava Georges Mauco, a cabeça pensante das políticas migratórias durante os anos 1930 e sob o regime de Vichy. Assim, a condição social determinou poderosamente a percepção dos migrantes, como a de seus descendentes, pela blindagem institucional que ela proporciona a uns e da qual priva outros. No entanto, há trinta anos esse entendimento está cada vez menos mobilizado: prefere-se a ele uma análise cultural, que considera os problemas dos imigrantes segundo critérios de origem.
A guinada veio entre 1977 e 1984. Durante as três décadas precedentes, a temática da imigração estivera presente nos discursos públicos. Os meios de comunicação evocavam os estrangeiros incidentalmente quando falavam de habitação, emprego e economia. Longe de suas posições dos anos 1930, a direita saudava então a contribuição dos trabalhadores estrangeiros. Assim, após a morte de cinco operários africanos asfixiados durante o sono pela fumaça de um fogo mal apagado num lar de Aubervilliers, o Le Figaroexplicou, num tom que hoje ele não exibe mais: “Quem se preocupa com a saúde desses desafortunados transplantados? Eles limpam as ruas quando as sarjetas estão geladas, depois tentam triunfar sobre a tuberculose que os mina ou sobre o óxido de carbono! Eis a sorte desses deserdados. É preciso aplicar com urgência um remédio para isso”.5
A situação mudou com a crise econômica em 1975 e mais ainda após a eleição de François Mitterrand para a presidência da República. Em menos de três anos, a questão dos “trabalhadores imigrantes” cedeu lugar ao “problema dos árabes” da “segunda geração” e, por ricochete, dos muçulmanos. Eventos que outrora eram analisados de maneira social passaram então a ser abordados por um viés étnico.

Passagem às origens culturais
Em julho de 1981, jovens enfrentaram a polícia no bairro de Minguettes, em Vénissieux, na periferia de Lyon.6 Foi como em 1976 e em 1979, mas, naquela época, a imprensa local tinha restringido o caso à seção de “amenidades”. Tendo passado para a oposição, a direita decidiu dessa vez aproveitar o evento para enfraquecer o novo governo, que acabava de regularizar 100 mil clandestinos. Assim, ela transformou esses enfrentamentos em fato social, mostrando o “problema da imigração”, ainda mais porque se podia ver nisso o resultado da degradação física e social dos grandes conjuntos de habitações sociais ou a ociosidade dos jovens num contexto de desemprego endêmico e de “inatividade” maciça. “Nos bairros com forte densidade de pessoas provenientes do Magreb, a situação se tornou explosiva. O governo, ao interromper as expulsões de indivíduos duvidosos, encoraja, portanto, os delinquentes”, escreveu o Le Figaroem 7 de julho de 1981. Desde então, o que o historiador Gérard Noiriel chama de “filão nacional-securitário” passou a ser explorado sem trégua por esse jornal, que denunciou as regularizações dos sem documentos, escancarando “a porta de nosso país para a invasão e a aventura” (22 set. 1981), os “bandos de loubards[‘manos’] [...] essencialmente de origem magrebina” (5 jul. 1982) ou ainda a “lei dos imigrantes” que regeria o bairro de Minguettes (22 mar. 1983).

Esse discurso se tingiu de uma coloração religiosa no momento das greves na indústria automobilística – um setor duramente atingido pela crise, no qual a mão de obra estrangeira constitui mais da metade dos efetivos. O movimento começou no outono francês de 1981 e atingiu seu ponto culminante em 1983-1984. Aquilo que no começo não passava de um simples conflito trabalhista, lembrando em certos aspectos o movimento de greve espontâneo que nascera da vitória da Frente Popular em 1936, era então apresentado como um enfrentamento cultural. Sob o pretexto de que eles exigiam, entre outras coisas, a abertura de salas de oração nas fábricas – uma prática encorajada pelo patronato nos anos 1970, que via nisso um meio de assegurar a paz social7 –, o governo e a imprensa acusaram os grevistas de serem manipulados pelos aiatolás iranianos. Esses trabalhadores são “estimulados por grupos religiosos e políticos cujos motores têm pouco a ver com as realidades sociais francesas”, explicou o primeiro-ministro, Pierre Mauroy, em 11 de janeiro de 1983.

Um círculo vicioso
Mesma conversa noFigaro, que acrescentava: “Os mais otimistas contam com as faculdades de assimilação das populações estrangeiras, como ocorreu no passado com as colônias italianas e portuguesas. Mas o exemplo, infelizmente, não é mais válido. A origem cultural da nova imigração constitui um obstáculo difícil de superar”. Só que os portugueses nem sempre foram bem-vistos pela imprensa. Por muito tempo suas práticas religiosas ostensivas e impregnadas de superstição lhes foram reprovadas, a ponto de eles terem sido descritos, no entreguerras, como uma “raça exótica”, mais difícil de integrar que os italianos8 – os quais foram, antes, julgados menos integrados que os belgas...
Quando não se alinhava com a posição de seus adversários, a esquerda dos anos 1980 respondia aos ataques contra a imigração magrebina valorizando a “cultura beure[magrebina]”, retomando, de maneira inversa, o discurso culturalista da direita. OLibération, que desempenhou um papel ativo nessa empreitada, abriu a partir de setembro de 1982 uma seção “beur”, que informava sobre os acontecimentos artísticos que supostamente poderiam interessar aos membros dessa “comunidade”. Depois, o diário apoiou ativamente a Marcha pela Igualdade contra o Racismo, que ele rebatizou de Marcha dos Beurs, e acompanhou a criação do SOS Racismo, contribuindo para deslocar o olhar da luta pela igualdade para o da luta contra as discriminações. O Le Monde ficou feliz com o fato de que “as crianças da segunda geração imigrada se apoderam da canção, do cinema, do teatro” (4 jul. 1983), enquanto a semanal Marie Claire celebrava o “creme dos beurs” (abr. 1984). Mas, se a cultura da elite ganhava em legitimidade, a base, cujas condições de existência se degradavam em acordo com a desindustrialização, permanecia estigmatizada.
Em menos de três anos, o debate sobre a imigração foi esvaziado do conteúdo social. Depois dessa reviravolta, os estrangeiros e seus descendentes eram o tempo todo lembrados de sua “comunidade”, sua religião, seu risco de acentuar o fosso entre os franceses “autóctones” de um lado, os imigrantes e seus descendentes de outro. Os temas diretamente ligados à imigração (o racismo, as discriminações etc.) eram abordados como problemas culturais, atentando para as origens das pessoas em questão; qualquer que fosse sua causa, todo evento geopolítico, social ou mesmo esportivo que envolvesse uma maioria de atores de origem árabe ou muçulmana revivia invariavelmente o debate sobre o islã, a imigração e o lugar destes últimos na República: Guerra do Golfo, atentados de 11 de setembro de 2001, conflito israelo-palestino, enfrentamentos entre jovens e policiais na periferia, jogadores de futebol de origem argelina se abstendo de cantar a Marselhesa etc.
No entanto, o sentimento de pertencer a uma “comunidade” árabe ou muçulmana não é um dado natural. Ele se construiu ao longo desses acontecimentos que enviam as populações imigradas a suas origens. Nesse sentido, a Guerra do Golfo (1990-1991) teve um papel fundador. Enquanto os bombardeiros aliados decolavam para Bagdá, alguns alunos de faculdade e do ensino médio denunciavam a dominação do Ocidente e exibiam sua solidariedade com o mundo árabe. “Saddam é um árabe exposto ao ostracismo de todos, como nós em nossos bairros. Por uma vez, não sentimos humilhados, mas defendidos”, declarava então um estudante do ensino médio.9 Essas reações, muito minoritárias, logo desencadearam um debate sobre a lealdade dos filhos de imigrantes. “Seja o que for que se faça, seja o que for que se diga, o beur de Saint-Denis se sentirá sempre mais próximo de seus irmãos que vaiam a França nas ruas de Argel e de Túnis”, escreveu o Le Figaro Magazine (25 jan. 1991). Por reação, os filhos de imigrantes reafirmam suas origens e sua religião estigmatizadas. Segundo os sociólogos Stéphane Beaud e Olivier Masclet, essa guerra desempenha “um papel importante na construção de uma consciência mais ‘racial’ que social entre os filhos de imigrantes magrebinos, especialmente inclinados a pensar a sociedade sob a forma de oposições sucessivas – eles/nós, ocidentais, árabes, franceses/imigrantes, ricos/pobres etc. – que são eles próprios marcados por sua experiência de diversas formas de relegação”.10

Dois problemas indissociáveis
A ideia de que as populações árabe e negra colocavam um problema inédito na história da imigração ganhou progressivamente o conjunto do espectro político. Ela dividiu até a esquerda radical, da qual algumas correntes postulam a singularidade dos imigrantes “pós-coloniais” e da maneira como eles seriam percebidos pelos “brancos”. “O tratamento das populações oriundas da colonização prolonga, sem nela se reduzir, a política colonial”, indica o chamado dos Indígenas da República lançado em 2005. “É como árabes, como negros ou como muçulmanos que as populações originárias das antigas colônias são discriminadas e estigmatizadas”,11 explica Sadri Khiari, um dos fundadores do movimento. Segundo ele, a “violência específica da qual negros e árabes são objeto ou que eles carregam na memória como descendentes de colonizados e emigrantes-imigrantes [...] determina reivindicações que só pertencem a eles, como aquelas relativas às discriminações raciais, ao respeito a seus pais ou, para os muçulmanos, ao direito de ter lugares de oração dignos e de usar o véu. Na realidade, mesmo quando suas exigências são idênticas àquelas de seus vizinhos brancos, ainda assim elas são diferentes”.12
Esse discurso, que contribuía para colocar em concorrência causas legítimas (a dos “brancos” e a das “minorias”), se apoiava num postulado discutível: se os negros e os árabes são discriminados, isso acontece essencialmente em função da cor de sua pele ou pelo fato de eles serem pobres? O exemplo das “abordagens pela aparência”, na origem de frequentes enfrentamentos entre jovens e policiais, esclarece a problemática. Em 2007-2008, dois sociólogos seguiram discretamente patrulhas de polícia nas vizinhanças das estações de metrô Gare du Nord e Châtelet-Les Halles, em Paris.13 Examinando cuidadosamente 525 abordagens, eles constataram que as pessoas identificadas como “negras” ou “árabes” tiveram respectivamente 6 e 7,8 vezes mais riscos de serem abordadas que os brancos. Mas outra variável se mostra igualmente determinante: a aparência decorrente das vestes. As pessoas vestidas com um “traje jovem”, em particular aquelas que exibiam um “look hip-hop”, apresentavam 11,4 vezes mais risco de serem abordadas que aquelas que vestiam uma “roupa do dia a dia” ou “descontraída”. Em outras palavras, um branco com um blusão de moletom e um boné – o uniforme da juventude popular da periferia – estava mais exposto à repressão policial que um negro de terno e gravata.
Evidentemente, a fronteira entre essas variáveis não é estanque. A juventude de origem imigrante é super-representada na população que exibe um “look hip-hop”. As discriminações raciais se juntam às desigualdades sociais para reforçá-las, tornando esses dois problemas indissociáveis. A escolha de insistir sobre esse ou aquele critério –a cor da pele ou o pertencimento a classes populares – é ao mesmo tempo política e estratégica. Ela participa da definição das fraturas da sociedade francesa. Ressaltar o componente social das desigualdades permite combater a ideia de que as populações de origem magrebina e africana constituiriam um problema específico, totalmente distinto das ondas migratórias precedentes e das classes populares em seu conjunto.



ASCENSÃO DA INTOLERÂNCIA
Os atentados de Paris foram seguidos de numerosos atos e ameaças contra muçulmanos. Desde 2007, há um forte aumento dessas ações e daquelas visando os judeus. Em seu último relatório, a Comissão Nacional Consultiva de Direitos Humanos (CNCDH) assinala a persistência dos preconceitos raciais e uma elevação preocupante da intolerância. Ao agregar as respostas a uma série de questões, a comissão calcula a imagem de diversas minorias. A CNCDH revela que as expressões racistas “banalizam-se sobre um pano de fundo de ciberanonimato, do debate sobre os limites do humor e de um olhar de desconfiança em direção ao discurso antirracista, percebido como censor”. Osroms, os muçulmanos e os árabes são os principais alvos da recrudescência da violência. Essa pesquisa mostra que a tolerância cresce em função do nível educacional e que ela é mais forte entre os eleitores de esquerda, bem como, em linhas gerais, entre aqueles de centro. A comissão recomenda o investimento em educação para forçar o recuo dos raciocínios simplistas.
Benoît Bréville
Jornalista e integra a redação do Le Monde Diplomatique França


Ilustração: Orlando

1  Jean-Loup Amselle, Les nouveaux rouges-bruns. Le racisme qui vient [Os novos vermelhos-morenos. O racismo que está por vir], Lignes, Paris, 2014.
2  Claudine Attias-Donfut e François-Charles Wolff, Le destin des enfants d’immigrés. Un désenchaînement des générations [O destino dos filhos de imigrantes. Uma quebra de sequência das gerações], Stock, Paris, 2009.
3  Hélène Menegaldo, “L’enjeu de la topographie pour la recherche sur l’émigration. L’exemple de l’émigration russe de l’entre-deux-guerres” [A questão da topografia para a pesquisa sobre a emigração. O exemplo da emigração russa do entreguerras], Revue du Centre Européen d’Études Slaves, n.1, Poitiers, 2011.
4  Citado em Claire Mouradian e Anouche Kunth, Les Arméniens en France. Du chaos à la reconnaissance [Os armênios na França. Do caos ao reconhecimento], Éditions de l’Attribut, Toulouse, 2010.
5  Citado em Yvan Gastaut, “L’irruption du thème de l’immigration dans les médias” [A irrupção do tema da imigração nos meios de comunicação], Confluences Méditerranée, n.24, Paris, dez. 1997.
6  As citações relativas aos enfrentamentos do bairro de Minguettes e as greves na indústria automobilística são extraídas de Gérard Noiriel, Immigration, antisémitisme et racisme en France. Discours publics, humiliations privées (XIXe-XXe siècle) [Imigração, antissemitismo e racismo na França. Discursos públicos, humilhações privadas (séculos XIX-XX)], Fayard, Paris, 2007.
7  Patrick Weil, La France et ses étrangers.L’aventure d’une politique de l’immigration de 1938 à nos jours [A França e seus estrangeiros. A aventura de uma política da imigração de 1938 até nossos dias], Gallimard, Paris, 2004.
8  Citado em Marie-Christine Volovitch-Tavares, “Les incertitudes et les contradictions d’une ‘bonne intégration’” [As incertezas e as contradições de uma “boa integração”], Cahiers de la Méditerranée, n.78, Nice, 2009.
9  Philippe Bernard, “Les beurs, entre la fierté et la crainte” [Os beurs, entre o orgulho e o medo],Le Monde, 17 jan. 1991.
10            Stéphane Beaud e Olivier Masclet, “Des ‘marcheurs’ de 1983 aux ‘émeutiers’ de 2005. Deux générations sociales d’enfants d’immigrés” [Das “marchas” de 1983 às “revoltas” de 2005. Duas gerações sociais de filhos de imigrantes], Annales. Histoire, Sciences Sociales, n.4, Paris, 2006.
11            Sadri Khiari, Pour une politique de la racaille: immigré-e-s, indigènes et jeunes de banlieues [Por uma política da ralé: imigrantes, indígenas e jovens da periferia], Textuel, Paris, 2006.
12            Sadri Khiari, La contre-révolution coloniale en France. De De Gaulle à Sarkozy [A contrarrevolução colonial na França. De De Gaulle a Sarkozy], La Fabrique, Paris, 2009.
13       “Police et minorités visibles: les contrôles d’identité à Paris” [Polícia e minorias visíveis: as abordagens para controle de identidade em Paris], Open Society Justice Initiative, Nova York, 2009.

 

LUTAS PELO PODER NO APARELHO DE ESTADO GREGO - A esperança misturada a uma preocupação surda

no Le Monde Diplomatique Brasil
O avanço das forças progressistas nas eleições gregas perturba um aparelho de Estado controlado há quarenta anos por duas famílias políticas. Enquanto as dificuldades trazidas pela austeridade levaram grande parte dos funcionários públicos a optar pela coalizão de esquerda Syriza, redes extremistas organizam-se em torn
por Thierry Vincent

Rena Dourou saúda calorosamente cada funcionário da administração do setor norte de Atenas. Nos escritórios do edifício sem alma, neste inverno particularmente rigoroso, faz um frio glacial. “A falta de aquecimento também é parte da crise e da austeridade”, explica a governadora da Ática, região mais povoada da Grécia, que abriga quase metade da população do país. Com 39 anos, Dourou foi eleita em maio de 2014 nas eleições regionais que, aqui, deram a vitória ao Syriza, coalizão da esquerda radical que se opõe às políticas ditadas pela Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional). Mas ela confessa certo pessimismo: “O governo nos recebe a cacetadas na rua. Aplicar nosso programa é difícil”.
Dourou assumiu o cargo em 1o de setembro. Poucos dias depois, o serviço financeiro pediu que ela assinasse com urgência o projeto de orçamento elaborado pelo antecessor, membro do partido conservador Nova Democracia. “Eu me recusei. Fui eleita para aplicar a minha política e um orçamento favorável aos mais pobres”, explica. Apesar da pressão, acabou conseguindo impor suas prioridades. A subvenção de 27 milhões de euros prevista para renovar dois estádios de futebol pertencentes a magnatas da construção foi cancelada. Em vez disso, conta Dourou, “aprovamos um financiamento de 28 milhões de euros para obras contra enchentes e uma série de ações sociais, como o fornecimento de energia elétrica a famílias com pagamento em atraso”.
Aprovada em 2010, a Lei Kallikratis coloca as decisões regionais sob o controle de uma estrutura do Estado central, a Direção de Assuntos Descentralizados. Dirigida por um ex-deputado europeu da Nova Democracia, Manolis Angelaka, o órgão se recusou a validar a contratação de 139 funcionários pedida pelo novo Executivo da Ática. “No entanto, são postos necessários ao funcionamento da região”, sustenta Dourou. Como prova, a governadora mostra o gabinete da Secretaria de Educação: desesperadamente vazio. “O governo quer desacreditar nosso partido”, afirma. “É por isso que a vitória do Syriza [nas eleições legislativas de 25 de janeiro de 2015] é essencial para uma verdadeira mudança.”
Periferia de Atenas, primeiro sábado de janeiro. O ginásio de tae kwon do, instalação soberba construída para os Jogos Olímpicos de 2004, normalmente deserto, está lotado. Duas mil pessoas recebem com grande entusiasmo o líder do Syriza, Alexis Tsipras. “Chegou a hora da esquerda”, entoa um grupo de funcionárias da limpeza demitidas do Ministério da Economia, de punhos fechados e luvas vermelhas, símbolo de seus dezesseis meses de luta. Após uma hora de discurso inflamado, prometendo fim da austeridade, salário mínimo bruto de 751 euros (contra 586 euros hoje e 520 para os menores de 25 anos) e isenção de impostos para os mais pobres (aqueles com rendimentos abaixo de 12 mil euros por ano), Tsipras deixa o palco sob aplausos. A esperança, porém, parece misturada a uma preocupação surda.

Democracia parlamentar, a ponta do iceberg
Isso porque, na Grécia, há o visível e o oculto. A ponta do iceberg é uma democracia parlamentar clássica, estabelecida após a queda da ditadura militar de extrema direita em 1974. O aumento das intenções de voto para o Syriza permite vislumbrar um período de alternância política, num contexto de profunda crise econômica, com o PIB do país caindo 24% desde 2008. Por trás dessas aparências, porém, há algo menos confessável: um país que há seis décadas é governado quase ininterruptamente por duas famílias. À direita, os Karamanlis, conservadores; à esquerda, os Papandreou, socialistas. Gerações de líderes de governo: tio e sobrinho, no primeiro caso; avô, pai e neto, no segundo. Nesse sistema clientelista, a compra de votos e o loteamento de empregos públicos assumem o posto de estratégia política.
O último episódio de corrupção política envolve a eleição presidencial.1 Em 18 de dezembro, Pavlos Haikalis, antiga estrela de televisão que se tornou deputado pelo partido nacionalista de direita Anel (Gregos Independentes), disse ter recebido uma oferta de 3 milhões de euros em troca de seu voto para Stavros Dimas, candidato da coalizão no poder que precisava de pelo menos 180 votos (entre 300 deputados) para ser eleito e assim evitar a organização de eleições legislativas antecipadas. O suborno teria partido de Giorgios Apostolopoulos, ex-assessor dos primeiros-ministros Giorgios Papandreou (2009-2011) e Antonis Samaras. Homem da TV, Haikalis filmou a cena com uma câmera escondida e colocou as imagens na internet. O resultado? A justiça recusou-se a instaurar qualquer processo, alegando que as provas foram coletadas ilegalmente. O primeiro-ministro Samaras, inclusive, abriu uma queixa por difamação, e o presumível corruptor está protegido, enquanto o denunciante responde a acusações...

“Isso lembra a estratégia da tensão”
No coração das instituições esconde-se também aquilo que os gregos chamam deparakratos: “para-Estado” ou “Estado subterrâneo”, ou seja, uma rede informal herdada da Guerra Fria, composta por altos funcionários, policiais, militares e magistrados, pronta para qualquer truque sujo a fim de evitar a chegada dos “vermelhos” ao poder. Foi essa rede, apoiada pelo serviço secreto norte-americano, que preparou cuidadosamente o terreno para o golpe militar de 1967.
Os vestígios do parakratos realmente não desapareceram. O desrespeito à liberdade de reunião, manifestação e expressão tem sido frequente nos últimos anos. Em outubro de 2012, quinze militantes antifascistas foram presos após confrontos com neonazistas do partido Aurora Dourada (que teve 9,4% dos votos nas eleições europeias de maio) e a polícia. Após a detenção, eles disseram ter sido torturados e mostraram fotos. “Chamaram-nos de comunistas imundos”, relata Giorgios, um dos presos, que prestou queixa. “Diziam: ‘Temos o nome e o endereço de vocês. Se falarem alguma coisa, podemos dá-los aos nossos amigos da Aurora Dourada, para eles fazerem uma visitinha’. Eles também falaram da guerra civil da Grécia, em que milícias de direita se opuseram a forças de esquerda, entre 1945 e 1949 [fazendo mais de 150 mil mortos]. Eles se mostravam claramente em guerra contra tudo o que pareça uma esquerda progressista.”2Uma investigação interna foi aberta pelo Ministério do Interior.
“Isso lembra a estratégia da tensão na Itália dos anos 1970”, avalia o jornalista Kostas Vaxevanis. “A polícia deixa passar e até incentiva as confusões provocadas por neonazistas, para justificar a manutenção de um poder forte e a repressão feroz a qualquer contestação.” A demissão de vários altos funcionários da polícia por supostas ligações com a organização neonazista confirma a infiltração do aparato de segurança pela extrema direita: Dimos Kouzilos, ex-chefe das escutas telefônicas no serviço secreto grego, teve de pedir demissão, e Athanasios Skaras, comissário do distrito de Agios Panteleimonas, em Atenas (feudo do Aurora Dourada), foi preso por um breve período em outubro de 2013. “O parakratos ainda se assenta em três pilares: polícia, justiça e Exército”, explica Dimitris Psarras, do Jornal dos Redatores. São três setores sensivelmente poupados pelas políticas de austeridade, que reduziram à metade o poder de compra dos servidores. Em 23 de junho de 2014, o Conselho de Estado julgou inconstitucional o corte dos salários nesses setores.
Em novembro de 2011, Papandreou, então primeiro-ministro, mostrou-se preocupado com o risco de um golpe militar. Em plena cúpula europeia de Cannes, ele anunciou a realização de um referendo sobre as novas medidas de austeridade impostas pela União Europeia. Como se fosse um aluno indisciplinado, o chefe do governo grego foi convocado pela chanceler alemã Angela Merkel e pelo presidente francês Nicolas Sarkozy. Para justificar o referendo, Papandreou falou do risco de golpe de Estado.3 A ameaça, contudo, não foi levada a sério. Com a pressão da França e da Alemanha, ele foi obrigado a abandonar o projeto de consulta popular e forçado a deixar o cargo um mês depois.

Syriza tem até mesmo o apoio de empresários
“A maioria dos servidores gregos permanece leal”, insiste Grigoris Kalomiris, do sindicato dos funcionários públicos de Aldedy. Sem lançar um apelo formal de voto no Syriza, sua organização “apoia qualquer partido que rejeite a política de austeridade dramática colocada em prática nos últimos cinco anos”. “É preciso distinguir os setores ligados à segurança e à repressão dos outros funcionários. A decisão constitucional sobre o cancelamento de cortes de salários no Judiciário, na polícia e no Exército prova que esses são setores à parte”, avalia o sindicalista. As outras categorias de servidores públicos não têm nenhuma razão para ser a priori contra a esquerda radical: “Estamos entre as primeiras vítimas da austeridade”, lembra Kalomiris. “O número de funcionários públicos caiu um terço, passando de 900 mil para 600 mil. O salário médio é de 800 euros. Os salários caíram 30%, e o poder de compra, 50%, se considerarmos o aumento dos impostos.”

Desse modo, parece que o Syriza conta com um grande apoio no serviço público. Também por razões históricas. “Com a chegada do Pasok ao poder em 1981, Andreas Papandreou, então primeiro-ministro, quis ‘depurar’ o serviço público dos elementos ligados à ditadura militar”, afirma Psarras. “Ele contratou na marra pessoas de confiança do partido. Isso durou até o início dos anos 2000, a ponto de muitos funcionários serem ex-socialistas, que se decepcionaram com a guinada para a direita do Pasok e hoje defendem ferozmente o Syriza.”
A coalizão conta com outros apoios mais surpreendentes na sociedade grega. Parte do empresariado não se incomodaria com a chegada de uma esquerda radical, porém pragmática, ao poder. “A austeridade exigida pela Troika é um fracasso”, afirma anonimamente um empresário do transporte. “A dívida só aumenta, a economia foi arrasada, e as pequenas e médias empresas estão falindo uma atrás da outra. Depois do choque de austeridade, um choque de estímulo econômico não seria ruim.” Continua sendo impossível ouvir uma análise desse tipo em público: o empresariado grego é amplamente hostil aos “vermelhos”. No entanto, o discurso anticorrupção do Syriza e sua recusa ao clientelismo que tanto prejudica o país têm adeptos em todas as classes sociais.

Thierry Vincent
*Thierry Vincent é jornalista e diretor de cinema.


Ilustração: Reuters/Alexandros Avramidis

1  Como nenhum dos três turnos (17, 23 e 29 de dezembro de 2014) conseguiu definir a nomeação de um presidente, eleições parlamentares antecipadas foram convocadas para 25 de janeiro de 2015.
2  “Grèce: vers la guerre civile?” [Grécia: rumo à guerra civil?], Spécial investigation, Canal Plus, 1o set. 2013.
3          Libération, Paris, 5 nov. 2011.

 
04 de Fevereiro de 2015
Palavras chave: GréciaSyrizaTroikaPodemosUnião EuropeiaEspanhaFrançaanarquistasaurora dourada

Galeria mostra como são as pessoas tirando selfies

 no Catraca Livre
A moda do selfie é tão intensa que já criou uma outra moda: quem flagra gente tirando selfies.
O que nem sempre produz imagens que enaltecem os "selfistas".
Veja aqui essa seleção - e, com isso, tome cuidado quando estiver fazendo seu selfie:
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Marco Civil da Internet: começa nova batalha

no Outras Palavras
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Aberta consulta pública sobre decreto presidencial que definirá possível vigilância na rede, tráfico de dados pessoais e neutralidade. Cenário é difícil; mobilização social, indispensável
por José Gilbert Arruda Martins
As corporações capitalistas serão os controladoras também da internet?
O Brasil é um grande exemplo de como um país pode ter sua imprensa, quase por completo, dominada por cerca de seis famílias. Queremos isso para a internet?
A internet ainda é um espaço da cidadania, a sociedade brasileira precisa se mover contra as tentativas de controle sobre essa poderosa rede.
Todos têm consciência dos problemas que existem no mundo da web. Mas ela também possui coisas boas e fundamentais para a construção da cidadania. Uma dessas, é a blogosfera, milhares de pessoas produzindo e espalhando Educação, Política, Leitura de Profundidade, Conhecimentos, Vida Simples, Pós-consumismo etc. É um mundo rico, divertido e aberto a todos e todas.
Leia sobre o tema. Entenda e participe.

Marco Civil da Internet: começa nova batalha

Por Helena Martins e Jonas Valente*, no Intervozes
O caráter da Internet e os direitos e deveres dos usuários da rede são objetos deconsulta pública promovida pelo Ministério da Justiça por meio de uma plataforma virtual. Iniciada no final de janeiro (28/1), ela trata da minuta do decreto presidencial que vai regulamentar o Marco Civil da Internet. Não é exagerado afirmar que o que está em jogo é o futuro das comunicações no Brasil.
Com a consulta, tem início nova batalha. O desafio é garantir uma regulamentação que assegure os avanços conquistados com a aprovação da norma, no ano passado. Um dos pontos mais sensíveis é a neutralidade de rede, princípio que estabelece que todo o conteúdo que trafega na rede mundial de computadores deve ser tratado igualmente.
A norma prevê que a neutralidade poderá ser dispensada em casos relacionados aos requisitos técnicos indispensáveis para a prestação do serviço e à possível priorização do tráfego de conteúdo relativo aos serviços de emergência. Na prática, contudo, tem sido comum vermos ações empresariais que colocam em questão a neutralidade e, com isso, o caráter aberto da rede.
Exemplos disso são os contratos que possibilitam acesso ilimitado e sem uso de franquia a determinados aplicativos, como faz a TIM em parceria com o WhatsApp ou a Claro com o Twitter e o Facebook. Hoje, até mesmo a Justiça tem dificuldade de estabelecer se essas práticas vão de encontro à lei. Um cenário que favorece as empresas, mas golpeia a conquista da neutralidade. Princípio que não queremos que se transforme em uma palavra sem efetividade.
Privacidade
Também está em questão a proteção dos usuários. O Marco Civil já garante que os dados pertencem a eles e que a venda de informações pessoais ou sobre acesso pelas empresas só pode ocorrer com a autorização expressa do internauta. Ocorre que muitas vezes essa permissão é dada quase que automaticamente, por meio de cliques rápidos em links acompanhados por explicações em letras miúdas. Ou mesmo sem informações acessíveis.
TEXTO-MEIO
É preciso criar padrões que assegurem maior clareza sobre procedimentos de segurança e de sigilo adotados pelas empresas e sobre o uso dos nossos dados pessoais. Além disso, tendo em vista que os registros deverão ser guardados pelos provedores para que possam ser acessados em caso de determinação judicial, a regulamentação deverá tratar dos padrões de segurança para a guarda e disponibilização desses dados.
A definição é importante para evitar que o armazenamento previsto na norma acabe legalizando e promovendo a vigilância em massa dos usuários. Também para enfrentar a lógica do controle, podem ser propostos mecanismos que garantam que a sociedade tenha conhecimentos sobre o uso dessas informações por parte das autoridades. Caso percamos essa batalha, poderemos ficar todos e permanentemente vigiados e sob suspeita.
Acesso
A regulamentação do Marco Civil deve tratar de forma menos detalhada, mas ainda assim não menos importante, dos princípios e objetivos que apontam para a essencialidade do serviço de acesso à Internet e para a garantia de que este seja assegurado a todos os brasileiros.
Uma primeira mudança que deve fazer parte do detalhamento da lei é fazer com que este serviço possa ser prestado em regime público, ou seja, que haja obrigações de universalização, de continuidade do serviço e controle maior sobre as tarifas e seus reajustes. Esse regime seria aplicado fundamentalmente àquelas operadoras que atuam no atacado, permitindo que no varejo (na prestação do serviço de acesso diretamente ao cidadão) seja mantido o regime privado.
Outra medida fundamental para a universalização do acesso à Internet é o estabelecimento de metas de atendimento a municípios e domicílios, incluindo, além de acessos fixos, centros coletivos a exemplo dos telecentros. Combinadas a elas, a regulamentação do Marco Civil pode envolver a melhoria dos parâmetros de qualidade, com obrigações relativas à continuidade do serviço e ao percentual da velocidade contratada.
Governança
O Marco Civil também traz em seus artigos diretrizes para a atuação do Poder Público em suas várias esferas. A regulamentação pode consolidar um sistema nacional de governança calcado no papel protagonista do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br) e na criação de comitês congêneres nos estados para acompanhamento das metas e da prestação dos serviços, de modo que este sistema de governança seja transparente, aberto e permeável à participação da sociedade.
Todos esses aspectos são fundamentais para resistir à transformação da Internet em um espaço cerceado e pautado por interesses privados e para fortalecer a luta por direitos no ambiente virtual. Uma vez mais, a batalha será intensa, afinal não são poucos ou frágeis os grupos que se opõem a um ambiente livre e pautado pela compreensão da comunicação como um direito fundamental.
Diante deste cenário, a participação popular – chave das conquistas na formulação e aprovação do Marco Civil da Internet – uma vez mais é nossa maior arma nesse enfrentamento.

* Helena Martins é jornalista, doutoranda em Comunicação Social pela Universidade de Brasília e representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos. Jonas Valente é jornalista, doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília e integrante da Coordenação Executiva do Intervozes.