segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Política econômica Economistas fazem manifesto por desenvolvimento com inclusão social Apesar da pressão do mercado financeiro, especialistas rejeitam política de austeridade fiscal e juros altos no Brasil

Luiz Gonzaga Beluzzo

por José Gilbert Arruda Martins (Professor)

Parabéns!
Achei a lista pequena para a quantidade de economistas bons e democratas que esse país com certeza possui.

Mas, o grupo que assinou já deixa a todos mais tranquilos. Achava que ninguém da estatura moral desse tipo de profissional, fosse aparecer para fazer o contraponto dos discursos neoliberais de austeridade e retrocesso.

O tipo de desenvolvimento defendido pelo discurso neoliberal apregoado na mídia após as eleições é muito parecido com o que a Europa vem impondo ao povo daquele continente e que tem produzido uma grande e absurda quantidade de excluídos socialmente e economicamente.

Parabéns a todos e todas, vocês precisam continuar a falar, a defender uma sociedade mais economicamente justa.

Política econômica

Economistas fazem manifesto por desenvolvimento com inclusão social

Apesar da pressão do mercado financeiro, especialistas rejeitam política de austeridade fiscal e juros altos no Brasil
por Redação
no Carta Capital
A postura do mercado financeiro, que reage negativamente a cada decisão da presidenta Dilma Rousseff, e a opinião de economistas ouvidos pela imprensa tradicional passam a impressão que o setor e todos os especialistas estão contra a política econômica do governo federal. Foi isso que levou um grupo de economistas brasileiros, que representam diferentes universidades do País, a elaborar um manifesto de apoio ao desenvolvimento econômico atrelado à inclusão social e não à austeridade.
Assinado por nomes como Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp e Facamp), Marcio Pochmann (Unicamp) e João Sicsú (UFRJ), o texto diz que a maioria da população brasileira rejeitou “o retrocesso às políticas que afetam negativamente a vida dos trabalhadores e seus direitos sociais.”.
“Desde 26 de outubro, contudo, a difusão de ideias deu a impressão de que existe um pensamento único no diagnóstico e nas propostas para os graves problemas da sociedade e da economia brasileira. Sem o contraponto propiciado pela campanha e pelo horário eleitoral gratuito, os meios de comunicação propagaram quase exclusivamente a opinião que a austeridade fiscal e monetária é a única via para resolver nossos problemas”.
No manifesto, o grupo recusa a política de juros mais altos, com maior destinação de impostos para o pagamento da dívida pública, ao invés de devolvê-los na forma de transferências sociais, serviços e investimentos públicos. “O reforço da austeridade fiscal e monetária deprimiria o consumo das famílias e os investimentos privados, levando a um círculo vicioso de desaceleração ou mesmo queda na arrecadação tributária, menor crescimento econômico e maior carga da dívida pública líquida na renda nacional.
Os economistas rebatem ainda às críticas feitas pelo elevador valor da dívida pública brasileira, que, segundo os responsáveis, não é preocupante em qualquer comparação internacional. “Esperamos contribuir para que os meios de comunicação não sejam o veículo da campanha pela austeridade sob coação e estejam, ao contrário, abertos para o pluralismo do debate econômico em nossa democracia.”
Leia o manifesto na íntegra e confira quem foram os economistas que assinaram o documento:
"Economistas pelo desenvolvimento e pela inclusão social
A campanha eleitoral robusteceu a democracia brasileira através do debate franco sobre os rumos da Nação. Dois projetos disputaram o segundo turno da eleição presidencial. Venceu a proposta que uniu partidos e movimentos sociais favoráveis ao desenvolvimento econômico com redistribuição de renda e inclusão social. A maioria da população brasileira rejeitou o retrocesso às políticas que afetam negativamente a vida dos trabalhadores e seus direitos sociais.
É de se esperar que o pluralismo de opiniões fortaleça nossa democracia depois da pugna eleitoral. Desde 26 de outubro, contudo, a difusão de ideias deu a impressão de que existe um pensamento único no diagnóstico e nas propostas para os graves problemas da sociedade e da economia brasileira.
Sem o contraponto propiciado pela campanha e pelo horário eleitoral gratuito, os meios de comunicação propagaram quase exclusivamente a opinião que a austeridade fiscal e monetária é a única via para resolver nossos problemas.Isto vai na contramão da opinião de economistas de diferentes matizes no Brasil, mas reverbera o jogral dos porta-vozes do mercado financeiro. Estes defendem solucionar a desaceleração com a “credibilidade” da adesão do governo à austeridade fiscal e monetária, exigindo juros mais altos e maior destinação de impostos para o pagamento da dívida pública, ao invés de devolvê-los na forma de transferências sociais, serviços e investimentos públicos.
Subscrevemos que este tipo de austeridade é inócuo para retomar o crescimento e para combater a inflação em uma economia que sofre a ameaça de recessão prolongada e não a expectativa de sobreaquecimento.
O reforço da austeridade fiscal e monetária deprimiria o consumo das famílias e os investimentos privados, levando a um círculo vicioso de desaceleração ou mesmo queda na arrecadação tributária, menor crescimento econômico e maior carga da dívida pública líquida na renda nacional.
Entendemos que é fundamental preservar a estabilidade da moeda. Também somos favoráveis à máxima eficiência e ao mínimo desperdício no trato de recursos tributários: este tipo de austeridade, sim, denota espírito público e será sempre desejável. Rejeitamos, porém, o discurso dos porta-vozes do mercado financeiro que chama de “inflacionário” o gasto social e o investimento público em qualquer fase do ciclo econômico.
Tampouco compreendemos o argumento que associa a inflação ao gasto público representado por desonerações que reduzem custos tributários e subsídios creditícios que reduzem custos financeiros. A inflação, aliás, manteve-se dentro da meta no governo Dilma Rousseff a despeito de notáveis choques de custos como a correção cambial, o encarecimento da energia elétrica e a inflação de commoditiesno mercado internacional.
A austeridade agravou a recessão, o desemprego, a desigualdade e o problema fiscal nos países desenvolvidos mesmo tendo sido acompanhada por juros reais baixíssimos e desvalorização cambial. No Brasil, a apreciação cambial estimulada por juros reais altos aumenta o risco de recessão, ao acentuar a avalanche de importações que contribui para nosso baixo crescimento.
É essencial manter taxas de juros reais em níveis baixos e anunciar publicamente um regime fiscal comprometido com a retomada do crescimento, adiando iniciativas contracionistas, se necessárias, para quando a economia voltar a crescer. A atual proporção da dívida pública líquida na renda nacional não é preocupante em qualquer comparação internacional.
O que nos preocupa é a possibilidade de recessão e a carência de bens públicos e infraestrutura social reclamada pela população brasileira. Atendê-la não é apenas um compromisso político em nome da inclusão social, é também uma fronteira de desenvolvimento, estímulo ao crescimento da economia e em seguida da própria arrecadação tributária.
Esta opinião divergente expressa por parte importante dos economistas brasileiros não pode ser silenciada pela defesa acrítica da austeridade, como se o mantra que a louva representasse um pensamento único, técnico, neutro e competente.
Um dos vocalizadores desse mantra chegou a afirmar que um segundo governo Dilma Rousseff só seria levado a caminhar em direção à austeridade sob pressão substancial do mercado, o que chamou de "pragmatismo sob coação".
Esperamos contribuir para que os meios de comunicação não sejam o veículo da campanha pela austeridade sob coação e estejam, ao contrário, abertos para o pluralismo do debate econômico em nossa democracia.
Maria da Conceição Tavares (UFRJ)
Luiz Gonzaga Belluzzo (UNICAMP e FACAMP)
Ricardo Bielschowsky (UFRJ)
Marcio Pochmann (UNICAMP)
Pedro Paulo Zahluth Bastos (UNICAMP)
Rosa Maria Marques (PUC-SP)
Alfredo Saad-Filho (SOAS - Universidade de Londres)
João Sicsú (UFRJ)Maria de Lourdes Mollo (UNB)
Vanessa Petrelli Corrêa (UFU)
Carlos Pinkusfeld Bastos (UFRJ)
Alexandre de Freitas Barbosa (USP)
Lena Lavinas (UFRJ)
Luiz Fernando de Paula (UERJ)
Hildete Pereira Melo (UFF)
Niemeyer Almeida Filho (UFU)
Frederico Gonzaga Jayme Jr. (UFMG)
Jorge Mattoso (UNICAMP)
Carlos Frederico Leão Rocha (UFRJ)
Rubens Sawaya (PUC-SP)
Fernando Mattos (UFF)
Pedro Rossi (UNICAMP)
Jennifer Hermann (UFRJ)
André Biancarelli (UNICAMP)
Bruno De Conti (UNICAMP)
Julia Braga (UFF)
Ricardo Summa (UFRJ)
William Nozaki (FESP)"

Economia O abismo entre ricos e pobres cresce - Com raras exceções, a desigualdade tem aumentado em todos os países do mundo

desigualdade

por José Gilbert Arruda Martins (Professor)

O "problema" desse tipo de relatório, é que eles tocam fundo na ferida e tem muita gente que não gosta.

Classe média, filha do desenvolvimento econômico criado pelos governos trabalhistas; Igrejas, que assentam a bunda em um discurso perverso de que tudo pode ser resolvido por deus; Escolas públicas e privadas, onde diretores e professores não conseguem sair da máquina que reproduz a sociedade desigual; Famílias, embaladas pela TV aberta ou fechada, que pregam no cotidiano o consumismo irresponsável; Ricos que criaram uma colonização moral da sociedade; Governos, que, como o nosso, trabalhista mas sem poder de impor alterações maiores e mais profundas, devido ao controle e vigilância dos ricos, da mídia e da classe média, tornada escudo dos ricos em muitos países do mundo.

O relatório é contundente. Leia o texto abaixo e entenda.

O abismo entre ricos e pobres cresce

Com raras exceções, a desigualdade tem aumentado em todos os países do mundo

no Carta Capital
De Roma
Em um mundo angustiado pela crise econômica, aprendemos que de março de 2009 a março de 2014, exatamente o período considerado mais crítico, depois da bancarrota do Lehman Brothers, o número de bilionários do planeta dobrou: eram 793 no começo do furacão e agora somam 1.645. Os 85 mais ricos entre eles, no mesmo período, incrementaram seus capitais em 668 milhões de dólares a cada dia e sua renda equivale àquela de metade da população mundial, 3,5 bilhões de outros seres humanos. Os dados constam, entre outras “pérolas”, do recente estudo sobre a desigualdade no mundo, publicado pela Oxfam, rede internacional de 19 ONGs que combatem a pobreza. Na sequência da divulgação do relatório, originalmente chamado Even It Up: Time to end extreme inequality, foi lançada a campanha mundial de sensibilização “Equilibre o jogo”.
Crise é um termo utilizado no mundo inteiro para descrever situações diferentes, mas com um denominador comum, a desaceleração do crescimento das economias, que em média superava os 4% anuais na década passada e hoje sofre para chegar perto dos 3,5%. Para resolver os problemas provocados por esse recuo e retomar o ritmo anterior, os defensores do atual sistema econômico-financeiro indicam um caminho único, a ampliação do espaço da iniciativa privada em detrimento do setor público, com corolário de cortes nos gastos sociais e intensificação da produtividade no trabalho. Em outras palavras, salários mais baixos para criar produtos mais baratos. Essa receita, baseada numa visão brutalmente quantitativa do bem-estar da humanidade e sem nenhuma atenção à equilibrada convivência social, é rotundamente recusada pela Oxfam. Com riqueza de informações e análises, a desigualdade é descrita sob diversos aspectos, e o estudo chega à conclusão de que essa praga contemporânea não só é contrária a uma ética humanista, mas também a causa fundamental da crise econômica em curso.
O primeiro mito que o relatório se encarrega de derrubar é aquele que considera natural a desigualdade entre os seres humanos. Melhor se concentrar na redução da pobreza, afirmaram os liberais a partir da Revolução Industrial, pois a compaixão é a única maneira de mitigar a lei natural que inevitavelmente produz as diferenças. Mas a desigualdade excessiva tem comprometido o combate à pobreza, apesar dos bons resultados conseguidos nesse campo até o início dos anos 80 do século passado. O abismo entre ricos e pobres nas últimas três décadas, demonstra a pesquisa, tem clara correlação com a baixa mobilidade social. Em outros termos, nos países em que o fenômeno é mais acentuado, quem nasce rico fica rico, quem nasce pobre não tem outra alternativa além de permanecer pobre. A esperança de uma vida melhor, na evolução entre pais e filhos, é banida do horizonte de bilhões de seres humanos.
Com raras exceções, a desigualdade tem aumentado em todos os países do mundo. Caso particularmente emblemático, a Oxfam calcula que até na África do Sul a desigualdade é hoje maior do que no período do Apartheid. Com base em dados de 2013, 7 de cada 10 habitantes do mundo vivem em países em que a desigualdade econômica é maior do que há 30 anos.
O enriquecimento desmedido de um número restrito de indivíduos, a depender dos países, encolheu ou limitou o crescimento da classe média, comprometendo a sua capacidade de gasto e, em última análise, o motor do crescimento mundial. Desde 1990, a participação do trabalho na composição do PIB mundial é constantemente decrescente. O ataque ao valor e à dignidade do trabalho é particularmente acentuado nos países mais pobres, mas também ocorre nas nações ricas. Por consequência, o PIB mundial é composto por uma porcentagem crescente do capital, que se autoalimenta cada vez mais da especulação financeira.
As 150 páginas da pesquisa, com amplíssima bibliografia, demonstram que a desigualdade extrema também está associada à violência. A América Latina, a região mais desigual do mundo do ponto de vista econômico, reúne 41 das 50 cidades mais violentas do planeta e registrou 1 milhão de assassinatos entre 2000 e 2010. Países desiguais são lugares perigosos para viver, e a insegurança afeta tanto ricos quanto pobres.
A desigualdade econômica produz ainda diferenças em termos de oportunidades de vida. Quem está na parte baixa da escada social tem grande desvantagem em termos de escolaridade, saúde e expectativa de vida. A Oxfam demonstra com dados e gráficos que a “pobreza interage com desigualdades econômicas e de outros tipos para criar ‘armadilhas de desvantagens’ que empurram os mais pobres e marginalizados para o fundo – e os mantêm lá”. E a globalização da economia aumentou consideravelmente o número de super-ricos nos países em desenvolvimento e emergentes. Na África Subsaariana, 16 bilionários convivem com 358 milhões em pobreza extrema.
No atual cenário, o Brasil, que nos últimos 12 anos tirou da pobreza dezenas de milhões de indivíduos, é citado várias vezes no relatório como positiva exceção por ter agido na contracorrente mundial, mas também como exemplo de uma desigualdade ainda gravíssima que afeta as perspectivas de resgate econômico e de pacificação nacional. É extremamente fácil evidenciar a imediata correspondência entre o aumento de 50% no valor do salário mínimo entre 1995 e 2011 e a redução da pobreza e desigualdade no País.
Como exemplo oposto, dados de 40 países europeus e latino-americanos revelam que a capacidade redistributiva de um bom sistema fiscal, combinada com gastos sociais bem-focados, pode reduzir as disparidades de ingressos produzidas pelo mercado. A Finlândia e a Áustria conseguem reduzir pela metade essa desigualdade por meio de impostos, enquanto o sistema fiscal e o gasto social brasileiro a limitam de maneira insignificante.
O relatório da Oxfam não se restringe à análise da situação de fato, mas identifica as causas que provocaram a absurda desigualdade atual: o fundamentalismo de mercado e a captura do poder pelas elites econômicas. A ideologia neoliberal, que continua dominante, apesar das contradições que suscitou, segue a impulsionar as diferenças, que não poderão ser reduzidas enquanto os países forem forçados a engolir remédios como a desregulamentação financeira, a austeridade fiscal, as privatizações, a redução de programas sociais ou o corte de impostos para os ricos. Por outro lado, como em um círculo vicioso, o dinheiro compra a influência e o poder político, tanto nos países ricos quanto nos pobres.
Para “reequilibrar o jogo”, a Oxfam identifica uma série de medidas específicas que, acrescentamos, não poderão ser alcançadas com base em alguma milagrosa fulguração de bondade da parte de quem hoje dirige o jogo, mas apenas à medida que as relações de força e de poder entre as minorias ricas e as maiorias pobres se inverterem. O mérito do relatório é demonstrar implicitamente que a batalha deve ser combatida em cada lugar de trabalho e em cada país, mas, para ser vencida, deve incluir um pensamento e uma ação global de todas as vítimas da desigualdade e de todos os seus aliados de boa vontade. Se a economia e a riqueza do mundo são globalizadas, a resposta para redistribuir deve ter a mesma escala. O nacionalismo é uma ferramenta arcaica. O que hoje precisamos é de um novo internacionalismo.
*Reportagem publicada originalmente na edição 825 de CartaCapital, com o título "Desiguais até na crise"

sábado, 15 de novembro de 2014

BUROCRACIA DE BRUXELAS E SEPARATISMO SE RETROALIMENTAM Estados em migalhas na Europa das regiões


por Paul Dirkx - no Le Monde Diplomatique Brasil

Em 1968, o nacionalista bretão Yann Fouéré publicou L’Europe aux cent drapeaux [A Europa das cem bandeiras]. Na época, o pleito por uma construção europeia baseada em etnias – as “verdadeiras nações” – não ia muito além dos convertidos. Os tempos mudaram bastante. Em 18 de setembro, o Reino Unido sentiu passar na Escócia o vento da bala de canhão do desmembramento. Uma semana antes, diante de uma mobilização sem precedentes nas ruas de Barcelona, o movimento independentista-separatista1catalão desafiara Madri impondo a realização de um referendo sobre a independência. Em consequência da proibição dessa votação pelo tribunal constitucional, os moradores da Catalunha serão simplesmente “consultados” sobre seu futuro em 9 de novembro. Eleições futuras, no entanto, podem desembocar em uma declaração de independência se os partidos que a reivindicam forem reconduzidos ao poder. Esses acontecimentos tornam o impensável não apenas pensável, como também realizável. Tal mudança deve-se menos à determinação dos ativistas – mais do que nunca mobilizados em locais de todo o continente – do que a fatores que fazem parte de um conjunto mais vasto.
Os movimentos separatistas por muito tempo se dividiram em relação a questões ideológicas e estratégicas, ligadas sobretudo à unificação europeia. Os quatro partidos mais midiatizados atualmente, todos no poder em sua região, ilustram essa diversidade. O Esquerra Republicana de Catalunya (ERC, Esquerda Republicana da Catalunha) segue uma linha social-democrata comparável àquela do Scottish National Party (SNP), enquanto os catalanistas do Convergència i Unió (CiU, Convergência e União) e a Nieuw-Vlaamse Alliantie (N-VA), Aliança Neoflamenga) se situam nitidamente à direita. Os três primeiros trabalham pelo renascimento de uma nação “antiga” cujo pertencimento ao reino que os inclui seria apenas um parêntese a ser fechado. A N-VA faria o mesmo se a Flandres moderna, entidade engendrada por um Estado onde os flamengos ocupam uma posição dominante há décadas, tivesse a aura de uma nação natural. Mas, por muito tempo, os separatistas flamengos não souberam se apoiar num movimento popular nem mesmo nos meios intelectuais.
Esses partidos e muitos outros, porém, entraram progressivamente em acordo para tirar proveito da construção europeia e de sua governança. Eles europeizaram seus laços de colaboração para constituir uma corrente política ativa em escala continental. O instrumento mais desenvolvido é a Aliança Livre Europeia (ALE): apoiada no Parlamento europeu pelos Verdes, ela forma com eles um grupo que passou a deter 6,66% das cadeiras após as eleições de maio de 2014. Fundada em 1981, em Bastia, e reconhecida pelo Parlamento europeu em 2004, a ALE é dirigida por François Alfonsi, ex-presidente do Partido da Nação Corsa (autonomista e contrário à violência política). Ela reúne dez partidos regionalistas, catorze autonomistas e onze separatistas que representam dezessete países-membros. “A mobilização pela Europa”, explica Alfonsi à grande delegação da ALE em Edimburgo, em 18 de setembro, “está em nossa casa. A dinâmica ofensiva é a nossa!”2 Tendo em mente o torpor de Londres (a não ser no último minuto) e a ausência de um projeto facilmente compreensível em Bruxelas, ele não está totalmente errado.

Da subsidiariedade à evaporação
A ALE, como a maior parte das organizações separatistas ou regionalistas, tem um discurso ancorado no presente que tende a lançar um véu sobre sua própria história. Portanto, há um sentido em lembrar que, durante a Segunda Guerra Mundial, uma parte importante dos movimentos bretão e flamengo optou por uma Europa nazista, enquanto os catalães e os bascos foram duramente reprimidos sob Franco. A ALE conseguiu suavizar sua heterogeneidade por meio de uma comunicação com expressões cada vez mais tecnocráticas, democráticas e progressistas. Ela tenta assim introduzir no jargão europeu fórmulas que apresentam sua causa como justa (ela defende “nações sem Estado”) e fiel a um espírito europeu (cada independência é um “alargamento interno”). Essa retórica visa legitimar um nacionalismo étnico em que a etnia se apaga diante de uma comunidade histórica, mesmo quando esta dá lugar a uma sociedade aberta a todos os habitantes instalados em seu território, uma “comunidade de destino”. Esse nacionalismo “cívico”, que permanece amplamente baseado em noções de território, de tradições e de língua, só chega a reclamar plenamente para si palavras como “república”, “povo”, “democracia” etc., por um desvio ao menos parcial dos valores do Estado-nação à francesa. Não fosse ele uma característica geral da comunicação europeia, o discurso da ALE atingiria por sua candura: “Nós nos concentramos na autodeterminação porque achamos que todos os povos têm o direito de decidir sobre seu próprio futuro. Eles têm o direito de escolher livre e democraticamente o tipo de governo e o tipo de sociedade em que pretendem viver”.
Essa busca pela respeitabilidade evoca aquela de alguns partidos de extrema direita. No entanto, os separatistas se distinguem, entre outros aspectos, por sua estratégia de participação nas instituições europeias, pois a União encoraja cada vez mais firmemente o nível regional em nome do princípio da subsidiariedade. Essa pedra angular da governança europeia consiste em reservar ao nível de poder inferior aquilo que o nível superior só poderia efetuar de maneira “menos eficaz” e “menos próxima do cidadão”. Ela está inscrita no Tratado de Maastricht de 1992, assim como a união econômica e monetária e o Comitê das Regiões (COR), uma assembleia com voz de consulta para qualquer questão que afete as regiões. O COR deve também cuidar para que os princípios de subsidiariedade e de proximidade sejam respeitados, e pode aproveitar a Corte de Justiça para fazer que sejam aplicados.
O movimento separatista desfruta ainda mais a tribuna que o COR lhe oferece à medida que este procura drenar o máximo de poderes em direção aos níveis infranacionais. Ele aspira a “uma União o tempo todo mais estreita e solidária entre os povos da Europa”,3noção inequívoca que pode receber um sentido tão cívico quanto étnico. O essencial do COR acompanha o diapasão dos autonomistas e separatistas: “Queremos que a Europa [...] possa plenamente tirar proveito da diversidade territorial, cultural e linguística que faz sua força e sua riqueza e que é uma garantia de identidade para seus cidadãos. [...] Afirmamos a autonomia das autoridades regionais e locais e seu direito de dispor de recursos financeiros adequados [e] incentivamos o processo de descentralização”. Se o COR não facilita o trabalho dos nacionalismos infranacionais, ele pelo menos consegue elevar sua legitimidade. Com a Carta Europeia de Autonomia de 1988, ele lhes oferece um quadro jurídico que poderia um dia se mostrar precioso.
Esse quadro foi reafirmado em abril de 2014 pela Carta para a Governança em Múltiplos Níveis na Europa, redigida pelo COR sob a liderança do nacionalista flamengo democrata cristão Luc van den Brande. Sua aproximação “para além das fronteiras, procedimentos e entraves administrativos tradicionais”4 visa antes de tudo, sem os nomear, os provocadores de entraves: os Estados-nações. A Comissão validou essa aproximação pela voz de seu presidente, José Manuel Barroso: “A Europa [...] é a diversidade e a riqueza de todas as suas regiões, de todas as suas cidades”.5 Para o presidente do Parlamento europeu, Martin Schulz, o COR “tem evidentemente um papel central a desempenhar nas políticas europeias”. Essa assembleia que se felicita por não ter cessado de “reforçar sua legitimidade democrática” poderia muito bem desempenhar o papel de um Senado das regiões, ideia que ganha terreno em Bruxelas.
A posição da União Europeia em relação a separatismos poderia ser assim resumida: ela proíbe a si mesma de intervir num caso que envolva assuntos internos de um Estado-membro. Como indica o tratado sobre a União Europeia, esta “respeita as funções essenciais do Estado, sobretudo aquelas que têm por objetivo assegurar sua integridade territorial”. Assim, o Estado não somente teria o monopólio na matéria, como também não poderia apelar para a UniãoEuropeia – a qual intervém de forma cada vez mais intensa em todos os “níveis de competência”, sobretudo em matéria orçamentária. O reconhecimento por Bruxelas de um território que procura uma separação prejudicaria a integridade territorial do país em questão e iria, portanto, de encontro ao tratado. Nos últimos meses, o presidente da Comissão Europeia, Barroso, declarou que uma Catalunha independente seria excluída da União Europeia. E ele julgou, em plena campanha do referendo, que uma adesão da Escócia seria “extremamente difícil, ou até impossível”. Essas ameaças, entretanto, foram tão tardias que são juridicamente contestáveis, porque não há nenhuma diferença essencial entre os Estados-nações atuais e aqueles que os separatistas estão reivindicando, a saber, os Estados que coincidiriam enfim com “verdadeiras” nações – em resumo, verdadeiros Estados-nações.
A postura de Bruxelas parece então ambivalente, a menos que lembremos que a construção europeia se fez sempre contra os Estados ou, pelo menos, em detrimento deles, a fim de permitir ao poder supranacional europeu se converter em uma estrutura capaz de dominá-los.6 Ao “reequilibrar as governanças” por meio de transferências de competências para as regiões, o princípio de subsidiariedade precipita em um processo de evaporação, segundo o termo bastante pertinente dos separatistas flamengos, não somente o Estado belga, mas todos os seus homólogos, porque, ao longo do tempo, essa evaporação afeta não somente a capacidade de decisão dos Estados, mas sua própria substância. Em suma, compreende-se melhor que os agrupamentos separatistas estejam tão preocupados em cooperar com as políticas europeias. Sem subestimar seus esforços, os mais bem instalados entre eles insistiram sobretudo localmente, materializando sua posição de força nas urnas e diante das câmeras.
No entanto, a colocação sob a tutela progressiva dos Estados tem também uma forte dimensão econômica. A construção europeia foi concebida, desde o tratado de Roma de 1957, em uma perspectiva de “supressão progressiva das restrições” ao “comércio mundial” e de deslocamento correlativo das estruturas nacionais que são subjacentes aos sistemas econômicos. A crise financeira atual, frequentemente citada como favorecedora da ascensão dos autonomistas, com certeza fragilizou ainda um pouco mais as camadas populares que abandonam os partidos políticos que deveriam defender. Uma parte delas se voltou para partidos “populistas”, um balaio de gatos que inclui inúmeras formações nacionalistas. A crise, porém, tem costas largas e é preciso evitar naturalizá-la, isolando-a das políticas públicas neoliberais com as quais está relacionada. Os separatistas souberam explorar em graus diversos essa dinâmica continental para ampliar de forma duradoura seu eleitorado.
A N-VA oferece o exemplo emblemático disso. Como a ideia separatista não tem assento popular, apesar dos placares elevados dos “populistas” do rival anti-imigrantes Vlaams Belang, esse partido conservador fundado em 2001 sobre os escombros do partido nacionalista socioliberal Volksunie (União do Povo) conseguiu se aliar ao patronato autonomista de fala neerlandesa. A Bélgica, esse “paraíso do liberalismo continental” (Karl Marx) que pertencia ao pelotão de frente das potências econômicas mundiais entre 1860 e 1914, viu-se na vanguarda de todas as iniciativas que visavam acelerar a expansão do livre-comércio internacional. Seu papel na instalação das instituições financeiras globais e na construção de um Estado europeu não tem nenhuma medida em comum com seu tamanho. Um único ponto negativo: a defesa da língua e da cultura das classes populares no norte por um “movimento flamengo” cada vez mais hostil ao Estado belga, o qual tentou resolver o problema como ele se acostumara a fazer com as grandes questões da sociedade: terceirizando-o. Dessa vez, porém, nem para os partidos políticos nem para as redes de instituições (escolas, hospitais, imprensa etc.) habilitados a gerenciar uma parte da vida de cada cidadão em função da ideologia com a qual comungava. Novas instituições, chamadas “Regiões” e “Comunidades”, surgiram para isso nos anos 1970 e a elas foram outorgadas competências crescentes nos anos 1980.

Provocar repulsa
Essa federalização era desejada por novas elites econômicas flamengas decididas a dar à sua região seu lugar na economia mundial. O objetivo era fazer emergir, no quadro do Estado belga (ou não, se necessário), uma administração flamenga desembaraçada do peso dos “arcaísmos” defendidos na Valônia pela esquerda socialista – a qual se pusera a pleitear em favor do federalismo por razões inversas depois do declínio industrial dos anos 1960. A custosa federalização do país se fez numa marcha forçada em menos de 25 anos e coincidiu com a instauração das políticas de austeridade – coincidência que permitiu com frequência uma instrumentalização dos “problemas comunitários” e das “reformas do Estado” com fins de reformas socioeconômicas de inspiração neoliberal.7 Como disse um dia Hugo Schiltz, o líder desse nacionalismo flamengo que podemos qualificar de “etnoliberal”: “Federalizar é sanear” (as finanças públicas).
Seu sucessor, o presidente da N-VA, Bart de Wever, fez a junção com poderosos meios de negócios por vezes abertamente separatistas8 e exasperados pela persistência do modelo social belga, um dos mais desenvolvidos do mundo. Com o apoio do partido democrata cristão flamengo CD&V, a N-VA conduziu uma dupla estratégia. De um lado, uma estratégia etnicista: usando pequenas frases vagamente racistas, causar repulsa no maior número de cidadãos francófonos em relação à sua convivência com “os flamengos”, portanto provocar neles repulsa à Bélgica e dar voz ao mito de uma Bélgica composta de duas democracias. Do outro lado, uma estratégia etnoliberal: radicalizar aquilo que o CD&V tinha colocado em prática no software neoliberal, ou seja, o axioma “Wat we zelf doen, doen we beter” (“Aquilo que nós [flamengos] fazemos por nós mesmos, fazemos melhor”). Desde 2010, captando sobretudo o eleitorado do Vlaams Belang, a N-VA tornou-se a primeira força do país, posição que ela consolidou em 2014 e fez dela o pivô do novo governo federal N-VA/CD&V/liberais formado em 11 de outubro último. Esse governo, o primeiro isento de socialistas desde 1988, foi instado a endurecer as políticas sociais e econômicas sem novas reformas institucionais. Seu arquiteto, De Wever, descreveu seu espírito nos seguintes termos: se o eleitor francófono, no término do mandato, “decidisse nos forçar a fazer uma coalizão com o Partido Socialista [valão], eu acredito que o institucional estaria lá novamente”.9
As principais formações separatistas da União Europeia parecem ter entrado em acordo para ligar a questão identitária à da incapacidade dos Estados modernos de participar da economia europeia globalizada com a determinação orçamentária desejada. Uma grande parte do establishment econômico catalão defende inseparavelmente um Estado catalão “independente” e sua capacidade de praticar reformas de maneira mais firme segundo as receitas neoliberais já experimentadas pela direita separatista de Artur Mas, no poder na Generalitat (executivo regional da Catalunha). Este último vê também na independência um meio de romper com a onerosa solidariedade nacional e de rever por baixo as contribuições fiscais das empresas. Lá, assim como em Flandres, mas também no norte da Itália e em outras regiões, “Madri”, “Valônia” etc. se tornaram sinônimo de buraco financeiro e de hipotecas sobre a saúde econômica e social do povo.
Em Edimburgo também ressoou um “I want my money back” (“Quero meu dinheiro de volta”), pouco compatível com o perfil de esquerda do SNP de Alex Salmond. Esse partido construiu sua popularidade graças à rejeição às políticas liberais de Margaret Thatcher e depois de Tony Blair. Mas, sobretudo após a obtenção da maioria absoluta no Parlamento escocês em 2011, ele se aproximou da social-democracia. Salmond, economista e fino conhecedor dos meios financeiros, conseguiu seduzir uma fração do patronato dando falsas esperanças em relação ao controle dos dividendos do petróleo e à flexibilidade fiscal que engendrariam o nascimento de um novo “tigre celta”. Ele também polariza o debate, explicando até que ponto Londres onera o bem-estar dos escoceses e até que ponto “uma grande estrela negra” impede de brilhar “uma nova luz no norte”.10
Enfim, essas regiões com PIB em geral mais elevado que a média nacional se apresentam como forças de mudança e de progresso. E isso longe de todo pensamento etnocêntrico, mas se dizendo a serviço da Europa, porque o “erro da Europa se deve aos Estados-nações”, como resume o presidente da ALE, que se arvora assim em aliado de todos os que desprezam os “egoísmos nacionais” em Bruxelas. Muitos separatistas, autonomistas e regionalistas compreenderam há bastante tempo que a Europa caminha para o federalismo em detrimento dos Estados-nações. E eles têm de fato a intenção de ajudar nisso, mostrando-se adeptos de sua doutrina.
“O regionalismo não é e nunca foi uma ameaça nem mesmo uma fonte de preocupação num Estado unitário, seguro de seu centralismo. [...] Nunca a França [...] será perturbada por partidos regionalistas poucopoderosos”, proclamava um estudioso de política francês na véspera da votação na Escócia.11 Nada menos certo, porque o processo em curso na escala da União Europeia leva a República francesa a se transformar segundo a lógica da subsidiariedade. Inúmeros instrumentos jurídicos (a Carta de Autonomia, os critérios de subvenção europeia etc.) obrigam os Estados-membros a uma forma ou outra de regionalização. Dos 28 Estados-membros, uns vinte são divididos em regiões (com competências muito amplas em cinco deles) e três são federalizados, claramente visando a uma melhor governança econômica. Na Grécia, as transferências de poder para as regiões em 2010 tinham nitidamente como objetivo uma redução das despesas do governo.

“O centralismo custa caro”
Desde o governo de Jean-Pierre Raffarin (2002-2005), a descentralização com a qual a França estava envolvida se transformou em uma regionalização nos termos da lei. A nova reforma territorial, realizada com ímpeto, reduziu o número de regiões de 22 para treze. Na ocasião, o governo convidou cada cidadão a uma reflexão de uma grande profundidade graças a um aplicativo de telefone: “‘Indique’ seu [sic] território: para se apropriar dos contornos das treze novas regiões e propor nomes para elas; ‘marque’ seu [sic] território: para desenhar o mapa de suas relações de vida; ‘teste’ seu [sic] território: para testar seus conhecimentos [...] e compreender a reforma proposta pelo governo”. Para além dessa comunicação infantilizante, o primeiro objetivo está claramente colocado: dotar a França de regiões “de tamanho equivalente às outras regiões europeias”.12 O legislador, perdendo de vista os dezoito Estados-membros cuja superfície é inferior até a três dessas futuras regiões, olhou mais para a Espanha, a Itália e sobretudo a Alemanha.
Das 22 regiões atuais, seis serão deixadas intactas, entre elas a Córsega e a Bretanha. Esta aparece como uma região-piloto da reforma: Paris já assinou com ela no final de 2013 um “pacto para o futuro” (2 bilhões de euros em ajudas e empréstimos). O primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault, tinha então anunciado que esse pacto seria completado pela reforma territorial. Esta tem como segundo objetivo dotar as regiões de “instrumentos para acompanhar o crescimento das empresas”, sobretudo lhes cedendo todas as competências em matéria de políticas de formação e emprego. O secretário de Estado encarregado da reforma do Estado e da simplificação, Thierry Mandon, tinha advertido os franceses: “Certas missões do Estado deverão ser transferidas ou abandonadas”.13 A regionalização poderia desembocar numa França com uma dezena de regiões-bolsões de emprego, com um diálogo social adaptado às novas realidades. Ela introduz no funcionamento do Estado francês o princípio de equivalência dos “níveis de competências”, assim como o princípio da subsidiariedade.
Haverá, portanto, um tratamento específico dos cidadãos em função de sua região, o que sinaliza a emergência de categorias distintas de franceses. É o que já mostra o “pacto para o futuro”, que é, para citar Ayrault, “um pacto para a Bretanha e para os bretões”14 – “os bretões”, e não mais os habitantes de uma região. Dito de outra forma, o Estado francês parece pronto a reabilitar, em nome de cada economia regional, certas categorias constitutivas de uma identidade étnica.15 De sua parte, os separatistas incitam Paris, assim como Bruxelas, a não se deter num caminho tão correto: “Ninguém contesta a necessidade de fazer economia, mas a ruína do Estado francês é de início a de um Estado exageradamente centralizadoE o centralismo custa caro”, explica a federação da Convergência Democrática da Catalunha, que advoga a criação de uma região da Catalunha do Norte no Roussillon para “restaurar” um país catalão transfronteiriço “competitivo”.16 A experiência mostra que uma coletividade territorial fundada numa identidade raramente se satisfaz com o status quo. A federalização belga, longa tentativa de apaziguamento desse desejo de reconhecimento no entanto minoritário,17 não impediu o país, tal como a Espanha, de se ver na borda do deslocamento. O governo de Londres, “seguro de seu centralismo”, acreditou poder pegar os nacionalistas em sua própria armadilha ao autorizar o referendo. Ele se vê hoje na condição de ter de prometer algo que se parece bastante com uma federalização (sobretudo fiscal) do país, destinada a contentar, sem a menor garantia de sucesso, as quatro “nações internas” que o compõem (Escócia, Irlanda do Norte, País de Gales e Inglaterra).
Enquanto os federalistas perseguem sua estratégia de “realizações concretas que criam de início uma solidariedade de fato”, como dizia Robert Schuman, os separatistas pró-europeus (mas não federalistas) continuam sua caminhada para a “independência de fato”, aguardando a “independência de acordo com a lei”.18 Duas estratégias do fato consumado que se reforçam mutuamente.

Paul Dirkx
*Paul Dirkx é professor pesquisador da Universidade de Lorraine, França. Autor de La concurrence ethnique. La Belgique, l’Europe et le néolibéralisme[A concorrência étnica. A Bélgica, a Europa e o neoliberalismo], Éditions du Croquant, Bellecombe-en-Bauges, 2012.



1         A palavra “independentista” tem como inconveniente dar crédito à tese de uma dependência e, portanto, de uma dominação de uma parte do país em questão em relação a outra parte.
2  Le Monde, 18 set. 2014.
3  “Déclaration de mission” [Declaração de missão], Comitê das Regiões, Bruxelas, 21 abr. 2009.
4  “Resolução do Comitê das Regiões sobre a Carta para a Governança em Múltiplos Níveis na Europa”, Bruxelas, 2-3 abr. 2014.
5  Vídeo 20 years of the Committee of Regions [20 anos do Comitê das Regiões], Comitê das Regiões, jul. 2014, disponível no YouTube.
6  Cf. Belén Balanyá, Ann Doherty, Olivier Hoedeman, Adam Ma’anit e Erik Wesselius, Europe Inc. Comment les multinationales construisent l’Europe et l’économie mondiale[Europa Inc. Como as multinacionais constroem a Europa e a economia mundial], Marselha, Agone, 2005; François Denord e Antoine Schwartz, “L’Europe sociale n’aura pas lieu” [A Europa social não vai acontecer], Raisons d’Agir, Paris, 2009.
7  Cf. La concurrence ethnique. La Belgique, l’Europe et le néolibéralisme[A concorrência étnica. A Bélgica, a Europa e o neoliberalismo], Éditions du Croquant, Bellecombe-en-Bauges, 2012.
8  Por exemplo, o think tankIn De Warande, autor em 2005 de um “manifesto por uma Flandres independente na Europa” que inspirou grandemente o programa da N-VA.
9  Bel-RTL, 10 out. 2014.
10            Channel 4 News, 7 fev. 2014.
11            Xavier Crettiez, citado em Le Monde, 18 set. 2014.
12            “La réforme territoriale” [A reforma territorial], 10 out. 2014. Disponível em: www.gouvernement.fr.
13            Entrevista com Thierry Mandon, 2 jul. 2014. Disponível em: www.lesechos.fr.
14            Citado em Mediapart.fr, 13 dez. 2013.
15            Encorajados por Paris e pelos acontecimentos escoceses e catalães, os “bonés vermelhos” e os nacionalistas bretões organizaram uma “marcha histórica por uma Bretanha reunida”, juntando entre 20 mil e 30 mil pessoas em Nantes (Ouest-France, 28 set. 2014).
16            Extratos do site www.cdccat.com.
17            Em Flandres, o separatismo se estagnou em torno de 15% desde 1995. Em 2010, 83% dos eleitores da N-VA se diziam hostis à cisão do Estado belga (Katholieke Universiteit Leuven).
18       Segundo as palavras do teórico nacionalista escocês Tom Nairn, citado em Keith Dixon, “Les ambitions du nationalisme écossais” [As ambições do nacionalismo escocês], Le Monde Diplomatique, set. 2014.

 
05 de Novembro de 2014
Palavras chave: separatismoindependênciaEuropamovimentosarmadosCatlunhaUniãoEuropeia

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

“Ajuste fiscal”? Por que não seguir a Europa

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Rumo à direita? Stiglitz alerta: “Quando cidadãos votam por mudança política, mas ficam sabendo que sua escolha é inútil, democracia é corroída” (na foto, Angela Merkel e Dilma Roussef em 2012)

no Outras Palavras

Desemprego, recessão, crise profunda da democracia. Um Nobel de Economia desmascara o falso êxito das políticas de “austeridade” – as mesmas que conservadores querem no governo Dilma
Por Joseph Stiglitz | Tradução: Mariana Bercht Ruy
Um mito, acompanhado por uma fieira de jargões, espalha-se com rapidez no Brasil pós-eleições: o de que precisamos de um “ajuste fiscal”, de um “aperto de cintos”, para “recolocar ordem na economia”. Após um período de “descontrole” das contas públicas e “gastança”, os “agentes econômicos” (leia-se grandes bancos e empresas) teriam “perdido a confiança” no Estado e deixado de investir. Para seduzi-los novamente, seria preciso voltar às políticas mais ortodoxas. Elevação das taxas de juros. Corte de investimentos públicos. Contenção do salário-mínimo, da bolsa-família e de direitos previdenciários como o seguro-desemprego.
Repetido como mantra, esse discurso tem encontrado pouca resistência. Aécio Neves, que o sustentou durante a campanha eleitoral, foi derrotado pelos eleitores — num segundo turno em que Dilma investiu, para vencer, no tema de “Mais” mudanças e direitos. Porém, fechadas as urnas, foi como se elas nada tivessem dito. A mídia apresenta o “ajuste fiscal” como se não fosse uma opção política — mas uma necessidade objetiva e inescapável. A própria presidente reeleita pareceu abandonar, logo depois da vitória, seu discurso. Ainda em outubro, o Banco Central elevou as taxas de juros. Em 6 de novembro, ao conceder entrevista a oito veículos da velha mídia, Dilma anunciou corte de gastos. Um dia depois, o ministro da Fazenda, Guido Mantega,revelou que o governo já  os prepara.
Mas o “ajuste fiscal” é uma escolha tão óbvia, para os governantes, como mobilizar as equipes de Defesa Civil, em caso de tragédia? No texto a seguir, Joseph Stiglitz, Nobel de Economia, demonstra que não. Ele examina o caso da Europa. Lá, com nome de “austeridade”, politicas de corte de direitos sociais e desmonte de serviços públicos estão sendo adotadas desde 2009. Cinco anos depois, os economistas conservadores veem sinais de “sucesso”. Stiglitz zomba. Todas as crises terminam um dia, ele lembra. Ao fazer o balanço, o que importa é aferir que sacrifícios foram exigidos, das sociedades, para enfrentá-las. Na Europa, o panorama é trágico. Além da corrosão dos direitos sociais, houve desgaste grave da democracia — desmoralizada quando os governos prometem “Mais” e entregam “mais do mesmo”. E não é só: voltam a surgir no horizonte sinais de que todo o sacrifício foi inútil. Mesmo países como a Alemanha parecem enfrentar, agora, estagnação — e contribuem para jogar lenha na fogueira de uma possível tempestade econômica mundial.
A redefinição da política econômica tornou-se um tema central. Árido aparentemente — porque interessa ao pensamento conservador reduzi-lo a algo para especialistas — ele pode ser compreendido por todos que se disponham a algum esforço. Vale a pena. Das escolhas que o Brasil fizer, neste terreno, dependerá, também, nosso futuro político, social e cultural. “Outras Palavras” insistirá no assunto. Vale, por enquanto, escutar Stiglitz. (A.M.)
“Se os fatos não se encaixam na teoria, mude a teoria”, diz o velho ditado. Mas muito comumente é mais fácil manter a teoria e mudar os fatos. É o que a chanceler alemã Angela Merkel e outros líderes europeus pró-austeridade parecem pensar. Mesmo com os fatos a um palmo do nariz, eles continuam negando a realidade.
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A austeridade falhou. Mas seus defensores estão prontos a declarar vitória com base na evidência mais fraca de todas. A economia não está mais em colapso; logo, as medidas de austeridade só podem estar funcionando! Mas se essa for a referência, poderíamos dizer que pular de um penhasco é a melhor forma de descer uma montanha.
Toda crise chega a um fim. O sucesso não deve ser medido pelo fato de a recuperação em algum momento acontecer — mas pelo tempo que se demora para chegar a ela e por quão extensos são os danos causados pelo tombo. Vista nesses termos, a austeridade tem sido um desastre completo e absoluto. Isso está se tornando cada vez mais visível à medida em que as economias da União Europeia voltam a encarar estagnação — ou, talvez, um triplo mergulho em recessão, com o desemprego mantendo-se em altos patamares e o PIB real per capita ainda abaixo dos níveis pré-crise, em muitos países. Mesmo nas economias de melhor desempenho, como a Alemanha, o crescimento desde 2008 tem sido tão lento que, em qualquer outra circunstância, seria considerado desanimador.
Os países mais atingidos estão em depressão. Não existe outra palavra para descrever economias como a da Espanha ou da Grécia, onde quase uma em cada quatro pessoas – e mais de uma em cada duas, entre os jovens – não consegue encontrar trabalho. Dizer que o remédio está funcionando porque o índice de desemprego decresceu em alguns pontos percentuais, ou porque se pode ter um vislumbre de crescimento magro, é semelhante a um barbeiro medieval que diz que a sangria está funcionando, já que o paciente ainda não morreu.
Extrapolando o crescimento europeu modesto a partir dos anos 80, meus cálculos demonstram que a produção na zona do euro hoje está mais de 15% abaixo do ponto em que estaria, se a crise financeira de 2008 não tivesse acontecido. Isso implica uma perda de 1,6 trilhão de dólares apenas esse ano, e uma perda acumulada de mais de US$ 6,5 trilhões. Ainda mais perturbador é que essa diferença está aumentando e não diminuindo (como se esperaria depois de uma crise, quando o crescimento é tipicamente mais rápido do que normalmente conforme a economia retoma terreno perdido).
Em outras palavras, o longo período de recessão está diminuindo o crescimento potencial da Europa. Jovens que deveriam estar desenvolvendo habilidades não estão. Há evidências contundentes de seus rendimentos, ao longo da vidas, serão muito menores do que se vivessem num período de pleno emprego.
Enquanto isso, a Alemanha força outros países a seguir políticas que enfraquecem suas economias – e suas democracias. Quando os cidadãos votam repetidamente por uma mudança política (e poucas políticas importam mais aos cidadãos que aquelas que afetam seus padrões de vida), mas ficam sabendo que estes temas são decididos em outro lugar, e que, portanto, sua escolha é inútil, tanto a democracia quanto a fé no projeto europeu são corroídas.
A França votou para mudar de rumo três anos atrás. Em vez disso, os eleitores receberam outra dose de austeridade pró-corporações. Uma das propostas mais antigas na economia é o multiplicador do orçamento equilibrado. Significa que aumentar conjuntamente os impostos e as despesas estimula a economia. E se os impostos incidem sobre os ricos e as despesas beneficiam as maiorias, o multiplicador pode ser particularmente alto. Mas o dito governo socialista francês está reduzindo a tributação das empresas e cortando gastos – uma receita quase garantida para enfraquecer a economia, mas também para ganhar elogios da Alemanha…
A esperança, afirma-se, é que impostos mais baixos para pessoas jurídicas estimulem o investimento. Isso é pura bobagem. O que está reduzindo o investimento (tanto nos Estados Unidos como na Europa) é a ausência de demanda, não os impostos elevados. Na verdade, como a maior parte dos investimentos é financiada por dívidas, e como o pagamentos de juros é dedutível dos impostos, o nível de tributação das empresas tem pouco efeito na decisão de investir.
Da mesma forma, a Itália está sendo encorajada a acelerar a privatização. Mas o primeiro ministro Matteo Renzi tem o bom senso de reconhecer que vender empresas a preço de banana faz pouco sentido. Também as decisões do setor privado deveriam ser influenciadas por donsiderações de longo prazo, não por exigências financeiras de curto prazo. A decisão deveria ser baseada em onde essas atividades são realizadas de forma mais eficiente, servindo aos interesses da maioria dos cidadãos da melhor forma possível.
A privatização dos sistemas de Previdência, por exemplo, já provou ser dispendiosa naqueles países que a experimentaram. O sistema de saúde quase inteiramente privado norte-americano é o menos eficiente do mundo. Existem questões difíceis, mas é fácil demonstrar que vender empresas estatais por preços baixos não é uma boa forma de aumentar a força financeira a longo prazo.
Todo o sofrimento na Europa – infligido a serviço do euro – é ainda mais trágico por ser desnecessário. Apesar das evidências de que as medidas de austeridade não funcionam continuarem se acumulando, a Alemanha e outros falcões dobraram a aposta, apostando o futuro da Europa em uma teoria há muito desacreditada. Por que fornecer aos economistas mais fatos para provar isso?

Você sabia que na América Latina...


por Serge Halimi - no Le Monde Diplomatique


Em tempos de crise, a reeleição em primeiro turno de um chefe de Estado que já cumpriu dois mandatos não é algo assim tão comum. A de Evo Morales, com 61% dos votos, merece então ser destacada. Ainda mais pelo fato de que sua explosão eleitoral intervém num país, a Bolívia, que viu cinco presidentes se sucederem entre 2001 e 2005. E de Morales coroar uma queda na pobreza de 25%, um aumento real do salário mínimo de 87%, a redução da idade de aposentadoria e um crescimento superior a 5% ao ano, tudo isso desde 2006. Como é importante, dizem, reencantar a política, por que não divulgar melhor essas boas notícias? Seria porque elas têm reformas progressistas como explicação e regimes de esquerda como agentes?
Discretos sobre o sucesso dos governos latino-americanos de esquerda, os grandes meios de comunicação o são igualmente quanto... aos fracassos dos poderes conservadores... Aí incluídos os assuntos de segurança. Este ano, por exemplo, cinco jornalistas foram assassinados no México, dos quais um no último mês, ao vivo, em uma gravação de rádio. Atilano Roman Tirado reivindicava com frequência nas ondas hertzianas que oitocentas famílias desapropriadas em razão da construção de uma barragem fossem indenizadas. Uma combatividade fatal em que sequestros, torturas e assassinatos se tornaram moeda corrente, em particular para quem questiona uma ordem social carunchosa e mafiosa.
Em 26 e 27 de setembro, 43 estudantes da cidade de Iguala, no estado de Guerrero, a 130 quilômetros da Cidade do México, protestavam contra reformas na educação de inspiração neoliberal prometidas pelo presidente Enrique Peña Nieto. Quando se deslocavam de ônibus, foram interceptados pela polícia local e levados para um destino desconhecido. Em seguida, foram aparentemente entregues a um cartel da droga, encarregado de executá-los e esconder seus restos em fossas clandestinas. Não paramos de descobrir túmulos desse tipo nestas últimas semanas, por vezes plenos de corpos desmembrados ou queimados. Procurados pela justiça, o prefeito e o chefe da segurança pública de Iguala fugiram.
Depois de abrir o setor energético para as transnacionais, Peña Nieto é bajulado pela imprensa empresarial.1 A França lhe concedeu a grã-cruz da Legião de Honra. Ele será algum dia inquirido por seus admiradores sobre a quase impunidade de que se beneficiam em seu país as forças de polícia e os eleitos corruptos? Contudo, os grandes jornais ocidentais, os intelectuais midiáticos, Washington, Madri e Paris talvez não saibam quais perguntas fazer ao presidente mexicano. Que eles imaginem então aquelas que teriam espontaneamente brotado de seu cérebro se o massacre dos estudantes tivesse acontecido no Equador, em Cuba ou na Venezuela. Ou na Bolívia, a respeito da qual se cochicha sobre o fato de ter acabado de reeleger o presidente Morales.

Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).

Ilustração: Gabriel K

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Lula à CUT: “é política na cabeça”

lulacut

por José Gilbert Arruda Martins (Professor)

A "grande" mídia não quer nem saber de Política. Esse comportamento da imprensa é parte do projeto de criar apenas consumidores dos produtos das megaempresas daqui e de fora.

Fazer política é para partidos e políticos profissionais. Não precisamos nos preocupar. Vamos continuar nossas vidinhas, trabalhar, consumir...deixa a política para os políticos.

O cidadão que defende esse tipo de proposta não sabe, mas está fazendo política, a pior política.

Bertolt Brecht já dizia: "O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais."

A política já está no seu dia a dia mas, coloque mais política na sua vida. Não deixe as elites fazerem por você. Elas não desejam isso, não esqueça, são rentistas, querem mais, muito mais, e, se você permitir, guiaram sua vida, a de sua família, da sua cidade, do seu país.

A escola, mesmo a pública, reproduz o discurso do mercado; quando se fala em política ouve-se logo "isso é coisa de esquerdista", as barreiras ocultas são logo postas para dificultar as ações daqueles que acreditam que a política precisa ser encarada como algo do nosso cotidiano.

Vamos levar a política para dentro das escolas. Nossos jovens precisam conhecer como participar, como fazer as coisas funcionarem para eles e para sua comunidade.
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Lula à CUT: “é política na cabeça”

Autor: Fernando Brito - no Tijolaço


“Está faltando política em nossa ação sindical. O economicismo só não é suficiente”.
A frase, que abre a cobertura da própria CUT sobre a presença de Lula na manhã de hoje na reunião da Executiva Nacional da Central, em São Paulo – que a grande imprensa não cobriu, embora noticie até chá com bolinhos de Fernando Henrique Cardoso – é ao mesmo tempo um apelo e uma (auto)crítica ao comportamento dos petistas da entidade (e não só eles) como serviria como uma luva para os que estão no governo.
 “O movimento sindical tem de sair do chão de fábrica, do chão das lojas, do chão dos locais de trabalho, pois o limite de representatividade passa do chão”, disse.
Como poderia dizer:
“Os dirigentes públicos precisam sair dos gabinetes, das reuniões repetitivas e das solenidades, pois o exercício do governo vai além das coberturas e salões e passa pelo chão”.”
Lula reclamou do discurso antipolítica que domina a mídia.
“Hoje me espanto quando vou na porta de fábrica e vejo muito jovem que quer fazer faculdade, não quer ser mais apenas um peão. Esse jovem sabe qual foi o papel do pai e da mãe dele? Ele sabe qual foi e qual é o papel da CUT?”, questionou, ao lembrar que a construção das condições políticas e econômicas de vida custou muito sacrifício.
Mas quem é que disse isso a ele, presidente? Se o partido no Governo e o governo do Partido dos Trabalhadores não dizem e se limitam a registrar a ascensão da nova  classe média como resultado de políticas públicas “republicanas” e de uma “eficiência do governo”, não como o resultado de lutas sociais históricas, do enfrentamento de privilégios e de uma trajetória das lutas socais que não pode ser interrompida, quem iria dizer isso aos jovens?
“Outro dia ouvi um amigo me dizer que o filho dele se formou em Jornalismo com a ajuda do Pro-Uni, mas que não vota no PT e é contra o Bolsa Família”, disse Lula.
Pois é, presidente, este é o resultado da despolitização. O guri, de tanto ouvir que isso é um direito dele – e é, embora tenha sido sempre negado – e não é dos outros, também, porque ele conquistou o Pro-Uni com sua nota no Enem, não o governo popular que financia seus estudos.
Outra fala interessante do ex-presidente foi a em que disse que governar é mais complexo que colocar uma placa num canteiro de obras onde uma placa dizendo às pessoas:  “Desculpe, governo trabalhando”.
Esta, Lula, é a versão do sindicalismo economicista que o senhor pede para que a CUT não praticar, exclusivamente.
Eu vivi dois governos com Brizola. No primeiro, mal sabíamos como lidar com a máquina, mas marcamos nossa opção política e só não elegemos Darcy porque nem Cristo resitiria ao golpe do Cruzado. Mas em 89, a votação de Brizola aqui não deixa dúvidas, não é? Do segundo, muito mais eficiente em matéria de administração e obras, saímos estropiados, porque perdemos a mensagem política.
“Qual a mensagem? Qual a ideia-força para motivar e entusiasmar as pessoas?”, perguntou Lula aos sindicalistas.
Eu me atreveria a responder que são “povo” e “Brasil”, que somados dão “justiça”.
A “turma da bufunfa”, em relação a estas palavras, só fala mal.
A mídia, idem.
E o governo, que fala bem, só fala com a turma da bufunfa e seus caudatários na classe média, que não estão nem aí para “povo” e Brasil.
Ou então, através de “institucionais” que – para serem republicanos com luvas de pelica e rendas – não emocionam, não conceituam, não mobilizam.
Por que precisamos esperar até as eleições para ver que pessoas se beneficiaram do Pronatec, ou do Bolsa-Família, ou das cisternas no sertão, ou dos mais médicos, ou de tanta coisa?
Por que seu partido, vítima preferencial do descrédito dos políticos, não se dedicou a mostrar que são os tucanos, pelas mãos de Gilmar Mendes, que barram o fim desta ignomínia de financiamento empresarial dos políticos nas eleições, que acaba levando muita gente aos Paulo Roberto Costa para ter chance de eleger-se?
Dilma, se for sábia, saberá que não pode governar sem política, embora tenha de governar sem partidarismos e com acordos.
Jamais, porém, sem a origem que tem: a de continuidade do projeto inaugurado por Lula.
O PT, se quiser sobreviver, deveria saber que tem de fazer política sem governo, embora deva estar dentro e solidário ao governo que, sob sua legenda, triunfou nas urnas.
Até porque o PT tem um líder político que não precisa estar no governo todo dia para estar, no cotidiano, com os pés bem plantados no chão.